RESUMO
Este estudo teve como objetivo investigar o impacto da extensão de palavra, da complexidade silábica e das propriedades segmentais - modo articulatório (MA) em tarefas de consciência fonológica, em crianças com desenvolvimento fonológico típico e com desvio fonológico. Participaram 80 sujeitos, na faixa etária dos 6:0, divididos em: grupo com desenvolvimento fonológico típico (GDFT) e grupo com desvio fonológico (GDF). Elaborou-se duas tarefas de consciência fonológica: segmentação silábica e identificação segmental. Foram analisadas a extensão de palavra, a complexidade silábica e as propriedades segmentais (MA). Utilizou-se o teste Qui-Quadrado, significância de 5%. Para extensão de palavra, os resultados foram significantes para os dois grupos, com segmentações corretas, principalmente, para dissílabas. Para a complexidade silábica, palavras formadas por onset complexo foram significantemente segmentadas corretamente, apenas pelo GDFT. Quanto às propriedades segmentais (MA), palavras com coda formada por líquida não lateral foram segmentadas de forma correta pelo GDFT. O GDFT obteve porcentagens de acertos, significantemente, maiores para a tarefa silábica e o total de acertos comparado ao GDF. As propriedades fonológicas analisadas influenciaram no desempenho das tarefas de consciência fonológica aplicadas. O grupo GDF obteve resultados inferiores nas tarefas aplicadas comparado ao grupo GDFT.
Palavras-chaves:
Criança; Linguística; Comportamento Verbal; Percepção da Fala
ABSTRACT
This study had the purpose investigating the impact of word length, syllable complexity and segmental properties (MA) in phonological awareness tasks, in children with typical phonological development and with phonological disorders and compare your results. Eighty subjects, in age group of six years old, divided in two groups, participated in this study: group with typical phonological development (GTPD) and group with phonological disorders (GPD). It was develop two tasks of phonological awareness: syllable segmentation and segmental recognition. It was analyzed the word length, the syllable complexity and the segmental properties (MA). Was used the Chi-Square Test, with significance level of 5%. For word extension, the results were significant for both groups, with correct segmentation for disyllabic. For syllable complexity, words formed by complex onset were significantly segmented correctly, by GDFT. Regarding the segmental properties (MA), words with non-lateral liquid coda were correctly segmented by GDFT. The group GTPD, significantly, higher for of right answers for the syllable task and the total of right answers. The analyzed phonological properties caused effect in the performance of the applied phonological awareness tasks. The group GPD obtained lower results in the applied tasks in comparison with the group GTPD.
Keywords:
Child; Linguistics; Verbal Behavior; Speech Perception
Introdução
Este estudo tem como tema o impacto das propriedades fonológicas das palavras na resolução de tarefas de consciência fonológica por crianças com desenvolvimento fonológico típico e com desvio fonológico, monolíngues do Português Brasileiro (PB). Este tema é pouco abordado nos estudos desenvolvidos no Brasil, apesar da sua importância, tanto para a avaliação da consciência fonológica quanto para a estimulação dessa capacidade.
Para a definição e o desenvolvimento deste tema de pesquisa foram recrutados alguns estudos sobre propriedades fonológicas que determinam a formação das palavras no PB, sobre a relação entre consciência fonológica e a aquisição da linguagem oral e sobre a consciência fonológica nos desvios fonológicos. A relação entre consciência fonológica e a aquisição da linguagem oral tem sido amplamente discutida em estudos desenvolvidos para o Português Europeu (PE), portanto, os dados obtidos na investigação em questão serão confrontados com estes estudos e com estudos sobre aquisição fonológica do PB.
Em relação às propriedades fonológicas, o enfoque foi dado à extensão de palavra, complexidade silábica e a propriedades segmentais, mais especificamente o modo articulatório (MA). Sobre a extensão de palavra, estudos realizados para o PB revelaram que no início da aquisição da linguagem as crianças têm preferência por palavras menores, monossílabas e dissílabas, as quais propiciam a aquisição de determinados segmentos, como, por exemplo, a aquisição da líquida lateral em coda medial, que é favorecida em palavras dissílabas (Rizzotto, 1997RIZZOTTO, Andrea Cristina. 1997. Os processos fonológicos de estrutura silábica no desenvolvimento fonológico normal e nos desvios fonológicos evolutivos. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Mezzomo, 1999MEZZOMO, Carolina L. 1999. Aquisição dos fonemas na posição de coda medial do português brasileiro, em crianças com desenvolvimento fonológico normal. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Mezzomo, 2003MEZZOMO, Carolina L. 2003. Aquisição da coda no português brasileiro: uma análise via teoria de Princípios e Parâmetros. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Mezzomo, et al., 2008MEZZOMO, Carolina L.; Janaína Sofia Baesso; Márcia L. Athayde; Roberta F. Dias; Vanessa Giacchini. 2008. O papel do contexto fonológico no desenvolvimento da fala. Letras de Hoje. 43(3):15-21.; Queiroga, et al. 2011QUEIROGA, Bianca A. M.; Jakelline M. Alves; Ana Augusta A. Cordeiro; Ana Cristina A. Montenegro; Rafaella Asfora. 2011. Aquisição dos encontros consonantais por crianças falantes do português não padrão da região metropolitana do Recife. Revista CEFAC. 13(2):214-226.).
Esta preferência por palavras menores no início da aquisição da linguagem, constatado nos estudos supracitados, pode estar relacionada à memória de trabalho, que tem um papel fundamental no desenvolvimento da linguagem e da fala das crianças (Linassi, Keske-Soares, mota, 2005LINASSI, Liziane Z.; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2005. Habilidades de memória de trabalho e o grau de severidade do desvio fonológico. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 17(3):383-392.; Gindri, Keske-Soares, Mota, 2007GINDRI, Gigiane; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2007. Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 19(3):313-322.; Rodrigues, Befi-Lopes, 2009RODRIGUES, Amalia; Débora M. Befi-Lopes. 2009. Memória operacional fonológica e suas relações com o desenvolvimento da linguagem infantil. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 21(1):63-8.). Neste sentido, Linassi, Keske-Soares, Mota (2005LINASSI, Liziane Z.; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2005. Habilidades de memória de trabalho e o grau de severidade do desvio fonológico. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 17(3):383-392.) observaram que quanto mais extensa a palavra (maior número de segmentos e sílabas), mais difícil foi o seu armazenamento, por crianças com desvio fonológico.
Em relação à complexidade silábica, no PB as sílabas podem ser constituídas da seguinte maneira: CV (ex.: mala, bola), (C)VC (ex.: carta, calor), CCV (ex.: preto, sombra), podendo conter, no máximo, cinco elementos, CCVCC (ex.: transporte). A aquisição dessas estruturas segue uma ordem crescente de complexidade: V e CV >> CVC >> CCV (ex: azul, pão, berço, prata, respectivamente). A sílaba formada por consoante-vogal (CV) é considerada não marcada por estar presente em todas as línguas do mundo, de emergência mais precoce no processo de aquisição dos diferentes sistemas linguísticos, sendo a estrutura predominante no PB (Lamprecht, 1993LAMPRECHT, Regina R. 1993. A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 28(2):107-17.; Kent, 1997; Mezzomo, 1999MEZZOMO, Carolina L. 1999. Aquisição dos fonemas na posição de coda medial do português brasileiro, em crianças com desenvolvimento fonológico normal. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Mezzomo, Menezes, 2001MEZZOMO, Carolina L.; Gabriela C. Menezes. Comparação entre a aquisição da estrutura silábica no português brasileiro (PB) e no português europeu (PE). 2001. Letras de Hoje. 36(3):691-698.; Lamprecht, 2004LAMPRECHT, Regina R. (Org.). 2004. Aquisição Fonológica do Português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed.).
Os sons disponíveis no PB para o preenchimento das sílabas referidas são: dezenove consoantes (/p, b, t, d, k, g, f, v, s, z, ∫, ʒ, m, n, ɲ, ʎ, l, r, R/) e sete vogais (/a, Ɛ, e, i, ɔ, o, u/), que seguem uma ordem de aquisição que pode ser definida sob diferentes aspectos, como ponto e modo articulatório. No que se refere ao modo articulatório, propriedade segmental investigada no presente estudo, a sequência de aquisição segue a seguinte ordem: plosivas e nasais seguidas de fricativas e de líquidas (ex: p, b / m, n → s, z → r, R). Por outro lado, considerando o ponto articulatório, a ordem de domínio ocorre, normalmente, com labiais seguidas de dentais e alveolares, seguidas de palatais e velares (ex: f v → t d → s z → k g) (Lamprecht, 1993LAMPRECHT, Regina R. 1993. A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 28(2):107-17.). Em relação às líquidas, as laterais são adquiridas antes das não laterais, sendo que o /l/ aparece antes de /ʎ/ e /R/ ("r forte"), geralmente antes de /r/ ("r fraco").
Pouca atenção tem sido dada a relação entre o desenvolvimento linguístico e o desenvolvimento da consciência fonológica que ocorrem simultaneamente no sistema cognitivo da criança, nos primeiros anos de vida (Alves, Faria, Freitas, 2010ALVES, Dina; Isabel H. Faria; Maria João Freitas. 2010. O efeito das propriedades fonológicas do segmento em tarefas de consciência segmental. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 19-43.; Afonso, Freitas, 2010AFONSO, Catarina Maria C.; Maria João Freitas. 2010. Consciência fonológica e desenvolvimento fonológico: o caso do constituinte Ataque em Português Europeu. In: Freitas, Maria João; Gonçalves, Anabela; Duarte, Inês (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri, 45-68.). Estes dois processos envolvem o nível fonológico da linguagem e seguem ordens de desenvolvimento crescentes em termos de complexidade e é justamente por isso, que se acredita que as propriedades fonológicas das palavras podem causar um impacto na resolução de tarefas de consciência fonológica, havendo uma interface entre estes dois aspectos.
