Editorial
Neste número 45, abrimos o Editorial de Educação em Revistadiscutindo um tema atual e importante para a educação brasileira: o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado no último dia 24 de abril pelo Governo Federal. Uma das novidades do plano acabou atraindo todas as atenções da mídia: a instituição do Piso Salarial Nacional Profissional do Magistério Público (PSNP) de R$ 850,00 para uma jornada de 40 horas semanais, algo a ser concretizado somente em 2010. Esse valor seria pago indiscriminadamente aos professores com formação em nível superior e em nível médio. Segundo o Ministro da Educação, Fernando Haddad, cerca de 55% dos docentes do ensino público recebem salários abaixo deste valor. A medida teve repercussão imediata: no dia 25 de abril, educadores de todo o país realizaram a Marcha Nacional da Educação, em Brasília, DF, convocada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). A entidade apresentou projeto de lei substitutivo que prevê um piso de R$ 1.050,00, para os professores com habilitação em nível médio, e de R$ 1.575,00, para os professores com nível superior. Esses valores seriam relativos a uma jornada de 30 horas semanais e entrariam em vigor a partir de janeiro de 2008.
Apesar da importância que o aumento de salário dos professores tem para a melhoria da Educação no país, consideramos que o PDE se omite em relação a pelo menos duas outras questões que têm merecido destaque nas discussões atuais sobre a situação da educação no Brasil: nada foi dito em relação à implantação da escola em tempo integral, algo previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e, até o momento, não cumprido; da mesma forma, o PDE não estabelece um plano de carreira que estipule a jornada integral dos professores em uma única escola.
As discussões sobre o PDE têm insistido sobre a timidez do Plano, que pouco avança sobre o que já tem sido feito. O Plano insiste na centralidade da avaliação do rendimento escolar como base para identificação e correção dos problemas educacionais. Há muito o país assiste a uma diversificação de políticas de avaliação, que mostram as deficiências do sistema, mas não têm gerado ações mais efetivas para corrigi-las. De certa forma, já sabemos quais são as escolas em que os alunos terminam as séries iniciais do ensino fundamental sem terem sido alfabetizados, o que não tem gerado o efeito desejado nas políticas educacionais. Além disso, a adoção de exames de avaliação do rendimento escolar como base para a distribuição dos recursos ou para a correção de erros e deficiências pode fazer que a disponibilidade de recursos materiais para cada escola dependa, mais uma vez, do esforço dos docentes, o que, certamente, trará intensificação do trabalho e das cobranças sobre os já desgastados professores.
Para colocar o Plano em prática, o Governo dispõe, para o ano de 2007, de 1 bilhão de reais. Esse montante representa apenas algo em torno de 0,04% de nosso Produto Interno Bruto (PIB). Se nossas escolas estivessem todas bem equipadas com bibliotecas, laboratórios, salas de informática, tudo funcionando talvez 1 bilhão fizesse alguma diferença. Mas, no estado atual das coisas, é apenas uma gota que vai se perder num oceano de necessidades. A opinião que vai se formando entre os educadores é de que o pacote representa, mais uma vez, a visão de que "é possível reformar a escola de cima, rapidamente e sem dinheiro."
Sabemos que o debate em torno do PDE está apenas começando. Convidamos os nossos colaboradores a participarem do debate, submetendo análises críticas e polêmicas sobre o PDE e outros temas atuais de interesse da Educação para publicação na seção Palavra Aberta de nossa Revista.
No artigo que abre este número 45 de Educação em Revista, intitulado "A discussão como ferramenta para o processo de socialização e para a construção do pensamento", Silvia Parrat-Dayan, da Universidade de Genebra, analisa a prática de discussão como uma ferramenta para a socialização da criança e seu desenvolvimento mental. A autora mostra como a troca e o confronto de visões e expressões propiciam às crianças experiências de descentramento e a busca criativa de novos argumentos.
Em "Efeito-escola e estratificação escolar: o impacto da composição de turmas por nível de habilidade dos alunos", Maria Teresa Gonzaga Alves e José Francisco Soares estudam o efeito-escola no desempenho acadêmico dos alunos de sete escolas públicas que atendem a comunidades que podem ser consideradas homogêneas do ponto de vista socioeconômico. O artigo mostra que o efeito-escola se estrutura pela forma como as escolas organizam os alunos em turmas, processo que contribui para que pequenas diferenças entre os alunos acirrem a estratificação escolar de uma forma mais ampla.
