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Validade e confiabilidade do EUROHIS-QOL 8-item para avaliar a qualidade de vida em adultos brasileiros

Validity and reliability of the 8-item EUROHIS-QOL to assess Brazilian adults’ quality of life

Validez y confiabilidad de EUROHIS-QOL-8-ítem para evaluar la calidad de vida en adultos brasileños

Resumos

O estudo avaliou as propriedades psicométricas da escala EUROHIS-QOL 8-item em adultos brasileiros. O EUROHIS-QOL 8-item é uma medida de qualidade de vida desenvolvida a partir dos instrumentos genéricos WHOQOL-100 e WHOQOL-BREF. A partir dos dados de uma coorte prospectiva com 1.100 adultos participantes da linha de base em 2006 e 2007, foram realizadas análise fatorial exploratória, consistência interna, confiabilidade e validade discriminante por meio da análise multitraço-multimétodo, com o cálculo das variâncias médias extraídas (AVE). A análise fatorial confirmatória foi conduzida com 573 desses participantes nos anos de 2013 a 2018. Foram testadas soluções com um e com dois fatores nomeados capacidade funcional e condições socioeconômicas. Ambas as soluções apresentaram boa consistência interna e confiabilidade. A correlação entre os itens foi de 0,535 e as AVE foram 0,397 para solução com um fator, e 0,528 e 0,341 para os fatores um e dois, respectivamente, indicando boa validade discriminante na solução bifatorial. Os dois fatores tiveram autovalores maiores que um e cargas fatoriais variando de 0,398 a 0,915. O ajustamento da solução unifatorial foi: χ2 = 186 (g.l. = 18), p < 0,001, RMSEA = 0,128 (IC90%: 0,111-0,145), CFI = 0,960, TLI = 0,938 e SMRM = 0,042; enquanto na bifatorial era: χ2 = 135 (g.l. = 17), p < 0,001, RMSEA = 0,110 (IC90%: 0,093-0,128), CFI = 0,972, TLI = 0,954 e SMRM = 0,035. De modo geral, os resultados fornecem evidências razoáveis da validade de construto e confiabilidade do EUROHIS-QOL 8-item. Instrumentos com menor número de itens, como é o caso, proporcionam maior praticidade e são ideais para utilização em estudos de base populacional com uso de amostras extensas.

Palavras-chave:
Psicometria; Qualidade de Vida; Análise Fatorial


The study evaluated the psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item scale in Brazilian adults. The EUROHIS-QOL is a measurement of quality of life developed based on the generic instruments of WHOQOL-100 and WHOQOL-BREF. Based on data from a prospective cohort of 1,100 adults, participants in the baseline in 2006 and 2007, exploratory factor analysis, internal consistency, reliability, and discriminant validity were performed via multitrait-multimethod analysis, with the calculation of the average variance extracted (AVE). Confirmatory factor analysis was conducted with 573 of these participants in 2013 to 2018. Solutions were tested with one and with two factors named functional capacity and socioeconomic conditions. Both solutions presented good internal consistency and reliability. The correlation between the items was 0.535, and the AVE was 0.397 for solution with one factor, and 0.528 and 0.341 for factors one and two, respectively, indicating good discriminant validity in the bifactorial solution. Both factors had eigenvalues greater than one and factor loadings ranging from 0.398 to 0.915. The adjustment of the unifactorial solution presented: χ2 = 186 (g.l. = 18), p < 0.001, RMSEA = 0.128 (90%CI: 0.111-0.145), CFI = 0.960, TLI = 0.938, and SMRM = 0.042; while in the bifactorial presented: χ2 = 135 (g.l. = 17), p < 0.001, RMSEA = 0.110 (90%CI: 0.093-0.128), CFI = 0.972, TLI = 0.954, and SMRM = 0.035. Overall, the results provide reasonable evidence for the construct validity and reliability of the EUROHIS-QOL 8-item. Instruments with fewer items, as in our case, provide greater practicality and are ideal for use in population-based studies with extensive samples.

