Resumos
Foi estudado o desempenho de 40 pré-escolares, com idade entre 5 e 7 anos, na realização de tarefas envolvendo a memória de instruções, em diferentes condições de uso de signos da cultura como mediadores auxiliares. Como método foram utilizadas tarefas propostas às crianças sob a forma de "jogo" que elas poderiam ganhar seguindo as instruções dadas. A aplicação foi individual, variando-se as tarefas, as instruções e a faixa etária. Foi feita uma análise de variância e a análise qualitativa baseou-se em anotações e vídeo-gravações. Os resultados mostraram que as crianças mais velhas usaram com maior eficiência os auxiliares externos como recurso mnemônico. O tipo de instrução gerou diferenças significativas nas respostas. O desempenho foi melhor, em todas as idades, na tarefa em que a criança podia contar com a ajuda do adulto, o que sugere a criação de uma zona de desenvolvimento proximal.
recursos mnemônicos; operações psicológicas; pré-escolares; signos
This study investigated the development of 40 pre-school children, aged from 5 to 7, performing tasks involving a process of memorizing instructions in three different conditions of using cultural signs.The method was based on tasks given to children in the form of games that they could win by following the instructions. The application was done individually, varying the tasks, the instructions and the age groups. An analysis of variance was done and the qualitative analysis was based on notes and videos. The results showed that the older children used the signs as mnemonic resources with greater efficacy than the younger ones. Significant differences were found between two instructions types. In the tasks where the adult made suggestions, all the age groups improved their performance. This suggested to us that a zone of proximal development was created.
mnemonic resources; psychological operations; pre-school children; signs
Operações com Signos em Crianças de 5 a 7 anos1
Maria Regina Maluf2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
e Universidade de São Paulo
Geisa Nunes de Souza Mozzer
Universidade Federal de Goiás
Resumo - Foi estudado o desempenho de 40 pré-escolares, com idade entre 5 e 7 anos, na realização de tarefas envolvendo a memória de instruções, em diferentes condições de uso de signos da cultura como mediadores auxiliares. Como método foram utilizadas tarefas propostas às crianças sob a forma de "jogo" que elas poderiam ganhar seguindo as instruções dadas. A aplicação foi individual, variando-se as tarefas, as instruções e a faixa etária. Foi feita uma análise de variância e a análise qualitativa baseou-se em anotações e vídeo-gravações. Os resultados mostraram que as crianças mais velhas usaram com maior eficiência os auxiliares externos como recurso mnemônico. O tipo de instrução gerou diferenças significativas nas respostas. O desempenho foi melhor, em todas as idades, na tarefa em que a criança podia contar com a ajuda do adulto, o que sugere a criação de uma zona de desenvolvimento proximal.
Palavras-chave: recursos mnemônicos; operações psicológicas; pré-escolares; signos.
Sign Operations in 5-7 Years old Children
Abstract - This study investigated the development of 40 pre-school children, aged from 5 to 7, performing tasks involving a process of memorizing instructions in three different conditions of using cultural signs.The method was based on tasks given to children in the form of games that they could win by following the instructions. The application was done individually, varying the tasks, the instructions and the age groups. An analysis of variance was done and the qualitative analysis was based on notes and videos. The results showed that the older children used the signs as mnemonic resources with greater efficacy than the younger ones. Significant differences were found between two instructions types. In the tasks where the adult made suggestions, all the age groups improved their performance. This suggested to us that a zone of proximal development was created.
Key Words: mnemonic resources; psychological operations; pre-school children; signs.
No tratamento que dá ao tema da memória, Vygotsky (1978) refere-se aos trabalhos de seus colaboradores a respeito das funções da fala na reorganização da percepção e na criação de novas relações entre as funções psicológicas. Segundo ele, as diferentes formas de utilização de signos pela criança podem ser estudadas através de manifestações concretas, como são a fala, a escrita, a leitura e a utilização do sistema numérico. Nessa perspectiva, torna-se útil estudar as mudanças que os signos introduzem nas funções psicológicas básicas e discutir a questão da memória, buscando melhor compreender a origem social dos signos e seu importante papel no desenvolvimento do indivíduo.
Numerosas pesquisas realizadas sobre processos de memória dão sustentação à hipótese sócio-histórica de que eles estariam apoiados na vida social real das pessoas, como ocorre com todas as demais funções psicológicas superiores. Sendo assim, dependem diretamente do conteúdo das ações específicas que as pessoas exercitam e nas quais se concretizam as suas vinculações com a realidade (Ratner, 1995).