De acordo com Cielo (2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.) e Sim-Sim (2006SIM-SIM, Inês. 2006. Ler e Ensinar a Ler. Lisboa: Práticas Pedagógicas. ), o desenvolvimento da consciência linguística nos diferentes subsistemas da linguagem oral ocorre de forma progressiva. Ao adquirir e usar a linguagem oral de forma espontânea, a criança também vai se sensibilizando ao conhecimento das propriedades da língua, manifestada através de autocorreções na detecção de erros nas suas próprias produções linguísticas ou de erros produzidos por outras pessoas, de jogos verbais e da adequação da fala às diferentes situações. Segundo as autoras, a sensibilidade a estes aspectos se configura na primeira etapa da via do conhecimento relacionado à metalinguagem.
Enquanto o seu domínio linguístico aumenta, a criança passa a reconhecer que as palavras são constituídas por sons que podem ser isolados e manipulados. Esta capacidade específica de perceber os sons do discurso, independentemente dos seus significados, denomina-se consciência fonológica (Sim-Sim, 2006SIM-SIM, Inês. 2006. Ler e Ensinar a Ler. Lisboa: Práticas Pedagógicas. ). Consciência fonológica, tema do presente estudo, refere-se à capacidade de identificar e manipular (segmentar, contar, unir, adicionar, suprimir e transpor) explicitamente as unidades da fala (palavras, sílabas, constituintes silábicos e segmentos) (Cielo, 2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Freitas, Alves, Costa, 2008FREITAS, Maria João; Dina Alves; Teresa Costa. 2008. O conhecimento da Língua: desenvolver a consciência fonológica. 2. ed. Lisboa: Ministério da Educação . ).
Os testes que avaliam a consciência fonológica são estruturados a partir de diversas tarefas, desde discriminação auditiva, síntese, segmentação e contagem de sílabas e fonemas, realismo nominal, entre outras. A dificuldade dessas tarefas varia em função dos requisitos mnésicos exigidos pela tarefa (atenção e memória) e das características fonológicas das unidades a serem manipuladas (posição dos elementos alvo na palavra, dimensão dessas unidades e suas propriedades fonológicas) (Silva, 2003).
Na literatura, as tarefas utilizadas para avaliar a consciência fonológica são diversificadas, sem que haja um consenso sobre a ordem de complexidade. Alguns estudos, como os de Moojen, et al., (2003MOOJEN, Sônia (Coord.). 2003. Consciência fonológica: Instrumento de avaliação seqüencial (CONFIAS). São Paulo: Casa do Psicólogo.), Cielo (2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.) e Rios (2011RIOS, Ana Catarina B. 2011. Programa de promoção do desenvolvimento da consciência fonológica. Viseu: Psicosoma.), propuseram uma ordem de aplicação das tarefas de consciência fonológica, iniciando com tarefas mais simples, como, por exemplo, identificação de palavras com igual sílaba inicial, e finalizando com tarefas mais complexas como inversão de sílabas, para o nível da sílaba. Castelo (2012CASTELO, Adelina. 2012. Competência metafonológica e sistema não consonântico no Português Europeu: descrição, implicações e aplicações para o ensino do português como língua materna. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ) elaborou uma escala crescente de complexidade para tarefas segmentais: identificação, reconstrução (síntese), identificação, segmentação ou manipulação e manipulação ou segmentação.
Inúmeros estudos desenvolvidos para o PE têm sido realizados no intuito de investigar o impacto das propriedades fonológicas das palavras em tarefas de consciência fonológica e de identificar uma possível interface entre a consciência fonológica e a aquisição fonológica (Veloso, 2003VELOSO, João Manuel P. S. A. 2003. Da influência do conhecimento ortográfico sobre o conhecimento fonológico: estudo longitudinal de um grupo de crianças falantes nativas do Português Europeu. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade do Porto. Porto/Portugal. ; Sim-Sim, 2006SIM-SIM, Inês. 2006. Ler e Ensinar a Ler. Lisboa: Práticas Pedagógicas. ; Afonso, 2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.; Barriguita, 2008BARRIGUITA, Soraia Alexandra P. 2008. Consciência intrassilábica dos segmentos [r] e [l]. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.; Meireles, 2008MEIRELES, Ana Carina. 2008. Consciência intrassilábica da Coda em tarefas de segmentação silábica. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.; Vicente, 2009VICENTE, Francisco Leonardo. 2009. Consciência fonológica no ensino básico em Moçambique. Dissertação - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal.; Alves, Castro, Correia, 2010ALVES, Dina; Ana Castro; Susana Correia. 2010. Consciência fonológica - dados sobre consciência fonémica, intrassilábica e silábica. Textos selecionados do XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 169-184.; Alves, Faria, Freitas, 2010ALVES, Dina; Isabel H. Faria; Maria João Freitas. 2010. O efeito das propriedades fonológicas do segmento em tarefas de consciência segmental. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 19-43.; Afonso, Freitas, 2010AFONSO, Catarina Maria C.; Maria João Freitas. 2010. Consciência fonológica e desenvolvimento fonológico: o caso do constituinte Ataque em Português Europeu. In: Freitas, Maria João; Gonçalves, Anabela; Duarte, Inês (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri, 45-68.; Vicente, 2010VICENTE, Francisco. 2010. Consciência fonológica no ensino básico em Moçambique. Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 69-94.; Alves, Lacão, 2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.; Castelo, Freitas, Miguens, 2010CASTELO, Adelina; Maria João Freitas; Fátima Miguens. 2010. Níveis de escolaridade e a capacidade de segmentação de palavras: o efeito da extensão de palavras na identificação de segmentos. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 119-144.; Alves, 2012ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ; Afonso, Gonçalves, Freitas, 2014AFONSO, Catarina; Anabela Gonçalves; Maria João Freitas. 2014. A princesa ficou “adormir ou a dormir”? Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto. 9:35-58; Afonso, Freitas, 2017AFONSO, Catarina; Maria João Freitas. 2017. Um polvo é igual a um pato? Sobre o impacto das variáveis fonológicas na avaliação do conhecimento metalinguística. Revista da Associação Portuguesa de Linguística. 9(3):1-20.). Os aspectos que têm sido investigados por estes autores são: extensão de palavra, complexidade da estrutura silábica e propriedades segmentais (ponto e modo articulatório).
Alguns dos estudos têm mostrado que as propriedades fonológicas das palavras produzem impacto em tarefas de consciência fonológica e podem destoar do desenvolvimento linguístico infantil ou mostrar um paralelismo entre estes aspectos (Afonso, 2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.; Alves, Faria, Freitas, 2010ALVES, Dina; Isabel H. Faria; Maria João Freitas. 2010. O efeito das propriedades fonológicas do segmento em tarefas de consciência segmental. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 19-43.; Alves, Faria, Freitas, 2010ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ). Alves, Faria e Freitas (2010ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ), por exemplo, analisaram o efeito das propriedades segmentais, ponto e modo articulatório, no desempenho de tarefas de consciência segmental, por crianças em processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Para isso, elas usaram uma tarefa de detecção segmental (prova do intruso) em que a criança deveria identificar, entre três palavras, aquela que diferia em relação a consoante da margem esquerda da palavra. Os resultados dessa investigação mostraram um paralelismo entre o desenvolvimento fonológico e a consciência fonológica para o ponto articulatório ao contrário do modo articulatório. Para o ponto articulatório, o grau de dificuldade para a detecção da palavra intrusa em ordem crescente foi: labial; coronal >> dorsal. Para o modo articulatório, os segmentos [+contínuo] mostraram ter um efeito promotor de respostas corretas na prova aplicada e o [-contínuo] um efeito desfavorecedor.
Afonso (2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.) e Afonso e Freitas (2010AFONSO, Catarina Maria C.; Maria João Freitas. 2010. Consciência fonológica e desenvolvimento fonológico: o caso do constituinte Ataque em Português Europeu. In: Freitas, Maria João; Gonçalves, Anabela; Duarte, Inês (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri, 45-68.) investigaram o papel da complexidade prosódica na segmentação silábica, considerando-se três variáveis: complexidade silábica, extensão de palavras e acento de palavras. Os resultados obtidos pelas autoras revelaram que palavras formadas com as estruturas silábicas CV e V na margem esquerda foram segmentadas mais facilmente, quando comparado com palavras contendo CCV.
Para o holandês, um estudo com crianças na faixa-etária dos seis anos de idade mostrou que há correlação entre a performance em tarefas segmentais (síntese, isolamento, segmentação e exclusão), a posição de determinado segmento na palavra (inicial e final) e a classe dos segmentos (nasais, plosivas, fricativas e líquidas) (Graaff et al., 2011GRAAFF, Saskia; Fred Hasselman; Ludo Verhoeven; Anna M. T. Bosman. 2011. Phonemic awareness in Dutch kindergartners: Effects of task, phoneme position, and phoneme class. Learning and Instruction. 21:163-73.). Treiman et al. (1998TREIMAN, Rebecca; Victor Broderick; Ruth Tincoff; Rodriguez. 1998. Children`s phonological awareness: confusions between phonemes that differ only in voicing. Journal of Experimental Child Psychology. 68:3-21.) reforçam a importância de se analisar a influência das propriedades fonológicas das palavras na resolução de tarefas fonêmicas.
No Brasil, alguns protocolos de avaliação da consciência fonológica descrevem alguns cuidados tomados na escolha das palavras que compõem suas tarefas (Cielo 2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Moojen, et al., 2003MOOJEN, Sônia (Coord.). 2003. Consciência fonológica: Instrumento de avaliação seqüencial (CONFIAS). São Paulo: Casa do Psicólogo.; Cunha, Capellini, 2009CUNHA, Vera Lúcia O.; Simone A. Capellini. 2009. PROHMELE: Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura. Rio de Janeiro: Revinter Ltda.a). Alguns aspectos considerados na elaboração das tarefas foram: classe gramatical das palavras, extensão das palavras em relação ao número de sílabas e de fonemas, estrutura silábica, posição na palavra da estrutura fonológica testada, entre outros. Apesar desse cuidado, não há estudos que tenham, de fato, investigado o impacto dessas propriedades em tarefas de consciência fonológica, em crianças com desenvolvimento fonológico típico, tampouco com desvio fonológico.
