Open-access DA POLÊMICA SOBRE A LITERALIDADE E O APRENDIZADO NA OBRA DE DELEUZE

DE LA POLÉMICA SOBRE LA LITERALIDAD Y LA APRENDIZAJE NA OBRA DE DELEUZE

RESUMO:

Neste artigo, trataremos de um dos maiores debates no campo deleuziano dos estudos pedagógicos brasileiros. No II Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação, realizado entre os dias 18 e 19 de novembro de 2004 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o filósofo francês François Zourabichvili foi convidado a realizar uma apresentação que seria polemizada por Tomaz Tadeu da Silva e Peter Pál Pelbart. O texto apresentado pelo primeiro autor para o debate foi “Deleuze e a questão da literalidade”, que visava propor uma teoria do ensino deleuziana a partir do conceito de literalidade. No mesmo evento, René Schérer apresentou um trabalho sobre o tema do aprendizado que, apesar de não tratar da questão da literalidade, discutia a possibilidade de pensar uma teoria da aprendizagem a partir de Deleuze e de alguns paralelos com a literatura. Em 2005, os quatro textos foram publicados no especial “Entre Deleuze e a educação” da revista Educação & Sociedade. Mais tarde, em 2009, Luiz B. Orlandi apresentou uma outra réplica do texto de Zourabichvili no I seminário Conexões: “Deleuze e Imagem e Pensamento e....”, realizado na Unicamp. A discussão revela-se estratégica, uma vez que reúne cinco filósofos de projeção internacional e grande influência no Brasil para pensar o problema da relação entre literalidade, literatura e aprendizado no pensamento de Gilles Deleuze. Enfocamos os personagens conceituais articulados em cada texto da polêmica para mapear a relação entre os conceitos e os planos pré-filosóficos. Na parte final, apresentamos uma reinterpretação da tese de Zourabichvili a partir de uma síntese disjuntiva dos textos analisados.

Palavras-chave: Deleuze; literalidade; aprendizado; personagem conceitual

RESÚMEN:

En este artículo trataremos de uno de los mayores debates en el campo deleuziano de los estudios pedagógicos brasileños. En el II Coloquio Franco-Brasileño de Filosofía de la Educación, celebrado en noviembre de 2004 en Río de Janeiro, el filósofo francés François Zourabichvili fue invitado a realizar una presentación acerca de la cual Tomaz Tadeu da Silva y Peter Pál Pelbart levantaran controversias. Zourabichvili propone una teoría de la enseñanza deleuziana basada en el concepto de literalidad. En el mismo año, René Schérer presentó una comunicación sobre el tema del aprendizaje que, aunque no haya abordado directamente el tema de la literalidad, discutió la posibilidad de pensar una teoría del aprendizaje en Deleuze y sugirió relaciones promisorias entre educación y literatura. En 2005, las comunicaciones fueron publicadas en el dossier “Entre Deleuze y la educación” de la revista Educação & Sociedade. Posteriormente, en 2009, Luiz B. Orlandi presentó otra réplica del texto de Zourabichvili en el I seminário Conexiones “Deleuze y Imagen y Pensamiento y….”, celebrado en la Unicamp (Universidad de Campinas), y publicada dos años más tarde en un libro homónimo. La discusión se revela estratégica, ya que reúne cinco filósofos de prestigio internacional y gran influencia en Brasil para debatir el problema de la relación entre literalidad, literatura y aprendizaje en el pensamiento de Gilles Deleuze. Nos centraremos en los personajes conceptuales articulados en cada uno de los textos que toma parte en la polémica para mapear la relación entre los conceptos y los planes prefilosoficos. En la parte final, presentamos una nueva interpretación de la tesis de Zourabichvili a partir de una síntesis disyuntiva de los textos que se han analizado.