Ao discutir como as mudanças apresentadas pela sociedade influenciam o processo de formação do profissional de engenharia, Leandro Palis Silva e Sálua Cecílio, em "A mudança no modelo de ensino e de formação na engenharia", mostram que, para que haja uma melhoria no ensino das engenharias, é necessário considerar as experiências de profissionais que atuam na área.
O descompasso entre os interesses de estudantes e os objetivos da escola é o tema de "Escola normal rural e seu impresso estudantil", de Flávia Obino Corrêa Werle, Lenir Marina de Sá Britto e Gisele Nienov. As autoras analisam o veículo mantido pelo grêmio estudantil de uma escola normal rural do Rio Grande do Sul, no período de 1946 a 1950, e concluem que, embora o objetivo da escola fosse a formação do professor para a zona rural, o veículo mantido pelo grêmio tratava principalmente da socialização e da formação religiosa oferecida pela instituição.
Além desses artigos, neste número 45 Educação em Revista dá continuidade à publicação de dossiês temáticos, reiniciada no número 44. Os dossiês têm sido organizados por pesquisadores de destaque no tema escolhido, que atuam como editores, convidando os autores e coordenando o processo de arbitragem dos artigos selecionados. Neste número, convidamos o Prof. Antonio Flavio Barbosa Moreira para coordenar o dossiê "O campo do currículo hoje: debates em cena", tema que é o coração da escola.
O currículo é um artefato social e cultural que tem sua história vinculada a formas contingentes de estruturação e organização da sociedade e da educação. Ele está conectado a relações de poder, transmite visões sociais interessadas e possui vínculos estreitos com o processo de formação de identidades particulares. É também espaço de encontros e de produção das diferenças. Nele algumas questões são definidas como problemas sociais, alguns conhecimentos como necessários, algumas formas como legítimas e algumas culturas como diferentes. Ele não somente divulga significados sobre o mundo e as coisas do mundo; também fabrica esses significados. Trata-se de um artefato que é constituído não por conhecimentos válidos, mas por conhecimentos considerados válidos. Ele ocupa, então, um lugar privilegiado nas disputas educacionais. Exatamente por esse seu caráter político, arbitrário, produtivo e interessado, assim como pela importância que ocupa na educação escolar, o currículo tem sido alvo de debates, problematizações e questionamentos, produzindo, muitas vezes, grandes polêmicas no campo.
Os artigos que compõem o dossiê aqui apresentado retratam essa polêmica trazendo aos leitores de Educação em Revista uma diversidade de olhares sobre o currículo, com as mais variadas abordagens do tema, e mostrando as mais diferentes perspectivas teóricas e metodológicas por meio das quais o currículo tem sido investigado, analisado, problematizado e debatido. O dossiê traz artigos que discutem várias teorias usadas no campo, relatos de pesquisa, entrevista e até mesmo um texto que, com formato completamente distinto dos artigos acadêmicos usualmente publicados por Educação em Revista, e, por isso mesmo, foi publicado na seção "Palavra Aberta", pode possibilitar o repensar das formas, os enquadramentos e as formatações com as quais o currículo e a pedagogia estão envolvidos.
O dossiê incorporou também entrevista que o pesquisador inglês Ivor Goodson havia concedido para Educação em Revista. Apesar de não ter sido originalmente produzida para o dossiê, os temas nela abordados estão em completa sintonia com o que nele foi tratado. Com este número colocamos, então, à disposição dos leitores de nossa Revista uma boa mostra da diversidade de abordagens do currículo na contemporaneidade, na esperança de contribuir para reflexões no campo da educação, de modo geral, e do currículo, em particular. Agradecemos ao Professor Antonio Flavio Barbosa Moreira pela disponibilidade, pela competência e pelo entusiasmo com que levou à frente a coordenação do dossiê.
Eduardo Fleury Mortimer (Editor)
Bernando Jefferson de Oliveira
Marlucy Alves Paraíso
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jan 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2007