RESUMO
O objetivo deste estudo foi conhecer a diferença entre parentalidade e conjugalidade de pais e mães em situação de separação conjugal, de baixa renda e com filhos pequenos. Esta pesquisa foi realizada em uma clínica-escola universitária de Psicologia, a partir da metodologia qualitativa. Quatro mães e três pais participaram de entrevistas individuais semiestruturadas. Por meio de análise temática, os resultados evidenciaram a realidade dinâmica, paradoxal e recursiva dessas famílias, apresentando aspectos particulares e semelhantes a outros contextos socioeconômicos. Movimentos de manutenção e encerramento da conjugalidade e inclusão de terceiros no conflito conjugal contribuem para confusão entre os papéis parentais e conjugais. Tentativas de diferenciação entre esses papéis também foram observadas, oferecendo recursos que devem ser enfatizados.
Palavras-chaves:
separação; população de baixa renda; conflito conjugal; parentalidade
ABSTRACT
This study aims to differentiate parental and marital roles of low-income separated parents with small children. This survey was conducted in a university school clinic of Psychology, based on qualitative methodology. Four mothers and three fathers participated in semi-structured individual interviews. Through thematic analysis, the outcomes showed the dynamic, paradoxical, and recursive reality of these families, with particularities and similarities to other socioeconomic contexts. Movements to maintain and to end the marital roles and inclusion of third parties in the marital conflict contribute to confusion between parental and marital roles. Attempts to differentiate these roles were also observed, offering strengths that should be emphasized.
Keywords:
separation; low-income population; family conflict; parenting
Introdução
Um dos maiores desafios de uma família separada com filhos é diferenciar os papéis conjugais dos parentais. Esse processo de diferenciação relaciona-se diretamente com o conceito de fronteiras familiares, que consistem em demarcar limites que não podem ser cruzados e outras condições nas quais podem ser mais flexíveis. Em momentos de transição familiar, é comum haver fronteiras indefinidas e difusas para que o sistema se reorganize. Com o tempo, esses limites devem tornar- se nítidos e claros para seus membros (Emery, 2012Emery, R. E. (2012). Renegotiating Family Relationships: Divorce, Child Custody, and Mediation. New York: The Guilford Press.; Minuchin, Colapinto & Minuchin, 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.; Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
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; Silva & Lopes, 2012Silva, I. M. & Lopes, R. C. S. (2012). As relações entre o sistema conjugal e parental durante a transição para a parentalidade. Pensando Famílias, 16, 69-90.).
A conjugalidade inicia-se a partir do relacionamento entre dois adultos unidos por laços afetivos e sexuais, visando satisfazer suas necessidades psicológicas e apoiarem-se mutuamente, criando, portanto, o subsistema conjugal. Por sua vez, a parentalidade surge com a inclusão de um filho ao sistema familiar, exigindo do então casal o desenvolvimento de novas tarefas, voltadas à proteção, ao sustento e à educação dos filhos, formando, então, o subsistema parental. Ambos os papéis são carregados de crenças, valores e comportamentos construídos nas experiências com suas respectivas famílias de origem e outros vínculos comunitários e sociais. Dessa forma, conjugalidade e parentalidade estão imbricadas no processo de desenvolvimento familiar, sendo necessário que suas fronteiras sejam nítidas, a fim de privilegiar as necessidades dos filhos, não os inserindo em meio aos conflitos e tensões de ordem conjugal (Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.; Silva & Lopes, 2012Silva, I. M. & Lopes, R. C. S. (2012). As relações entre o sistema conjugal e parental durante a transição para a parentalidade. Pensando Famílias, 16, 69-90.; Ziviani, Féres-Carneiro & Magalhães, 2012Ziviani, C., Féres-Carneiro, T. & Magalhães, A. S. (2012). Pai e mãe na conjugalidade: Aspectos conceituais e validação de construto. Paideia, 22, 165-175. doi:10.1590/S0103-863X2012000200003
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).
A conjugalidade pode ser dissolvida pela decisão dos adultos em encerrar esse vínculo, ao passo que a parentalidade é indissolúvel, tendo em vista que os laços entre pais, filhos e irmãos devem continuar independentemente da configuração familiar (Ziviani et al., 2012Ziviani, C., Féres-Carneiro, T. & Magalhães, A. S. (2012). Pai e mãe na conjugalidade: Aspectos conceituais e validação de construto. Paideia, 22, 165-175. doi:10.1590/S0103-863X2012000200003
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). Sentimentos de raiva, mágoa e tristeza provenientes do processo de separação conjugal podem dificultar ainda mais esse processo de diferenciação, que é fundamental para a saúde emocional da família e, principalmente, dos filhos (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Em momentos de divórcio e separação, essas fronteiras precisam ser renegociadas e redefinidas entre o par parental. Inicialmente, cada adulto deve reconstruir suas fronteiras individuais por meio da elaboração do luto e de sua nova individualidade, para depois vir a estabelecer fronteiras claras com seu ex-cônjuge. Esse novo relacionamento entre o ex-casal deve caracterizar-se por um menor envolvimento emocional entre eles, típico da conjugalidade, e pela manutenção do envolvimento parental. Com fronteiras mais nítidas, os papéis parentais serão restabelecidos e os papéis relacionados à conjugalidade tenderão a desaparecer (Emery, 2012Emery, R. E. (2012). Renegotiating Family Relationships: Divorce, Child Custody, and Mediation. New York: The Guilford Press.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S. & Wagner, A. (2010). Casa do pai, casa da mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 77-87. doi:10.1590/S0102-37722010000100010
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).
A distinção entre esses papéis é particularmente importante em famílias com filhos pequenos, uma vez que essa fase do desenvolvimento exige ainda muitos cuidados, gerando maior interdependência entre pais e filhos. Além disso, as crianças conseguem perceber o conflito entre os pais, porém ainda não desenvolveram estratégias emocionais e cognitivas para evitarem participar das brigas entre o par parental. Dessa forma, é comum, em situações de separação conflituosa, as crianças serem envolvidas em triangulações, incluídas em conflitos intergeracionais e assumirem papéis incompatíveis com seu nível de desenvolvimento, gerando sobrecarga, estresse e sofrimento (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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; McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.).
