Open-access Aspectos afetivos da justiça e injustiça e assimetrias entre temas

Affective aspects of justice and injustice and asymmetric relations between themes

Resumos

Neste artigo abordam-se os aspectos afetivos das representações sociais organizadas em tematas para demonstrar que a oposição entre a justiça e a injustiça possui uma organização marcada por simetrias e assimetrias. Para isso foram testadas duas hipóteses baseadas na perspectiva estruturalista das representações sociais. A primeira hipótese conjetura que esta dupla de representações possui uma ancoragem de emoções organizadas simetricamente. A segunda hipótese pressupõe que a injustiça tem sua organização marcada por uma maior intensidade afetiva do que a justiça. Os dados advindos de uma manipulação quasi-experimental com alunos de psicologia de Paris confirmam as duas hipóteses.

Representações sociais; justiça; aspectos afetivos


This article addresses the affective aspects of social representations organized into themes to show that the opposition between justice and injustice has an organization marked by symmetric and asymmetric aspects. Two hypotheses were tested which are based on the structural perspective of social representations. The first hypothesis states that this couple of representations has anchored the emotions in a symmetrical organized way. The second one states that injustice has its organization marked by a more intense affectivity than justice. The data obtained by a quasi-experimental design with undergraduate psychology students of an university in Paris confirm the two hypotheses.

Social Representations; justice; affective aspects


Aspectos afetivos da justiça e injustiça e assimetrias entre temas

Affective aspects of justice and injustice and asymmetric relations between themes

Lila Spadoni1

UniEvangélica

RESUMO

Neste artigo abordam-se os aspectos afetivos das representações sociais organizadas em tematas para demonstrar que a oposição entre a justiça e a injustiça possui uma organização marcada por simetrias e assimetrias. Para isso foram testadas duas hipóteses baseadas na perspectiva estruturalista das representações sociais. A primeira hipótese conjetura que esta dupla de representações possui uma ancoragem de emoções organizadas simetricamente. A segunda hipótese pressupõe que a injustiça tem sua organização marcada por uma maior intensidade afetiva do que a justiça. Os dados advindos de uma manipulação quasi-experimental com alunos de psicologia de Paris confirmam as duas hipóteses.

Palavras-chave: Representações sociais; justiça; aspectos afetivos

ABSTRACT

This article addresses the affective aspects of social representations organized into themes to show that the opposition between justice and injustice has an organization marked by symmetric and asymmetric aspects. Two hypotheses were tested which are based on the structural perspective of social representations. The first hypothesis states that this couple of representations has anchored the emotions in a symmetrical organized way. The second one states that injustice has its organization marked by a more intense affectivity than justice. The data obtained by a quasi-experimental design with undergraduate psychology students of an university in Paris confirm the two hypotheses.

Keywords: Social Representations; justice; affective aspects

Existem palavras ou expressões tais como corrupção que provocam sentimentos de injustiça. Esses sentimentos nos parecem, num primeiro momento sem um conteúdo lógico e racional. Ou seja, não precisamos construir um raciocínio lógico ou uma argumentação antes de concluirmos intuitivamente que uma situação é injusta.

Esse aspecto afetivo e pouco racional de alguns elementos do pensamento social foi descrito por Rouquette (1988) através de um conceito nomeado de "nexus". Os nexus são nódulos pré-lógicos com forte carga afetiva que provocam uma forte e rápida aceitação ou rejeição de um objeto social antes mesmo que os aspectos cognitivos sejam acionados. Por isso os nexus dão a impressão de serem vazios de sentido. Se pedirmos às pessoas que definam certos termos como "Liberdade" ou "Justiça", é possível que elas encontrem dificuldade, pois esses termos parecem ser conhecimentos evidentes, mas difíceis de explicar.

Num primeiro estudo realizado sobre o conceito de nexus, Rouquette (1994) demonstrou que as proposições do partido político de Hitler foram mais aceitas quando elas foram expostas enquanto proposições do partido nacional socialista do que quando elas foram expostas enquanto propostas do partido nazista. A presença da expressão "nazista" na apresentação da proposta causou uma forte rejeição que pareceu ser independente do conteúdo das propostas.