A grande maioria das crianças com desvios linguísticos possui menos habilidades em consciência fonológica, quando comparadas a crianças com desenvolvimento típico de linguagem. Por outro lado, há crianças com desvios de fala que apresentam desempenho em tarefas de consciência fonológica igual e até superior à de crianças com desenvolvimento fonológico típico (Magnusson, 1990MAGNUSSON, Eva. 1999. Consciência metalingüística em crianças com desvios fonológicos. In: Mehmet S. Yavas (Org.). Desvios fonológicos em crianças: Teoria, pesquisa e tratamento. Porto Alegre: Mercado Aberto, 109-148.; Menezes, 1999MENEZES, Gabriela C. 1999. A Consciência Fonológica na Relação fala-escrita em crianças com Desvio Fonológico Evolutivo. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Freitas, 2004FREITAS, Gabriela C. M. 2004a. Consciência Fonológica e aquisição da escrita: um estudo longitudinal. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. a; Dias, Mota, Mezzomo, 2009DIAS, Roberta F.; Helena B. Mota; Carolina L. Mezzomo. 2009. A consciência fonológica e a consciência do próprio desvio de fala nas diferentes gravidades do desvio fonológico. Revista CEFAC. 11(4):561-570.).
Diversos são os estudos que evidenciaram que crianças com desvio fonológico apresentam resultados inferiores em tarefas de consciência fonológica (silábicas e segmentais), em relação a crianças com desenvolvimento típico de linguagem, evidenciando uma relação positiva entre este tipo de desvio e dificuldades nesta habilidade (Stackhouse et al.; 2002STACKHOUSE, Joy; Bill Wells; Michelle Pascoe; Rachel Rees. 2002. From phonological therapy to phonological awareness. Seminars in Speech and Language. 23(1):27-42.; Morales, Mota, Keske-Soares, 2002MORALES, Michele V.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2002b. Habilidades em Consciência Fonológica em crianças com Desvios Fonológicos. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. 3(10):72-75.a; Morales, Mota, Keske-Soares, 2002bMORALES, Michele V.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2002b. Habilidades em Consciência Fonológica em crianças com Desvios Fonológicos. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. 3(10):72-75.; Vieira, Mota, Keske-Soares, 2004VIEIRA, Michele G.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2004. Relação entre idade, grau de severidade do desvio fonológico e consciência fonológica. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. 9(3):144-150.; Laing, Espeland, 2005LAING, Sandra P.; Wendy Espeland. 2005. Low intensity phonological awareness training in a school classroom for children with communication impairments. Journal Communications Disorders. 38(1):65-82.; Melo Filha, Mota, 2009MELO FILHA, Maria da Graça; Helena B. Mota. 2009. Habilidades em consciência fonológica de sujeitos após realização de terapia fonológica. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 21(2):119-124.; Preston, Edwards, 2010PRESTON, Jonathan;Mary Louise Edwards. 2010. Phonological Awareness and Types of Sound Errors in Preschoolers With Speech Sound Disorders. Journal of Speech Language and Hearing Research. 53:44-60.; Marchetti, Mezzomo, Cielo, 2010MARCHETTI, Paula T.; Carolina L. Mezzomo; Carla A. Cielo. 2010. Desempenho em consciência silábica e fonêmica em crianças com desenvolvimento de fala normal e desviante. Revista CEFAC. 12(1):12-20.; Wertzner, et al., 2012WERTZNER, Haydée F.; Gabriele L. Claudino; Daniela E. S. Galea; Luciane K. Patah; Márcia M. Castro. 2012. Medidas fonológicas em crianças com transtorno fonológico. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.17(2):189-195.; Preston, Hull, Edwards, 2013PRESTON, Jonathan; Margaret Hull; Mary Louise Edwards. 2013. Preschool Speech Error Patterns Predict Articulation and Phonological Awareness Outcomes in Children With Histories of Speech Sound Disorders. American Journal of Speech-Language Pathology. 22:173-184.; Stefanini, et al., 2013STEFANINI, Marcela R; Breila V. Oliveira; Fabiana Carla Marcelino; Luciana P. Maximino. 2013. Desempenho em consciência fonológica por crianças com transtorno fonológico: comparação de dois instrumentos. Revista CEFAC.15(5):1227-1235.).
Esta relação positiva entre os desvios fonológicos e a dificuldade em resolver tarefas de consciência fonológica pode ocorrer, segundo Magnusson (1990MAGNUSSON, Eva. 1999. Consciência metalingüística em crianças com desvios fonológicos. In: Mehmet S. Yavas (Org.). Desvios fonológicos em crianças: Teoria, pesquisa e tratamento. Porto Alegre: Mercado Aberto, 109-148.) e Wertzner, et al. (2012WERTZNER, Haydée F.; Gabriele L. Claudino; Daniela E. S. Galea; Luciane K. Patah; Márcia M. Castro. 2012. Medidas fonológicas em crianças com transtorno fonológico. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.17(2):189-195.), por motivos diferentes, a saber: algumas crianças com desvios de fala não têm acesso ao conhecimento linguístico, pois não desenvolveram o tipo de processamento cognitivo necessário para refletir, analisar, julgar ou manipular a língua e suas características estruturais; outras, mesmo sendo capazes de refletir sobre a língua como as crianças com desenvolvimento fonológico considerado típico, talvez tenham acesso ao próprio conhecimento linguístico, que pode estar caracterizado por alguns desvios. Desse modo, tais crianças podem cometer erros por utilizarem suas representações desviantes. Ambas as circunstâncias podem coincidir, ou seja, as crianças com desvios linguísticos podem não conseguir refletir sobre a língua e, além disso, apresentar desvios de fala. Por último, há crianças com desvios que parecem ter acesso a representações fonológicas normais, mesmo quando apresentam desvios na sua própria produção oral.
Magnusson (1990MAGNUSSON, Eva. 1999. Consciência metalingüística em crianças com desvios fonológicos. In: Mehmet S. Yavas (Org.). Desvios fonológicos em crianças: Teoria, pesquisa e tratamento. Porto Alegre: Mercado Aberto, 109-148.) já referia a possibilidades de as propriedades fonológicas das palavras utilizadas em tarefas de consciência fonológica influenciar na sua resolução, por crianças com desvio fonológico. Conforme a autora, há risco de que o déficit linguístico apresentado por crianças com desvio fonológico a impeça de mostrar evidências da sua capacidade de refletir sobre a linguagem se é escolhido um tipo de resposta que imponha grandes exigências, quanto à capacidade verbal. Suas dificuldades no uso da linguagem para expressar suas ideias podem ser confundidas com a ausência de capacidade metalinguística.
Santos, Navas & Pereira (1997SANTOS, Maria Teresa M.; Ana Luiza G. P. Navas; Liliane D. Pereira. 1997. Estimulando a consciência fonológica. In: Liliane D. Pereira; Eliane Schochat. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise.), destacaram a importância das características fonêmicas dos sons que compõem as palavras nas tarefas de consciência fonológica na terapia fonoaudiólogica, referindo que alguns fonemas são mais facilitadores do que outros para iniciar a estimulação da consciência fonológica ao nível do fonema.
Com base nos trabalhos supracitados, este estudo teve como objetivo investigar o impacto da extensão de palavra, da complexidade silábica e das propriedades segmentais (MA) em tarefas de consciência fonológica, em crianças com desenvolvimento fonológico típico e com desvio fonológico, comparando seus resultados.
Considerando os achados dos estudos realizados para o PE, em que se tem constatado um impacto das propriedades fonológicas das palavras em tarefas de consciência fonológica e, em alguns casos uma relação com a aquisição fonológica foram definidas as hipóteses de pesquisa, a saber: 1) As propriedades fonológicas das palavras que integram tarefas de consciência fonológica podem promover um impacto no desempenho dessas tarefas; 2) Existe uma interface entre a aquisição fonológica e o desempenho em tarefas de consciência fonológica, silábica e segmental; 3) Crianças com desvio fonológico apresentam resultados inferiores em tarefas de consciência fonológica, quando comparadas com crianças com desenvolvimento fonológico típico.
Métodos
Este trabalho, do tipo exploratório transversal, faz parte de um projeto de pesquisa intitulado “O estudo de diferentes habilidades perceptivas em crianças com desenvolvimento típico e atípico de fala”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CEP-UFSM) sob o número 0202.0.243.000-11.
A coleta de dados foi realizada no Serviço de Atendimento Fonoaudiológico da UFSM - SAF/UFSM e em três escolas públicas e estaduais da cidade de Santa Maria, no período de agosto de 2013 a agosto de 2014, pré-estabelecido no projeto de pesquisa que este estudo fez parte.
Caracterização da amostra
Participaram deste estudo 80 crianças, divididas em dois grupos: grupo com desenvolvimento fonológico típico (GDFT) e grupo com desvio fonológico (GDF). O primeiro grupo ficou composto por 55 crianças (30 meninas e 25 meninos), com media de idade de 6:4. O segundo grupo ficou formado por 25 sujeitos (5 meninas e 20 meninos), com média de idade de 6:1 (Quadro 1).
Todos eles estavam frequentando a escola, sendo 18 na pré-escola e 62 no primeiro ano do ensino fundamental. Apesar dessa diferença entre a escolaridade dos sujeitos, quando analisado a hipótese de escrita (HE), a grande maioria deles, sessenta e sete sujeitos, apresentou hipótese pré-silábica ou silábica, o que tornou a amostra mais homogênea.
