Open-access Educação linguística crítica para a transformação social radical: discussões sobre letramentos, criticidade e afeto em tempos de barbárie

Critical Language Education for Radical Social Transformation: Discussions about Literacies, Criticality and Affect in Barbaric Times

RESUMO

Nossa proposta, neste artigo, é discutir a ideia de educação linguística crítica com vistas a uma transformação social radical, entendendo que esta só ocorre se conduzida de forma crítica e afetiva. Para isso, revisitamos o conceito de letramento crítico, buscando refletir sobre sua ligação com a afetividade. Após uma breve revisão do conceito de criticidade e de sua apropriação pedagógica pelas vertentes denominadas pensamento crítico, pedagogia crítica e letramento crítico, alinhamo-nos com uma perspectiva de criticidade como prática problematizadora a partir do engajamento com as diferenças. Argumentamos em favor de uma educação linguística pautada em uma postura crítico-afetiva, em tempos caóticos, a fim de que o processo educativo possa realizar-se de modo alinhado à filosofia freireana e, assim, revelar-se transformador e orientado para a paz. Por fim, apresentamos uma breve releitura da chamada pedagogia dos multiletramentos, com o intuito de fomentar possibilidades de encaminhamentos pedagógicos que contribuam, de fato, para a transformação social radical.

Palavras-chave: educação linguística crítica; multiletramentos; afeto; transformação social

ABSTRACT

This article discusses the idea of critical linguistic education aiming at a radical social transformation - considering that this will only occur if critical and affective practices are integrated to the learning process. To achieve this objetive, we revisit the concept of critical literacy and then reflect on its connection with affectivity. After a brief review of the concept of criticality and its pedagogical appropriation by the theoretical strands named critical thinking, critical pedagogy, and critical literacy, we align ourselves with the perspective of criticality as a problematizing practice, which emerges from an engagement with differences. In chaotic times, we argue in favor of a linguistic education based on a critical-affective posture, so that the educational process follows the freirean philosophy, that is, is supportive of a transformative and peace-oriented education. Finally, we present a brief rereading of the pedagogy of multiliteracies, to instigate possibilities of pedagogical implementations that may contribute to an actual radical social transformation.

Keywords: critical language education; multiliteracies; affect; social transformation

1. Palavras Iniciais

Vivemos um momento em que uma ultradireita conservadora e neoliberal estilhaça o país e ataca a Educação, uma vez que valores como bem-estar social, direitos humanos, bem comum, equidade, melhor distribuição de renda, entre inúmeros outros fatores que visam à equidade e à justiça social e cognitiva (Sousa Santos, 2016) não lhes interessa, pois significam perda de seus privilégios e reestruturação social do padrão casa-grande e senzala vigente. Esse sistema de dominação, cruelmente opressivo, em termos socioculturais, político-econômicos, educacionais, linguísticos e identitários, não é recente. Como afirma Brum (2019, p. 24), é vital lembrarmos, sempre, “[...] que o Brasil foi fundado sobre corpos humanos: primeiro o dos indígenas, depois os dos negros africanos escravizados. Este não é apenas um dado histórico, é um pilar de sustentação que se mantém até hoje”.

No momento atual, em que nosso país é profunda e letalmente afetado por uma crise sanitária mundial, é igualmente importante observar como discursos e ideologias hegemônicas4, em um contexto dominado pelo capitalismo neoliberal (Chun, 2017), manifestam-se e organizam-se para regular relações sociais nos mais diversos campos. Para Brum (2019, p. 75), a partir dos movimentos de Junho de 20135, “todos os imaginários do Brasil perderam a validade”, na medida em que nos percebemos aterrorizados e incapazes de compreender os motivos e os efeitos do autoritarismo crescente e das ondas desenfreadas de ódio e destruição que tomaram conta de nosso país e que têm crescido de modo frenético e exponencial desde 2018, com a eleição do atual presidente, Jair Bolsonaro. A consolidação de uma ordem social hegemonicamente imposta, que (re)produz divisões e desigualdades abissais, uma vez que silencia, oprime e desautoriza os modos de existência de grupos subalternizados (Sousa Santos, 2016), sustenta binarismos e mantém a necropolítica (Mbembe, 2016).

Assim, vivemos, hoje, tempos de barbárie (Cássio, 2019). Esses tempos fatídicos expressam, na verdade, uma profunda crise civilizacional, em que a violência e as formas de agressão mostram-se irracionais e marcadas pelo individualismo exacerbado, provocando-nos medo extremo, além do sentimento paralisante de total perplexidade e impotência diante da eminência de falência civilizatória (Holanda, 2021).

Nesse contexto, Brum (2019, p. 11) enfatiza que, “quando a lucidez nos ameaça, temos duas escolhas: ou nos deixamos cegar, para suportar, ou buscamos criar algo que não existe”. Nesse mesmo horizonte, para Holanda (2021), o enfrentamento desse conjunto fatalmente caótico de crises que nos assolam atualmente pressupõe a busca por um agir político diferente, mais acentuadamente propositivo e radical, e, portanto, capaz de desestabilizar e extrapolar modelos esgotados, bem como de permitir a emergência de uma ação mais profundamente renovada e transformadora. Nesse contexto, segundo Cara (2019, p. 23), “a educação transforma o mundo quando pautada na realização do direito humano à educação”. Em nosso país, o enfrentamento de políticas (educacionais e linguísticas) que se rendem a forças hegemônicas predominantemente desumanizadoras, ultraliberais e ultrarreacionárias, pressupõe a luta contra a imposição da redução da educação “a um insumo econômico ou a uma estratégia disciplinadora doutrinária” (Cara, 2019, p. 23).

Entretanto, a fim de manterem as relações de poder impostas, tudo o que não interessa a grupos dominantes é a transformação social. Como a Educação (linguística), em sua vertente crítica, pode revelar-se, talvez, a forma mais promissora de realizar movimentos socialmente transformadores (Freire, 1970), o ataque a esse campo, por parte de grupos hegemônicos, tem sido cada vez mais recorrente.

Não é incomum, portanto, ouvir a sociedade patriarcal e neoliberal criticando o “pensamento crítico” em Educação - considerado coisa de comunista, de esquerdista que quer fazer baderna para subverter uma suposta “organização natural” da sociedade, em que pobres existem para servir aos ricos. Para opositores de uma Educação compromissada com a criticidade e com a transformação de realidades opressoras, os jovens só precisam, funcionalmente, aprender a ler, escrever e fazer conta. Esse é justamente o discurso do mandatário máximo do Brasil, conforme mostra a Figura 1.

Figura 1
Tuíte feito pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em abril de 2019

Nessa linha ideológica, qualquer coisa além de ler, escrever e fazer conta é tida como subversiva, visando à rebeldia social dos pobres, que precisam se conformar com seu local social de subserviência. Para continuar servindo à ordem vigente, ler, escrever e fazer conta são habilidades suficientes. Note-se que o mandatário fala em aprender um “ofício”, algo instrumental, que, ainda nas palavras dele, “gere renda para a pessoa e bem-estar para a família”, preferencialmente desonerando o Estado. Nesse sentido, aos grupos socioeconomicamente desfavorecidos é vetado o direito a uma carreira ou a uma profissão, restando-lhes apenas uma possibilidade: exercer um ofício.

Em sentido oposto, a Educação crítica visa não à instrumentalização do indivíduo para a realização de um ofício, mas à sua formação cidadã, de forma que esta pessoa integre realmente a sociedade, atuando sobre ela de forma agentiva e protagonista, e contribuindo para transformá-la em um lugar cada vez melhor e mais justo para todos e todas. É papel de uma teoria crítica promover possibilidades de conscientização dos cidadãos sobre seu lugar na sociedade, sobre seus direitos e deveres, sobre seu direito à voz. É papel de uma teoria crítica contribuir para aliviar a dor de grupos oprimidos.