Keywords:
Psychometrics; Quality of Life; Statistical Factorial Analysis


El estudio evaluó las propiedades psicométricas de la escala EUROHIS-QOL 8-ítems (Europe Health Interview Surveys Quality of Life Abbreviated Instrument) en adultos brasileños. El índice de 8 ítems EUROHIS-QOL es una medida de calidad de vida desarrollada con base en los instrumentos genéricos WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life Instrument) y WHOQOL-BREF (World Health Organization Quality of Life Abbreviated Instrument). Con base en los datos de una cohorte prospectiva de 1.100 adultos que participaron en la línea de base en 2006 y 2007, se realizaron los análisis factorial exploratorio, de consistencia interna, de confiabilidad y de validez discriminante mediante un análisis multirrasgo-multimétodo, con el cálculo de la varianza media extraída (AVE). Se realizó un análisis factorial confirmatorio con 573 de estos participantes de 2013 hasta 2018. Se probaron soluciones de uno y dos factores denominados capacidad funcional y condiciones socioeconómicas. Ambas soluciones presentaron buena consistencia interna y confiabilidad. La correlación entre los ítems fue de 0,535 y las AVE fueron de 0,397 para la solución de un factor y de 0,528 y 0,341 para los factores uno y dos, respectivamente, lo que indica una buena validez discriminante en la solución bifactorial. Los dos factores tuvieron autovalores mayores a uno y cargas factoriales que oscilaron entre 0,398 y 0,915. El ajuste de la solución unifactorial fue: χ2 = 186 (g.l. = 18), p < 0,001, RMSEA = 0,128 (IC90%: 0,111-0,145), CFI = 0,960, TLI = 0,938 y SMRM = 0,042; mientras que en la bifactorial fue: χ2 = 135 (g.l. = 17), p < 0,001, RMSEA = 0,110 (IC90%: 0,093-0,128), CFI = 0,972, TLI = 0,954 e SMRM = 0,035. En general, los resultados proporcionan evidencias razonables de la validez de constructo y confiabilidad del EUROHIS-QOL 8-ítems. Los instrumentos con menor número de ítems, como es el caso, proporcionan mayor practicidad y son ideales para su uso en estudios de base poblacional con muestras amplias.

Palabras-clave:
Psicometría; Calidad de Vida; Análisis Factorial


Introdução

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida pode ser definida como “a percepção de um indivíduo sobre sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações11. Division of Mental Health and Prevention of Substance Abuse, World Health Organization. WHOQOL: user manual. Geneva: World Health Organization; 1998. (WHO/HIS/HSI Rev. 2012.03). (p. 3). Já o Ministério da Saúde a define como o estado de satisfação das necessidades básicas dos seres humanos, como a alimentação, a educação, a habitação, o acesso à água potável, entre outros 22. Ministério da Saúde. Glossário temático: promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Por ser um conceito polissêmico, sua mensuração deve levar em consideração a multidimensionalidade do construto 33. Guyatt GH, Feeny DH, Patrick DL. Measuring health-related quality of life. Ann Intern Med 1993; 118:622-9.,44. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciênc Saúde Colet 2000; 5:7-18.,55. Sosnowski R, Kulpa M, Ziętalewicz U, Wolski JK, Nowakowski R, Bakuła R, et al. Basic issues concerning health-related quality of life. Cent European J Urol 2017; 70:206-11..