Estudos sobre divórcio e separação são cada vez mais frequentes. A maioria dos estudos nacionais e internacionais realizados com pessoas e famílias separadas ou divorciadas, entretanto, não enfatiza questões econômicas, tendo como público alvo principalmente pessoas de classe média alta. De acordo com (Perez e Bairon 2013Perez, C. & Bairon, S. (2013). Universos de sentido da população de baixa renda no Brasil: Semânticas da estabilidade, da ascensão social e da mobilidade. Matrizes, 7, 177-191. Extraído de: http://www.matrizes.usp.br/matrizes/index.php/matrizes/article/view/298/pdf
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), cerca de 78% da população brasileira é proveniente das classes de baixa renda, que representam as classes C, D e E, vivendo com menos de três salários mínimos. Faz-se necessário, portanto, compreender as particularidades do processo de separação de famílias com baixa renda, salientando suas especificidades, dificuldades, recursos e competências (Amato, 2010Amato, P. R. (2010). Research on divorce: Continuing trends and new developments. Journal of Marriage and Family, 72, 650-666. doi:10.1111/j.1741-3737.2010.00723.x
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).
A ótica do presente trabalho, em relação às famílias de baixa renda que são separadas, ressalta suas competências, recursos e potencialidades, tendo em vista que a separação e o divórcio proporcionam transformações e podem favorecer uma reorganização familiar mais adequada a seus membros (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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). Essas modificações incluem a finalização da conjugalidade e a continuidade da parentalidade, sendo importante a discriminação desses papéis familiares. Nesse sentido, o objetivo deste artigo consistiu em investigar o processo de diferenciação dos papéis conjugais e parentais em situações de separações de pais e mães de baixa renda com filhos pequenos.
Método
A complexidade do fenômeno das separações e divórcios demanda a utilização de uma metodologia de pesquisa que contemple suas características pluridimensionais. Dessa forma, a presente pesquisa teve como base a epistemologia qualitativa que visa priorizar a caracterização, a compreensão e a interpretação do fenômeno estudado (Minayo, 2008Minayo, M. C. de S. (2008). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.). Este trabalho consiste na parte inicial de uma pesquisa mais ampla, que propunha uma intervenção psicossocial grupal com pais e mães separados com filhos pequenos.
Participantes
Os critérios de inclusão estabelecidos no projeto de pesquisa para seleção dos participantes foram: homens e mulheres que conviveram em união estável ou casamento; com filho(s) em idade infantil (até 12 anos incompletos) provenientes dessa relação; estarem separados do(a) companheiro(a) por um período de quatro a dezoito meses; possuírem renda pessoal de um a três salários mínimos; e concordarem com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o assinarem. Participaram da presente pesquisa sete pessoas que estavam vivenciando situação de separação conjugal, sendo quatro mães e três pais. Os nomes dos participantes são fictícios e suas informações estão apresentadas na Tabela 1.
Instrumento
Foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas com os participantes. A entrevista consiste em uma conversação entre duas ou mais pessoas, que implica a participação constante entre entrevistador e entrevistado. A modalidade semiestruturada da entrevista permite o direcionamento aos objetivos da pesquisa, além de certa liberdade de respostas de acordo com a variedade de conteúdos que podem ser construídos ao longo do processo empírico. O formato individual visou aprofundar a compreensão da história familiar relacionada à separação conjugal de cada participante, a partir de roteiro semiestruturado (Minayo, 2008Minayo, M. C. de S. (2008). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.). As entrevistas foram norteadas por um roteiro com perguntas que visavam explorar aspectos sobre conjugalidade, parentalidade, histórico da união, nascimento dos filhos e separação e relacionamento com as famílias de origem.
Procedimentos
Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB; Parecer Consubstanciado 527.255, de 11/02/2014), ele foi divulgado para serviços que atuam com famílias separadas e divorciadas no Distrito Federal, a fim de ampliar as possibilidades de recrutamento de participantes. As principais fontes de encaminhamentos para a realização desta pesquisa foram a Defensoria Pública do Distrito Federal e o Serviço de Assessoramento às Varas Cíveis e de Família (Seraf) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A partir dos encaminhamentos realizados, a equipe de pesquisadores entrou em contato via telefone, a fim de selecionar e convidar participantes para a pesquisa. Conforme os critérios de inclusão, 24 pessoas foram selecionadas e concordaram em participar da pesquisa, porém apenas sete delas compareceram à entrevista individual, realizada em uma clínica-escola universitária de Psicologia.
Registro e análise dos resultados
As entrevistas individuais foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas na íntegra. Os resultados construídos foram analisados conforme a metodologia de análise temática (Minayo, 2008Minayo, M. C. de S. (2008). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.). Segundo a autora, “a noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado assunto. Ela comporta um feixe de relações e pode ser graficamente representada através de uma palavra, de uma frase, de um resumo” (p. 315). A análise temática acontece em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na primeira etapa, foi realizada leitura exploratória inicial dos registros e transcrições de todo o material das entrevistas individuais. Posteriormente, buscaram-se palavras-chave, frases ou unidades de contexto que representavam as comunicações apresentadas. As falas mais significativas dos participantes foram selecionadas, sendo descritos os temas e conteúdos referentes a esses trechos. Os temas e conteúdos de cada entrevista individual foram agrupados, sistematizados e impressos em formato de cartazes. Finalmente, realizou-se a terceira etapa de tratamento e interpretação dos resultados, com destaque dos temas mais relevantes para responder ao objetivo da pesquisa, formando os núcleos temáticos.
Resultados e discussão
Em razão da natureza da metodologia utilizada nesta pesquisa, em que a construção dos resultados é realizada a partir da interpretação do pesquisador à luz da literatura científica, os resultados e a discussão serão apresentados conjuntamente. A partir da análise dos resultados, foram construídos três núcleos temáticos: 1) conjugalidade ainda presente, 2) triangulações com filhos, familiares e Justiça e 3) confusões e diferenciações entre conjugalidade e parentalidade.
Núcleo temático 1) Conjugalidade ainda presente: “Nos separamos, mas permanecemos juntos!”
A formação do jovem casal consiste na primeira fase do ciclo de vida familiar (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.). Notou-se que a maioria dos participantes relatou um rápido envolvimento conjugal, passando à coabitação poucos meses após se conhecerem. O processo de união conjugal acelerado nessas famílias relacionava-se, principalmente, à necessidade de moradia, aspectos financeiros e nascimento de um filho, como observado nas falas a seguir:
Gerson: Passou uns dois meses só que nos conhecemos, aí nós juntamos, nos unimos, né. Aí eu peguei e fui morar com ela.
Bruno: Aí eu morava com meus pais e ela morava com uma amiga. Elas se desentenderam e ela pediu se poderia ficar um tempo na minha casa, até arranjar outro lugar. Então deixei, aí ela foi ficando, foi ficando...