Vygotsky (1978), em suas explanações sobre o que ele denominou origens sociais da memória mediada, referiu-se às diferentes pesquisas comparativas realizadas em seu tempo a respeito da memória humana, que permitiram identificar dois tipos de memória, pelo menos nos primeiros anos do desenvolvimento social da criança. O primeiro tipo, designado como memória natural, manifesta-se sob a forma de impressões não-mediatizadas dos objetos, ou seja, de retenção de experiências reais, como traços mnemônicos. Esse tipo de memória é próprio da criança nos seus primeiros anos e é dominante no comportamento de indivíduos iletrados, que parecem reter predominantemente as impressões próximas da percepção, sob influência direta dos estímulos externos. Outras manifestações de memória revestem-se de características diferentes e coexistem com a memória natural. São indicadores de sua presença os vários tipos de recursos mnemônicos, como sinais na madeira ou nós no lenço, ou os inícios da escrita, mostrando que desde os primeiros estágios de seu desenvolvimento histórico os humanos ultrapassaram os limites das funções dadas a eles pela natureza e organizaram seu comportamento sob formas culturalmente elaboradas, realizando assim operações com signos. Tais operações introduzem uma mudança na estrutura psicológica e são o produto de condições específicas do desenvolvimento social.
Na perspectiva vygotskiana, a utilização de marcas como ajudas mnemônicas faz com que a operação de memória vá além das dimensões biológicas do sistema nervoso humano, permitindo a incorporação dos estímulos artificiais e auto-gerados que são os signos. Diferentemente do que ocorre nas formas elementares do comportamento, as operações com signos requerem um vínculo intermediário entre o estímulo e a resposta. Esse estímulo de segunda ordem ou signo, em cuja criação o indivíduo precisa estar ativamente engajado, possui funções específicas e se caracteriza pela ação reversa, isto é, opera sobre o indivíduo e não somente sobre o meio. As operações com signo são básicas em todos os processos psicológicos superiores, conduzindo os humanos a uma estrutura específica de comportamento, que rompe com o desenvolvimento biológico criando novas formas de processos psicológicos baseados na cultura.
Como refere Deleau (1990), os psicólogos do desenvolvimento vêm se interessando, há mais de meio século, pelas transformações profundas que se manifestam entre as formas perceptivo-motoras da atividade do bebê e as condutas semióticas, verbais ou não-verbais, da criança pré-escolar. No início dos anos 30, Alexis N. Leontiev realizou uma série de investigações (Leontiev,1932) sobre o papel dos signos na atenção voluntária e na memória. Vygotsky refere-se a esses experimentos, bem como a outros realizados por ele mesmo e alguns de seus alunos, como base para as importantes hipóteses teóricas explicativas das relações entre memória e pensamento, às quais nos referimos nos parágrafos anteriores.
Baseados nesses primeiros experimentos, propusemo-nos a investigar a utilização de signos da cultura como mediadores auxiliares e recursos mnemônicos, por pré-escolares.
Buscamos responder às seguintes questões:
- As crianças mais novas apresentam maior dificuldade em tarefas que envolvem a memória imediata de instruções, quando comparadas às crianças mais velhas?
- As crianças utilizam recursos externos de memória que lhes são oferecidos, para executar a tarefa proposta?
- Como as crianças se beneficiam da ajuda do adulto na realização da tarefa?
- O desempenho das crianças é influenciado pelo tipo de instrução a ser memorizada?
Também procuramos verificar que estratégias verbais e não-verbais são utilizadas pela criança durante a execução das tarefas. E perguntamos: há mais acertos nas questões referentes a objetos presentes no campo visual da criança, em comparação a objetos conhecidos porém ausentes do campo visual no momento do experimento? Como se apresenta a fala egocêntrica na organização das ações da criança? Ela é mais freqüente nas crianças menores e face às tarefas mais difíceis?
Método
Sujeitos
O estudo foi realizado com 40 pré-escolares de uma escola particular da cidade de Goiânia (GO), que atende crianças de nível sócio-econômico médio, com idade variando entre 5 e 7 anos.