Num segundo estudo, Campos e Rouquette (2000) compararam as evocações feitas a partir de dois termos: Brasil e Senna. O estudo foi realizado na época da morte trágica do piloto de fórmula 1 e por isso o nome do piloto "Senna" possuía uma forte conotação afetiva, o quê provocou evocações mais consensuais do que o termo "Brasil".

A partir desses dois primeiros estudos, vieram outros que esclareceram novos aspectos sobre o conceito de nexus. Lo Monaco, Rateau e Guimelli, (2007) demonstraram que os nexus tendem a apagar as diferenças intergrupais. Wolter e Rouquette (2006) demonstraram que os nexus mobilizam as pessoas a adotar comportamentos de ajuda solidária. Os questionários com o termo "Tsunami" obtiveram mais intenções de ajuda do que os questionários com o termo "catástrofe natural".

É importante ressaltar que a teoria sobre os nexus se insere na perspectiva estruturalista das representações sociais. O nexus pode ser considerado como uma alteração dos componentes afetivos das representações sociais (Wolter, 2009).

Semelhantemente esse estudo, embora verse sobre um tema bem conhecido da psicologia sócio cognitivista, mais especificamente da psicologia social da justiça, não utiliza, nem compartilha os mesmos pressupostos teóricos, nem os mesmos aportes metodológicos, inclusive no que tange as técnicas de mensuração. Isto porque ele pretende demonstrar o caráter mais afetivo da injustiça quando a comparamos com a justiça, sendo que ambas são investigadas enquanto representações sociais portadoras de aspectos cognitivos e afetivos que foram ancorados e objetivados nos processos de comunicação e partilha do pensamento social.

É possível afirmar que tanto a justiça quanto a injustiça possuem características de nexus. No entanto supõe-se que a injustiça é mais intensamente afetiva do que a justiça a ponto de ser considerada por alguns autores da psicologia como um sentimento (Barclay, Skarlicki & Pugh, 2005; Weiss, Suckow & Cropanzano,1999).

Organização afetiva das representações sociais

Nesse estudo a justiça e a injustiça são tratadas enquanto representações sociais organizadas numa relação de oposição que terminam por constituir uma temata. As tematas foram descritas por Moscovici e Vigneaux (1994) como idéias que servem para estabilizar o significado dos objetos sociais através das relações de oposição entre temas.

Segundo Guimelli (1999) as tematas organizam conjuntos de representações sociais. O estudo de Guimelli e Rouquette (2004) demonstra duas representações organizadas numa temata. As representações de segurança e insegurança são organizadas pela dupla de termos emprego e desemprego. Ou seja, no núcleo central da representação social de segurança, existe o termo emprego enquanto que no núcleo da representação social de insegurança, existe o termo desemprego. Similarmente Spadoni e Torres (2010) demonstraram que no núcleo central da representação de justiça social, existe o termo igualdade enquanto que núcleo da representação de injustiça existe o termo desigualdade.

Segundo a arquitetura do pensamento social, proposta por Rouquette (conforme citado por Flament & Rouquette, 2003), as tematas são conceitos do nível ideológico que influenciam as representações sociais, que por sua vez influenciam as atitudes e opiniões.

Os aspectos afetivos do pensamento social provavelmente atravessam a organização de toda a arquitetura do pensamento social. A organização afetiva das tematas em pólos que se opõem é necessária para produzir a dialógica impregnada no pensamento social que imprime seu caráter controverso e polêmico (Jesuíno, 2007). Essa organização afetiva das tematas atravessa toda a arquitetura. Ela foi construída historicamente a partir da partilha social das emoções. Segundo Guimelli e Rimé (2009) quando o indivíduo vive uma situação provocadora de emoções, essa pessoa tende a relatar essa experiência às pessoas de seu grupo que por sua vez partilham com pessoas de outro grupo e, portanto essa experiência é partilhada socialmente. Esse processo acaba por ancorar nas representações sociais alguns aspectos afetivos (Deschamps & Guimelli, 2002). A justiça, por exemplo, é mais ligada a sentimentos positivos tais como a alegria enquanto que a injustiça é mais relacionada a sentimentos negativos tais como a tristeza ou a raiva.

Em resumo, as tematas possuem uma organização emocional a fim de produzir sua dialogicidade. As representações sociais possuem uma organização de seus componentes afetivos que seguem a organização temática e que acabam por produzir a polarização atitudinal (a favor ou contra).