A teoria crítica parte da suposição de que vivemos em meio a um mundo de dor, que muito pode ser feito para aliviar essa dor, e tem um papel crucial a desempenhar nesse processo. Ela ainda assume que qualquer teorização que obstrua o senso de pertencimento a um mundo imperfeito é cúmplice desse mundo6. (Poster, 1989, p. 3)

Alinhados com uma corrente da linguística aplicada crítica (Pennycook, 2021), transgressiva (Pennycook, 2006) e indisciplinar (Moita Lopes, 2006) que busca criar inteligibilidade em contextos sociais nos quais a linguagem ocupa um papel central (Moita Lopes, 2006), entendemos que o objetivo central da educação (linguística), assim como o da pesquisa, em seu sentido mais amplo, seja contribuir para a construção de compreensões situadas com vistas à transformação social e ao alívio da dor e do sofrimento (Moita Lopes, 2009; Pennycook, 2004), buscando contribuir para a formação de cidadãos críticos, éticos e protagonistas (Rojo e Moita Lopes, 2004), sob perspectivas que enfrentem o pensamento hegemônico e, paralelamente, estejam abertas a outras sensibilidades de mundo (Mignolo, 2017).

Entendemos, assim, que educar, também no campo da linguagem, significa promover possibilidades, sob um enfoque não hegemônico, de formar cidadãos críticos capazes de agir socialmente de forma autônoma7 e protagonista, entendendo essa “ação” como inerentemente transformadora, e não meramente reprodutora. O ensino tecnicizado, bancário (Freire, 1970), que apenas treina, instrui, não merece ser chamado de Educação. Educação precisa ser problematizadora e libertadora (Freire, 1970), trabalhando para a inclusão e integração dos/as aprendizes em contextos sociais nos quais possam não apenas fazer parte, mas agir. Agir socialmente significa atuar para a transformação social e para a emancipação humana, ambas no sentido revolucionário marxiano. Parafraseando Marx (1846 [2007, p. 535]), não basta que os/as aprendizes apenas interpretem o mundo; o que importa é transformá-lo. A transformação social ocorre quando a vida produtiva, o trabalho, deixa de “aparece(r) ao homem (sic) apenas como um meio para a satisfação de uma carência, a necessidade de manutenção da existência física” (Marx, 1844 [2010, p. 84]) e passa a ser a vida genérica, natural, “a vida engendradora de vida” (Marx, 1844 [2010, p. 84]). E a emancipação humana acontece quando a vida individual se torna vida genérica, com o olhar do indivíduo singular se tornando um olhar coletivo, com vistas ao bem comum.

Com base em Hardt e Negri (2016), compreendemos que a noção de comum abarque tanto o que é natural quanto o que é produzido socialmente:

Pelo termo “comum”, referimo-nos, em primeiro lugar, à riqueza comum do mundo material - o ar, a água, os frutos da terra e todas as dádivas da natureza -, o que nos textos políticos europeus clássicos em geral é considerado herança da humanidade como um todo, a ser compartilhada por todos. Mais ainda, também consideramos fazerem parte do comum os resultados da produção social que são necessários para a interação social e para mais produção, como os conhecimentos, as imagens, os códigos, a informação, os afetos e assim por diante. Esse conceito do comum não coloca a humanidade separada da natureza, seja como sua exploradora ou sua guardiã; centra-se, antes, nas práticas de interação, cuidado e coabitação num mundo comum, promovendo as formas benéficas do comum e limitando as prejudiciais. Na era da globalização, tornam-se cada vez mais centrais as questões da manutenção, produção e distribuição do comum, nesses dois sentidos - de promoção e limitação - e tanto no contexto ecológico quanto socioeconômico. (Hardt e Negri, 2016, p. 8)

Nesse contexto, vale lembrar que as ideologias dominantes do mundo de hoje, sobretudo as políticas neoliberais, têm tornado as pessoas cada vez mais individualistas, focando em suas vidas produtivas e individuais, o que faz com que não enxerguem a vida genérica e o comum, por mais que estes estejam por toda parte, o tempo todo, ao redor de todos/as. Por isso a atenção com a Educação se torna, mais do que nunca, urgente. É a Educação que pode restabelecer aos indivíduos sua vida genérica, sua emancipação humana e contribuir, assim, para a transformação social rumo ao bem-estar comum.

Do mesmo modo, é importante deixar claro que as ideias de emancipação, libertação, empoderamento, dar voz etc. não se caracterizam como supostas provisões unilaterais da parte do/a professor/a, em que este/a, por meio de sua atuação, teria o poder de emancipar, libertar, empoderar, dar voz etc. ao/à aprendiz. No entanto, ele/a pode, sim, criar espaços e condições que potencializem o desenvolvimento de tais capacidades por parte dos/as aprendizes. É nesse sentido que a Educação (linguística) pode contribuir para a transformação social, sob égides não-hegemônicas.

Ao discutir a filosofia freireana, Kohan (2019) ressalta o caráter político e social de uma educação compromissada com a liberdade emancipadora. Nesse horizonte, para esse autor, o reconhecimento e a afirmação de uma concepção igualitária perante as diferenças, bem como diante da capacidade crítica de todas as pessoas que participam do processo educativo, passa a ser condição política fundamental para potencializar essa capacidade de problematização da vida e do mundo e, assim, para a realização de uma prática educativa radicalmente emancipadora e socialmente transformadora. Nesse cenário, em que se respeitam e se validam as diferentes maneiras pelas quais a vida se manifesta nas mais diversas formas de existências (humanas e não humanas), neste planeta, “educar significa escutar, respeitar e essas diferenças”, com vistas à transformação emancipadora, porque, “sem elas, a vida seria muito menos vida” (Kohan, 2019, p. 92).

Nessa mesma perspectiva, argumentamos em favor de uma educação crítica, também no âmbito da linguagem, que possa ser potencialmente vivenciada como uma força emancipatória e capaz de enfrentar a barbárie dos tempos caóticos em que vivemos. Para Cássio (2019), desbarbarizar a educação revela-se, hoje, nossa maior urgência, uma vez que esse campo se mostra em constante ameaça, colocando em risco a possibilidade de reconstrução de uma sociedade mais fortemente plural, equânime e justa. Concordamos, então, com esse autor, em sua incisiva luta pela idealização e promoção de projetos educacionais que se mostrem mais radicalmente democráticos e coletivos, além de mais incisivamente capazes de enfrentar os efeitos do produtivismo, da competitividade e a da biologização que caracterizam o processo educativo em uma sociedade tão visivelmente rendida ao capitalismo neoliberal e ao fascismo social. Nessa perspectiva, entendemos que tais projetos sejam pautados, também, pela urgência de oferecer condições para a construção e vivência da criticidade, de modo mais comunal e pacífico, nos espaços educativos, em uma sociedade profundamente intolerante, discriminatória e racista, que há muito enfrenta sérios problemas de ordem econômica, política, ambiental, cultural e filosófica (Cássio, 2019; Holanda, 2021).

Por esse viés, arguimos, também, que movimentos de transformação radical se mostram sempre atravessados pelos afetos, sejam eles alegres ou tristes (Espinosa, 2009). Assim, a nosso ver, um posicionamento crítico revela-se inerentemente constituído na e pela afetividade. Por sua vez, essa questão nos parece muito importante, na medida em que, ao marcarem profundamente as relações sociais no mundo contemporâneo, o pensamento conservador e moralizante, bem como a postura fundamentalmente racionalista, apresenta-se como aspectos altamente limitadores para que outras sensibilidades de mundo (Mignolo, 2017), mais abertas, plurais e transformadoras, possam surgir de modo mais potente, nos mais diversos campos sociais, entre eles, a educação. Como destaca Ratier (2019, p. 149),

[...] a dificuldade para lidar com afetos e emoções não está concentrada apenas na escola. O embaraço está por toda parte, da família à igreja, da mídia ao trabalho. O foco excessivo na dimensão racional, típica das sociedades ocidentais, varreu para detrás das cortinas a atuação dos sentimentos.