Nesse sentido, em 1995, a OMS propôs o WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life Instrument), o qual adota uma visão abrangente da qualidade de vida em múltiplos domínios, como o físico, ambiental, psicológico e social, possibilitando uma compreensão ampla do que se entende por satisfação, conforto e bem-estar das populações em seus diversos contextos 66. WHOQOL Group. Development of the WHOQOL: rationale and current status. Int J Ment Health 1994; 23:24-56.,77. Schmidt S, Mühlan H, Power M. The EUROHIS-QOL 8-item index: psychometric results of a cross-cultural field study. Eur J Public Health 2006; 16:420-8.,88. Simon JG, De Boer JB, Joung IM, Bosma H, Mackenbach JP. How is your health in general? A qualitative study on self-assessed health. Eur J Public Health 2005; 15:200-8.,99. Fleck MPA. Problemas conceituais em qualidade de vida. In: Fleck MPA, organizador. A avaliação de qualidade de vida: guia para profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 19-28.,1010. Pires AC, Fleck MP, Power M, Rocha NS. Psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item index (WHOQOL-8) in a Brazilian sample. Braz J Psychiatry 2018; 40:249-55.. A amplitude e abrangência se tornam as principais limitações desse instrumento. O WHOQOL-100 é composto por 100 itens divididos em seis domínios e 24 facetas. A necessidade de instrumentos de aplicação mais rápida determinou que uma versão abreviada do WHOQOL-100 fosse desenvolvida. O WHOQOL-BREF (World Health Organization Quality of Life Abbreviated Instrument) inclui 26 questões (duas questões gerais e 24 facetas) divididas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Buscando simplificar ainda mais, o grupo WHOQOL-100 desenvolveu o EUROHIS-QOL 8-item (Europe Health Interview Surveys Quality of Life Abbreviated Instrument), originado dos itens do WHOQOL-BREF. EUROHIS-QOL 8-item é uma medida de qualidade de vida mais reduzida, mas também baseada em questões (domínios) propostas pelos instrumentos mais extensos supracitados 77. Schmidt S, Mühlan H, Power M. The EUROHIS-QOL 8-item index: psychometric results of a cross-cultural field study. Eur J Public Health 2006; 16:420-8.,1010. Pires AC, Fleck MP, Power M, Rocha NS. Psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item index (WHOQOL-8) in a Brazilian sample. Braz J Psychiatry 2018; 40:249-55.,1111. Rocha NS, Power MJ, Bushnell DM, Fleck MP. The EUROHIS-QOL 8-item index: comparative psychometric properties to its parent WHOQOL-BREF. Value Health 2012; 15:449-57.. Na construção dessa medida, foram usadas apenas amostras europeias, originadas em países como França, Alemanha, Irlanda, Lituânia, Letônia, Croácia, Romênia, Eslováquia, República Checa e Israel, para a sua validação 77. Schmidt S, Mühlan H, Power M. The EUROHIS-QOL 8-item index: psychometric results of a cross-cultural field study. Eur J Public Health 2006; 16:420-8.. Nesse contexto, a medida mostrou boa consistência interna entre os países, aceitável validade convergente com medidas de saúde física e mental, além de uma boa discriminação entre os indivíduos saudáveis e aqueles com problemas crônicos de saúde.

A validação de construto para o Brasil foi realizada por Pires et al. 1010. Pires AC, Fleck MP, Power M, Rocha NS. Psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item index (WHOQOL-8) in a Brazilian sample. Braz J Psychiatry 2018; 40:249-55., utilizando-se o estimador de máxima verossimilhança em amostras de pacientes hospitalizados e de pessoas da comunidade. O estudo testou e confirmou a existência de um construto único para os oito itens e relatou cargas fatoriais variando entre 0,34 e 0,75, com índices de ajustamento aceitáveis à custa da inclusão de cinco covariâncias entre os resíduos de seis itens. O objetivo do artigo, portanto, é avaliar as propriedades psicométricas e testar a unidimensionalidade do EUROHIS-QOL 8-item em uma amostra de adultos brasileiros.

Métodos

A evidência de validação do EUROHIS-QOL 8-item foi realizada como parte de projeto maior com delineamento de coorte prospectiva. Dados da linha de base foram obtidos a partir de um estudo transversal ocorrido em 2006 e 2007, em que foram entrevistadas 1.100 pessoas de 18 anos ou mais, residentes em 38 setores censitários da zona urbana de um município de médio porte do Sul do Brasil. Tais participantes foram entrevistados novamente em 2013 a 2018. A análise exploratória foi realizada a partir do primeiro estudo e a análise confirmatória com os participantes foi feita a partir do segundo.

O EUROHIS-QOL 8-item é uma medida de qualidade de vida composta por oito itens, desenvolvida a partir dos instrumentos genéricos WHOQOL-100 e WHOQOL-BREF. Do ponto de vista conceitual, cada um dos domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) é representado por dois itens. O instrumento é, portanto, composto por duas questões gerais, pertencentes à faceta qualidade de vida global e percepção geral da saúde, duas questões do domínio físico (energia e fadiga e atividades da vida diária), uma questão do domínio psicológico (autoestima), uma questão do domínio relações sociais (relações pessoais) e duas questões do domínio meio ambiente (recursos financeiros e moradia) 1212. Power M. Development of a common instrument for quality of life. In: Nosikov A, Gudex C, editors. EUROHIS: developing common instruments for health surveys. Amsterdã: IOS Press; 2003. p. 145-64.. As respostas refletem o nível de satisfação com esses domínios por meio de uma escala Likert de cinco pontos, variando de 1 (muito insatisfeito) a 5 (muito satisfeito). De modo a tornar os escores comparáveis e para melhor descrever os níveis desses construtos na população estudada e nos períodos estudados, o somatório dos escores EUROHIS-QOL 8-item foi padronizado de 0 a 100 pela fórmula ENT#091;(valor observado - valor mínimo)/(valor máximo - valor mínimo) x 100ENT#093;, com maiores valores representando maior qualidade de vida.