Inicialmente foi aplicado um pré-teste, para verificar se as crianças conheciam e nomeavam cores. Somente as crianças que demonstraram possuir essa habilidade participaram da pesquisa. Foram formados quatro grupos etários:
Grupo 1: Dez crianças de 5,0 a 5,6 anos;
Grupo 2: Dez crianças de 5,7 a 6,0 anos;
Grupo 3: Dez crianças de 6,1 a 6,6 anos;
Grupo 4: Dez crianças de 6,7 a 7,0 anos.
Procedimentos
Os procedimentos da pesquisa foram inspirados nos experimentos realizados por Leontiev (1932) e referidos por Vygotsky (1978) em suas contribuições teóricas sobre as relações entre a memória e o pensamento. Para atender às características da realidade social e da linguagem dos sujeitos da pesquisa, foram realizadas algumas adaptações, após estudo preliminar, que consistiu em aplicar o instrumento a algumas crianças, com o objetivo de testar a adequação dos objetos que faziam parte das questões, o tempo de duração e o interesse das crianças pela atividade.
Após as modificações que se fizeram necessárias, o instrumento ficou constituido por 18 questões referentes a oito cores (azul, vermelha, verde, amarela, alaranjada, marrom, branca e preta) de objetos familiares, pertencentes ao universo cultural da criança. Destas, nove se referiam a cores percebidas, isto é, presentes no campo visual no momento da aplicação do instrumento. As outras nove cores se referiam a objetos conhecidos, porém ausentes do campo visual no momento da pesquisa. Com o objetivo de manter o interesse da criança e a boa qualidade da interação, o pesquisador introduzia, a exemplo do que fez Leontiev no procedimento original, algumas outras questões de caráter interativo, que não foram objeto de análise.
A sequência de 18 questões foi proposta em três versões com pequenas variações, para serem aplicadas respectivamente às três tarefas, como veremos a seguir. A versão completa do instrumento pode ser encontrada em Mozzer, (1994).
Exemplos de questões:
- de que cor é a sua camisa?
- qual é a cor do sol?
- de que cor é este lápis?
- de que cor é o sangue?
O instrumento foi aplicado individualmente e em uma única sessão. A experimentadora convidava a criança para um "jogo", explicando que ela deveria responder uma série de questões, obedecendo duas instruções e só ganharia o jogo se não cometesse erros.
As duas instruções que deveriam ser seguidas pela criança foram:
a) não dizer o nome das duas cores proibidas (para cada tarefa o pesquisador instruia a criança sobre as duas cores que não poderiam ser nomeadas);
b) não repetir o nome das cores já mencionadas nas questões anteriormente respondidas.
A não observância das instruções dava origem, respectivamente, ao erro tipo A ou erro tipo B.
As questões foram apresentadas em três versões constituindo três tipos de tarefas, a saber:
- Tarefa 1: responder as questões sobre cores de objetos, obedecendo as duas instruções, sem o auxílio dos cartões coloridos e sem a ajuda do adulto.
- Tarefa 2: responder as questões sobre cores de objetos, utilizando os cartões coloridos como recursos mnemônicos externos, para facilitar a observância das instruções.
- Tarefa 3: responder as questões sobre cores de objetos, utilizando os cartões coloridos como recursos externos e contando com a ajuda do adulto, que oferece dicas e faz sugestões sobre como utilizar os cartões, para facilitar a observância das instruções.
Após cada uma das três tarefas, a experimentadora perguntava à criança se pensava que havia ganho ou perdido o jogo, com o objetivo de verificar mais uma vez se ela havia compreendido corretamente as instruções.
Foram feitas anotações no decorrer das aplicações e todas as sessões foram vídeo-gravadas, para permitir uma análise mais acurada do material.
Análise
Foi feita inicialmente uma análise de tipo qualitativo das respostas, a partir das vídeo-gravações e das anotações realizadas.
Para verificar a possível significação estatística de algumas diferenças observadas (Winer, 1962), foi utilizada a análise de variância multivariada (MANOVA), considerando experimento em três fatores: idade (4) x tarefa (3) x instrução (2), com observações repetidas em 3 e 2. A variável dependente era a resposta das crianças, anotando-se o número de erros; as variáveis independentes eram a faixa etária, o tipo de tarefa e o tipo de instrução. Para testar diferenças de média entre os grupos foi utilizado o teste de t.
Resultados
Os resultados da análise estatística mostraram diferenças significativas ligadas à idade, à tarefa, ao tipo de instrução e à interação entre tarefa e tipo de instrução (Tabela 1).