Diante do exposto, parece urgente que passemos a promover espaços e possibilidades de reflexão sobre não somente o que pensamos, mas também sobre o que sentimos, em contextos educativos, a partir de uma abordagem não dualista, mas complexa e integrativa (Moraes e De La Torre, 2018), além de desestabilizadora e decolonial (Walsh, 2019), se almejarmos promover transformações radicais.

Portanto, neste artigo, nossa proposta é, inicialmente, problematizar a noção de crítico, a fim de situá-la sob lentes mais amplamente democratizadoras. Em seguida, discutiremos, de modo breve, o aspecto afetivo, buscando ressaltar sua relevância para a realização de uma educação linguística crítica, orientada para a transformação social e compromissada com a (re)construção de uma sociedade menos opressora e mais pacífica. Para tanto, entre outros pontos, refletimos sobre a educação transformadora, a partir da filosofia freireana, aliada à proposta de uma política de mudança não-oposicional (Keating, 2013), bem como de um projeto educativo pautado por uma cultura da paz (Salles Filho, 2019). Essas discussões levam, por fim, à nossa releitura das propostas pedagógicas ligadas aos multiletramentos (Kalantzis e Cope, 2012), visando à expansão da forma como a criticidade e a afetividade são originalmente abarcadas.

2. O conceito de “crítico” sob lentes desestabilizadoras

A palavra “crítico” é largamente empregada de diversas formas, em diversos contextos e com diversas finalidades, o que muitas vezes acaba por promover seu esvaziamento. Nesta seção pretendemos revisitar suas diversas acepções (cf, Pennycook, 2021, 2006, 2004, 2001) justamente para demarcar nosso comprometimento epistemológico com o conceito.

Em uma perspectiva de base liberal, na qual se encontra a concepção de “pensamento crítico”, a ideia de criticidade centra-se exclusivamente no indivíduo, que concentra todos os esforços necessários para o desempenho de um “distanciamento crítico”. Nessa perspectiva, ser crítico significa fazer uso de um conjunto de habilidades cognitivas que permite uma apreciação distanciada do fenômeno. A ideia é que para entender criticamente um fenômeno é preciso se distanciar dele, pois a proximidade poderia interferir em sua compreensão. Esta é a concepção que orienta a ideia de pensamento crítico na vida acadêmica, entendida como a capacidade do indivíduo se distanciar do fenômeno a fim de enxergar seus diferentes lados e possibilitar uma argumentação mais convincente. Embora não se possa negar a aparente coerência de tal perspectiva, não são consideradas as subjetividades, diferenças, desigualdades, relações de poder e conflitos inerentes às relações sociais e às posições sociais ocupadas pelos interlocutores. Trata-se de uma visão ingênua, segundo a qual qualquer indivíduo poderia se distanciar facilmente de um fenômeno e tal distanciamento ocorreria da mesma forma com todos, apesar de suas diferentes subjetividades e inserções sociais.

Em uma perspectiva de base funcionalista e construtivista, a ideia de criticidade requer a análise da relevância social do fenômeno, uma vez que a construção de significados é sempre situada e com funções sociais específicas. Embora, mais uma vez, não se possa negar a lógica da argumentação, não basta reconhecer a situacionalidade do fenômeno e analisar seu comportamento e suas funções na sua situacionalidade. O entendimento dos contextos de produção, circulação e distribuição de significados é fundamental para o fazer crítico, mas este não pode se reduzir à ideia de mera (re)adequação. Esse entendimento de criticidade se alinha ao entendimento de adequação e reprodução, e não de transformação.

Considerando-se o caráter transformador como inerente ao conceito de “crítico”, a perspectiva do modernismo emancipatório entende que a função da teoria crítica é revelar, desvelar para o oprimido a ideologia dominante do opressor, de modo que, consciente dela, e devidamente instrumentalizado, possa resistir a ela e emancipar-se. Tal perspectiva orienta-se por teorias sociais de base (neo)marxista que (re)interpretam de variadas formas as ideias de Marx, e que têm em comum a preocupação com questões sociais de desigualdade, injustiça, dominação e opressão. Não se pode negar a relevância dessa concepção de “crítico”, pois os discursos hegemônicos que circulam socialmente estão permeados por ideologias presentes nos sistemas ideológicos formados (Volóchinov, 2017 [1929]) com uma falsa aparência naturalizada. Essa naturalização pode acabar atenuando seu caráter de opressão, de forma que o oprimido sequer a perceba. Essa concepção de “crítico”, portanto, possui papel fundamental para a conscientização dos sujeitos e para qualquer reflexão que se pretenda crítica.

Entretanto, não se pode cair na armadilha de reduzir os problemas sociais à divisão da sociedade entre dominados/oprimidos e dominadores/opressores, considerando apenas as classes sociais de forma homogênea e como única categoria determinante de diferenças. Embora a estratificação social em classes seja determinante dos discursos hegemônicos e da forma como se dão as (inter)relações sociais em uma sociedade capitalista, não se pode ignorar as subjetividades que operam nas (inter)relações que não são homogêneas. Diferentes formas de dominação/opressão são estabelecidas a depender dos sujeitos envolvidos, assim como diferentes formas e graus de resistência por parte dos dominados/oprimidos são possíveis, a depender dos outros lugares sociais que ocupam além da classe - e considerando que mesmo o pertencimento de classe não homogeneiza os sujeitos. Hegemonias sociais e relações de poder são articuladas na (inter)relação entre classe e interseccionalidades: raça, gênero, sexualidade, idade, profissão, vida familiar, religião, formação acadêmica etc. a perspectiva do modernismo emancipatório, em sua crítica à ideologia dominante, contribui, portanto, para a construção de parte do conceito de “crítico”, mas não dá conta de toda a sua complexidade (Tilio, 2019).

Em uma perspectiva de base pós-colonial e queer, a criticidade pode ser definida como a capacidade de engajamento com diferenças, a partir de práticas problematizadoras, de forma a construir significados sócio-historicamente situados e questionadores de naturalizações. De certa forma, essa perspectiva incorpora elementos das concepções anteriores, pois o engajamento com as diferenças requer certo distanciamento que permita o (re)conhecimentos de uma diversidade de argumentos, o entendimento situado do fenômeno e o reconhecimento da onipresença de relações de dominação e opressão quando se fala em diferenças. Uma crítica feita a essa perspectiva é o relativismo a ela inerente, mas esse é justamente seu ponto central: toda interpretação é subjetiva, e acreditar e defender um objetivismo causal seria contraditório com o conceito de crítico aqui defendido. Vale ressaltar, contudo, que relativismo não significa opinião, “achismo” ou “vale tudo”. A prática problematizadora e o engajamento com as diferenças requer subjetividades fundamentadas e éticas necessárias à pesquisa e à análise interpretativa.

Em diálogo com a perspectiva crítica como prática problematizadora e engajamento com as diferenças, cabe trazer também a ideia de proximidade crítica (Sousa Santos, 1997 [2013]), segundo a qual o olhar crítico não deve “distanciar-se do fenômeno, e sim aproximar-se cada vez mais dele, embrenhar-se nele para entendê-lo melhor, mas sem perder a autonomia de pensar criticamente” (Tilio, 2019, p. 28). Tal concepção corrobora a ideia do pesquisador in-mundo (Abrahão et al., 2014), que atua no mundo sem se distanciar dele. É esse fazer parte do mundo, misturando-se às questões que analisa, que caracteriza seu engajamento com as diferenças. Apesar da proximidade, Sousa Santos (1997 [2013]) defende que o pesquisador mantenha um envolvimento livre (diferentemente de um “compromisso orgânico”), para que, apesar da proximidade, o crítico não tenha sua liberdade e sua autonomia comprometidas.