Portanto neste artigo hipotetiza-se que os componentes emocionais das representações sociais de justiça e de injustiça possuem uma organização própria que produz um atalho no processo cognitivo de construção das avaliações do caráter justo ou injusto das diversas situações cotidianas. Esse atalho dá a essas avaliações um aspecto não-racional já que a avaliação intervém antes mesmo que o raciocínio construa uma justificativa para ela.

Se existe uma organização dos componentes emocionais então podemos supor que existam simetrias e assimetrias entre a organização dos componentes afetivos da justiça e da injustiça. Mais precisamente, pressupõe-se que essa organização seja simétrica uma vez que ela deve retratar a polarização temática e atitudinal.

No entanto, a injustiça parece conter mais intensamente aspectos emocionais visto que ela é freqüentemente associada ou considerada como um sentimento (Barclay, Skarlicki & Pugh, 2005; Weiss, Suckow & Cropanzano, 1999). Neste sentido pressupomos que há uma assimetria na intensidade dos componentes afetivos entre as representações sociais da justiça e injustiça. Essa hipótese faz parte de pressuposições mais amplas sobre as assimetrias entre os pólos temáticos que possuem uma explicação estrutural e funcional (Spadoni, 2009b).

A Justiça Distributiva

Esse estudo poderia ser considerado um estudo sobre justiça distributiva porque ele investiga como as pessoas avaliam as distribuições de bens dentro do que Foa, Converse, Tornblom e Foa (1993) consideram enquanto riquezas, ou seja, bens, status, serviços, amor e informação.

No entanto não podemos inserir esse estudo nem na abordagem unidimensional, nem na abordagem multidimensional dos princípios da justiça distributiva (Sampaio, Camino, & Roazzi, 2009) pois utilizamos um outro modelo teórico, ou seja, a organização temática das representações sociais.

A seguir vamos pontuar algumas diferenças entre essas duas perspectivas teóricas: a abordagem estruturalista, que pretendemos utilizar, e a abordagem sócio-cognitivista, que tradicionalmente investiga esse tema.

Nesse estudo utilizamos uma manipulação de contextos que propõe variações de uma história inspirada na literatura sócio-cognitivista sobre a justiça distributiva (Tyler, Boeckman, Smith & Huo, 1997; Spadoni, 2009a). Essa literatura propõe que as avaliações de justiça são construídas a partir de pelo menos 3 princípios: equidade, igualdade e necessidade. Vamos expor os princípios e como eles compuseram as histórias dos contextos utilizados.

O princípio da igualdade pressupõe uma divisão igual de bens entre os membros de um grupo. O princípio de equidade, por outro lado pressupõe uma divisão desigual de bens entre os membros de um grupo sendo que essa divisão deve ser baseada no mérito de cada um. Esses dois princípios foram contemplados nas histórias pela manipulação do recebimento de uma bolsa de doutorado para alunas de psicologia. Na metade dos questionários, ambas receberam a bolsa (igualdade), e na outra metade apenas uma recebeu a bolsa (equidade), sendo que numa metade ambas trabalharam igualmente (igualdade) e noutra metade uma trabalhou mais que a outra (equidade).

O princípio da necessidade pressupõe uma divisão desigual baseada na necessidade. Esse princípio foi incluído na manipulação através da introdução de uma necessidade especial de uma das partes. Na metade dos questionários foi acrescentada a observação de que uma das alunas trabalhava num supermercado a fim de custear seus estudos.

Esses princípios são princípios de justiça que quando infringidos resultam em injustiças. Segundo Mikula, Scherer e Athenstaedt (1998) a psicologia social da justiça tradicionalmente se preocupa com os antecedentes e com as conseqüências da injustiça como, por exemplo, a resposta emocional a uma situação injusta. Os autores concluem, através de um estudo em larga escala realizado em 37 países, que a emoção é um mediador das reações e dos comportamentos das pessoas em face de uma situação injusta. Esforços semelhantes tem sido feito no sentido de investigar o efeito da percepção da injustiça no bem estar dos trabalhadores (Souza & Mendonça, 2009).

Podemos inferir que para a psicologia sócio-cognitivista, a justiça distributiva possui princípios que regem a distribuição de bens, sendo que a injustiça acontece quando esses princípios são ignorados ou mal-utilizados provocando reações emocionais.