Ao todo, foram avaliadas 100 crianças, no entanto, devido aos critérios de exclusão, a amostra ficou composta de 80 crianças. Todas elas foram submetidas a uma triagem fonoaudiológica em que foram observados aspectos relacionados à motricidade orofacial, a qualidade vocal, a linguagem compreensiva e expressiva oral e a linguagem escrita. A avaliação da escrita teve como objetivo identificar a HE dos sujeitos (pré-silábica, silábica, silábico-alfabética ou alfabética) e foi realizada a partir da classificação de Ferreiro & Teberosky (1999). Para que participassem deste estudo, foi necessário que atendessem aos seguintes critérios: ter idade entre cinco anos e seis anos, 11 meses e 30 dias; ter desenvolvimento típico de fala ou diagnóstico de desvio fonológico, aceitar participar do estudo e estar autorizada pelos pais para participar do estudo, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Aquelas crianças que já haviam recebido ou estavam recebendo terapia fonoaudiológica; que apresentaram alterações fonoaudiológicas (como alterações de voz, de motricidade orofacial, alterações de audição e/ou linguagem) e que apresentaram sinais de alterações neurológicas, cognitivas ou psicológicas evidentes, foram excluídas do estudo. Ressalta-se que todas as crianças que apresentaram alterações, sejam elas fonoaudiológicas ou de outras especificidades, receberam os devidos encaminhamentos para diferentes especialidades, conforme as dificuldades ou alterações apresentadas.
Além dos critérios de exclusão supracitados, aquelas crianças que demonstraram dificuldades em realizar as tarefas de consciência fonológica aplicadas, apresentando resultados muito rebaixados em relação às outras crianças, foram excluídas da amostra. Houve casos em que a criança respondeu apenas uma parte do instrumento e não foi mais à escola. Esses dados foram excluídos da amostra.
Material e Métodos
Para que os objetivos deste estudo fossem atingidos, foi necessária a construção de um instrumento de avaliação da consciência fonológica para o PB, com o controle das propriedades fonológicas das palavras utilizadas nas tarefas. A necessidade da construção deste instrumento justifica-se pelo fato de terem sido analisadas propriedades fonológicas muito específicas neste estudo, não controladas por outros instrumentos de avaliação da consciência fonológica, disponíveis na literatura, para o PB.
Para tanto, foram selecionadas duas tarefas de consciência fonológica, uma silábica e outra segmental, e foram determinados critérios linguísticos para a escolha das palavras. Para a escolha das tarefas realizou-se uma varredura, a partir de estudos que apresentaram um gradual em complexidade de tarefas de consciência fonológica (Cielo, 2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Rios, 2011RIOS, Ana Catarina B. 2011. Programa de promoção do desenvolvimento da consciência fonológica. Viseu: Psicosoma.; Castelo, 2012CASTELO, Adelina. 2012. Competência metafonológica e sistema não consonântico no Português Europeu: descrição, implicações e aplicações para o ensino do português como língua materna. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ). Com isso, foram selecionadas as tarefas de segmentação silábica e identificação segmental para compor o instrumento, no intuito de minimizar dificuldades de ordem cognitiva na sua resolução, de forma que as variáveis fonológicas testadas pudessem ser analisadas com o mínimo de interferência de dificuldades desta natureza.
Critérios linguísticos
Os critérios linguísticos estabelecidos antes da seleção das palavras para compor as tarefas do instrumento foram:
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Seleção de palavras monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas;
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Com exceção das palavras monossílabas, as palavras deveriam ser paroxítonas, já que este é o padrão acentual da grande maioria das palavras do PB (Collischonn, 2010COLLISCHONN, Gisela. 2010. O acento em português. In: Leda Bisol (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 5. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 132-165.);
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Seleção de palavras da classe dos substantivos, justamente por ser a classe gramatical que prevalece durante a aquisição lexical inicial (Vidor, 2008VIDOR, Deise Cristina M. G. 2008. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.), sendo àquela que propicia a estabilização da produção correta de determinadas estruturas fonológicas (Freitas, Gonçalves, Gonçalves, 2010FREITAS, Maria João; Anabela Gonçalves; Fernanda Gonçalves. 2010. Aspectos fonológicos e morfossintácticos da aquisição dos ditongos nasais em Português europeu. Diacrítica. 24(1):249-266.). Para este critério houve uma exceção, o monossílabo “tu”, devido à dificuldade de se encontrar uma palavra monossílaba que iniciasse com /t/;
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Todas as sílabas fora do alvo analisado (onset simples, coda ou onset complexo) deveriam apresentar estrutura CV, que é a estrutura canônica do português. As palavras touca e cenoura, utilizadas nas tarefas de segmentação silábica e identificação segmental, respectivamente, foram duas exceções. Essas palavras são formadas pelo ditongo decrescente [ow], sendo que a sua produção no PB costuma sofrer monotongação, como, por exemplo, cenoura → [se’noſƏ]. Esses ditongos são chamados de “ditongos falsos” (Bonilha, 2000BONILHA, Giovana G. 2000. Aquisição dos ditongos orais decrescentes: uma análise à luz da teoria da otimidade. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Collischonn, 2010COLLISCHONN, Gisela. 2010. O acento em português. In: Leda Bisol (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 5. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 132-165.);
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Seleção de segmentos com o mesmo ponto articulatório, coronal [+anterior], que é o ponto não marcado no PB (Lamprecht, 1993LAMPRECHT, Regina R. 1993. A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 28(2):107-17.) e que ocorre em todas as classes naturais (plosiva, nasal, fricativa e líquida);
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Seleção de segmentos que ocupassem diferentes posições na sílaba (onset simples, coda silábica e onset complexo).
Identificação das palavras
Depois de estabelecidos os critérios linguísticos, foram selecionadas as palavras para compor as tarefas silábica e segmental. A primeira tarefa, segmentação silábica, ficou composta por 39 palavras, sendo quatro monossílabas, 21 dissílabas, oito trissílabas e seis polissílabas. Com exceção das monossílabas, as palavras deveriam ser paroxítonas e conter diferentes segmentos, ocupando distintos constituintes silábicos (onset simples, coda silábica e onset complexo), em diferentes posições na palavra (inicial, medial e final) (Quadro 2).
Nesta tarefa foram investigadas as seguintes propriedades fonológicas: extensão de palavra (monossílaba, dissílaba, trissílaba e polissílaba); complexidade silábica (onset simples, coda silábica e onset complexo) e propriedades segmentais (MA) (líquida lateral → /l/, líquida não lateral → /r/, nasal → /n/, fricativa → /s/, plosiva → /t/). Destaca-se que a extensão de palavra foi analisada apenas para palavras formadas pela estrutura CV.
Para a tarefa segmental, selecionaram-se 22 estímulos paroxítonos, oito dissílabos e 14 trissílabos, contendo diferentes segmentos, ocupando distintos constituintes silábicos (onset simples, coda silábica e onset complexo) em diferentes posições na palavra (inicial, medial e final) (Quadro 3).
Palavras usadas na tarefa de identificação segmental. Itens de treino: identificar o segmento [t] nas palavras pato e caneta
As propriedades fonológicas analisadas nesta tarefa foram: propriedades segmentais (MA) (líquida lateral → /l/, líquida não lateral → /r/, nasal → /n/, fricativa → /s/, plosiva → /t/) e complexidade silábica (onset simples, coda silábica e onset complexo).
Para a escolha dos estímulos foram consultados livros infantis, dicionários comuns e o site “Portal da Língua Portuguesa”.
Construção dos estímulos visuais
Após a seleção dos estímulos, realizou-se a elaboração de uma representação pictográfica para cada um deles. A utilização dos desenhos teve como objetivo diminuir a interferência da memória operacional (de curto prazo) e fadiga, assim como foi preconizado em outros instrumentos disponível na literatura, como o CONFIAS (Moojen, et al., 2003MOOJEN, Sônia (Coord.). 2003. Consciência fonológica: Instrumento de avaliação seqüencial (CONFIAS). São Paulo: Casa do Psicólogo.). Além disso, o uso de desenhos na avaliação da consciência fonológica evita que os estímulos sejam dados oralmente pelo avaliador, o que poderia caracterizar uma pista articulatória (visual) e auditiva para a criança. Portanto, com o recurso do desenho, a resposta dada pela criança é fruto do seu conhecimento fonético/fonológico internalizado, sem a interferência de pistas desta ordem. Os desenhos foram criados exclusivamente para este estudo e foram elaborados por um ilustrador.
A grande maioria das cinquenta e três ilustrações foi formada apenas pelo desenho do estímulo alvo, sendo necessário para algumas delas elementos para contextualizar, como: lã, tu, neve, limonada, peça, namorado, ligado, novela, tecla e caçada. Todas as ilustrações foram cuidadosamente elaboradas para que o reconhecimento das palavras que compuseram as tarefas fossem identificadas, na maioria das vezes, pelas crianças.
Procedimentos
Aplicação do instrumento e coleta de dados
O instrumento de avaliação foi aplicado individualmente, no Serviço de Atendimento Fonoaudiológico/UFSM e em ambiente escolar. Nas escolas, as crianças foram chamadas uma a uma para responder as tarefas, de maneira que não interferisse em suas atividades escolares. Para isso, foi combinado com o professor os momentos em que as crianças poderiam se ausentar da sala de aula, respeitando os momentos de lanche e recreio.
A aplicação do instrumento foi realizada em ambiente silencioso, com a presença somente da pesquisadora e da criança avaliada. Durante a aplicação do instrumento, a criança foi posicionada de frente para o computador onde foram mostrados os estímulos, representados por desenhos dispostos no powerpoint. Do lado do computador, foram colocadas cinco fichas redondas de EVA empilhadas para que a criança, se preferisse, pudesse usá-las de apoio ao segmentar às palavras e identificar o segmento nas palavras. Sentada ao lado da criança, a pesquisadora explicava as tarefas (nomeação, segmentação silábica e identificação segmental) e observava o seu desempenho, anotando seus resultados.
Ressalta-se que a tarefa de nomeação dos desenhos teve como objetivo verificar se a criança avaliada conhecia as palavras envolvidas no instrumento que, posteriormente, deveria segmentar e identificar segmentos. Os resultados dessa tarefa não foram descritos, nem analisados no presente estudo.