A influência da idade nas respostas das crianças mostrou-se altamente significativa (p < 0,001). As médias dos erros A (dizer o nome de duas cores proibidas) e B (repetir o nome de cores já nomeadas), nos quatro grupos de idade para as diferentes tarefas, encontram-se na Tabela 2 e na Figura 1.
Como se pode visualizar na Figura 1, houve uma nítida queda no número de erros das crianças de cinco para as de sete anos. Observando cada grupo é possível constatar que essa queda não se deu de forma abrupta de uma faixa etária para outra. Pelo contrário, às vezes a média de erros se manteve e outras vezes chegou a aumentar com a idade. Sendo assim, pode-se afirmar que a evolução no número de acertos se deu de maneira lenta de um grupo etário para outro.
A influência do tipo de instrução (fator C) sobre as respostas das crianças foi altamente significativa (p < 0,001). A primeira instrução (A: não nomear as duas cores proibidas) foi mais facilmente seguida do que a segunda (B: não repetir o nome de cores já nomeadas).
A comparação estatística das médias (teste t) mostrou, como se vê na Tabela 3, que o grupo 1 foi o que teve mais dificuldade para seguir a instrução A, quando comparado ao grupo 2 (p < 0,004), ao grupo 3 (p < 0,001) e ao grupo 4 (p < 0,001). Por outro lado, os grupos 2, 3 e 4 comparados entre sí não mostraram diferenças significativas nas respostas, sugerindo que a diferença de idade exerceu menor influência neste período do desenvolvimento. Já com relação aos grupos 1 e 4, quando comparados entre si, observamos uma grande queda no número de erros (54%).
Quanto à instrução de tipo B, não foi encontrada diferença significativa, exceto na comparação entre os grupos 1 e 4 (p < 0,013). Contudo, em virtude do grande número de médias calculadas, torna-se aconselhável aplicar um teste de precisão antes de aceitar a significação estatística da diferença. Realizada a correção de Bonferroni, obtivemos 0,078. Concluimos então que as médias entre os grupos no erro B não podem ser consideradas distintas.
Os diferentes tipos de tarefa (fator B) também influenciaram de modo significativo no número de erros cometidos pelas crianças (p < 0,001), como se viu na Tabela 1. O teste estatístico de médias (Tabela 4) mostrou que as crianças tiveram maior dificuldade na tarefa 1 do que na tarefa 3 para seguir a instrução A (p < 0,003) e para seguir a instrução B (p < 0,001). Também tiveram maior dificuldade para seguir a instrução B na tarefa 2 do que na tarefa 3 (p < 0,001). Esse resultado nos sugere que a presença do adulto, na tarefa 3, foi fundamental na organização da ação pela criança, permitindo a compreensão da função dos cartões como auxiliares externos, ou seja, como signos.
Pode-se dizer portanto que houve evolução no desempenho das crianças nas três tarefas, para a instrução A e para a instrução B e que foi sobretudo a ajuda do adulto que serviu como facilitadora da lembrança das instruções do jogo, como pode ser visualizado na Figura 2.
A influência do tipo de instrução (fator C) também foi altamente significativa (p < 0,001).
Observando a Figura 2, vemos que a instrução A (não nomear as cores proibidas) foi mais facilmente seguida. O teste de médias mostrou (Tabela 5) que as crianças seguiram melhor a instrução A do que a instrução B ( não repetir cores já nomeadas), tanto na primeira tarefa (p < 0,001) quanto na segunda tarefa (p < 0,001). Na terceira tarefa a diferença não se mostrou significativa (p < 0,420).
Considerando que a interação entre as variáveis tarefa e tipo de instrução (BC) se monstrou significativa (p < 0,002) e verificando os resultados do teste de médias conforme se vê na Tabela 4, podemos concluir que a disponibilidade dos cartões coloridos (tarefa 2) não favoreceu significativemente as crianças no seguimento das instruções. A presença do adulto é que foi o elemento mais importante, favorecendo o acerto das respostas das crianças tanto na instrução A quanto na instrução B.
Outros aspectos analisados
As análises das vídeo-gravações permitiram observar outros aspectos que passaremos a relatar.