A análise dos dados foi realizada no programa Mplus, versão 8.4 (https://www.statmodel.com/). A consistência interna e a confiabilidade do EUROHIS-QOL 8-item foram avaliadas pelo alfa (α) de Cronbach e pelo coeficiente ômega (ω) 1313. DeVellis RF. Reliability. In: DeVellis RF, editor. Scale development theory and applications. 4th Ed. Los Angeles: Sage Publications; 2017. p. 49-85., o qual expressa a proporção da variância total que pode ser atribuída ao escore verdadeiro. Foram considerados aceitáveis valores iguais ou superiores a 0,6 para cada uma dessas métricas. A validade discriminante foi testada por meio da análise multitraço-multimétodo (MTMM) com o cálculo das variâncias médias extraídas (AVE). A validade discriminante é atestada quando os valores das AVE de ambos os fatores são maiores do que o quadrado da correlação entre os fatores 1414. Fornell C, Larcker DF. Evaluating structural equation models with unobservable variables and measurement error. J Mark Res 1981; 18:39-50.. As análises fatoriais foram realizadas utilizando-se o estimador WLSMV (quadrados mínimos ponderados robustos) e o link probit. Uma vez que a escala é composta por apenas oito itens, as soluções com três ou mais fatores não são recomendadas, pois impossibilitam o requisito mínimo de três itens para compor um fator. Portanto, como critério para extração de um ou dois fatores, optamos pela retenção de autovalores maiores ou iguais a um, prevalecendo o sentido teórico dos fatores. Para as cargas fatoriais, foram aceitos valores iguais ou superiores a 0,4 para que o item fosse considerado como pertencente ao construto. Para melhor interpretação dos dados, tais análises foram seguidas de rotação oblíqua geomin. Essas análises, incluindo a fatorial exploratória (AFE), foram realizadas com os dados da linha de base (2006 a 2007. A análise fatorial confirmatória (AFC) foi conduzida nos participantes do estudo em 2013 a 2018. Para avaliação do ajuste dos modelos exploratório e confirmatório, foram utilizados χ2, índice de ajuste comparativo (CFI), índice de Tucker-Lewis (TLI), aproximação do erro quadrático médio (RMSEA) e residual de raiz média quadrada padronizada (SRMR). O teste de χ2 verifica se a matriz de covariância predita se ajusta à matriz de covariância amostral. Para um ajuste aceitável, o valor do χ2 deve aceitar a hipótese nula (valor de p não significativo > 0,05). O CFI e o TLI calculam o ajuste relativo do modelo observado ao compará-lo com um modelo de base, cujos valores superiores a 0,90 indicam ajuste adequado. Por sua vez, o RMSEA demonstra quão bem o modelo fatorial reproduz a matriz de covariância amostral, sendo considerado uma medida de bom ajuste RMSEA ≤ 0,06. O SRMR representa a média das discrepâncias entre a matriz observada e modelada, com valores aceitáveis ≤ 0,08 1515. Hu LT, Bentler PM. Cut-off criteria for fit indices in covariance structure analysis: conventional criteria versus new alternatives. Struct Equ Modeling 1999; 6:1-55..

Os protocolos de pesquisa de ambos os projetos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS; CEP 04/034 e CEP 075/2010). O sigilo total foi assegurado e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles que aceitaram participar do estudo assinaram duas vias do TCLE, ficando com uma cópia. Após o término do preenchimento, o questionário era depositado em uma urna lacrada.

Resultados

Como mostra a Tabela 1, observou-se um declínio para a qualidade de vida ao longo do tempo, com média do escore 0 a 100 igual a 61 (IC95%: 59,1-62,8) em 2007 e 55,8 (IC95%: 54,3-57,2) em 2017. A maioria dos adultos entrevistados era do sexo feminino (75,7%), com cor da pele branca (83,4%) e sem companheiros (60%). Muitos declararam ser das classes econômicas A e B (Tabela 1). A idade média dos adultos variou, entre as ondas, de 46,5 para 54 anos.