3. O fazer crítico em Educação (Linguística): pensamento crítico, pedagogia crítica, letramento crítico

Não é difícil encontrar referências ao trabalho crítico em Educação. No entanto, o simples uso da palavra crítico não é suficiente para localizar a perspectiva de criticidade referendada, dada a pluralidade de acepções apontadas anteriormente. Em Educação, diferentes tradições teóricas se apropriam de diferentes concepções críticas. É importante reconhecer cada uma delas, mas também entender que muitas vezes as terminologias são usadas de uma maneira descuidadosamente intercambiável, o que é um problema, pois alude a concepções e teorias as quais não estão sendo necessariamente remetidas. As expressões mais comumente utilizadas para se referir ao trabalho pedagógico crítico são: pensamento crítico, pedagogia crítica e letramento crítico.

A expressão pensamento crítico remete à concepção de crítico de base liberal, associada ao distanciamento crítico, e é normalmente utilizada no meio acadêmico como a habilidade de argumentação. Muitos cursos e livros didáticos (por exemplo: Moore e Parker, 2009, em sucessivas reedições) que abordam o texto acadêmico costumam trabalhar o pensamento crítico como uma habilidade a ser ensinada junto com as habilidades de escrita e leitura. Não entendemos, no entanto, criticidade como uma habilidade, e sim como letramento, assim como leitura e escrita (Tilio, 2017). Preferimos letramento ao invés de habilidade, assim como Weninger (2020), por compreender letramento como o entendimento sociosituado da produção de significados. Enquanto o desenvolvimento de uma habilidade remete a uma prática repetida de treinamento, o desenvolvimento de letramento remete a práticas sociais e ideológicas. Segundo Kern (2012), letramento envolve interpretação, alteridade, convenções, conhecimento cultural, inferência, reflexão e reflexividade, e conhecimento de como a linguagem é usada em diferentes contextos e por meio de diferentes modos para criar significados. Nesse sentido, leitura, escrita e principalmente criticidade são letramentos, e não meras habilidades.

A expressão pedagogia crítica, por sua vez, remete a uma tradição de pensamento em Educação de base (neo)marxista, modernista emancipatória. Seus ideais principais são a libertação e a emancipação, alcançadas por meio da crítica à ideologia dominante, opressora. Dentre seus expoentes estão Michael Apple, Henry Giroux e Peter McLaren: todos salientam a relação entre Educação e poder e a relação entre opressor e oprimido, sempre pelo viés da luta de classes. O brasileiro Paulo Freire também é comumente enquadrado na pedagogia crítica, embora seus ideais de educação problematizadora e de discussões corajosas o aproximem mais do que hoje entendemos por letramento crítico (e isso talvez ocorra porque não parece haver registro da expressão letramento crítico à época).

A expressão letramento crítico avança sobre os ideais da pedagogia crítica e a eles acrescenta outros ideais além das lutas de classe: as lutas raciais, de gênero, de sexualidade e de outras formas de opressão e poder que, se não se sobrepõem à luta de classes, ao menos a elas se interseccionam. O letramento crítico busca superar limitações dos modelos iniciais de pedagogia crítica, considerados binários (opressor-oprimido), deterministas (a ideologia da classe dominante oprime a classe trabalhadora) e, por que não, ingênuos (desvelar a ideologia da classe dominante libertaria o trabalhador). Um de seus principais autores é Allan Luke, para quem

abordagens de letramento crítico veem a linguagem, os textos e suas estruturas de discurso como principais meios para representar e remodelar mundos possíveis. O objetivo é o desenvolvimento da capacidade humana de usar textos para analisar campos sociais e seus sistemas de intercâmbio - de olho na transformação de relações sociais e condições materiais. Como uma prática cultural e linguística, então, letramento crítico implica uma compreensão de como textos e discursos podem ser manipulados para representar e, de fato, alterar o mundo. Mas esse foco no poder, na transformação e na mudança, não resolve e não pode, por si só, resolver questões centrais em torno da normatividade moral e política (Muspratt, Luke e Freebody, 1998; Pennycook, 2001); em torno da questão de cujos valores, textos, ideologias e discursos devem tomar o centro do palco; e sobre as formas e direções desejadas da transformação social8. (Luke, 2012, p. 8-9)

O letramento crítico, então, tem como objetivo “empoderar os aprendizes, provendo-os com um aparato analítico-crítico para ajudá-los a refletir sobre experiências e práticas com a linguagem, as suas próprias e as dos outros, em instituições das quais fazem parte e na sociedade em que vivem como um todo” (Clark e Ivanic, 1997, p. 217). O letramento crítico não pode ser entendido como um procedimento metodológico único, um modelo, ou mesmo um conjunto de ferramentas analíticas (Luke, 1997), mas como “uma coalisão de interesses educacionais comprometidos com o engajamento das possibilidades que as tecnologias da escrita oferecem para a mudança social, diversidade cultural, igualdade econômica e emancipação política” (Luke e Freebody, 1997, p. 1). Não faria sentido propor um modelo universal de letramento crítico, uma vez que “letramentos críticos são, por definição, trabalhos históricos em processo” (Luke, 2012, p. 9). O mundo está mudando constantemente, e essa mudança constante requer novas formas de análise que deem contas do surgimento de novas semioses e/ou de novos usos e significados que são dados a designs já existentes.

Mais uma vez, vale ressaltar que o uso terminológico não garante a concepção epistemológica, mas muita confusão poderia ser evitada se um maior cuidado fosse tomado na hora de se referir a abordagens críticas em Educação. Kalantzis e Cope (2012), por exemplo, definem uma pedagogia do letramento crítico a partir da pedagogia crítica de Freire, mas parecem não se importar com a distinção terminológica - o que pode acabar gerando certa confusão.

Uma crítica indireta ao letramento crítico em favor da pedagogia crítica é feita por McLaren (2001). Sem utilizar a terminologia aqui adotada, o autor fala de um “regresso à teoria marxista” (McLaren, 2001, p, 171) em detrimento de teorias pós-modernas, pós-estruturalistas e desconstrucionistas. Sem negar suas importantes contribuições, o autor acredita que a “ênfase nas políticas de identidade - uma proliferação de questões que têm a ver com identidades raciais, étnicas e sexuais [levou a] uma diminuição e substituição da discussão em torno de classe social (McLaren, 2001, p, 176). Segundo o autor,

o problema é que as identidades são freqüentemente enquadradas em um discurso de particularismo militante, e há maneiras pelas quais uma ênfase nas políticas de identidade pode sabotar a luta de classes, especialmente quando está desligada da totalidade social mais ampla do capitalismo avançado. Numa aula que eu dei neste verão, os estudantes não queriam discutir classe. Eles pensavam que questões de raça e gênero eram mais importantes. E, mesmo que todas as identidades sejam racializadas, sexualizadas, ligadas ao gênero e situadas em relações de classes - de maneira não-sincrônica, como Cameron McCarthy tem observado -, penso que temos nos esquecido de como as classes sociais funcionam em nossas vidas cotidianas. Penso que recuperar a luta de classes é essencial para se criar solidariedades políticas cada vez mais amplas no atual movimento contra o capitalismo global. A exploração de classes não deve ser “privilegiada” em detrimento do racismo, sexismo ou homofobia - permita-me, por favor, realçar este ponto mais uma vez -, mas sinto que as formações sociais capitalistas, não raras vezes, coordenam, organizam e reificam estas, igualmente importantes, outras formas de opressão. A exploração de classe é uma forma de opressão mais central, mas isso não quer dizer que seja mais importante. (McLaren, 2001, p, 177-178)

Embora o autor afirme não privilegiar a diferença entre classes sociais em detrimento de outras diferenças, tal alegação parece contraditória com sua argumentação de que “as formações sociais capitalistas, não raras vezes, coordenam, organizam e reificam estas, igualmente importantes, outras formas de opressão” e que “a exploração de classe é uma forma de opressão mais central, mas isso não quer dizer que seja mais importante”. Apesar de insistir na importância das demais formas de opressão, o autor afirma a centralidade da luta de classes, parecendo indicar que resolver a exploração de classe, a “opressão mais central”, gera um efeito cascata imediato de resolver as demais opressões.