Foi interessante verificar que as crianças mais novas (Grupo 1) falavam consigo mesmas antes de responder sobretudo as questões que pareciam ser mais difíceis. Principalmente quando se tratava de dizer a cor de um objeto ausente de seu campo visual (por exemplo: qual a cor da grama?), algumas crianças murmuravam as cores que conheciam, procurando acertar a cor do objeto, como se pensassem em voz alta. Pareciam estar organizando seu pensamento para organizarem sua ação. Outra estratégia que utilizavam era a de procurar, no ambiente em que estavam, outro objeto que correspondesse à cor procurada, e, ao encontrá-lo, apontavam para ele.
As crianças menores pareciam ter mais dificuldade para responder às questões que se referiam a objetos de cores conhecidas (ausentes do campo visual), em relação às cores percebidas (de objetos presentes no campo visual). Contudo, também as maiores mostravam dificuldade suplementar para dizer a cor de objetos ausentes. Assim, as crianças de seis anos de idade usavam os cartões principalmente como recurso para se lembrarem das cores conhecidas. Quando a pergunta era referente a algum objeto que estava longe (o urubu, por exemplo), elas procuravam entre os cartões a cor correspondente ou alguma parecida. Neste momento, as crianças pareciam mais preocupadas em acertar a cor correspondente ao objeto, do que em observar as instruções do jogo. Muitas vezes as crianças usavam alguns recursos que estavam ao seu alcance no sentido de descobrir a cor certa. Algumas utilizavam os dedos das mãos como se estivessem contando quantas cores já haviam falado ou quantas conheciam até chegar à cor correta do objeto. Tais observações permitem concluir pela existência de diferenças nas respostas, quando se trata de nomear cores de objetos presentes ou ausentes no campo visual da criança, sendo esta última condição a que apresenta maior dificuldade.
Foi possível observar, nas crianças mais velhas, a preocupação em atender às duas instruções. Isto já começou a ocorrer com crianças do Grupo 2.
Exemplo de uma criança de 5 anos e 10 meses:
Adulto: Qual é a cor deste brinquedo? (amarelo)
Criança: Amarelo... eu posso falar amarelo?
Adulto: Não sei... você é quem sabe.
Criança: Me fala, senão eu não vou conseguir ganhar este jogo.
Adulto: Você não lembra? Tente lembrar.
Criança: Você disse que era o vermelho e o azul que era proibido (fala, virando o cartão vermelho e o azul)
Apesar de não se mostrar capaz de seguir principalmente a segunda instrução (não repetir as cores), esta criança demonstrou estar preocupada em obedecê-la e ganhar o jogo. Quando se viu impossibilitada de lembrar-se das cores já mencionadas, ela preocupou-se em obedecer ao menos a instrução relativa às cores proibidas o que, para ela, parecia ser mais fácil.
Algumas vezes as crianças repetiam as questões dirigidas a elas com a intenção aparente de ganhar tempo para pensar na resposta. As crianças de sete anos freqüentemente demoravam mais tempo, parecendo decidir se já haviam falado ou não aquela determinada cor. Elas sempre pareciam preocupadas em obedecer às instruções e isto fazia com que as sessões com estas crianças fossem mais longas. Às vezes, elas pareciam esperar que alguém as ajudasse com a resposta e ficavam olhando para a pesquisadora ou para o auxiliar, como se esperassem alguma dica ou algum tipo de ajuda.
Apesar de muitas das crianças de cinco e seis anos não terem usado os cartões como signos auxiliares na lembrança das instruções do jogo, algumas delas os usavam para explicar essas instruções. Quando era perguntado o que elas não podiam fazer, elas pegavam os cartões para explicar sobre as cores proibidas e sobre não repetir as cores, como no exemplo:
Adulto: Você acha que ganhou ou perdeu?
Criança: Ganhei.
Adulto: O que você não podia fazer?
Criança: Não podia falar vermelho nem azul (fala pegando os cartões vermelho e azul).
Adulto: E o que mais?
Criança: Não podia falar esta, nem esta, nem esta cor duas vezes (fala pegando todas as outras cores restantes).
Neste caso, podemos dizer que as crianças compreenderam e memorizaram as instruções. Contudo, não superaram totalmente a dificuldade de utilizá-las como instrumento auxiliar na realização da tarefa.
Um recurso que consideramos lúdico foi o de simular quando se tratava da cor proibida. Vejamos o caso de um garoto de 5 anos e 9 meses:
Adulto: Qual é a cor da casca da maçã?