Tabela 1
Distribuição das variáveis demográficas, socioeconômicas e comportamentais de nível individual em adultos do Sul do Brasil.

A solução unifatorial apresentou α de Cronbach de 0,782 e coeficiente ω de 0,835. Na solução com dois fatores, esses valores foram 0,782 e 0,816 para o primeiro fator e 0,582 e 0,670 para segundo fator.

Na AFE, a solução com dois fatores apresentou melhor ajustamento que a solução unifatorial em todos os indicadores adotados (Tabela 2). O fator 1 incluiu as questões: satisfação com a saúde, com a habilidade para desempenhar suas atividades diárias, consigo mesmo e se o indivíduo tinha energia suficiente para enfrentar seu dia a dia. Desse modo, esse fator foi denominado “satisfação com a capacidade funcional”. O segundo fator carregou itens que expressavam a satisfação com os relacionamentos pessoais, com as condições de moradia, com a qualidade de vida e com a quantidade de dinheiro para satisfazer as necessidades pessoais. Esse fator foi denominado “satisfação com as condições socioeconômicas”. As soluções com um e com dois fatores apresentaram o indicador RMSEA com valores 0,122 e 0,098, respectivamente, e CFI, TLI e SRMR adequados (Tabela 2). As cargas fatoriais foram todas acima de 0,3 (Tabela 2). Os valores das AVE de ambos os fatores foi maior do que o quadrado da correlação entre os fatores, o que sugere validade discriminante (Tabela 2).

Tabela 2
Análise fatorial exploratória (AFE), rotação oblíqua geomin para o EUROHIS-QOL 8-item, na amostra de 2006 a 2007 (N = 1.100).

De modo a melhorar o ajustamento, e de acordo com a plausibilidade teórica, foi utilizado o comando modindices, o qual sugeriu para a AFC a inclusão de covariâncias entre os itens “satisfação com a saúde” e “satisfação com a habilidade para desempenhar suas atividades diárias” e entre os itens “satisfação com condições de moradia” e “satisfação com a quantidade de dinheiro para satisfazer as necessidades pessoais”. Desse modo, nas análises fatoriais confirmatórias com apenas um fator, foram apresentados os seguintes valores para o ajustamento: χ2 = 186 (g.l. = 18), p < 0,001, RMSEA = 0,128 (IC90%: 0,111-0,145), CFI = 0,960, TLI = 0,938 e SMRM = 0,042 (Figura 1). Já o ajustamento da solução bifatorial mostrou melhores indicadores, embora com qui-quadrado significativo e RMSEA ainda acima do limite: χ2 = 135 (g.l. = 17), p < 0,001, RMSEA = 0,110 (IC90%: 0,093-0,128), CFI = 0,972, TLI = 0,954 e SMRM = 0,035 (Figura 2).

Figura 1
Análise fatorial confirmatória (AFC) para solução unifatorial de EUROHIS-QOL 8-item em adultos brasileiros, 2013 a 2018 (N = 573).

Figura 2
Análise fatorial confirmatória (AFC) para solução de dois fatores EUROHIS-QOL 8-item em adultos brasileiros, 2013 a 2018 (N = 573).

O item “satisfação com os relacionamentos pessoais” foi o único que obteve carga fatorial abaixo de 0,4 e ficaria isolado em uma solução com três fatores na AFE. Em termos teóricos, considera-se que o item não se relaciona diretamente com a satisfação quanto às condições socioeconômicas (fator 2). Nesse sentido, foi realizada uma AFE secundária do EUROHIS-QOL 8-item excluindo esse item, o que resultou em bons indicadores de ajustamento (χ2 < 0,001, RMSEA = 0,038 ENT#091;IC90%: 0,018-0,059ENT#093;, CFI = 0,997, TLI = 0,993, SRMR = 0,019) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise fatorial exploratória (AFE) com sete itens, rotação oblíqua geomin para o EUROHIS-QOL 8-item, na amostra de 2006 a 2007 (N = 1.100).