É relevante trazer esse posicionamento aqui para deixar claro que, no nosso entendimento, o letramento crítico não diminui a importância da crítica capitalista, da opressão de classe ou da obra marxiana (que não entendemos como necessariamente representadas em algumas teorias (neo)/(pós-)marxistas). Muito ao contrário, ele amplia questões de diferenças trazidas pela obra marxiana e pela Pedagogia crítica a um patamar mais amplo, que reconhece interseccionalidades, situacionalidades e posicionamentos sociais.

4. Educação (linguística) e educação crítica a partir de princípios da teoria queer

Alinhada aos pressupostos do letramento crítico, de base pós-colonial e decolonial, podemos pensar uma Educação crítica a partir de princípios da teoria queer. A palavra Queer tem origem pejorativa, servindo de xingamento para se referir a pessoas gays. Os estudos queer ressignificaram o uso da palavra, passando a designar aquilo que a sociedade pretende transformar em anormal, em estranho, em abjeto, em subalterno (Miskolci, 2016), em estigmatizado, em “desviante”. Embora a origem da palavra dê conta das questões de gênero e sexualidade, a teoria queer também abarca outras subalternidades, tais como raça, etnia, nacionalidade e naturalidade, classe, religião etc.

Os estudos queer assumem um posicionamento contrário à classificação e à padronização das identidades, contrário aos rótulos, contrário ao assimilacionismo cultural, contrário ao pa- triarcado, contrário ao capitalismo e contrário aos binarismos. Trabalham por uma teoria crítica e pós-identitária, orientada pelas diferenças, não apenas pela diversidade. A diversidade considera apenas a pluralidade, sem hierarquizar as diferenças e problematizar as relações de poder e os conflitos inerentes a e consequen- tes da diversidade. As diferenças, por sua vez, reconhecem que a diversidade é assimétrica e que não existe convivência pacífica na pluralidade. Os estudos queer, portanto, alinham-se com a concepção de “crítico” de engajamento com as diferenças na medida em que buscam entender a questão da diferença e não hierarquizar essas diferenças, visando à transformação. (Tilio, 2019, p. 29).

Nesse sentido, com base em uma proposta de pedagogia de letramento queer (Lin, 2014), Tilio (2017) propõe alguns princípios para uma Educação crítica: 1) desafiar os estudantes a desconfiar de e desafiar tudo o que é naturalizado como “normal”; 2) trabalhar uma educação para a justiça social, demonstrando compromisso com a mudança social e a desestabilização do conhecimento naturalizado, normalizado e normatizado; 3) questionar representações: H/história(s) e conhecimento(s) são narrativas construídas socialmente; 4) construir uma base de conhecimentos sólida que permita estranhamentos; 5) criar condições para a autorreflexão, trabalhando para a transformação tanto dos estudantes oprimidos quanto dos opressores, ao invés de simplesmente silenciá-los ou adverti-los; e 6) manter as expectativas em alta, partindo do pressuposto de que os estudantes são capazes de manter uma discussão madura e realmente transformarem-se.

Essa é a Educação crítica que parecia almejar Paulo Freire. Embora à obra do autor seja frequentemente atribuída uma interpretação (neo)marxista emancipatória, Freire salientou a necessidade de discussões corajosas e o caráter problematizador da Educação:

Uma educação que possibilitasse ao homem (sic) a discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a coragem de lutar, em vez de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus “achados”. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos. (Freire, 2003, p. 97-98)

5. Criticidade e afeto como potencializadores da educação (linguística) transformadora

A filosofia educacional freireana tem como um de seus pilares o afeto, mais especificamente, porque, ao compreender a ação de educar como um ato amoroso (Freire, 2017 [1993]), concebe o amor como força vital, libertadora (Freire, 2003) e, portanto, como uma afecção capaz de ampliar nossa potência de ação no mundo, minando variações afetivas negativas que tendem a restringir nossa força de existir e transformar (Espinosa, 2009). Nesse horizonte, relações opressoras, de quaisquer tipos, (re)produzidas nos mais variados campos sociais, são sempre esvaziadas do amor como potência de vida, porque “toda relação de dominação, de exploração, de opressão já é, em si, violenta. Não importa que se faça através de meios drásticos ou não. É, a um tempo, desamor e óbice ao amor” (Freire, 2003, p. 58, ênfase adicionada).

A posição radical, segundos postulados freireanos, revela-se sempre amorosa e preponderantemente constituída pela criticidade. Assim sendo, a educação potencialmente emancipadora e libertadora mostra-se um convite à interrogação constante e ao diálogo aberto, na medida em que, ao evidenciar-se “crítica e amorosa”, mostra-se genuína e empaticamente “humilde e comunicativa” (Freire, 2003, p. 58).

Ao problematizar tais questões e, assim, refletir sobre o “éros pedagógico” de Paulo Freire, Kohan (2019, p. 127) toma como base para sua releitura o trabalho de Badiou e Truong (2013). Nessa direção, a amorosidade freireana afasta-se de uma concepção romântica e ilusória, para manifestar-se como uma construção de verdade, na medida em que interroga as visões e formas de existência (im)postas, permitindo a realização do inédito viável (Freire, 2014 [1992]). Nesse sentido, a amorosidade funde-se na esperança, como um princípio ontológico, ampliando nossa potência de ação e possibilitando que interrompamos a reprodução do pensamento hegemônico e que promovamos mudanças. Embasados nas palavras de Ana Freire (2014), Paro, Ventura e Kurokawa e Silva (2018) destacam que a realização do inédito viável, em toda sua potencialidade transformadora, pressupõe a percepção dos sujeitos acerca das situações-limite em seu cotidiano, levando-os, a partir desse reconhecimento, a possibilidades de um agir empoderado, a ponto de conseguirem romper com o imobilismo e enfrentar o status-quo. Por sua vez, Kohan (2019, p. 68, ênfase no original) ressalta que esse conceito reflete a convicção freireana na “vocação epistemológica e ontológica dos seres humanos por “ser mais””, evidenciando, com isso, um porvir sempre aberto à experimentação. Uma educação (linguística) transformadora, nesse horizonte, constitui-se nas possibilidades de vivência da criticidade-afetividade em espaços (escolares ou não) compromissados com a realização de inéditos-viáveis. Nesse cenário, ecoamos as palavras de Freire:

A educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque, recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção. (FREIRE, 2003, p. 104)

Desse modo, embasados nas ideias de Kohan (2019), compreendemos que a educação (linguística), como ato amoroso e libertador, seja um trabalho educativo crítico com e nos sentimentos. Educar com (e nos) sentimentos “é como ajudar a compor um tempo próprio, propiciar um compor-se a si mesmo na trama das relações e laços que nos constituem naquilo que somos e que podemos ser” (Kohan, 2019, 122), permitindo a emergência de novas realidades, mais radicalmente tolerantes, plurais e comunais.