O ciclo de vida familiar é um modelo conceitual que foi inicialmente proposto e estudado com pessoas da classe média norte-americana, mas deve ser contextualizado e flexibilizado a partir de cada realidade familiar, cultural e social. Pouca atenção é dada às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social e às suas particularidades, como contexto de miséria, discriminação, desemprego, mortes precoces, abuso de substâncias e envolvimentos infracionais, influenciadas por diversas exclusões sociais e institucionais. As dificuldades estruturais desse contexto podem contribuir para a existência de ciclos familiares instáveis ou encurtados, aumentando as chances de conflitos, violências e separações, que por sua vez ampliam as vulnerabilidades sociais (Greene, Anderson, Forgatch, DeGarmo & Hetherington, 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.).
O encurtado e acelerado ciclo de vida dessas famílias também contribui para maior instabilidade no relacionamento conjugal, o que foi observado no relato de alguns participantes, como o de Cláudio: “Eu saí de casa umas três vezes, ou até mais. Ia e voltava, ia e voltava”. Esse vai e vem conjugal também se reflete após a decisão pela separação, mantendo ainda vivos aspectos relacionados à conjugalidade construída ao longo dos anos por meio de padrões e repetições adaptativas. Nos períodos de transição, como é o caso de uma separação, é esperado que as famílias acionem padrões estabelecidos anteriormente, a fim de resistirem às mudanças exigidas, com movimentos ambivalentes de manutenção e finalização da conjugalidade (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.).
Outro fator relacionado à manutenção da conjugalidade após a separação é a presença de intensos sentimentos direcionados ao ex-cônjuge. Muitos participantes demonstraram possuir afetos ainda atrelados à vida conjugal, como saudade, mágoa, tristeza e raiva:
Dalva: Eu perdi uma pessoa [ex-companheiro], mas [pausa e choro]... Desculpa. Mas eu tenho meus filhos, né?
Antônia: Se ele morrer, pra mim diferença nenhuma faz, é bom que, vou soltar fogos. Eu tenho vontade... Nem galinha, que eu tenho galinha lá, não tenho coragem de matar. E ele, eu tive vontade de matar.
A maioria dos participantes verbalizou o enfrentamento de momentos de profunda tristeza após a separação. A dissolução conjugal pode contribuir para o desenvolvimento de estados depressivos nos pais. Esse estado tende a diminuir a capacidade dos pais de diferenciar adequadamente as fronteiras familiares, levando ao aumento de conflitos e à desproteção dos filhos (Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
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). Além disso, os diversos desafios enfrentados pelas famílias de baixa renda podem ser exacerbados diante de um momento de crise e transição familiar, como a separação conjugal.
Deve-se contextualizar também o momento da dissolução conjugal dos participantes: a maioria estava separada entre sete meses e um ano. Nesse período, eles ainda se encontram em uma fase de transição de uma família casada para uma família separada, quando ainda estão sendo discutidas e negociadas questões legais, emocionais, financeiras, sociais e parentais necessárias para atingir uma nova homeostase familiar. Nessa fase do processo de luto familiar, é comum a existência desses sentimentos, que tendem a se dissipar cerca de dois anos após a separação (Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.). É fundamental, inicialmente, compreender a intensidade desse processo emocional e as dificuldades enfrentadas pelas famílias de baixa renda, para que se possa posteriormente exigir dos pais a priorização do bem-estar dos filhos, em detrimento dos sentimentos direcionados ao ex-cônjuge. É importante também situar que as dificuldades que surgem nesse processo de transição familiar não são necessariamente patológicas ou permanentes, mas representam tentativas da família para explorar novas possibilidades e se adaptar à nova situação (Emery, 2012Emery, R. E. (2012). Renegotiating Family Relationships: Divorce, Child Custody, and Mediation. New York: The Guilford Press.; Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.).
Além do tempo de separação, acredita-se que esses sentimentos também sejam intensificados por lembranças de situações de violência durante o relacionamento e a permanência de conflitos conjugais após a separação. A vivência de violência durante a união conjugal foi um aspecto bastante presente nos relatos das entrevistas, tendo sido relatado por todos os participantes, com exceção de Fátima:
Antônia: E chutava a comida que eu comprava... (...) Ele começava a xingar do nada, humilhava e, às vezes, eu aguentava calada, com medo de ter briga.
Bruno: E cada vez mais, assim, brigas horríveis, entendeu? De puxar faca.
Gerson: As minhas agressões foi muito pouca, mas talvez mais moral, né?
A violência doméstica é o reflexo da cultura patriarcal, que enrijece os papéis de gênero e cria desigualdades de poder entre homens e mulheres. Depreenderam-se das falas dos participantes muitas crenças e valores rígidos de gênero, não apenas colocando mulheres no papel de cuidadoras e homens como provedores, mas também desigualdades de força e poder. Ainda que as mulheres entrevistadas tenham demonstrado atitudes de força e superação diante das dificuldades, elas foram alvo de diversas violências. Segundo (Greene et al. 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.), após a separação, situações de violência podem ocorrer mais comumente contra a mulher e principalmente se foi ela quem decidiu pelo rompimento conjugal.
Em suma, o encurtamento do ciclo de vida familiar, a instabilidade do subsistema conjugal, a presença de intensos sentimentos após a separação e a vivência de violência conjugal são fatores que contribuem para manter os movimentos paradoxais de manutenção e finalização da conjugalidade. Ao mesmo tempo que a violência e os conflitos foram impulsionadores para a separação conjugal, as lembranças e os sentimentos vinculados a essa vivência trazem marcas emocionais e afetivas que contribuem para manter a conjugalidade. Embora teoricamente a conjugalidade se encerre após a separação, na prática ela continua presente, ainda que de uma forma diferente (Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S. & Wagner, A. (2010). Casa do pai, casa da mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 77-87. doi:10.1590/S0102-37722010000100010
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; Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Núcleo Temático 2) Triangulações: “Outras pessoas irão ajudar a me separar!”
Os movimentos paradoxais analisados no primeiro núcleo temático promovem um aumento de tensão e ansiedade no subsistema conjugal, que, por sua vez, contribui para a formação de diversas triangulações. Segundo (Bowen 1991Bowen, M. (1991). De la família al individuo: La diferenciación del si mismo en el sistema familiar. Barcelona: Paidos.), uma relação dual possui pouca capacidade de conter tensões e ansiedades, sendo necessário o envolvimento de um terceiro para aliviar e estabilizar a relação, formando então um triângulo. Esses terceiros são dialética e paradoxalmente incluídos e, por vezes, oferecem suporte e apoio, ao passo que outras vezes contribuem para a intensificação dos conflitos. Geralmente, essas alianças triangulares são transitórias e podem ser benéficas ao sistema. Os prejuízos surgem quando formam coalizões de oposição rígidas, aumentando a tensão, incluindo novos terceiros e criando lealdades rígidas e embates triangulados (Bowen, 1991Bowen, M. (1991). De la família al individuo: La diferenciación del si mismo en el sistema familiar. Barcelona: Paidos.; Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.). Em um relacionamento conjugal, os triângulos mais comuns envolvem os filhos, membros da família de origem, amantes, amigos e membros da rede social comunitária (Klever, 2008Klever, P. (2008). Triangles in marriage. In P. Titelman (Ed.), Triangles: Bowen Family System Theory Perspectives (pp. 243-264). New York: Routledge. doi:10.1300/5490_a
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). Nos discursos dos participantes, surgiram várias triangulações que se formaram durante a união e após a separação conjugal.