Discussão

Este estudo buscou avaliar a estrutura fatorial do instrumento EUROHIS-QOL 8-item, analisando evidências de validade de construto em uma amostra populacional de adultos. As análises exploratórias e confirmatórias da escala para ambas as soluções fatoriais resultaram em valores de ajustamento compatíveis com o estudo original de validação 77. Schmidt S, Mühlan H, Power M. The EUROHIS-QOL 8-item index: psychometric results of a cross-cultural field study. Eur J Public Health 2006; 16:420-8., mas piores do que os encontrados com populações clínicas e não clínicas no Brasil 1010. Pires AC, Fleck MP, Power M, Rocha NS. Psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item index (WHOQOL-8) in a Brazilian sample. Braz J Psychiatry 2018; 40:249-55.,1111. Rocha NS, Power MJ, Bushnell DM, Fleck MP. The EUROHIS-QOL 8-item index: comparative psychometric properties to its parent WHOQOL-BREF. Value Health 2012; 15:449-57.. Os achados deste estudo indicam que a solução bifatorial (capacidade funcional e condições socioeconômicas) apresentam melhores indicadores de ajuste, inclusive necessitando menor número de correlações entre os itens em comparação aos estudos anteriores 1010. Pires AC, Fleck MP, Power M, Rocha NS. Psychometric properties of the EUROHIS-QOL 8-item index (WHOQOL-8) in a Brazilian sample. Braz J Psychiatry 2018; 40:249-55.,1111. Rocha NS, Power MJ, Bushnell DM, Fleck MP. The EUROHIS-QOL 8-item index: comparative psychometric properties to its parent WHOQOL-BREF. Value Health 2012; 15:449-57..

A solução bifatorial é teoricamente plausível, uma vez que a qualidade de vida se liga tanto à avaliação subjetiva da sua capacidade funcional em termos físicos e psicológicos como à percepção quanto às condições socioeconômicas e ambientais 1616. Fleck MPA. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2000; 5:33-8.. Além disso, o WHOQOL-BREF, que originou a EUROHIS-QOL 8-item, é composto por quatro subescalas 1717. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira GM, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Rev Saúde Pública 2000; 34:178-83., o que de certa forma poderia dificultar a unidimensionalidade da escala. Particularmente, um dos estudos com amostras de pacientes da atenção primária com e sem diagnóstico de depressão de seis países (Israel, Espanha, Austrália, Estados Unidos, Rússia e Brasil) descreveu limitações na validade fatorial e unidimensionalidade da EUROHIS-QOL 8-item 1111. Rocha NS, Power MJ, Bushnell DM, Fleck MP. The EUROHIS-QOL 8-item index: comparative psychometric properties to its parent WHOQOL-BREF. Value Health 2012; 15:449-57.. Ao empregar o método Rasch, os autores encontraram excelente performance unidimensional somente ao retirar as facetas “Quão satisfeito você está com seus relacionamentos pessoais?”, “Quão satisfeito você está com as condições de sua moradia?” e “Como você se sente quanto à quantidade de dinheiro para satisfazer suas necessidades?”. Em outro estudo com 185 pacientes neurocirúrgicos italianos, a estrutura unifatorial do EUROHIS-QOL 8-item foi parcialmente confirmada, sendo que os itens “satisfação com a quantidade de dinheiro para satisfazer suas necessidades” e “satisfação com condições de moradia” mostraram baixas cargas fatoriais 1818. Schiavolin S, Quintas R, Ferroli P, Acerbi F, Brock S, Cusin A, et al. Quality of life measures in Italian neurosurgical patients: validity of the EUROHIS-QOL 8-item index. Qual Life Res 2015; 24:441-4.. Desse modo, nossos resultados parecem evidenciar um comportamento distinto dos itens do instrumento para a população de adultos brasileiros em geral, sendo plausível considerar o emprego da solução bifatorial, que demonstrou boa validade discriminante. Em linha com essa argumentação, um estudo com 1.008 neozelandeses que receberam próteses articulares demonstrou evidências de validade que apoiavam tanto a unidimensionalidade como a multidimensionalidade da EUROHIS-QOL 8-item. Nesse caso, o modelo bifatorial contemplava os fatores “saúde geral e funcionalidade” e “aspectos psicossociais” 1919. Snell DL, Siegert RJ, Surgenor LJ, Dunn JA, Hooper GJ. Evaluating quality of life outcomes following joint replacement: psychometric evaluation of a short form of the WHOQOL-BREF. Qual Life Res 2016; 25:51-61..