Seguindo os preceitos de Cielo (2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.), utilizou-se termos como “pedacinhos” e “sonzinhos” na condução das tarefas, no intuito de tornar as ordens mais simples possível, evitando dificuldades de compreensão por parte da criança. Em relação à influência das expectativas da criança sobre o seu desempenho frente às tarefas, empregou-se a palavra “jogo” em vez de “teste”, explicando para elas que alguns itens foram feitos para adultos, portanto, muito difíceis.
Antes de cada tarefa foram realizados dois itens de treino, com o objetivo de deixar claro para a criança o que estava sendo proposto, de forma que ela compreendesse a natureza da tarefa e não tivesse o processo de elaboração da resposta prejudicado por questões semânticas (Cielo, 2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.).
O instrumento foi aplicado em duas etapas: 1) tarefas de nomeação e segmentação silábica; 2) tarefa de identificação segmental. Cada etapa teve duração de, aproximadamente, 20 minutos.
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1) Nomeação e segmentação silábica
Inicialmente, as crianças foram instruídas a observar os desenhos e nomeá-los e, quando não soubessem, poderiam perguntar. Para a elicitação de algumas palavras foram necessárias descrições e comentários sobre o desenho, como no caso da palavra “caçada”.
Ainda nesta etapa, elas resolveram a tarefa de segmentação silábica. Para isso, foram instruídas que as palavras que costumamos falar podem ser divididas em pedacinhos. A pesquisadora fazia a seguinte pergunta para a criança: “você sabia que as palavras que nós falamos podem ser divididas e faladas em pedacinhos? Como ficaria o seu nome, se fosse dividido e falado em pedacinhos?”. A partir desta ordem foi realizado um treino oral e um treino com as fichas, com o nome da criança, com o nome da pesquisadora e com as palavras ‘copo’ e ‘palito’ (representadas por meio de desenhos no powerpoint). Antes de iniciar a tarefa foi esclarecido para a criança que, se preferisse, ela poderia utilizar fichas de EVA para segmentar as palavras ou apenas dividir de forma oral.
Logo após o treino, a pesquisadora mostrava para a criança cada um dos desenhos, representando as 39 palavras desta tarefa, e ela deveria segmentar em sílabas a palavra representada pelo desenho que estava sendo visualizado. Todas elas optaram por usar as fichas de EVA para segmentar as palavras. Nos casos em que a criança esquecia o nome de determinado desenho, a pesquisadora ajudava ela a relembrar e esse desenho foi apresentado novamente, depois de três outros subsequentes, para que ela resolvesse a tarefa para o estímulo rememorado.
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2) Identificação segmental
Na segunda etapa, os sujeitos deveriam analisar os estímulos e dizer em qual dos seus pedacinhos estava determinado som, produzido pela pesquisadora. Assim como na tarefa silábica, foram realizados dois itens de treino como, por exemplo, nas palavras pato e palito (representadas por meio de desenhos no powerpoint), eles deveriam dizer em quais pedacinhos se encontrava o segmento [t].
Nessa tarefa, as crianças deveriam utilizar os conhecimentos da primeira, no que se refere à segmentação silábica, e dizer em qual pedacinho estava o segmento produzido pela pesquisadora. Na palavra ‘pato’, por exemplo, ela deveria inicialmente dividi-la em pedacinhos, logo após, foi solicitado que ela identificasse em quais dos dois pedaços da palavra estava o som [t], produzido oralmente pela pesquisadora. A resposta correta seria mostrar a segunda ficha de EVA ou dizer “no segundo pedacinho”. Para isso, foi dada a seguinte ordem: “Agora, nesta parte do jogo, você terá que dividir as palavras em pedacinhos e, logo depois, dizer ou mostrar em qual deles está o som que eu vou dizer”.
Da mesma forma que na segmentação silábica, os desenhos representavam as 22 palavras que deveriam ser segmentadas para posterior localização do segmento. Todas elas optaram por dividir as palavras em pedacinho e identificar os segmentos utilizando as fichas de EVA. Nos casos em que a criança esquecia o nome de determinado desenho, a pesquisadora ajudava ela a relembrar e o desenho foi apresentado novamente, depois de três desenhos subsequentes, para que ela resolvesse a tarefa para o estímulo rememorado.
Ressalta-se que, para ambas as tarefas, as trocas na fala apresentadas pelas crianças do grupo GDF não foram consideradas como erro.
Tratamento dos dados
Para ambas as tarefas, os itens resolvidos corretamente foram pontuados com o valor 1 (um) e os itens incorretos receberam o valor 0 (zero).
Depois de coletados, os dados foram tabulados no excel e receberam tratamento estatístico, por meio do teste não paramétrico Qui-quadrado, com nível de significância de 5% (p<0.05).
Resultados
Os resultados serão apresentados, conforme as variáveis analisadas: extensão de palavra, complexidade silábica e propriedades segmentais (MA) e comparação dos resultados entre os grupos, típico e desviante.
Extensão de palavra
Os resultados obtidos para a extensão de palavra mostraram que este aspecto teve um impacto significante na resolução da tarefa de segmentação silábica, com p<0.001, para ambos os grupos (Gráfico 1).
Desempenho dos grupos na tarefa de segmentação silábica, considerando a extensão de palavra**
O gráfico 1 mostrou que as menores porcentagens de acertos ocorreram em palavras monossílabas (60% e 65%) e polissílabas (57% e 66%). As palavras dissílabas foram as que mais favoreceram a resolução da tarefa de segmentação silábica (92% e 97%), seguido das trissílabas (85% e 94%).
Complexidade silábica e propriedades segmentais (MA)
Na tabela 1 estão descritos os resultados obtidos para a tarefa de segmentação silábica, considerando a complexidade silábica e propriedades segmentais (MA).
Por meio dos dados registrados na tabela 1, pode-se constatar que a tarefa de segmentação silábica sofreu impacto, significante, apenas para o grupo GDFT.
O grupo GDFT apresentou resultado significante (p=0.001) com maior porcentagem de acertos quando as palavras segmentadas eram formadas por onset complexo (93%) e menor quando as palavras eram formadas por onset simples e coda silábica (83% e 82%, respectivamente).
Para o grupo GDF, palavras formadas por onset complexo também foram segmentadas corretamente mais vezes (89%), seguido de palavras formadas por coda silábica e onset simples (79% e 76%, respectivamente).
Quanto ao impacto das propriedades segmentais (MA) na tarefa de segmentação silábica, somente a coda silábica apresentou resultado significante (valor de p=0.003), para o grupo GDFT (Tabela 1).
Na posição de coda silábica o grupo GDFT apresentou porcentagem de acertos maior quando esta posição foi ocupada pela líquida não lateral (ex.: porco e motor), 90%, e menor porcentagem quando ocupada pela fricativa (ex.: testa e nariz), 72%. Da mesma maneira, os mesmos segmentos apresentaram porcentagens maior e menor (86% e 74%, respectivamente) para o grupo GDF, porém, de maneira não significante. Para ambos os grupos a tarefa de segmentação silábica sofreu impacto do tipo de segmento em coda silábica, com a seguinte sequência, decrescente, de porcentagens de acertos: líquida não lateral >> nasal >> líquida lateral >> fricativa.
Sobre o onset simples, o grupo GDFT apresentou maior porcentagem de acertos para a plosiva (ex.: tomada e sapato), 85%, e menor porcentagem para a fricativa (ex.: sapo e peça), 80%. A sequência decrescente de segmentos em onset simples que promoveu a resolução da segmentação silábica no grupo GDFT foi: plosiva >> líquida não lateral >> nasal; líquida lateral >> fricativa. Já o grupo GDF, apresentou maior porcentagem de acertos para a líquida não lateral (ex.: muro e girafa), 79%, e menor porcentagem para a fricativa, 72%. A sequência decrescente de segmentos em onset simples que promoveu a segmentação silábica no grupo GDF foi: líquida não lateral >> nasal >> plosiva >> líquida lateral >> fricativa.
Em relação ao onset complexo, ambos os grupos obtiveram maior porcentagem de acertos quando formado pela líquida lateral (ex.: blusa e tecla), 94% para o grupo GDFT e 90% para o grupo GDF. Quando formado pela líquida não lateral, as porcentagens de acertos foram 92% e 88%, para o grupo GDFT e para o grupo GDF, respectivamente.
De maneira geral, os resultados obtidos pelos grupos na tarefa de segmentação silábica, considerando as propriedades segmentais (MA), mostraram que houve impacto do segmento na resolução desta tarefa, sendo significante apenas para o segmento em posição de coda silábica, para o grupo GDFT.
Na tabela 2 pode-se observar os resultados obtidos para a tarefa de identificação segmental, considerando a complexidade silábica e as propriedades segmentais (MA).
Na tabela 2, ainda que não se tenha resultados significantes, os resultados mostram que a complexidade silábica causou impacto na resolução da tarefa de identificação segmental em ambos os grupos, com maiores porcentagens de acertos foram para segmentos identificados em onset complexo.
Para a complexidade silábica, o grupo GDFT apresentou maior porcentagem de acertos para o onset complexo (61%) e menores porcentagens de acertos para coda silábica e onset simples (54% e 52%, respectivamente). O grupo GDF apresentou maior porcentagem de acerto em onset complexo (54%) e menores porcentagens de acertos para onset simples e coda silábica (46% e 43%, respectivamente).
Em relação às propriedades segmentais (MA), nenhum dos grupos obteve resultados significantes na tarefa de identificação segmental (Tabela 2).
Para ambos os grupos, a líquida não lateral apresentou maior porcentagem de acertos (59% e 52%), em onset simples (ex.: barata e cenoura). A plosiva (ex.: tomada e sapato) apresentou menor porcentagem de acerto para o grupo GDFT, 47%, e a nasal (ex.: novela e buzina) para o grupo GDF, 40%, em onset simples. A sequência decrescente de segmentos em onset simples que promoveu a identificação segmental para o grupo GDFT foi: líquida não lateral >> fricativa >> líquida lateral >> nasal >> plosiva. Para o grupo GDF a sequência decrescente de segmentos que promoveu a identificação segmental em onset simples foi: líquida não lateral >> plosiva; líquida lateral >> fricativa >> nasal.