O principal alvo de triangulação incluído no relacionamento conjugal foram os filhos. (Cerveny 2006Cerveny, C. M. de O. (2006). Família e filhos no divórcio. In C. M. de O. Cerveny (Ed.), Família e... (pp. 83-95). São Paulo: Casa do Psicólogo.) utiliza as metáforas “cola”, “mala” e “bala” para apontar as principais triangulações dos filhos após a separação dos pais. Os filhos podem participar para manter “colado” o par parental, representando o desejo compartilhado em manter unida a família idealizada. Os pais também podem utilizar os filhos como “malas”, para enviar e receber recados entre o par parental, e ainda como “balas”, para atingir o outro genitor. Exemplos dessas triangulações são apresentados a seguir:
Fátima: A gente já estava quase separado, mas a gente disse: “Não, o menino é pequeno, vamos demorar mais um tempo.” (Função “cola”)
Antônia: Ela [filha] passou dois meses sem ir na casa deles [do pai e avó paterna], do tanto que eles perguntavam coisa da minha vida, aí ela foi e parou de ir. (Função “mala”)
Dalva: Às vezes eu xingava assim, falava assim “Ah, seu pai num presta, seu pai não faz isso, não faz aquilo”. (Função “bala”)
Essas funções também foram observadas em estudos anteriores e demonstraram ser fontes de sofrimento para os filhos, em especial aos filhos pequenos (menores de 12 anos), por ainda não terem desenvolvido habilidades para lidar com esses conflitos e lealdades. A triangulação de crianças, mantendo-as em funções que ultrapassam suas responsabilidades, prejudica seu desenvolvimento infantil. Os filhos únicos se mostram ainda mais vulneráveis nesse processo por não terem pares com os quais compartilhar as tensões e os sofrimentos (Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S. & Wagner, A. (2010). Casa do pai, casa da mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 77-87. doi:10.1590/S0102-37722010000100010
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; Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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), como é o caso da maioria dos filhos dos participantes desta pesquisa. Alguns participantes foram capazes de perceber o sofrimento dos filhos nesse processo de triangulação:
Bruno: Eu vejo que meu filho sofre, está vendo que um está do lado, um está do outro, a gente está brigado.
Cláudio: Depois da separação, ele [o filho] sentiu muito na escola. Ele não quer mais estudar e tal. (...) Ele não comia, teve problema que o estômago ficou travado, teve que levar no médico, tomar remédio...
Além do sofrimento físico e emocional, uma das principais consequências relacionadas às triangulações dos filhos após a separação conjugal refere-se ao processo de parentalização. Segundo (Boszormenyi-Nagy e Spark 1973Boszormenyi-Nagy, I., & Spark, G. M. (1973). Invisible Loyalties: Reciprocity in Intergenerational Family Therapy. New York: Harper & Row.), esse processo está relacionado à atuação comportamental ou fantasiosa de um dos cônjuges ou um filho em um papel parental, ou seja, de cuidados com o outro. Ensinar um filho a desenvolver habilidades de cuidado é importante para seu amadurecimento; entretanto, isso deve acontecer eventualmente e de acordo com sua capacidade desenvolvimental. Quando a parentalização de uma criança ocorre de maneira frequente e rígida, isso pode trazer sobrecarga e prejuízos a seu crescimento (Boszormenyi-Nagy & Spark; 1973Boszormenyi-Nagy, I., & Spark, G. M. (1973). Invisible Loyalties: Reciprocity in Intergenerational Family Therapy. New York: Harper & Row.; Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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). A maioria dos participantes relatou aspectos relacionados à parentalização de seus filhos:
Antônia: A Alice ia lá, me pegava e colocava na cama. Eu fingia que tava dormindo e voltava de novo. Quando eu tava com a depressão muito forte, a Alice me levava até pro banheiro pra tomar banho... Ela dorme comigo.
Cláudio: Mas ele chorou e falou para mim, o meu próprio filho falou para mim, na minha cara: “Pai, a melhor coisa para o senhor e para a mamãe é o senhor ficar aqui mesmo, aqui na minha avó aqui, fica morando por aqui mesmo, a gente se vê. Se o senhor voltar lá para casa e o senhor e a mamãe brigar de novo, eu não vou mais entender vocês”.
Essas falas demonstram um amadurecimento exagerado dos filhos, que se preocupam com seus genitores e comportam-se de modo incompatível com seu nível de desenvolvimento. A precocidade de cuidado e tomadas de decisão, características do processo de parentalização, parecem ser mais comuns diante de realidades mais duras em razão da pobreza e vulnerabilidade social, em que as crianças desde cedo são apresentadas a concretudes e ausências da vida. Paradoxalmente, essa organização é prejudicial para os membros da família, mas ao mesmo tempo garante, em curto prazo, a necessidade de sobrevivência familiar (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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; Penso & Sudbrack, 2004Penso, M. A. & Sudbrack, M. F. (2004). Envolvimento em atos infracionais e com drogas como possibilidades para lidar com o papel de filho parental. Psicologia USP, 15, 29-54. Extraído de: http://www.scielo.br/pdf/%0D/pusp/v15n3/24604.pdf
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).
Outra triangulação bastante comum relatada pelos participantes é a participação ativa das avós, tanto no que se refere ao apoio oferecido aos filhos e netos como nos conflitos conjugais. Essa triangulação apareceu tanto durante a união conjugal como após a separação. Durante a união, foram comuns na fala de alguns participantes as interferências de seus pais em decisões conjugais, como disse Gerson: “Minha mãe queria separar eu mais ela”. De acordo com (McGoldrick e Shibusawa 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.), os jovens adultos provenientes de extratos socioeconômicos mais desfavorecidos e que passaram por ciclos de vida familiar encurtados, ou incompletos, demonstram mais predisposição a continuarem dependendo emocional e materialmente de suas famílias de origem, incluindo-os em triangulações com seus cônjuges e filhos. Essa construção de identidade conjugal dependente limita o desenvolvimento dos papéis conjugais e parentais exigidos pela formação da nova família.