Palabras clave: Deleuze; Literalidad; Aprendizaje; Personaje conceptual

ABSTRACT:

In this paper, we discuss the major debate in the Deleuzian studies of pedagogy in Brazil. In the II French-Brazilian’s Colloquium of philosophy of education, which took place between 18 and 19 of November of 2004, in the State University of Rio de Janeiro, the French philosopher François Zourabichvili was invited to make a presentation that would be disputed by Tomaz Tadeu da Silva and Peter Pál Pelbart. Zourabichvili's paper was published under the name "Deleuze e a questão da literalidade" [eng: Deleuze and the question of literality] in the following year, 2005. The main goal of Zourabichvili's paper was to propose a Deleuzian theory of learning based on the concept of literality. In the same event, René Schérer presented a paper on the subject of learning that, despite not addressing the question of literality, discussed the possibilities of a theory of learning based on Deleuze and some parallels with literature. Later, in 2009, Luiz B. Orlandi presented a third reply in the I Connections seminar: “Deleuze e Imagem e Pensamento e...” [eng: Deleuze and Image and Thinking and...], which took place in the Unicamp. The texts of the colloquium based in Rio de Janeiro were published in the magazineEducação & Sociedade, in the dossier “Between Deleuze and education”, in 2005. The text of Orlandi was published in the book “Deleuze e Imagem e Pensamento e…” in 2011. The discussion proves strategic since it brings together five philosophers of international reputation and significant influence in Brazil to think about the relationship between literality, literature and learning in the scholarship of Gilles Deleuze. We focus on the conceptual characters articulated in each paper to map the relationship between concepts and the pre-philosophical level. In the final part, we present a reinterpretation of Zourabichvili’s thesis based on a disjunctive synthesis of the previous texts examined thus far.

Keywords: Deleuze; literality; learning; conceptual character

INTRODUÇÃO

No fim de suas vidas, Deleuze e Guattari se perguntavam “o que era isso que vinham fazendo a vida inteira?”, “o que é, enfim, a filosofia?”. A resposta é aparentemente simples: “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 10). A aparência logo se complica, pois os conceitos demandam personagens conceituais. Ora, que diabo são esses personagens? São os operadores conceituais, são as entidades concretas, literárias ou fictícias que traçam os conceitos articulando-os a um momento, posição geográfica e paisagem singular. O personagem conceitual pode ser invocado pela filosofia em plena luz do dia ou pode habitar o subterrâneo do pensamento; sua função é descrever ou traçar o plano de imanência. Em sua helena origem, eram os amigos e concorrentes que disputam, nesse território desterritorializado da filosofia, essa imanência do pensamento, a competência sobre o conceito:

Amigo designaria uma certa intimidade competente, uma espécie de gosto material e uma potencialidade, como aquela do marceneiro e da madeira: o bom marceneiro é, em potência, madeira, ele é o amigo da madeira? (...) O filósofo é bom em conceitos, e em falta de conceitos, ele sabe quais são inviáveis, arbitrários e inconsistentes, não resistem um instante, e quais, ao contrário são bem feitos e testemunham uma criação, mesmo se inquietante e perigosa (DELEUZE; GUATTARI, 1997a, p. 11).

Este artigo retoma uma das maiores polêmicas dos estudos deleuzianos no campo da educação. Nessa polêmica, discute-se dois elementos importantes: a literalidade, procedimento filosófico e literário descrito por Deleuze, e a teoria do aprendizado. A questão central nesse debate é saber se é possível pensar uma teoria deleuziana do aprendizado ou se, ao contrário, os conceitos da filosofia da diferença não se prestam a esse propósito. Pretendemos seguir essa discussão entre os filósofos de nosso tempo, esses amigos e rivais que nos dias de hoje habitam as universidades em condições bem distintas daquelas experimentadas pelos sábios gregos que outrora cortejavam os conceitos em meio às ágoras. Este artigo consiste na reelaboração quase completa de um capítulo de nossa tese de doutorado. Esse debate começa no II Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação, realizado entre os dias 18 e 19 de novembro de 2004 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. As apresentações foram publicadas no ano seguinte, em um número especial da revista Educação & Sociedade, no dossiê “Entre Deleuze e a Educação”. Apresentamos a seguir a polêmica a partir de seus personagens conceituais, tal qual uma “dramatização literal” que subverte a concepção de Aristóteles, para quem o drama consistia na mimesis da ação humana. Adotamos aqui um método de dramatização que consiste em pôr em movimento as ideias traçadas pelos personagens conceituais. Não se trata nem de imitar nem de narrar uma ação, mas de mapear diferentes perspectivas e posturas filosóficas em uma ação discursiva e performática, em constituir uma paisagem filosófica na qual diferentes personagens entram em cena e operam por meio de conceitos.