Defendemos, assim, a aliança entre afeto e criticidade, a fim de ressaltar a relação de mútua constitutividade desses elementos e seu papel fundante na própria constituição do sujeito, bem como de seus modos de existência e de produção de sentidos e conhecimentos no mundo que o cerca. Em outras palavras, como também defendem Rocha, Kawachi e Maciel (no prelo), “a natureza afetiva e multissensorial de nossas experiências são fundamentais para a construção de nossas formas de compreender o mundo e de existir nele e, assim, a reflexão crítica não poderia ignorar a força da afetividade em nossas vidas”. Ao discorrer sobre o letramento crítico na atualidade, Jordão (2019) afirma que o engajamento das pessoas em práticas letradas e, portanto, de linguagem, implica, necessariamente, questões ligadas à identidade e à afetividade. Assim sendo, concordamos com essa autora quando ela argumenta que, sob o enfoque do letramento crítico, “o conhecimento tem que ser concebido como sempre corporificado, entextualizado, imerso em emoções” (Jordão, 2019, p. 64) e, portanto, impregnado pelo afeto. Reiteramos, também, o argumento de que destituir a criticidade de sua tonalidade afetiva implicaria reduzi-la ou aprisioná-la à racionalidade, negando “o corpo, a voz, a performatividade, a relação” nas práticas sociais (Jordão, 2019, p. 64).

Ao lado de importantes estudos desenvolvidos, como a obra de Espinosa (2009), podemos considerar os trabalhos de Maturana (1998) como seminais para esse campo, a partir de sua ênfase nas emoções, em sua interface com a linguagem, a educação e a política. Nas últimas décadas, como bem destaca Cough (2007), a virada afetiva vem renovar a ênfase e o interesse na afetividade, na área das ciências humanas e sociais, buscando romper mais fortemente com uma visão fundamentalmente racionalista, que insistia na separação entre corpo e mente, razão e emoção, indivíduo e sociedade, além de abstrair os afetos do contexto ideológico e político. Por sua vez, autores como Ahmed (2010), Morgan (2009), Benesch (2012), Massumi (2015), Barcelos e Coelho (2010), Aragão (2011), entre tantos outros, trazem contribuições importantes para uma abordagem transformadora e politicamente embasada, no que diz respeito à afetividade no âmbito dos estudos da linguagem, da educação (linguística) e de campos correlatos.

Como bem destaca Soligo (2018, p. 9), “razão e afeto, temas, dicotomias, dilemas, têm sido ao longo da história cantados e contados em todas as artes”. Ao mesmo tempo, conforme também ressalta a autora, essas dimensões do humano, desde muito, têm sido estudas nos mais diversos campos do conhecimento, particularmente no âmbito da Filosofia e da Psicologia. De forma recorrente, razão e afeto são mantidos apartados, como resultado, principalmente, do pensamento filosófico positivista, que enfatiza a objetividade e a neutralidade, bem como a prevalência da visão científica sobre as demais maneiras de compreensão da realidade (Soligo, 2018). Sem desmerecer outras importantes contribuições no sentido de romper com essa dualidade, para Soligo (2018, p. 13), podemos encontrar na Psicologia Africana, como revala o trabalho de Nascimento (2009), “uma apurada e bem desenvolvida concepção de sujeito em que a dicotomia razão-afeto não se coloca como parâmetro, sequer como possibilidade”, uma vez que “as muitas dimensões do humano - cognitiva, afetiva, corporal, transcendental - só podem ser entendidas em sua relação e imbricação”. Em nossa acepção, essa forma alternativa de conceber a existência no mundo encontra-se refletida nos fundamentos da ecologia de saberes (Sousa Santos, 2016), representando uma potente forma de enfrentamento das linhas abissais que geram a intolerância e o silenciamentos de modos de pensar não conformados com o pensamento hegemônico. Também no que diz respeito ao modo como abordamos a criticidade e a afetividade em nossos estudos, mostra-se, portanto, urgente que possamos ampliar a presença dessas outras sensibilidades de mundo (Mignolo, 2017) em nosso país, uma vez que a perspectiva citada é ainda incipiente no espaço acadêmico brasileiro (Soligo, 2018).

Em uma abordagem crítica, que acata a complexidade e o pensamento rizomático (Deleuze e Guatarri, 1995 [2011]), passa a ser necessário desconstruir abordagens racionalistas, dicotômicas, normativas e moralizantes perante os afetos, em favor de uma percepção não-oposicional e dinâmica, que situe as a afetividade nas tensas e assimétricas relações de poder e, assim, reconheça a complexa relação entre afeto, vida individual e a estrutura sociopolítica (Safatle, 2020). Nesse horizonte, compreendemos que a relação aliançada entre criticidade e afeto podem oferecer um caminho interessante para uma educação transformadora. Conforme discutem Rocha, Kawachi e Maciel (no prelo), entendemos que essa educação, buscando alternativas para modelos cristalizados e incapazes de promover a transformação radical, esteja alinhada aos fundamentos do sentipensar (Escobar, 2014).

Como destaca Araújo (2017), uma prática educativa sentipensante é marcadamente decolonial9, uma vez que se compromete a enfrentar a matriz da modernidade-colonialidade, ao mesmo tempo em que assume o compromisso de resgatar laços afetivos pautados pela experiência comunal e coletiva. Para essa autora, projetos dessa natureza revelam-se ainda bastante recentes no cenário latino-americano e mostram-se bastante promissores, na medida em que procura resgatar a afetividade étnico-racial ao longo de um processo que propicia a (re)construção de subjetividades, ao unir o coração e a razão10. Por sua vez, essa aliança, ao enfrentar o pensamento ocidentalizado que impõe uma educação bancária e alienante, nos permite compreender que “corazonar é sentipensamento” (Kahmann e Silveira, 2018, p. 92), como também defende Leroy (2021). Assim sendo, o sentipensar pode favorecer a presença de outras sensibilidades de mundo em meio às diversas práticas sociais. O caráter radicalmente transformador dessa proposta reside, entre outros, em sua pontencialidade de abrir espaço para movimentos potencialmente decoloniais, ao favorecer o suleamento de epistemologias e a ruptura em relação a qualquer teoria ou prática universalizante e que perpetue o racismo, a discriminação cultural, bem como demais formas de subalternização (Menezes de Souza e colaboradores, 2019, p. 7). Para Walsh (2019, p. 94), práticas educativas sentipensantes mostram-se interessantes e urgentes, pois confrontam a lógica capitalista e o projeto de poder colonial, ao romperem com a prática hegemonicamente imposta do “pensar-atuar”. Esse modo de ação, totalmente descolado da reflexão crítica, é fatal para um projeto educacional transformador, que precisa de nutrir da forte aliança entre o sentir, o pensar, o atuar e o pedagogizar, para ser capaz de combater, com maior êxito, as mais diversas formas de violência e silenciamento que constituem nossa sociedade (Walsh, 2019).