Para a posição de coda silábica a maior porcentagem de acertos para o grupo GDFT na tarefa de identificação segmental foi quando esta posição foi preenchida pela fricativa (ex.: pasta e nariz), 54%. Por outro lado, o grupo GDF obteve maior porcentagem de acertos, para a mesma tarefa, quando a coda foi ocupada pela líquida não lateral (ex.: porco e motor), 44%.
Ambos os grupos apresentaram maiores porcentagens de acertos na tarefa de identificação segmental quando o onset complexo foi formado pela líquida não lateral (ex.: bruxa e zebra), 65% para o grupo GDFT e 60% para o grupo GDF.
Os resultados obtidos pelos grupos considerando as propriedades segmentais (MA) mostraram que, apesar de não significante, houve impacto do segmento na resolução da tarefa de identificação segmental, independente da sua posição na sílaba.
Comparação dos resultados entre os grupos
Ao analisar a porcentagem de acertos em cada uma das tarefas aplicadas e no total de acertos (ambas as tarefas), observou-se que o grupo GDF apresentou resultados inferiores em comparação ao grupo GDFT, com diferença significante para a tarefa silábica (78% e 84%, respectivamente, com p<0.001) e para o total de acertos (67% e 74%, respectivamente, com p<0.001) (Gráfico 2).
Através do gráfico é possível observar que os grupos apresentaram comportamentos semelhantes nos resultados totais, com porcentagens de acertos maiores para o grupo GDFT, significante para a tarefa de segmentação silábica e total de acertos (silábica e segmental).
Discussão
Assim como na sessão dos resultados, os dados obtidos no presente estudos serão discutidos conforme as variáveis analisadas: extensão de palavra, complexidade silábica e propriedades segmentais (MA) e comparação entre os grupos, típico e desviante.
Extensão de palavras
Foram analisadas palavras monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas, todas formadas pela estrutura silábica CV, e os resultados obtidos mostraram um impacto significante desta propriedade na resolução da tarefa de segmentação silábica, em ambos os grupos, típico e desviante.
As dissílabas foram as palavras que apresentaram maior porcentagem de sucesso de segmentação tanto pelas crianças com desenvolvimento fonológico típico como pelas crianças com desvio fonológico. Este dado vai ao encontro de inúmeros trabalhos que tiveram como objetivo analisar, ou consideraram, o efeito da extensão de palavra em tarefas de consciência fonológica (Cielo, 2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Afonso, 2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.; Vicente, 2008; Alves, Castro, Correia, 2010ALVES, Dina; Ana Castro; Susana Correia. 2010. Consciência fonológica - dados sobre consciência fonémica, intrassilábica e silábica. Textos selecionados do XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 169-184.; Castelo, Freitas, Miguens, 2010CASTELO, Adelina; Maria João Freitas; Fátima Miguens. 2010. Níveis de escolaridade e a capacidade de segmentação de palavras: o efeito da extensão de palavras na identificação de segmentos. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 119-144.; Freitas, Afonso, Castelo, 2015FREITAS, Maria João; Catarina Afonso; Adelina Castelo. 2015. Quantas sílabas tem “cháv(e)na”? Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto. 10:31-58.).
Cielo (2001CIELO, Carla A. 2001. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.) propôs um protocolo de avaliação da consciência fonológica para crianças com idades entre quatro e oito anos, composto por diversas tarefas silábicas e segmentais, considerando: variação em termos de número e tipo de palavras, número de sílabas e de segmentos e posição da unidade fonológica testada. Dentre as tarefas silábicas, foi aplicada a segmentação silábica, com palavras dissílabas, trissílabas e polissílabas. Assim como no presente estudo, para a faixa etária dos cinco e seis anos de idade as palavras dissílabas foram as mais fáceis de ser segmentadas, seguidas das trissílabas e das polissílabas.
A segmentação silábica também foi aplicada em um estudo para verificar o impacto de três variáveis prosódicas (complexidade silábica, extensão de palavra e acento da palavra) na resolução desta tarefa por crianças com desenvolvimento fonológico típico, falantes do PE, em idade pré-escolar. Em relação à extensão de palavra foram testadas palavras dissílabas e trissílabas e os resultados evidenciaram que os estímulos dissilábicos paroxítonos foram processados com maior facilidade pelas crianças, na segmentação silábica (Afonso, 2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.).
Vicente (2009VICENTE, Francisco Leonardo. 2009. Consciência fonológica no ensino básico em Moçambique. Dissertação - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal.) empregou a mesma tarefa silábica para avaliar o comportamento de crianças moçambicanas, falantes do português como L2, frente as mesmas variáveis prosódias analisadas por Afonso (2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.). O autor também constatou que palavras dissílabas paroxítonas são mais fáceis de ser segmentadas do que as trissílabas, pelas crianças moçambicanas.
Em relação às palavras monossílabas, apesar de representarem um ambiente propício para a produção correta de determinados segmentos (Mezzomo, 1999MEZZOMO, Carolina L. 1999. Aquisição dos fonemas na posição de coda medial do português brasileiro, em crianças com desenvolvimento fonológico normal. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Mezzomo, 2003MEZZOMO, Carolina L. 2003. Aquisição da coda no português brasileiro: uma análise via teoria de Princípios e Parâmetros. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil. ; Mezzomo, et al., 2008MEZZOMO, Carolina L.; Janaína Sofia Baesso; Márcia L. Athayde; Roberta F. Dias; Vanessa Giacchini. 2008. O papel do contexto fonológico no desenvolvimento da fala. Letras de Hoje. 43(3):15-21.; Queiroga, et al., 2011QUEIROGA, Bianca A. M.; Jakelline M. Alves; Ana Augusta A. Cordeiro; Ana Cristina A. Montenegro; Rafaella Asfora. 2011. Aquisição dos encontros consonantais por crianças falantes do português não padrão da região metropolitana do Recife. Revista CEFAC. 13(2):214-226.), essas palavras apresentaram porcentagens rebaixadas para a segmentação silábica, revelando um desencontro entre a consciência fonológica e a aquisição da linguagem.
Os resultados encontrados para as monossílabas fazem suscitar a hipótese de que as crianças poderiam, na situação da avaliação, estar condicionadas a segmentar as palavras, uma vez que foi explicado a elas que as palavras que falamos podem ser divididas em pedaços. Com isso, elas podem ter considerado que todas as palavras deveriam ser segmentadas, inclusive as monossílabas.
As polissílabas também apresentaram porcentagens de acertos rebaixadas para ambos grupos, GDFT e GDF. Meireles (2008MEIRELES, Ana Carina. 2008. Consciência intrassilábica da Coda em tarefas de segmentação silábica. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.) referiu que tarefas que envolvam maior número de elementos a serem processados pelas crianças resultam em desempenhos piores, que podem ser superados ao longo dos níveis de escolaridade. Entende-se que estes piores desempenhos possam estar relacionados a memória de trabalho, que possui um papel importante na aquisição da linguagem e desenvolvimento da fala das crianças bem como na aquisição da leitura e da escrita (Linassi, Keske-Soares, Mota, 2005LINASSI, Liziane Z.; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2005. Habilidades de memória de trabalho e o grau de severidade do desvio fonológico. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 17(3):383-392.; Gindri, Keske-Soares, Mota, 2007GINDRI, Gigiane; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2007. Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 19(3):313-322.; Rodrigues, Befi-Lopes, 2009RODRIGUES, Amalia; Débora M. Befi-Lopes. 2009. Memória operacional fonológica e suas relações com o desenvolvimento da linguagem infantil. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 21(1):63-8.).
Rodrigues & Befi-Lopes (2009RODRIGUES, Amalia; Débora M. Befi-Lopes. 2009. Memória operacional fonológica e suas relações com o desenvolvimento da linguagem infantil. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 21(1):63-8.) referem que a memória fonológica está relacionada ao desenvolvimento fonológico da criança e a aquisição e acesso rápido das propriedades fonológicas e articulatórias da língua. Neste sentido, Linassi, Keske-Soares & Mota (2005LINASSI, Liziane Z.; Márcia Keske-Soares; Helena B. Mota. 2005. Habilidades de memória de trabalho e o grau de severidade do desvio fonológico. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 17(3):383-392.) referem que o tamanho da palavra influi no armazenamento de informação, quanto mais extensa for a palavra (maior número de sílabas), mais difícil será o seu armazenamento.
Quando comparados os gráficos dos desempenhos na tarefa de segmentação silábica dos dois grupos, constatou-se um comportamento semelhante entre eles, sobre a extensão de palavra. Observou-se, também, que o grupo GDF apresentou porcentagens de acertos inferiores para as diferentes extensões de palavra, comparado ao grupo oponente, típico.
Estes resultados corroboram os achados de Marchetti, Mezzomo e Cielo (2010MARCHETTI, Paula T.; Carolina L. Mezzomo; Carla A. Cielo. 2010. Desempenho em consciência silábica e fonêmica em crianças com desenvolvimento de fala normal e desviante. Revista CEFAC. 12(1):12-20.) que, ao comparar o desempenho em tarefas de consciência fonológica entre crianças com desenvolvimento fonológico típico e desviante, verificaram que os sujeitos com desvio fonológico obtiveram resultados inferiores na tarefa de segmentação silábica comparado aos sujeitos com desenvolvimento fonológico típico. Além disso, em relação à extensão de palavra, os dois grupos obtiveram maior média de acertos em palavras dissílabas.