Observou-se, no relato dos participantes, que as avós são constantemente acionadas pelos filhos, genros e noras a cuidarem das crianças, momentaneamente durante as visitas ou até mesmo passando a residir com elas após a separação. Os avós podem desempenhar papel relevante para as famílias após separação ou divórcio, oferecendo principalmente dois tipos de apoio: emocional (como carinho, companhia, conselhos, transmissão de valores) e instrumental (como ficar em casa com a criança, ajudar financeiramente, fornecer alimentação). A intensidade desse apoio irá depender da distância de moradia, custódia, idade, estado civil e situação empregatícia dos avós (Schuler & Dias, 2015Schuler, E., & Dias, C. M. de S. B. (2015). Remarried families: Under the view of grandparents. Psychology, 6, 1341-1348. doi:10.4236/psych.2015.611131
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). Nos casos aqui analisados, observa-se que a maioria dos participantes voltou a residir com seus genitores após a separação, ou moram em casas oferecidas por eles. A rede familiar ampliada é comum de ser encontrada em famílias de baixa renda, no sentido de oferecer maior suporte econômico e de proteção a seus membros (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.).
Por sua vez, o maior nível de inter-relacionamento entre as gerações também pode trazer problemas e conflitos, uma vez que as negociações e tomadas de decisões incluem mais adultos. Essa participação paradoxal das avós, ora apoiando ora acirrando os conflitos, torna a autoridade parental fluida, podendo estar com os pais, outras vezes com avós ou outras referências mais próximas. Mensagens contraditórias, por parte dessas figuras de autoridade, podem trazer confusão para as crianças e interferir no entendimento de quais comportamentos são aceitáveis para seu adequado desenvolvimento (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.; Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.; Schuler & Dias, 2015Schuler, E., & Dias, C. M. de S. B. (2015). Remarried families: Under the view of grandparents. Psychology, 6, 1341-1348. doi:10.4236/psych.2015.611131
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).
Essa triangulação ambivalente das avós após a separação conjugal, oferecendo apoio emocional e estrutural no cuidado com os netos, bem como participando de conflitos familiares, é bem representada na fala de Antônia: “Ela [avó paterna] sempre foi daquela pessoa que se mete muito na vida da gente, ela sempre se meteu na criação da Alice. Mas só que como eu sempre precisei dela pra eu ir trabalhar, ela ficava com a Alice e levava no colégio. O que eu posso fazer?”. Esse é um significativo desafio das famílias de baixa renda com filhos pequenos, que necessitam do apoio oferecido pela família extensa e que precisam manejar a diluição da autoridade parental diante da participação ativa de outros adultos na vida dos filhos (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.; Schuler & Dias, 2015Schuler, E., & Dias, C. M. de S. B. (2015). Remarried families: Under the view of grandparents. Psychology, 6, 1341-1348. doi:10.4236/psych.2015.611131
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).
O aumento significativo da tensão conjugal também pode levar à formação de diversos triângulos interconectados que extrapolam o sistema familiar, incluindo representantes de instituições sociais, como hospitais, escolas e tribunais (Bowen, 1991Bowen, M. (1991). De la família al individuo: La diferenciación del si mismo en el sistema familiar. Barcelona: Paidos.). A Justiça também foi observada como parte da triangulação entre o ex-casal, sendo que os participantes verbalizaram, em vários momentos, a relevância e o poder que essa instituição exerce nas relações familiares. O contexto jurídico mostra-se ambiente atrativo para a triangulação e perpetuação do conflito familiar em razão de suas características beligerantes e adversariais (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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). Ressalta-se que esse tema pode também ter surgido em razão do contexto em que os participantes foram recrutados, uma vez que todos os participantes buscaram a Defensoria Pública para reivindicar direitos patrimoniais e em relação aos filhos, como guarda e regulamentação de visitas. Para essas famílias, a Justiça participa de um jogo de forças e poder diante dos conflitos após a separação, como pode ser observado na fala de Antônia: “Sabe por que que eu fui procurar a Defensoria? Eu não tenho ninguém, assim, pra me ajudar, eu vou pegar aquela menina e vou pra, morar aonde com ela, dentro da casa de filho? ... Aí fui na Justiça, aí quando eu fui, eu avisei eles que ia, eu não saí sem falar, eu falei: ‘Tô indo procurar meus direitos, eu saio daqui que nem vocês tão querendo, mas vocês têm que me pagar’.”.
Quando ocorre uma separação, muitos conflitos conjugais envolvem lutas de poder, resultando em competições, sentimento de injustiça e medos de perda. Os jogos de poder na família são formas de obter influência e controle e tornar mais previsível seu mundo social (Emery, 2012Emery, R. E. (2012). Renegotiating Family Relationships: Divorce, Child Custody, and Mediation. New York: The Guilford Press.). O poder simbólico que a Justiça exerce na sociedade e, particularmente, nas famílias inseridas nesse contexto pode trazer consequências ambivalentes, como garantir direitos e acirrar ainda mais as contendas familiares (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Outro aspecto a ser considerado na triangulação com a Justiça refere-se às diferenças significativas de gênero diante dos pedidos realizados pelos participantes a essa instituição. Os pedidos das mulheres à Justiça visavam legitimar seu papel parental e confirmar seu poder diante das decisões relacionadas aos filhos, por meio de ações de guarda e regulamentação de visitas. Por outro lado, os homens buscavam legitimar seu papel de homem e pai frente à família e à sociedade, porém evidenciando que seu papel parental tem pouca força diante dos filhos e da Justiça. Exemplos dessas diferenças são apresentados nas seguintes falas:
Elza: Eu pedi que o dia de visita fosse na casa da mãe dele, com a presença deles dois lá, sem sair, porque eu não confio [no ex-cônjuge], não confio mesmo.
Bruno: Se um dia o Benito chegar e me cobrar, vou falar: “Olha, meu filho, eu tentei, fiz o máximo que pude. Na hora que você quiser olhar, está aqui, mas não consegui”.
Esse resultado é coerente com dados estatísticos nacionais e internacionais que evidenciam que, embora em leve declínio, os filhos permanecem majoritariamente residindo no núcleo familiar materno após a separação (Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; IBGE, 2014Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2014). Estatísticas do Registro Civil: 2014. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Extraído de: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2014_v41.pdf
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). Se, por um lado, a manutenção da proximidade entre mães e filhos aumenta a influência e o controle materno sobre eles, podendo parecer um privilégio, por outro traz sobrecarga de responsabilidades de cuidado, educação e sustento, especialmente para mulheres separadas em camadas de baixa renda. Essas mulheres geralmente recebem pouco ou nenhum apoio dos pais no cuidado e sustento dos filhos, e tal contexto pode levá-las a buscarem mais de um emprego, afastando os filhos de seu convívio e expondo-os a outros contextos de vulnerabilidade (Castillo, 2010Castillo, J. T. (2010). The relationship between non-resident fathers’ social networks and social capital and the establishment of paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27, 193-211. doi:10.1016/j.childyouth.2008.10.008
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; Grzybowski & Wagner, 2010Grzybowski, L. S. & Wagner, A. (2010). Casa do pai, casa da mãe: A coparentalidade após o divórcio. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26, 77-87. doi:10.1590/S0102-37722010000100010
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).