Em um viés um pouco distinto (por não se encontrar explicitamente situado em teorias decoloniais), mas também interessante, Moraes e De La Torre (2018) discutem os fundamentos do sentipensar como uma possibilidade para renovar a educação na atualidade. Nessa vertente, esse termo é abordado a partir de trabalhos já desenvolvidos por De La Torre (2001), tomando-se como base uma concepção holística e integradora da realidade, esta sempre complexa. A educação nutrida pelo sentipensar pressupõe a compreensão do ser humano em sua inteireza, sendo a sua atuação na vida cotidiana vista como um todo complexo, “onde pensamento e sentimento estão em holomovimento, conjugando-se de tal modo que fica difícil saber qual dos dois prevalece sobre o outro” (Moraes e De La Torre, 2018, p. 57). Em outras palavras, nossa ação no mundo realiza-se, dinâmica e complexamente, em um movimento que funde o sentir, o pensar o agir e o transcender. Embasados na Teoria Autopoiética de Maturana (1999), os citados autores compreendem a linguagem como expressão do sentipensar. Moraes e De La Torre (2018) também enfatizam que, no ato de conhecer (ou de recriar) a realidade, encontram-se singularmente amalgamados nossos pensamentos, ações, emoções, desejos e afetos. Essa complexa tessitura, expressa pelo nosso linguajar, gera uma dinâmica processual que reflete a totalidade humana. Práticas educativas sentipensantes, nessa perspectiva, pressupõem o abrir espaço para os sentidos e para a reflexão crítica sobre como vivemos nossos sentimentos e como eles nos afetam e impactam nossa potência de ação no mundo. Tais práticas implicam, também, o reconhecimento de que somos, simultaneamente “serem físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais” (Moraes e De La Torre, 2018, p. 91). Para que essa abordagem possa provocar transformações radicais, parece oportuno que sejam concomitantemente promovidas reflexões sobre o caráter político dos afetos, possibilitando a percepção e a análise crítica acerca de natureza socioculturalmente marcada dos sentidos (Le Breton, 2006) e dos afetos (Safatle, 2016).

Em uma perspectiva transgressiva perante o pensamento hegemônico, hooks (2020) discute o pensamento crítico, de maneira fortemente vinculada à afetividade. Para essa autora, um dos princípios fundamentais do pensamento crítico encontra-se refletido em nosso anseio por saber e reconhecer o funcionamento da vida e do mundo que nos cerca, a fim de transformá-los. Nesse horizonte, bell hooks (2020) defende a importância de uma pedagogia engajada, que permita e amplie oportunidades de compartilhamento de ideias e de histórias, de participação colaborativa e de escuta atenta, bem como de interrogação constante perante a realidade que se apresenta e aquilo que conseguimos perceber. Nesse espaço, situado e repertoriado, que convida à transgressão, como processo dinâmico e contínuo, abre-se oportunidade para a realização do inédito viável e, portanto, para a vivência de uma mentalidade descolonizadora (hooks, 2020).

Para o desenvolvimento de uma pedagogia dessa natureza, essa autora segue em defesa da presença de uma ética amorosa e crítica, que revela toda a força da relação entre criticidade, amor e luta em prol da justiça social. A concepção de amor que emerge, nessa perspectiva, é aquela que o compreende como “uma combinação de cuidado, comprometimento, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança” (hooks, 2020, p. 173). É interessante perceber que, para hooks (2021), a prática do amor como potência e força vital para a transformação social sob um horizonte descolonizador, pressupõe o amor-próprio como um afeto fundamental. O cuidado de si, descolado do individualismo possessivo e exacerbado, é algo importante de (re)aprendermos a experimentar e a vivenciar, como possibilidade de enfrentamento das violências constitutivas do mundo que hoje nos cerca. Esse é um traço que também marca o sentipensamento, porque o autoconhecimento e a autoaceitação são aspectos enfatizados, nessa teoria, como recursos de resistência e insubordinação. Como nos explica Araújo (2017, p. 78), “A proposta do sentir-pensar, [...], complementa esse processo de conscientização sobre quem se é, uma vez que aproxima a construção do saber crítico das dimensões afetivas”. Ao nos permitirmos o resgate sobre quem somos, conseguiremos mais facilmente enfrentar os discursos de poder que subjetificam nossos corpos e, assim, provocar desestabilização e transformação (Araújo, 2017).

Por sua vez, ao problematizar um projeto educacional capaz de radicalmente enfrentar a barbárie que marca nossos tempos, Ratier (2019, p. 178) discute a escola e os afetos e defende a energia transformadora da raiva e da revolta. Esse é um posicionamento interessante, porque incomoda um olhar acostumado à dicotomia caricatural que rigidamente separa afetos positivos e negativos e estigmatiza comportamentos desviantes (Ratier, 2019). Também Massumi (2015) ressalta a importância de enfrentarmos abordagens moralizantes perante os afetos. Entendemos ser possível alinhar essa perspectiva à filosofia freireana, na medida em que, para Freire (2004 [1996], p. 40), “está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador”. Nesse sentido, é também importante levar em conta que, “o que a raiva não pode é, perdendo os limites que a confirmam, perder-se em raivosidade que corre sempre o risco de perder-se em odiosidade” (Freire, 2004 [1996], p. 40-41).

Segundo Gleizer (2005), os afetos não podem ser vistos como elementos engessados e autossuficientes, ou tampouco como fruto da comparação entre estados, mas devem ser compreendidos como experiência vivida. Assim sendo, é importante que práticas compromissadas com a liberdade e a emancipação promovam a problematização em uma vertente crítico-afetiva, explorando o caráter transitório dos afetos (Espinosa, 2009), permitindo que afetos possam ser objetos de análise, de forma sociopolítica e culturalmente situada, e que possam surgir espaços para a transformação. Essa prática pode ser alinhada, por sua vez, ao que Anwaruddin (2015) e Morgan, Rocha e Maciel (2021) chamam de letramento crítico afetivo, na medida em que problematiza a maneira como os afetos são produzidos, seus modos de circulação e seus efeitos na estrutura da vida social, com vistas a possibilidades de construção da justiça social.

Nesse horizonte, um projeto educacional orientado pela criticidade-afetividade ocupa-se das dores vivenciadas por grupos subalternizados, denunciando a desumanização, ao mesmo tempo em que procura criar condições para que seja possível resistir e insurgir em meio às “fissuras do sistema capitalista-moderno/colonial-antropocêntrico-racista-patriarcal” (Walsh, 2019, p. 104). Projetos dessa natureza, “imploram e exigem um pensar-sentir-fazer-atuar”, pois são voltados, a partir do diálogo aberto e interessado na mudança, à criação de alternativas que fujam à lógica imposta, bem como de possibilidades de semeaduras capazes de promover modos outros de “viver, estar, ser, sentir, pensar e atuar” (Walsh, 2019, p. 96).

Parece-nos importante ressaltar que práticas pautadas nessa forte aliança entre o crítico e o afetivo não condizem com pedagogias dogmáticas. Consequentemente, acatamos a ênfase freireana atribuída a uma pedagogia da pergunta (Freire, 2015 [1994]) como uma maneira interessante e potente de viver o sentipensamento e realizar o inédito viável. Nessa mesma linha, concordarmos com Keating (2013), quando a autora defende uma pedagogia do convite, porque práticas não hegemônicas não são resultado de imposição, mas de conscientização e empoderamento. Pautada nas teorizações de Anzaldúa, a autora destaca que a conscientização não se revela um destino final ou patamar a ser alcançado, mas um convite para a reinvenção de mundos e de formas outras de existência. Em vez de dogmáticas e impositivas, “as pedagogias do convite são não-oposicionais e requerem humildade intelectual, flexibilidade e uma atitude de abertura’ (Keating, 2013, p. 122).

Por fim, achamos relevante salientar o alinhamento de uma educação (linguística) crítico-afetiva aos fundamentos do sentipensar, conforme compreendido e proposto por Moraes e De La Torre (2018), no que diz respeito à uma pedagogia da paz. “Autonomia, participação, solidariedade, sustentabilidade, responsabilidade” mostram-se dimensões fundamentais para a afirmação de uma sociedade mais justa para todas as pessoas (Moraes e De La Torre, 2018, p. 182). Alinhados ao pensamento de Salles Filho (2019), Moraes e De La Torre (2018, p. 182) argumentam em favor de uma cultura de paz que venha a nutrir “a multiculturalidade, a compreensão da existência de diferentes culturas, de múltiplas realidades e diversas visões de mundo”. Como nos mostra hooks (2021), a construção de relações pautadas pela paz, pelo amor e pela justiça revela-se atravessada por um interesse genuíno diante da amorosidade, da generosidade, do perdão e da compaixão, como também marcada pela necessidade de romper com o estigma que esses afetos carregam, ao serem tomados, quase sempre, como sinais de fraqueza e fracasso. Nesse cenário, seguimos em defesa de uma educação (linguística) radicalmente transformadora, que nos permita expressar nossa raiva justa e, ao mesmo tempo, semear amorosidade.