Complexidade silábica e propriedades segmentais (MA)
Para a análise do impacto da complexidade silábica nas tarefas de consciência fonológica aplicadas, faz-se necessário recapitular as informações sobre a aquisição das estruturas silábicas do PB, em que se verifica a seguinte ordem de aquisição: V → (C)V → (C)VC → CCV. O onset complexo (CCV) é a estrutura silábica mais complexa do PB, sendo, portanto, a última a ser adquirida (Mezzomo, Menezes, 2001MEZZOMO, Carolina L.; Gabriela C. Menezes. Comparação entre a aquisição da estrutura silábica no português brasileiro (PB) e no português europeu (PE). 2001. Letras de Hoje. 36(3):691-698.). Durante a aquisição dessa estrutura, é comum as crianças empregarem estratégias de reparo, como, por exemplo, simplificação de onset complexo (braço → [‘basu]) (Rizzotto, 1997RIZZOTTO, Andrea Cristina. 1997. Os processos fonológicos de estrutura silábica no desenvolvimento fonológico normal e nos desvios fonológicos evolutivos. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Brasil.; Lamprecht, 2004LAMPRECHT, Regina R. (Org.). 2004. Aquisição Fonológica do Português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed.).
Os resultados obtidos no presente estudo destoaram do que se observa na aquisição fonológica, uma vez que, para as duas tarefas aplicadas, as palavras compostas por onset complexo (CCV) foram silabicamente segmentadas e tiveram segmentos identificados com maiores porcentagens de sucesso, pelo grupo GDFT e pelo grupo GDF. Para o grupo GDFT, a influência da complexidade silábica foi significante na segmentação de palavras, com porcentagem de sucesso superior para o onset complexo e porcentagens aproximadas para o onset simples (CV) e coda silábica (CVC). Estes achados divergem de estudos que investigaram o efeito da complexidade silábica em tarefas de consciência fonológica no PE (Afonso, 2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.; Afonso, Freitas, 2010AFONSO, Catarina Maria C.; Maria João Freitas. 2010. Consciência fonológica e desenvolvimento fonológico: o caso do constituinte Ataque em Português Europeu. In: Freitas, Maria João; Gonçalves, Anabela; Duarte, Inês (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri, 45-68.; Alves, Lacão, 2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.).
Segundo Afonso (2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.), o sucesso na tarefa de segmentação está relacionado com a complexidade da estrutura silábica. A autora constatou que palavras com onset simples (CV) e vazio (V), na margem esquerda da palavra, são segmentadas mais facilmente do que palavras com onset complexo (CCV).
Para Alves e Lacão (2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.), o onset simples (CV) foi a estrutura que obteve maior porcentagem de acertos em uma tarefa de segmentação, seguido da coda silábica e do onset complexo, independente do segmento testado, [ſ] ou [l/ɫ].
Apesar de os resultados obtidos para a propriedades segmentais (MA) terem revelado impacto significante apenas para a coda silábica no grupo GDFT (na tarefa de segmentação silábica), essas propriedades influenciaram nas porcentagens de acertos nas duas tarefas, silábica e segmental, com divergências em relação ao que se observa na aquisição fonológica do PB.
Tanto na tarefa de segmentação silábica como na tarefa de identificação segmental, ambos os grupos demonstraram grande facilidade em segmentar palavra com líquida não lateral em onset simples, bem como identificar este segmento nesta posição. Este resultado não reflete o que ocorre na aquisição fonológica, uma vez que a líquida não lateral faz parte da última classe adquirida (plosivas >> nasais >> fricativas e líquidas) (Lamprecht, 1993LAMPRECHT, Regina R. 1993. A aquisição da fonologia do Português na faixa etária dos 2:9 - 5:5. Letras de Hoje. 28(2):107-17.; Mezzomo, Menezes, 2001MEZZOMO, Carolina L.; Gabriela C. Menezes. Comparação entre a aquisição da estrutura silábica no português brasileiro (PB) e no português europeu (PE). 2001. Letras de Hoje. 36(3):691-698.).
Para a tarefa de identificação segmental, os resultados obtidos no presente estudo reforçam os achados de Alves, Faria e Freitas (2010ALVES, Dina; Isabel H. Faria; Maria João Freitas. 2010. O efeito das propriedades fonológicas do segmento em tarefas de consciência segmental. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 19-43.). As autoras constataram que houve um paralelismo entre a aquisição e a consciência fonológica no que se refere ao ponto articulatório dos segmentos do PE, porém, não em relação ao modo articulatório. Elas observaram que a detecção de segmentos consonantais na margem esquerda da palavra em onset simples é promovida quando o modo articulatório é [+contínuo] (fricativas e líquidas) e desfavorecida quando o modo articulatório é [-contínuo] (oclusivas orais e nasais).
Alves (2012ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ) também observou que a emergência das classes naturais, em relação ao MA, apresenta uma sequência oposta à observada no processamento metassegmental. Em seu estudo sobre o efeito das propriedades segmentais no desempenho de operações metassegmentais, a autora aplicou uma prova de identificação segmental (prova do intruso) e observou que a seguinte sequência de facilidade de identificação segmental: fricativas >> líquidas >> nasais >> oclusivas.
A coda silábica é a penúltima estrutura silábica adquirida na aquisição fonológica do PB e pode ser preenchida por quatro arquifonemas, que seguem a seguinte sequência de aquisição: /N/ → /l/ → /S/ →/ſ/ (Mezzomo, 2001MEZZOMO, Carolina L.; Gabriela C. Menezes. Comparação entre a aquisição da estrutura silábica no português brasileiro (PB) e no português europeu (PE). 2001. Letras de Hoje. 36(3):691-698.; Mezzomo, Menezes, 2001MEZZOMO, Carolina L.; Janaína Sofia Baesso; Márcia L. Athayde; Roberta F. Dias; Vanessa Giacchini. 2008. O papel do contexto fonológico no desenvolvimento da fala. Letras de Hoje. 43(3):15-21.). Os dados obtidos no presente estudo, na tarefa de segmentação silábica, concordaram parcialmente com o que se observa no processo de aquisição da coda silábica. Nesta tarefa, a líquida não lateral, apesar de ser a última a ser atingida nesta posição durante a aquisição fonológica, apresentou maiores porcentagens de acertos para a segmentação de palavras, seguido da nasal, da líquida lateral e da fricativa. Ambos os grupos, típico e desviante, obtiveram o mesmo resultado para a posição de coda silábica na tarefa se segmentação silábica, sendo que para o grupo GDFT a diferença de porcentagem de acertos dos segmentos que preenchem a coda foi significante.
Na tarefa de identificação segmental as porcentagens de acertos dos grupos GDFT e GDF para a coda com fricativa e para a coda com líquida não lateral, apresentaram valores aproximados (54% e 53% para o grupo GDFT e 42% e 44% para o grupo GDF), o que leva a crer que ambos os grupos identificaram a posição de coda silábica, independente do segmento que ocupava esta posição.
No estudo de Alves e Lacão (2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.), as autoras validaram dois protocolos de avaliação envolvendo consciência intrassilábica. Estes protocolos foram propostos por outras duas autoras, Barriguita (2008BARRIGUITA, Soraia Alexandra P. 2008. Consciência intrassilábica dos segmentos [r] e [l]. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.) e Meireles (2008MEIRELES, Ana Carina. 2008. Consciência intrassilábica da Coda em tarefas de segmentação silábica. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.), tendo como objetivo ilustrar a interferência que as propriedades fonológicas do constituinte silábico e do segmento têm no desempenho de tarefas de consciência fonológica.
No protocolo de Meireles (2008MEIRELES, Ana Carina. 2008. Consciência intrassilábica da Coda em tarefas de segmentação silábica. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.) foi aplicada uma tarefa de segmentação composta por palavras contendo coda silábica, considerando os quatro elementos possíveis nesta posição silábica no PE (/r, ɫ, Ʒ, ʃ/). Ao validar este protocolo, observou-se que palavras com líquida não lateral em posição de coda silábica foram aquelas que apresentaram maiores valores de consciência em detrimento a líquida lateral e das fricativas (Alves, Lacão, 2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.). Estes dados vão ao encontro dos resultados obtidos no presente estudo, para a tarefa silábica e para a tarefa segmental, e divergem da aquisição fonológica, em que a líquida não lateral é a última a ser adquirida em posição de coda silábica.
Considerando apenas as líquidas, lateral e não lateral, que podem ocupar todas as posições silábicas no PB, os resultados obtidos no estudo em questão, para as duas tarefas aplicadas, vão ao encontro do que Alves e Lacão (2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.) observaram ao validar o protocolo de Barriguita (2008BARRIGUITA, Soraia Alexandra P. 2008. Consciência intrassilábica dos segmentos [r] e [l]. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.). O protocolo validado pelas autoras teve como objetivo investigar a consciência intrassilábica dos segmentos [ſ] e [l/ ɫ] nos três constituintes silábicos que podem ocorrer (onset simples, onset complexo e coda). Elas constataram que sílabas com o segmento [ſ] são segmentadas com mais sucesso do que sílabas com segmento [l/ ɫ].
Para o onset complexo, os resultados obtidos para a tarefa de segmentação silábica divergem dos achados de Afonso (2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.) para o PE, que observou que a porcentagem de acertos para a tarefa de segmentação silábica foi maior para dissílabas com onset complexo formado por /r/ (ex.: bruxa) comparado a dissílabas com onset complexo formado por /l/ (ex.: flauta).
Afonso (2008AFONSO, Catarina Maria C. 2008. Complexidade prosódica e segmentação de palavras em crianças entre os 4 e os 6 anos de idade. Dissertação (Mestrado em Terapia da Fala) - Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Universidade Católica Portuguesa.) discutiu seus dados com base em informações sobre o desenvolvimento linguístico e sobre a frequência das estruturas na língua. As hipóteses de seu trabalho foram: quanto mais precocemente surge o constituinte no desenvolvimento linguístico e mais frequente for ele, mais simples será o seu processamento, assim como quanto mais frequente a estrutura na língua. Por isso, o fato de haver menos palavras que iniciem com a combinação obstruinte + líquida lateral no PE contribuiu para que os sujeitos da sua pesquisa obtivessem menores porcentagens de acertos para esta estrutura.