Ainda que Fátima pareça uma exceção a esse padrão cultural, uma vez que o filho, diagnosticado com autismo, permaneceu na companhia paterna após a separação, continuava desempenhando papel parental ativo nos cuidados e responsabilidades, conforme contou: “Até então eu ia lá na casa da mãe dele[do ex-marido] passar as roupas. No início da separação, eu ia lá, eu passava, eu lavava, eu dava banho no Fábio, mandava para o colégio”. Os pais acordaram consensualmente pela guarda compartilhada e optaram pela manutenção da criança na residência paterna para privilegiar seu interesse superior, de manter sua rotina e acesso à escola em sua situação especial de desenvolvimento. Essa dinâmica condiz com a literatura, que afirma que mães que não coabitam com os filhos exercem papel mais ativo que pais que não residem com os filhos (Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.).
Ademais, é importante salientar as dificuldades enfrentadas pelas populações de baixa renda quanto ao acesso à Justiça e alcance de seus direitos. Os distanciamentos geográficos e simbólicos, por meio de seus formalismos jurídicos, entre a Justiça e a população, assim como os custos decorrentes da extensão temporal da prestação do serviço judiciário, prejudicam a garantia de direitos individuais e sociais (Paula, 2012Paula, C. R. D. N. de (2012). Representações sociais e acesso à Justiça. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 14, 87-103. Extraído de: http://www.confluencias.uff.br/index.php/confluencias/article/view/208/48
http://www.confluencias.uff.br/index.php...
; Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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). Apesar de os participantes terem acessado a assistência jurídica pública, a morosidade da Justiça é incompatível com as urgentes necessidades das famílias de baixa renda.
Questões de ordem material e concreta permeiam as situações de separação, que devem ser consideradas e legitimadas pela Justiça. Nos casos em que a união não foi formalizada, como é o caso da maioria dos participantes desta pesquisa, ainda que existam entendimentos jurídicos do regime de bens das uniões estáveis não formalizadas, parece existir uma complexidade maior quanto à construção de bens, que ocorre de maneira difusa. A maioria dos participantes residia em moradias cedidas pela família de origem, o que dificulta um entendimento mais justo e viável dessa divisão patrimonial. A não formalização da união é um aspecto que pode prejudicar a garantia de direitos patrimoniais, pois é preciso inicialmente reconhecer a união na Justiça e provar a aquisição de bens durante a união, o que nem sempre é possível para essas famílias. Dessa forma, muitos direitos patrimoniais são desconsiderados e violados.
Núcleo Temático 3) Confusões e diferenciações dos papéis parentais e conjugais: “Não foi um bom marido, nem um bom pai, mas ele é o pai!”
O ponto principal deste núcleo temático, e que se relaciona dialeticamente com os anteriormente apresentados, é a confusão e a diferenciação dos papéis conjugais e parentais. A manutenção da conjugalidade e os processos de triangulação apresentados nos núcleos anteriores são fatores que dificultam o relacionamento parental adequado com os filhos após a separação. Ao longo das entrevistas com os participantes, foram observados conteúdos da parentalidade que ainda refletiam aspectos não resolvidos da conjugalidade, bem como outras manifestações positivas que privilegiavam o papel parental do ex-cônjuge.
O desafio da diferenciação conjugal e parental não é exclusividade das famílias separadas. Os participantes também relataram situações em que essas fronteiras não estavam bem definidas ainda durante o relacionamento conjugal, como observado na fala de Gerson: “Sabe o que causou nossa separação bastante também? Pra você ver como a minha inteligência foi uma inteligência fraca. Porque eu peguei e, pra fazer o bem pras minhas crianças, eu saí da cama dela e deixei as crianças”. Quando o par parental ainda está casado, os subsistemas conjugal e parental são interdependentes e por vezes se confundem, por serem formados pela mesma díade. Mesmo na configuração familiar casada, é importante, para o desenvolvimento familiar saudável, realizar a distinção entre essas funções (Silva & Lopes, 2012Silva, I. M. & Lopes, R. C. S. (2012). As relações entre o sistema conjugal e parental durante a transição para a parentalidade. Pensando Famílias, 16, 69-90.).
Alguns participantes demonstraram maior confusão na distinção entre conjugalidade e parentalidade que outros. Elza, a mais jovem participante, demonstrou claramente um emaranhamento dos conflitos conjugais com o ex-companheiro mediante sua percepção sobre o papel parental dele, como observado na fala: “Para mim não foi um bom pai nem um bom marido”. Ao longo de sua entrevista, ela enfatizou sentimentos de mágoa e raiva decorrentes de aspectos conjugais, especialmente quando o ex-companheiro a deixava sozinha em casa com a filha. Elza também disse: “Porque quando ele poderia estar com ela [a filha], ele não ficou. Por que que agora, que a gente está separado, ele quer ficar com ela?”. Ainda que o ex-companheiro manifestasse interesse em ver a filha, bem como pagasse regularmente a pensão alimentícia sem determinação judicial, Elza não reconhecia sua importância na vida da filha, buscando restringir seu direito de visitas.
Além das tentativas de excluir o outro genitor dos cuidados e da participação na vida dos filhos, os participantes demonstraram compreender que, após a separação, os filhos são responsabilidade do genitor que reside com eles, como disse Bruno: “Se o menino estivesse comigo, era eu e ele, pronto e acabou, entendeu?”. Parece ainda prevalecer na sociedade um entendimento de que o rompimento do laço conjugal também ocasiona a interrupção dos laços e responsabilidades parentais, especialmente para aquele que não reside com os filhos. Acredita-se que essa visão relaciona-se com concepções tradicionais de casamento atreladas à família, bem como à legislação, que apenas recentemente incluiu o instituto da guarda compartilhada no Brasil, com aplicação ainda escassa. É fundamental a disseminação do conhecimento de que a parentalidade é um laço indissolúvel, independente da configuração familiar (Ziviani et al., 2012Ziviani, C., Féres-Carneiro, T. & Magalhães, A. S. (2012). Pai e mãe na conjugalidade: Aspectos conceituais e validação de construto. Paideia, 22, 165-175. doi:10.1590/S0103-863X2012000200003
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).