Através da abordagem estrutural das representações sociais, compreendemos que a justiça e a injustiça são representações sociais diferentes uma da outra, que se relacionam através de uma relação de antônimos (Guimelli & Rouquette, 2004), compondo uma organização temática. Isso significa que a injustiça não é uma reação a quebra de princípios da justiça, mas ela é uma outra construção sócio-cognitiva, uma outra idéia com uma estrutura própria, composta tanto por aspectos cognitivos quanto por aspectos afetivos. Portanto nos interessamos não apenas pela organização das representações sociais da justiça e da injustiça, mas também, e principalmente, nos interessamos nas maneiras como elas se relacionam (Spadoni, 2009b).

Nesse sentido as emoções não são consideradas como mediadoras das reações face a injustiça, mas são vistas como componentes dessa organização estrutural composta por duas representações sociais, que tiveram emoções ancoradas através da partilha social das emoções (Guimelli & Rimé, 2009).

As diferenças entre essas duas formas de abordar o fenômeno da justiça distributiva é fundamental para a compreensão da proposta metodológica utilizada neste estudo, que difere em alguns aspectos do que tem sido freqüentemente utilizado pela literatura sobre a psicologia social da justiça.

Método

Participantes

Os participantes foram 281 alunos de psicologia de Paris. A média de idade foi de 21 anos (DP 5,1). A idade máxima foi 51 anos e a mínima 17. A amostra continha 82,5% de mulheres e 17,5% de homens.

Instrumentos

Foi utilizado 6 tipos de questionários contendo a apresentação de contextos diferentes, onde foram manipuladas as variáveis independentes. Cada questionário era composto de 1 história de contexto, 1 pergunta em escala Likert de 1 a 7 sobre o caráter justo ou injusto da situação descrita no contexto, e 4 perguntas sobre a intensidade de 4 tipos de emoções (tristeza, raiva,medo e alegria) provocadas pelo contexto em escala Likert ( 1 = pouco, 7=muito).

Delineamento experimental

O delineamento é 2x1. Utilizou-se uma única variável independente com duas modalidades (justo-injusto). No entanto na tentativa de evitar respostas simplesmente normativas ou rasas, construímos contextos complexos inspirados na literatura sobre a justiça distributiva, como explicitamos acima. Quatro situações foram incluídas resultando quatro tipos de questionários a fim de contemplar os princípios da equidade e da igualdade: (a) uma aluna trabalhou menos que outra e recebeu a bolsa; (b) uma aluna trabalhou mais que a outra, mas ambas receberam a bolsa; (c) as alunas trabalharam igualmente e apenas uma recebeu a bolsa; e (d) as alunas trabalharam igualmente e ambas receberam bolsas.

Além disso, foi incluído o princípio da necessidade através da introdução de uma necessidade especial de uma das partes. Na metade dos questionários foi acrescentada a observação de que uma das alunas trabalhava num supermercado a fim de custear seus estudos, totalizando, portanto, 6 tipos de questionários. A seguir, o exemplo de um dos contextos: 'Luiza e Manon são amigas muito próximas. Elas são estudantes do mestrado em psicologia. Elas trabalharam juntas num projeto que poderia render uma bolsa de doutorado a todas duas. Manon trabalhou bem mais no projeto, porque Luiza trabalhava num supermercado para custear seus estudos. Finalmente a comissão de avaliação decidiu conceder a bolsa à ambas'.2

Esses seis tipos de contexto foram elaborados a fim de compor situações complexas que pudessem suscitar algum nível de afetividade. Além disso, a história versava sobre a realidade dos alunos que participaram da pesquisa.

As variáveis dependentes deste estudo foram às quatro emoções primárias (alegria, tristeza, raiva e medo). As emoções primárias são assim nomeadas, pois podem ser observadas tanto em seres humanos quanto em alguns animais (Damásio, 2007). No entanto neste estudo elas foram escolhidas por razões de praticidade, pois era preciso escolher algumas emoções entre diversas que poderiam ser provocadas por uma situação justa ou injusta. Para finalizar essa seção explicando o delineamento experimental, queremos retomar as hipóteses, em linguagem operacional:

H1 - Organização simétrica das emoções provocadas por uma situação justa e uma situação injusta;

H2 - Maior intensidade das emoções provocadas por uma situação injusta que das emoções provocadas por uma situação justa.