Os resultados obtidos no presente estudo também divergem do que foi constatado por Alves e Lacão (2010ALVES, Dina; Milene Lacão. 2010. Aspectos de validação e de fidelidade associados à avaliação da consciência intrassilábica. In: Maria João Freitas, Anabela Gonçalves; Inês Duarte (Coord.). Avaliação da consciência linguística: aspectos fonológicos e sintácticos do português. Lisboa: Edições Colibri , 95-118.), referentes ao protocolo proposto por Barriguita (2008BARRIGUITA, Soraia Alexandra P. 2008. Consciência intrassilábica dos segmentos [r] e [l]. Monografia de licenciatura em Terapia da Fala. Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Cooperativa de Ensino Egas Moniz.), referido anteriormente. As autoras observaram que o onset complexo formado por [ſ] apresentou maior porcentagem de sucesso na segmentação intrassilábica comparado ao onset complexo formado por [ɫ].
Considerando a aquisição do onset complexo, um estudo realizado com crianças monolíngues do PB evidenciou que a aquisição dessa estrutura ocorre primeiro quando composta por /l/ e, posteriormente, quando composta por /r/ (Queiroga, et al., 2011QUEIROGA, Bianca A. M.; Jakelline M. Alves; Ana Augusta A. Cordeiro; Ana Cristina A. Montenegro; Rafaella Asfora. 2011. Aquisição dos encontros consonantais por crianças falantes do português não padrão da região metropolitana do Recife. Revista CEFAC. 13(2):214-226.). A partir desses achados, que contrapõem outros estudos realizados para o PB, as autoras enfatizam a necessidade de se considerar as variações linguísticas em estudos sobre a aquisição fonológica e desenvolvimento fonológico. No estudo em questão, observou-se que para a segmentação silábica, o onset complexo formado por /l/ apresentou porcentagem maior de acertos, ao contrário da identificação segmental que apresentou porcentagem maior de acertos para /r/.
De acordo com Alves (2012ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ), as divergências entre a aquisição fonológica e a consciência fonológica observadas em seu trabalho para o traço contínuo podem ser explicadas, entre outros aspectos, pelo fato de que as crianças possam ter se baseado em características fonéticas e não fonológicas no processamento da tarefa segmental aplicada. Isso justificaria a discrepância entre os dois processos, aquisição fonológica e processamento metassegmental, com maiores acertos para palavras formadas por segmentos [+contínuo] na margem esquerda da palavra comparado a palavras com segmento [-contínuo].
Este argumento de Alves (2012ALVES, Dina C. 2012. Efeito das Propriedades Segmentais em Tarefas de Consciência Segmental, de Leitura e de Escrita. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Lisboa/Portugal. ) também pode ser empregado para os dados obtidos no presente estudo, sendo reforçado por outros achados, tanto para características fonéticas dos segmentos da fala (Kent, 1997; Treiman, et al., 1998TREIMAN, Rebecca; Victor Broderick; Ruth Tincoff; Rodriguez. 1998. Children`s phonological awareness: confusions between phonemes that differ only in voicing. Journal of Experimental Child Psychology. 68:3-21.) como para a terapia da consciência fonológica (Santos, Navas, Pereira, 1997SANTOS, Maria Teresa M.; Ana Luiza G. P. Navas; Liliane D. Pereira. 1997. Estimulando a consciência fonológica. In: Liliane D. Pereira; Eliane Schochat. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise.).
Segundo Kent (1997), as fricativas e as líquidas apresentam intensidade acústica forte a moderada, além de duração longa, comparada a baixa intensidade e duração das nasais e plosivas. Estas características fonéticas, que facilitam a percepção acústica dos segmentos fricativos e líquidos poderiam justificar porque os dados obtidos para o processamento de tarefas de consciência fonológica têm ido de encontro ao que se observa da aquisição fonológica dos segmentos, em relação ao modo articulatório. Neste sentido, Treiman et al. (1998TREIMAN, Rebecca; Victor Broderick; Ruth Tincoff; Rodriguez. 1998. Children`s phonological awareness: confusions between phonemes that differ only in voicing. Journal of Experimental Child Psychology. 68:3-21.) afirmaram que as fricativas possuem propriedades que favorecem a sua produção de forma isolada, o que facilita a sua identificação.
De acordo com Santos, Navas & Pereira (1997SANTOS, Maria Teresa M.; Ana Luiza G. P. Navas; Liliane D. Pereira. 1997. Estimulando a consciência fonológica. In: Liliane D. Pereira; Eliane Schochat. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise.), com base em estudos sobre intervenção terapêutica, pode-se constatar que alguns fonemas são mais facilitadores do que outros para iniciar a estimulação da consciência fonológica ao nível do fonema. Os fonemas fricativos e nasais em posição inicial na palavra são isolados mais prontamente do que os plosivos, devido a sua produção ser realizada de maneira contínua e não abrupta.
Comparação dos resultados entre os grupos
Os resultados obtidos no presente estudo mostraram que o grupo GDFT apresentou porcentagens de acertos superiores ao grupo GDF em ambas as tarefas no escore total (tarefa silábica e tarefa segmental). Esta diferença entre os grupos, com desempenho inferior para o grupo GDF reforça o que consta na literatura sobre o desempenho desta população em tarefas de consciência fonológica (Stackhouse et al., 2002STACKHOUSE, Joy; Bill Wells; Michelle Pascoe; Rachel Rees. 2002. From phonological therapy to phonological awareness. Seminars in Speech and Language. 23(1):27-42.; Morales, Mota, Keske-Soares, 2002MORALES, Michele V.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2002b. Habilidades em Consciência Fonológica em crianças com Desvios Fonológicos. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. 3(10):72-75.a; Morales, Mota, Keske-Soares, 2002bMORALES, Michele V.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2002b. Habilidades em Consciência Fonológica em crianças com Desvios Fonológicos. Jornal Brasileiro de Fonoaudiologia. 3(10):72-75.; Laing, Espeland, 2005LAING, Sandra P.; Wendy Espeland. 2005. Low intensity phonological awareness training in a school classroom for children with communication impairments. Journal Communications Disorders. 38(1):65-82.; Vieira, Mota, Keske-Soares, 2004VIEIRA, Michele G.; Helena B. Mota; Márcia Keske-Soares. 2004. Relação entre idade, grau de severidade do desvio fonológico e consciência fonológica. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. 9(3):144-150.; Melo Filha, Mota, 2009MELO FILHA, Maria da Graça; Helena B. Mota. 2009. Habilidades em consciência fonológica de sujeitos após realização de terapia fonológica. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 21(2):119-124.; Preston, Edwards, 2010PRESTON, Jonathan;Mary Louise Edwards. 2010. Phonological Awareness and Types of Sound Errors in Preschoolers With Speech Sound Disorders. Journal of Speech Language and Hearing Research. 53:44-60.; Marchetti, Mezzomo, Cielo, 2010MARCHETTI, Paula T.; Carolina L. Mezzomo; Carla A. Cielo. 2010. Desempenho em consciência silábica e fonêmica em crianças com desenvolvimento de fala normal e desviante. Revista CEFAC. 12(1):12-20.; Wertzner, et al., 2012WERTZNER, Haydée F.; Gabriele L. Claudino; Daniela E. S. Galea; Luciane K. Patah; Márcia M. Castro. 2012. Medidas fonológicas em crianças com transtorno fonológico. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.17(2):189-195.; Preston, Hull, Edwards, 2013PRESTON, Jonathan; Margaret Hull; Mary Louise Edwards. 2013. Preschool Speech Error Patterns Predict Articulation and Phonological Awareness Outcomes in Children With Histories of Speech Sound Disorders. American Journal of Speech-Language Pathology. 22:173-184.; Stefanini, et al., 2013STEFANINI, Marcela R; Breila V. Oliveira; Fabiana Carla Marcelino; Luciana P. Maximino. 2013. Desempenho em consciência fonológica por crianças com transtorno fonológico: comparação de dois instrumentos. Revista CEFAC.15(5):1227-1235.).
A diferença significante para a tarefa silábica e para o total (tarefa silábica e segmental) diverge de outro estudo que constatou que as crianças com desvio fonológico apresentam dificuldades, principalmente, em tarefas de consciência segmental (Marchetti, Mezzomo, Cielo, 2010MARCHETTI, Paula T.; Carolina L. Mezzomo; Carla A. Cielo. 2010. Desempenho em consciência silábica e fonêmica em crianças com desenvolvimento de fala normal e desviante. Revista CEFAC. 12(1):12-20.).
Os dados apresentados no presente estudo chamam a atenção para a importância de se analisar as propriedades fonológicas que compõem tarefas de consciência fonológica, sobretudo, em crianças com desvio fonológico. Sugere-se que novas investigações sejam realizadas para o PB e que o instrumento de avaliação proposto pelas autoras seja aprimorado, de forma que outras propriedades fonológicas possam ser investigadas, como, por exemplo, posição dos segmentos e estruturas silábicas nas palavras e outras propriedades segmentais (ex.: ponto articulatório).
Acredita-se que analisar as propriedades fonológicas das palavras que integram tarefas de consciência fonológica seja fundamental não apenas para composição dessas tarefas, mas, também, para a intervenção e estimulação destas habilidades em crianças com desvio fonológico. Este conhecimento contribui para a interpretação dos resultados de crianças com desvio fonológico em habilidades de consciência, de maneira que suas habilidades não sejam subestimadas, mas sim, estimuladas de maneira que promovam o desenvolvimento da sua linguagem oral e, consequentemente, da leitura e da escrita.
Conclusão
As propriedades fonológicas analisadas no presente estudo, extensão de palavra, complexidade silábica e propriedades segmentais (MA), podem promover um impacto na resolução de tarefas de consciência fonológica, tanto para crianças com desenvolvimento fonológico típico quanto para crianças com desvio fonológico.
Não se observou uma interface entre a aquisição e a consciência fonológica, uma vez que, de modo geral, as propriedades facilitadoras da segmentação silábica e da identificação segmental destoaram do que se observa em termos de cronologia a aquisição fonológica.
Confirmou-se a relação positiva entre o desvio fonológico e o desempenho em consciência fonológica, já que o grupo GDF apresentou os piores resultados, em relação ao grupo GDFT.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
22 Jan 2018 -
Aceito
28 Mar 2019