Valores rígidos de gênero em relação aos papéis de pai e mãe também contribuem para o afastamento do relacionamento parental após a separação. Tanto os participantes homens como as mulheres compartilharam crenças semelhantes no que se refere à participação ativa da mãe no cuidado com os filhos, ao passo que o pai deve assumir o papel de provedor da família, como demonstram as seguintes falas:
Cláudio: Mas eu acho que filho é bom mesmo é ficar com a mãe, entendeu?
Dalva: Porque a mulher está ali presente em tudo né. (...) O pai não presta de nada.
Gerson: Eu não tenho como tirar as filhas dela. Eu tenho que trabalhar, tenho que fazer minha vida.
Tendo em vista que a maioria dos filhos permanece residindo em companhia materna após a separação (Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; IBGE, 2014Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2014). Estatísticas do Registro Civil: 2014. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Extraído de: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2014_v41.pdf
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
), é comum haver um distanciamento paterno após a separação, o que foi observado nas histórias dos participantes. (Castillo 2010Castillo, J. T. (2010). The relationship between non-resident fathers’ social networks and social capital and the establishment of paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27, 193-211. doi:10.1016/j.childyouth.2008.10.008
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) discutiu algumas variáveis relacionadas ao envolvimento paterno na vida dos filhos e informou que pais com baixo nível educacional e provenientes de população de baixa e média renda são mais propensos a se distanciarem do apoio afetivo e financeiro dos filhos. Nessas famílias, em que a imposição pela sobrevivência mostra-se evidente, os custos de vida de se manter também recaem sobre os pais, levando-os a pagar pensões alimentícias irrisórias ou ainda a se abster de dar esse apoio financeiro aos filhos. Nesse sentido, e atrelado a crenças rígidas de gênero, o distanciamento financeiro e de provimento também pode levar ao afastamento físico e emocional dos pais, diminuindo a responsabilidade e o vínculo afetivo dos pais em relação aos filhos (Castillo, 2010Castillo, J. T. (2010). The relationship between non-resident fathers’ social networks and social capital and the establishment of paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27, 193-211. doi:10.1016/j.childyouth.2008.10.008
https://doi.org/10.1016/j.childyouth.200...
; Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D. & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: Um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17, 99-108. doi:10.5380/psi.v17i1.27560
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).
O enfraquecimento da parentalidade após uma separação também é influenciado pelos conflitos ainda presentes entre o par parental. Os participantes relataram que os conflitos ainda tensionavam o relacionamento entre eles, como disse Gerson: “Eu ligo ainda pra ela, converso com ela, muitas vezes ela desliga o telefone na minha cara”. Os conflitos podem surgir em virtude de definições incompletas de papéis e funções familiares (Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
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). O ciclo de vida familiar encurtado ainda nas famílias de origem e posteriormente na geração seguinte contribui para essa confusão de papéis, uma vez que as tarefas da infância, da adolescência e da formação conjugal não foram elaboradas e desenvolvidas adequadamente (McGoldrick & Shibusawa, 2012McGoldrick, M., & Shibusawa, T. (2012). The family life cycle. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (p. 375-398). New York: Guilford.).
O relacionamento entre o par parental influencia nas relações que os filhos irão desenvolver com os pais após a separação. A indiferenciação dos papéis parentais e conjugais, com presença de conflitos e violência conjugal, pode impactar profundamente o relacionamento entre pais e filhos, levando a um distanciamento e até mesmo à exclusão de um dos genitores, geralmente o pai. Esses conflitos e o afastamento frequentemente trazem prejuízos a todos os membros do sistema familiar (Castillo, 2010Castillo, J. T. (2010). The relationship between non-resident fathers’ social networks and social capital and the establishment of paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27, 193-211. doi:10.1016/j.childyouth.2008.10.008
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; Cúnico & Arpini, 2013Cúnico, S. D. & Arpini, D. M. (2013). O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: Um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, 17, 99-108. doi:10.5380/psi.v17i1.27560
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; Greene et al., 2012Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M. (2012). Risk and resilience after divorce. In F. Walsh (Ed.), Normal Family Processes: Growing Diversity and Complexity (pp. 102-127). New York: The Guilford Press.; Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
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).
Foi frequente também, na fala dos participantes, a desqualificação do outro genitor no papel parental, como se pode observar na fala de Elza: “Acho que ele não é um bom pai não”. O discurso negativo do outro genitor em seu papel parental é influenciado por questões ainda ligadas à conjugalidade. Essa desqualificação, além de aumentar e privilegiar o conflito conjugal, aponta um contexto de desproteção aos filhos em comum, pois transmite uma visão desvalorizada de uma significativa autoridade parental. Isso demonstra uma dificuldade dos pais em priorizar o bem-estar e o interesse superior das crianças, podendo prejudicar seu desenvolvimento e ampliar os conflitos e a situação de crise promovida pela separação (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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; Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
https://doi.org/10.1007/s10826-014-9914-...
).
Como todo processo humano e familiar carrega pontos contraditórios e paradoxais, analisaram-se, ao longo das entrevistas, alguns momentos em que se podem observar tentativas de diferenciação entre os papéis parentais e conjugais. Ainda que se compreenda a necessidade de afastamento em razão do término da conjugalidade, a presença dos filhos perpetua o relacionamento parental (Ziviani et al., 2012Ziviani, C., Féres-Carneiro, T. & Magalhães, A. S. (2012). Pai e mãe na conjugalidade: Aspectos conceituais e validação de construto. Paideia, 22, 165-175. doi:10.1590/S0103-863X2012000200003
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). Nesse sentido, alguns participantes demonstraram respeito ao papel parental do outro genitor na vida dos filhos, distinguindo a separação conjugal da manutenção parental, como pode ser observado nos exemplos a seguir:
Antônia: “Eu vi que no começo ela [filha] ficou meio revoltada com ele, sabe? Mas eu sempre conversando ‘Alice, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Não tem nada a ver! É seu pai! Querendo ou não, ele é seu pai’.”.
Bruno: “Estar ali na corda bamba de ter um certo vínculo, porque ela é mãe do meu filho, eu vou conviver com ela vida toda, mas, por outro lado, eu quero uma certa distância, entendeu?”
Essas falas demonstram o desafio de pais separados em compreenderem que os filhos não devem ser separados dos pais e que o vínculo parental continuará existindo. É fundamental que os pais compreendam que o relacionamento parental entre pais e filhos é indissolúvel e transmitam a importância e a segurança desse laço afetivo após uma separação conjugal. Dessa forma, o bem-estar das crianças e adolescentes é priorizado, em detrimento dos conflitos ainda existentes (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Outro aspecto significativo foi a qualificação do outro genitor no papel parental, reconhecendo ações de cuidado em relação aos filhos, como observado a seguir:
Cláudio: “É uma excelente mãe”.