6. Reflexões finais: uma breve releitura da pedagogia dos multiletramentos

Pensando em aproximar as discussões teóricas que desenvolvemos neste texto de proposições mais práticas, queremos agora oferecer uma interpretação para a pedagogia dos multiletramentos sob as lentes de uma proposta pedagógica de educação linguística crítico-afetiva, conforme aqui defendida. Nessa concepção, o fator denominado “instrução aberta” no modelo original (THE NEW LONDON GROUP, 1996) seria o centro do processo - a própria Educação linguística. Permeada por uma postura crítico-afetiva, espera-se que os aprendizes possam, de forma consciente, protagonista, ética e responsável, exercer domínio crescente sobre suas práticas, didatizadas no contexto pedagógico por meio de práticas situadas com vistas à construção de práticas transformadoras. Esse processo requer controle e compreensão conscientes não apenas da forma como as práticas sociais se constroem a partir de relações históricas, sociais, culturais, políticas, ideológicas e valores centrados em sistemas particulares de conhecimento (The New London Group, 1996), mas também controle e compreensão conscientes em relação ao seu próprio processo de aprendizagem, à sua própria educação linguística.

Dessa forma, postula-se como ponto de partida para a prática pedagógica a prática situada, entendida como a apropriação pelo contexto pedagógico de práticas sociais familiares e/ou relevantes aos aprendizes, de forma que possam construir conhecimentos a partir delas e com vistas a transformá-las. Partir de uma prática situada pressupõe retomar conhecimentos prévios (experienciar o conhecido) ou simular práticas, ainda não conhecidas, mas tidas como relevantes para aquele determinado grupo, dada sua caracterização sociocultural (experienciar o novo) - cf. Kalantziz e Cope, 2012. É a prática situada que busca trazer para o contexto pedagógico as realidades e práticas dos aprendizes por meio dos gêneros que atravessam seus cotidianos para, a partir desses conhecimentos, proceder-se à construção de novos.

Os novos conhecimentos e sentidos construídos a partir de suas práticas e contextos situados (transformados pelos próprios aprendizes ao longo do processo pedagógico) caracterizam a prática transformadora (transformed practice, na terminologia do The New London Group, 1996). Como o adjetivo transformadora indica, a expectativa é de que uma educação linguística crítico-afetiva contribua não apenas para transformar práticas sociais nas quais os indivíduos se engajam, mas também para potencializar sua autonomia sociocultural de forma que participem contínua e ativamente da (re)construção do conhecimento e da transformação social, desafiando as ordens sociais impostas.

Todo o processo de educação linguística é permeado por uma postura crítico-afetiva que permeia todo o processo (cf. Figura 2), não podendo se limitar a momentos esparsos e pontuais. Justamente por diferir do pensamento crítico de base liberal e da pedagogia crítica modernista-emancipatória, não se trata de indicar ao aprendiz quando, como e por que ele deve ser crítico; ao contrário, a criticidade, em sua radical aliança com a afetividade, revela-se uma postura ética e socialmente responsável de apropriação emancipadora do conhecimento rumo a práticas transformadoras orientadas para o bem comum e em empatia com o outro.

Figura 2
Representação gráfica de uma releitura da pedagogia dos multiletramentos

Por fim, em uma perspectiva transformadora, de bases freireanas, é relevante destacar que propostas pedagógicas demonstram, como princípio constitutivo, um compromisso com a vida, em toda sua potência e força de ser sempre mais (Kohan, 2019). Nesse horizonte, a educação (linguística) transformadora pode ser compreendida e vivenciada como “radical vivo, que monta, arrebata e alumbra os seres e as coisas do mundo”, ao mostrar-se solidariamente “implicada com a diversidade e o caráter ecológico das existências” (Rufino, 2021, p. 5). Assim sendo, os encaminhamentos que apresentamos, com sua ênfase na postura crítico-afetiva, pautam-se também na ideia de errância, buscando destacar, como postula Kohan (2019) ao refletir sobre a filosofia educacional de Paulo Freire, a abertura para uma aliança compromissada com a desobediência epistêmica, com o inacabamento e com a possibilidade, sempre ininterrupta, de reconstrução de futuros potencialmente mais amplos, como também mais justos, equânimes e pacíficos para todas as pessoas.

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  • 4
    De modo breve, os conceitos de discurso e de ideologia são por aqui compreendidos a partir da filosofia do Círculo Bakhtiniano (Bakhtin, 2015 [1934-35]; Volóchinov, 2017 [1929]). Nessas bases, como aponta Brait (2006), o discurso é abordado como a manifestação da língua/linguagem em sua totalidade viva, ou seja, como um fenômeno concreto, integral e realizado no âmago das interações sociais, de forma ideologicamente marcada. O discurso, portanto, dá forma ao objeto em meio a e por meio de práticas de linguagem (Foucault, 1972), como problematiza McKinney (2017). A ideologia, por sua vez, pode ser compreendida como um conjunto (complexo, dinâmico e heterogêneo, bem como historicamente constituído) de ideias, valores e representações que possibilita a organização social e que constitui, explica e justifica o que entendemos por realidade (Fiorin, 2007). As ideologias operam, portanto, em cadeias e formações discursivas (Hall, 1986). Por sua vez, a noção de hegemonia tem como base as teorizações de Gramsci (1971). Assim sendo, como discutido por Chun (2017) e Mills (2016), a força hegemônica se realiza a partir da validação espontânea de formas dominantes de produzir sentidos e conhecimentos na sociedade.
  • 5
    As Jornadas de Junho podem ser sucintamente descritas como um levante popular, realizado concomitantemente em um considerável número de cidades brasileiras, no ano de 2013, como forma de protesto contra uma série de questões de ordem social, econômica e política (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornadas_de_Junho). Segundo Pinheiro-Machado (2019), as manifestações populares de Junho de 2013 representaram o encontro de variadas pautas, muitas vezes, díspares. Nesse contexto, o movimento revelou também uma forte reação diante da eminente ameaça às estruturas de poder estabelecidas no Brasil há séculos, que levava à perda de privilégios por parte das elites e grupos de classe média.
  • 6
    Critical theory springs from an assumption that we live amid a world of pain, that much can be done to alleviate that pain, and that theory has a crucial role to play in that process. It further assumes that any theorizing that occludes the sense of embeddedness in an imperfect world is complicit with that world.
  • 7
    Autonomia sociocultural é a capacidade que o indivíduo tem de gerenciar suas interações sociais e sua participação ativa e responsável em diferentes cenários e situações socioculturais e sociopolíticas (OXFORD, 2015).
  • 8
    Todas as traduções relativas a citações de autores estrangeiros são de nossa responsabilidade.
  • 9
    De modo bastante sucinto, definimos decolonialidade com base em Maldonato Torres, (2018, p. 36), compreendendo-a como á luta contra a lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos. Por sua vez, a colonialidade é entendida “como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na aus6encia de colônias formais” (Maldonato Torres, 2018, p. 35-36).
  • 10
    O Sentipensar, conforme discutido por Escobar (2014), entre outros, relaciona-se ao que Guerrero Arias (2010) chama de Corazonar.
  • 3
    Agradecimento ao CNPq [307149/2023-4].
  • Disponibilidade de dados
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2022
  • Aceito
    26 Nov 2023
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