Procedimento

Os questionários foram aplicados individualmente na biblioteca de uma universidade pública de Paris. Os participantes foram abordados e solicitados para que respondessem um questionário para o laboratório de psicologia ambiental da universidade em que estavam.

Resultados

Inicialmente foram analisadas as correlações entre o caráter justo ou injusto das situações (em escala Likert de 1 a 7) e a intensidade das emoções. As situações justas são positivamente correlacionadas com a alegria (r=0,63; gl=278; p<0,001) e negativamente correlacionadas com a raiva (r=0,65; gl=278; p<0,001) com a tristeza (r=0,60; gl=278; p<0,001) e com o medo (r=-0,21; gl=278; p<0,001) sendo que esta última correlação é bem fraca. Isso significa que quanto mais a situação é percebida como justa mais ela provoca alegria e menos ela provoca raiva, tristeza e medo.

Em seguida, separamos aos participantes em dois grupos, dividindo a variável «carater justo ou injusto» pelo método de casos extremos. Para testar a primeira hipótese foi feita uma comparação da distribuição das emoções provocadas pelas avaliações justo ou injusto, através de uma ANOVA múltipla univariada considerando enquanto variáveis independentes os grupos de participantes Justo e Injusto e variáveis dependentes as emoções: alegria, tristeza, raiva e medo. Com o critério de Lambda de Wilks, o resultado demonstra um efeito do caráter justo ou injusto da situação sobre as emoções: alegria [F(1, 166) = 12,484, p = 0,001], tristeza [F(1, 166) = 15,069, p < 0,001], raiva [F(1, 166) = 33,613, p = 0,001]. A variável dependente medo foi a única emoção que não foi encontrada significância [F(1, 166) = 0,159, p = 0,681]. Ela parece não ser diretamente ligada à justiça ou injustiça, mesmo se há um ligeiro aumento significativo de sua intensidade nas situações injustas.

No grupo em que a situação foi considerada justa, uma emoção (alegria) é significativamente (p = 0,001) mais intensa que as demais (raiva e tristeza). No grupo em que a situação foi considerada injusta ocorre o inverso, ou seja, apenas uma emoção (alegria) é considerada significativamente (p = 0,001) inferior que as demais (raiva e tristeza).



A fim de verificar a segunda hipótese foi feito a média aritmética da intensidade das emoções segundo os grupos «Justo» ou «Injusto». Essas emoções foram consideradas enquanto componentes afetivos independentemente de serem positivas ou negativas, pois nesse caso nos interessamos pela intensidade e não pela qualidade dessas emoções.

O grupo que considerou a situação injusta possui uma média significativamente maior [t (164) = 2,103, p = 0,037] de intensidade das emoções (M justo=2,72; DP = 1,07; M injusto=3,11; DP = 0,94).

Discussão

Se considerarmos a justiça e a injustiça enquanto duas representações sociais organizadas por uma relação de oposição, podemos compará-las em termos de assimetrias ou simetrias. Neste estudo fizemos a comparação dos aspectos afetivos dessas duas representações sociais e confirmamos duas hipóteses. A primeira demonstra que as emoções que compõem a parte afetiva dessas representações se distribuem simetricamente, ou seja, uma parte corresponde ao inverso simétrico da outra parte. Teoricamente essa simetria pode ser encontrada em todos os níveis da arquitetura do pensamento social, desde as tematas até as atitudes, estruturando uma relação dialógica entre essas duas representações sociais: justiça e injustiça.

Os estudos sócio-cognitivos sobre a justiça tendem a ignorar o aspecto emocional da justiça, focalizando, sobretudo, nos aspectos emocionais da injustiça. No entanto a justiça também possui uma organização afetiva, talvez mais próxima do que Rouquette (1994) nomeou como aspectos pré-lógicos.

No entanto segundo Rouquette (1994, p.70,) o tema da justiça nunca é tão mobilizador do que quando uma injustiça se torna patente, assim como a pátria nunca é tão amada do que quando ela está ameaçada. Isso significa que possivelmente os pólos negativos das tematas são mais carregados de afetividade, causando uma assimetria na organização da intensidade de seus componentes emocionais.