Fátima: “Ele é nota dez, sempre foi, mas agora ele está sendo bem mais”.
A valorização positiva do outro genitor é benéfica para o desenvolvimento emocional e social dos filhos, uma vez que reforça o sentimento de segurança familiar nas crianças (Schudlich et al., 2015Schudlich, T. D. D. R., Norman, J., Nann, B. D., Wharton, A., Block, M., Nicol, H., Pendergast, K. (2015). Interparental conflicts in dyadic and triadic contexts: Parental depression symptoms and conflict history predict differences. Journal of Child and Family Studies, 24, 1047-1059. doi:10.1007/s10826-014-9914-7
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). Essa qualificação é especialmente importante em situações de separação com filhos, diminuindo sentimentos de ansiedade e depressão das crianças nesse momento de transição (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
É fundamental no processo de separação conjugal a diferenciação dos papéis conjugais e parentais, compreendendo a finalização da conjugalidade e mantendo a relação parental. Isso demonstra um amadurecimento parental e promove uma separação mais saudável para todos os membros da família, especialmente para os filhos, que devem manter a convivência familiar com ambos os genitores e suas famílias extensas. A priorização do bem-estar e do interesse superior das crianças e adolescentes, bem como um relacionamento que possui fronteiras nítidas após a separação, favorece maior envolvimento de ambos os pais no cuidado das necessidades psicológicas, afetivas, de proteção e sustento dos filhos (Castillo, 2010Castillo, J. T. (2010). The relationship between non-resident fathers’ social networks and social capital and the establishment of paternity. Child and Adolescent Social Work Journal, 27, 193-211. doi:10.1016/j.childyouth.2008.10.008
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; Emery, 2012Emery, R. E. (2012). Renegotiating Family Relationships: Divorce, Child Custody, and Mediation. New York: The Guilford Press.; Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Considerações finais
Os três núcleos temáticos construídos a partir das entrevistas individuais respondem ao objetivo de conhecer a diferenciação entre a parentalidade e a conjugalidade dessas famílias. Os movimentos recursivos que trazem à tona sentimentos ainda não resolvidos da conjugalidade e a formação de triangulações que mantém o conflito conjugal são aspectos significativos para a confusão dos papéis conjugais e parentais de pais e mães separados de baixa renda. Por outro lado, é importante contextualizar o curto tempo passado da separação, como também os aspectos paradoxais presentes nesse processo de formação de uma nova homeostase familiar.
O processo de distinção entre os papéis conjugais e parentais ocorre de maneira paradoxal, contraditória, dialógica e recursiva, com tentativas de diferenciação, bem como constantes recuos para aspectos da conjugalidade ao longo do tempo. A dialógica e a recursividade se mostraram fundamentais para a compreensão sistêmica e complexa dos resultados aqui apresentados. A dialógica permite conceber as contradições que permeiam o mesmo fenômeno complexo e a recursividade refere-se à constante interação e retroalimentação entre produtos e efeitos como causadores e produtores do processo de desenvolvimento. Além disso, a evolução e a construção dos sistemas vivos ocorrem por meio de processos paradoxais de ordem, desordem e organização (Esteves de Vasconcellos, 2003Esteves de Vasconcellos, M. J. (2003). Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus.). Nesse sentido, o fenômeno das dissoluções conjugais analisado no presente trabalho evidenciou a importância de se considerar as contradições presentes nesse processo de transição familiar.
O maior destaque que pode ser dado a este estudo refere-se à população estudada. Estudos sobre separação e divórcio raramente são realizados com a participação da população de baixa renda brasileira. A pesquisa com essas famílias visa não apenas conhecer e compreender sua realidade como também denunciar e divulgar suas dificuldades e competências (Amato, 2010Amato, P. R. (2010). Research on divorce: Continuing trends and new developments. Journal of Marriage and Family, 72, 650-666. doi:10.1111/j.1741-3737.2010.00723.x
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; Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.). Os conteúdos relacionados aos núcleos temáticos convergem com outras realidades familiares de acordo com a literatura. Retorno à conjugalidade, sentimentos e luto da separação, processo de triangulação dos filhos, de familiares e da Justiça, confusões e diferenciações dos papéis parentais e conjugais são aspectos destacados na literatura sobre famílias separadas e divorciadas (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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).
Algumas especificidades sobre a forma como as famílias de baixa renda se organizam devem, entretanto, ser ressaltadas. O encurtamento no ciclo de vida familiar, a participação mais ativa das avós, as revelações recorrentes de situações de violência doméstica, a informalidade presente nas uniões conjugais e as questões relacionadas à concretude da vida familiar e social são dimensões significativas nas famílias separadas de baixa renda. Ressalte-se que essas questões não se relacionam diretamente ou de maneira causal com o contexto de pobreza, mas estão dialética e recursivamente implicadas. O sentimento de impotência diante das vulnerabilidades e as múltiplas crises decorrentes de rompimentos e transições constantes são fatores que contribuem para situações de violência e fronteiras intra e extrafamiliares emaranhadas (Minuchin et al., 2011Minuchin, P., Colapinto, J. & Minuchin, S. (2011). O desafio de trabalhar com famílias de alto risco social: Uma abordagem sistêmica. São Paulo: Roca.).
Um limite da presente pesquisa refere-se ao contexto de encaminhamento dos participantes. Embora outros serviços voltados à área de saúde tenham sido incluídos na fase de recrutamento, os encaminhamentos realizados partiram de órgãos vinculados à Justiça. Ainda que alguns dos participantes não estivessem em ações formalmente litigiosas, o contexto jurídico representa socialmente um ambiente de disputas, contribuindo, assim, para maior intensificação dos conflitos conjugais. Nesse sentido, os resultados aqui apresentados podem ter sido significativamente influenciados por esse contexto beligerante e adverso. Sugere-se, portanto, que futuras pesquisas sobre esse tema incluam participantes que sejam usuários de serviços da assistência social e da saúde, que também atuam com famílias de baixa renda separadas.
Finalmente, sugere-se que os profissionais que irão atuar com essa população mantenham atenção para os momentos de potencialidade que surgem eventualmente em discursos muitas vezes voltados para os problemas e conflitos. Focalizar e enfatizar os recursos já existentes nas relações familiares e sociais contribui para a construção de perspectivas futuras mais positivas. Mesmo em situações de divórcios destrutivos que se perpetuam por anos, é possível encontrar pequenos elementos que se escondem atrás das narrativas de violência e conflito (Juras & Costa, 2011Juras, M. M. & Costa, L. F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos da Clínica, 16, 222-245. Extraído de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v16n1/a13v16n1.pdf
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Apoio: Capes
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2016
Histórico
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Recebido
08 Set 2016 -
Aceito
14 Dez 2016