Criança: Marrom (Vermelha era a cor proibida).
Adulto: Qual é a cor desta pasta? (Vermelha)
Criança: Rosa ( Fala sorrindo, sabendo que a pasta era vermelha).
As crianças do Grupo 4 começaram a usar os cartões com um pouco mais de facilidade. Muitas delas utilizaram-nos corretamente mesmo na tarefa 2, em que o adulto não interferia. As crianças mais velhas quase não falavam consigo mesmas antes de responder, mesmo quando a pergunta lhes parecia difícil. Elas usavam mais os cartões e os objetos presentes no local, para se lembrarem das duas instruções do jogo.
No enfoque vygotskiano sobre as operações com signo, as interações com o adulto são constituintes do comportamento social. Nos quatro grupos de idade estudados, a atuação do adulto foi bastante significativa, pois sua ocorrência provocou mudanças na atividade, parecendo ser responsável pela evolução nas respostas das crianças (Figura 2). No grupo 4 a intervenção do adulto também foi importante, embora algumas crianças já tivessem entendido antes a função de signo dos cartões coloridos, pois os utilizavam desde a segunda tarefa, como por exemplo se vê no diálogo abaixo:
Adulto: Qual é a cor deste brinquedo? (Verde)
Criança: Verde (Fala virando o cartão verde)
Adulto: Qual é a cor da terra?
Criança: Marrom (virando o cartão marrom).
Adulto: E a cor do urubu?
Criança: Não posso falar.
Adulto: Porque não?
Criança: Porque já está virado (apontando para o cartão).
Esta criança virava sozinha os cartões e se voltava para eles para ver se podia ou não falar uma determinada cor, utilizando-os como facilitadores externos.
Podemos afirmar, portanto, que a participação do adulto foi fundamental na maioria dos casos, tendo se mostrado essencial para a compreensão das duas instruções do jogo e da função dos cartões como auxiliares externos na lembrança das mesmas.
Conclusões e considerações finais
Como admite Leontiev (1978), a questão do desenvolvimento humano, considerado em ligação com o desenvolvimento da cultura e da sociedade, levanta uma série de interrogações. Em sua perspectiva teórica, aqui adotada, desenvolvimento e aprendizagem mantêm relações recíprocas, sendo que o aprendizado organizado resulta em desenvolvimento mental, como um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual das pessoas que as cercam.
No experimento realizado, foi possível observar que as crianças adquiriram conhecimento operando com objetos e na medida em que se esforçavam para realizar uma tarefa que envolvia memória, operaram com signos que mediaram seu processo de memorização.
A idade teve influência significativa nos erros cometidos pelas crianças. Contudo, essa diferença situou-se sobretudo na comparação do grupo 1 com o grupo 4. Foram sobretudo as crianças do final do período pré-escolar que obedeceram as instruções e memorizaram fazendo uso de signos, tornando-se assim capazes de criar suas próprias relações. Leontiev (1932) mostrou que as crianças menores eram as que tinham maior dificuldade de controlar seu comportamento pela organização de estímulos externos, ou seja, para elas os cartões coloridos tinham pouca eficácia. Isto também ocorreu com a maioria de nossas crianças de cinco anos. A partir dos seis anos, como vimos, as crianças se mostraram mais capazes de utilizar os cartões como signos auxiliares da memória.
Considerando as três condições estudadas, as crianças tenderam a dar melhores respostas na condição em que o adulto estava presente. Muitas vezes a criança demonstrava não ter entendido suficientemente a função dos cartões na segunda tarefa, mas a partir da intervenção do adulto começava a utilizá-los com maior eficácia. Freqüentemente as crianças só conseguiam usar os cartões para se lembrar das duas cores proibidas. Então, na terceira tarefa, o adulto as ajudava a pensar, sugerindo maneiras de usar os cartões como signos auxiliares na lembrança das duas instruções. Assim, é possível que o adulto tenha atuado na zona de desenvolvimento proximal promovendo aprendizado e que os signos se tenham apresentado como mediadores no desenvolvimento da memória infantil a partir do momento em que ele interferiu facilitando o seu uso. O papel do adulto se mostrou importante em todas as faixas etárias estudadas e a queda no número de erros na tarefa 3 sugere que sua intervenção favoreceu o desenvolvimento e a aprendizagem dos pré-escolares.