Wolter (2009) propõe uma análise prototípica dos casos possíveis de articulação entre a dimensão afetiva e cognitiva do conhecimento social. Segundo ele, uma análise prototípica é uma análise dos casos extremos, sendo portanto possível um objeto fortemente afetivo e pouco cognitivo, bem como é igualmente possível um objeto fortemente cognitivo sem praticamente nenhuma afetividade. No primeiro caso, ou seja, nos objetos fortemente afetivos que não são ricos em aspectos cognitivos, temos os objetos que podem mobilizar as massas tais como a liberdade, o nazismo, e poderíamos aqui acrescentar a injustiça.

Neste estudo testamos e confirmamos a hipótese de que a injustiça provoca maior intensidade de emoções do que a justiça e por isso ela provoca com maior intensidade a partilha das emoções que são ancoradas como elementos de sua representação social (Spadoni, 2009b). Segundo Rateau e Cohen-Scali (2002) as comunicações interpessoais juntamente com as comunicações de massa são responsáveis pela escolha dos elementos que compõem as representações. Quanto mais discutidos , mais dinâmicos, pois ao circular nas conversações ordinárias, as representações sociais vão sendo gradativamente modificadas.

Segundo Spadoni (2009a) as idéias sobre a injustiça é que fazem evoluir as idéias sobre a justiça, pois essas últimas parecem permanecer em equilíbrio até que velhas situações consideradas justas passam a serem questionadas. A escravidão ou o "não voto feminino" são exemplos de situações que permaneceram como "justas" durante um longo período de tempo até que elas passaram a incomodar e por isso foram gradativamente sendo consideradas injustas.

As assimetrias funcionais entre os pólos temáticos é um tema relativamente recente e desconhecido, mas pode redimensionar os estudos sobre as representações sociais. Isto porque desloca o enfoque dos estudos de representações sociais isoladas para o estudo das relações entre representações. Similarmente as relações entre a justiça e a injustiça devem ser investigadas em detrimento das investigações desses fenômenos isoladamente.

Dessa forma podemos estudar a injustiça não apenas como o contrário da idéia de justiça, mas considerando que ela possui uma organização sócio-cognitiva própria que rege as avaliações das situações cotidianas que envolvem julgamentos de justiça (Spadoni, 2009b).

Além disso, este estudo corrobora com a afirmação e a tendência de considerar que as representações sociais possuem componentes afetivos que merecem ser investigados.

As quatro emoções primárias não são provavelmente as emoções mais relacionadas com a justiça e a injustiça constituindo numa limitação deste estudo. Temos ainda o fato de que nossos participantes foram solicitados a responderem se a situação era justa ou injusta para depois responder sobre a intensidade das emoções. No entanto, quando eles pronunciaram esse julgamento, um trabalho cognitivo foi executado, podendo interferir nas respostas sobre os aspectos afetivos do objeto. Seria interessante eliminar esse trabalho cognitivo com o objetivo de verificar a hipótese que estabelece os aspectos afetivos enquanto atalhos para a construção desses julgamentos.

Nesse sentido sugerimos também investigações que aprofundem o conhecimento a respeitos dos aspectos afetivos da justiça e da injustiça. As investigações a respeito das representações sociais sempre se limitam ao grupo pesquisado visto que as representações refletem a pertença grupal e por isso variam de um grupo a outro. Os alunos de psicologia compõem um grupo predominantemente feminino, por isso sugerimos que nossas hipóteses possam ser testadas em grupo mais homogêneos a fim de verificarmos a possível influencia do gênero na afetividade ancorada nas representações sociais da justiça e da injustiça.

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Recebido em 02.02.2010

Primeira decisão editorial em 22.06.2010

Versão final em 21.09.2010

Aceito em 08.11.2010

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    Louise et Manon sont des amis très proches. Elles sont étudiantes du master 2 en psychologie. Elles ont travaillé ensemble sur un projet qui pourrait apporter à toutes les deux une bourse de doctorat. Manon a contribué à leur travail beaucoup plus que Louise, parce que Louise travaillait dans un supermarché pour payer ses études. À la fin la commission d'évaluation a décidé d'accorder la bourse à toutes les deux
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Fev 2010
    • Aceito
      08 Nov 2010
    • Revisado
      21 Set 2010
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