Em nosso estudo, a exclusão do item relativo aos relacionamentos interpessoais foi testada em análises secundárias. É possível que esse único item represente um construto diferente da dimensão das relações sociais e sua contribuição para a qualidade de vida de indivíduos “saudáveis” não seja grande em um instrumento breve como o EUROHIS-QOL 8-item 1616. Fleck MPA. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2000; 5:33-8.. A solução bifatorial da EUROHIS-QOL 8-item com sete itens foi a única que demonstrou indicadores de ajustamento aceitáveis, sendo, portanto, questionável a manutenção do item. Porém, sua exclusão dificulta a comparabilidade dos achados entre diferentes estudos com populações distintas.

A consistência interna e a confiabilidade da escala foram satisfatórias para ambas as soluções fatoriais, o que dá indícios de validade da medida. Apenas o valor de α de Cronbach para o fator 2 (condições socioeconômicas) ficou no limite do aceitável, o que provavelmente se deve ao menor número de itens nesse fator 2020. Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saúde 2017; 26:649-59.. Porém, os valores de ω, medida considerada mais acurada numericamente 1313. DeVellis RF. Reliability. In: DeVellis RF, editor. Scale development theory and applications. 4th Ed. Los Angeles: Sage Publications; 2017. p. 49-85., foram adequados tanto para a solução unifatorial como para a bifatorial.

Com relação aos indicadores de ajustamento, o valor de χ2 apresentou um resultado significativo em ambas as soluções fatoriais. Tem sido argumentado que o χ2 não é um bom indicador para avaliar ajustamento nos modelos de equações estruturais por ser muito sensível ao tamanho da amostra e, portanto, mais sujeito a erros do tipo I 1313. DeVellis RF. Reliability. In: DeVellis RF, editor. Scale development theory and applications. 4th Ed. Los Angeles: Sage Publications; 2017. p. 49-85.,2121. Heene M, Hilbert S, Draxler C, Ziegler M, Bühner M. Masking misfit in confirmatory factor analysis by increasing unique variances: a cautionary note on the usefulness of cutoff values of fit indices. Psychol Methods 2011; 16:319-36.. Apesar disso, o valor absoluto do χ2 apresentou uma redução bastante expressiva, indicando a melhoria do modelo na solução com dois fatores. O indicador RMSEA apresentou pobre ajustamento tanto na AFE (0,12) como AFC (0,09). Resultados com RMSEA maiores que 0,9, na AFC com solução unifatorial foram relatados em sete dos 11 países participantes do estudo multicêntrico de validação da escala original 77. Schmidt S, Mühlan H, Power M. The EUROHIS-QOL 8-item index: psychometric results of a cross-cultural field study. Eur J Public Health 2006; 16:420-8..

Até onde se sabe, este é o primeiro estudo que buscou levantar evidências de validade da EUROHIS-QOL 8-item com amostragem probabilística da população adulta no Brasil que testou versões unifatorial e bifatorial da escala. Futuros estudos com diferentes populações são recomendados a fim investigar a estabilidade da estrutura fatorial sugerida, bem como outras propriedades psicométricas da escala em amostras brasileiras.

De modo geral, em que pese o fraco ajustamento em determinados indicadores, considera-se que este estudo fornece evidências da validade de construto do EUROHIS-QOL 8-item e de sua confiabilidade. Versões curtas de escalas precisam ser rigorosamente testadas como as escalas originais 2222. Kruyen PM, Emons WHM, Sijtsma K. On the shortcomings of shortened tests: a literature review. International Journal of Testing 2013; 13:223-48., embora não avaliem o construto na mesma extensão que o instrumento completo, sendo que profissionais da saúde e pesquisadores devem avaliar as limitações de validade e cobertura dos domínios de acordo com suas necessidades específicas. Instrumentos com menor número de itens, como é o caso, proporcionam maior praticidade e são ideais para utilização em estudos de base populacional com uso de amostras extensas.

Agradecimentos

O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; processos nº 43132920168, nº 30725720134, nº 31032020186 e nº 31097820165) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS; processo nº 1121774).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2021
  • Revisado
    16 Set 2022
  • Aceito
    22 Set 2022
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