A relação entre fala e ação citada por Vygotsky (1978) pôde ser observada, principalmente nas crianças de 5 anos. Em alguns casos a fala acompanhou a ação, em outros a fala se deslocou para o início do processo de modo a preceder a ação. Vemos aí o que Vygotsky chama de função planejadora da fala, isto é, a linguagem habilita as crianças a providenciar instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis e a controlar seu próprio comportamento. A fala egocêntrica esteve presente especialmente entre as crianças menores, que muitas vezes começavam a murmurar as cores que conheciam, sugerindo estar tentando lembrar a cor do objeto em questão.
Na análise qualitativa das respostas foi possível admitir que as crianças menores utilizaram a fala egocêntrica, sobretudo quando enfrentaram as tarefas mais difíceis, ou seja, quando realizaram a tarefa de nomear cores de objetos que estavam fora de seu alcance visual. Por outro lado, a nomeação das cores foi mais acertada quando os objetos de referência estavam presentes no campo visual das crianças. Isto nos sugere que, quando se trata de crianças pré-escolares, deve-se levar em conta estas diferentes condições, que não foram consideradas no procedimento original utilizado por Leontiev.
Nosso ponto de partida, nesta pesquisa, foram as discussões teóricas a respeito da origem do signo, tentando compreender os processos de construção das atividades semióticas na infância, baseados na investigação clássica de Leontiev. Verificamos que a capacidade de utilizar signos para resolver situações-problema variou significativamente sob influência da idade e foi menor nas crianças mais novas. O tipo de instrução a ser obedecida gerou diferenças significativas nas respostas, tendo sido maior o número de acertos quando se tratava de não nomear duas cores proibidas, em contraposição a não repetir cores já nomeadas. As respostas também variaram de acordo com as diferentes tarefas, sendo que na tarefa em que a criança contou com a ajuda do adulto os erros diminuíram significativamente, permitindo interpretar que sua influência criou zonas de desenvolvimento proximal nas faixas etárias estudadas.
Como implicação prática deste estudo, parece-nos relevante reafirmar que os profissionais da educação infantil devem estar atentos às características dos pré-escolares. Cada vez mais, nos dias de hoje, constata-se que psicólogos e educadores não devem buscar respostas definitivas e irrefutáveis para as questões que os desafiam, mas antes formulações provisórias e processuais, como ocorre nos demais campos do conhecimento iluminados por sua história. Assim, não devem limitar-se a analisar o aluno individualmente considerado, mas procurar compreender também a realidade escolar, operando como agentes sociais e culturais que participam da análise das problemáticas e da geração das diferentes vias que conduzem à sua solução (Maluf, 1998). Nessa perspectiva, admitimos que o desenvolvimento e a aprendizagem da criança se apresentam como um processo dialético complexo (Vygostsky, 1978), marcado por desigualdades, interrupções e descontinuidades. Caberá ao educador ser capaz de lidar com os momentos de evolução e de revolução, vendo-os como formas de desenvolvimento mutuamente relacionadas e momentos diversos na linha geral do desenvolvimento mental.
Referências
Recebido em 05.04.2000
Primeira decisão editorial em 02.06.2000
Versão final em 25.08.2000
Aceito em 21.09.2000
Referências bibliográficas
- Deleau, M. (1990). Les origines sociales du développement mental Paris: Armand Colin Éditeur.
- Leontiev, A. N. (1932). Studies on the cultural development of the child. Journal of Genetic Psychology, 40, 52-83.
- Leontiev, A. N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. (M.D. Duarte, Trad.). Lisboa: Livros Horizonte, LDA.
- Maluf, M. R. (1998). La Psicología Educativa: perspectivas ante el próximo siglo. Apuntes de Psicología, 16, 375-392.
- Mozzer, G.N.S. (1994). Um estudo sobre a memória em crianças de 5 a 7 anos. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
- Ratner, C. (1995). A Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky. Aplicações contemporâneas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1991)
- Vygotsky, L. S (1978). Mind in society. The development of higher psychological processes. Em M. Cole, V. John-Steiner, S. Scribner & E. Souberman (Orgs.). Cambridge/London: Harvard University Press.
- Winer, B. J. (1962). Statistical principles in experimental design. New York: McGraw Hill Book Company.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Nov 2001 -
Data do Fascículo
Abr 2000
Histórico
-
Aceito
21 Set 2000 -
Revisado
25 Ago 2000 -
Recebido
05 Abr 2000