Na primeira parte, começamos a exposição com a análise do texto “Literalidade e aprendizado” de François Zourabichvili (2005). Seguimos, na segunda parte, com o texto de Schérer (2005) sobre o conceito de aprendizado em Deleuze que, apesar de não fazer diretamente parte da polêmica, foi apresentado no mesmo congresso e publicado na mesma edição especial da revista Educação & Sociedade. O texto não trata propriamente da questão da literalidade, mas decidimos incluí-lo, pois ele trata da questão do aprendizado na filosofia deleuziana a partir das mesmas premissas filosóficas propostas por Zourabichvili, valendo-se de recursos literário-filosóficos significativos para a discussão da literalidade. Na terceira e quarta partes, analisamos, respectivamente, os textos de Peter Pelbart (2005) e Tomaz da Silva Tadeu (2005), apresentados como réplicas da comunicação de Zourabichvili. Na quinta parte, incluímos a análise de uma leitura de Luiz Orlandi (2011) do artigo apresentado por Zourabichvili em 2005. Na última parte, defendemos uma leitura alternativa das teses de Zourabichvili. Propomos ler o texto como um sistema de relações em série que visa dramatizar e polemizar sistematicamente alguns pressupostos do campo educacional. Nesse sentido, esse autor não estaria propondo uma teoria do aprendizado fundada nos conceitos deleuzianos, a “pedagogia deleuziana” seria simplesmente uma forma de jogar com os conceitos para polemizar e problematizar o pensamento educacional, levando-o ao seu limite.

ZOURABICHVILI OU O DUPLO DELEUZE, O PROFESSOR E O AUTOR

Em “Deleuze e a questão da Literalidade”, Zourabichvili (2005) considera um duplo registro do personagem Deleuze: o professor e o autor. Zourabichvili se propõe a deduzir uma teoria do ensino deleuziana a partir desse paralelo. Deleuze é transformado em um duplo personagem conceitual que conectará o fluxo dos pensamentos aos fluxos do ensino. A tese de Zourabichvili consiste em afirmar que o aprendizado é o modelo de toda experiência de pensamento (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1310), que aprender e pensar reiteram o mesmo ato de criação. A intenção do autor levanta suspeitas: como é possível deduzir uma “teoria” pedagógica de um autor que não escreveu mais que algumas passagens sobre educação? Zourabichvili deduz a “teoria” deleuziana a partir de três temas/referências pontuais retirados de três obras distintas, ordenadas de maneira não cronológica, como bem aponta Luiz Orlandi (2011, p. 147). Cada referência diz respeito a um elemento da tese do autor.

O primeiro tema deleuziano sobre a educação é retirado dos livros Conversações e Diferença e Repetição. Em Conversações, Deleuze diz que a aula “É como um laboratório de pesquisas: ensina-se sobre o que se pesquisa e não sobre o que se sabe” (DELEUZE, 1992, p. 173; ZOURABICHVILI, 2005, p. 1310); em Diferença e Repetição ele afirma de outro modo a mesma ideia, aplicada desta vez ao domínio da escrita:

Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro. É só deste modo que somos determinados a escrever. Suprir a ignorância é transferir a escrita para depois ou, antes, torná-la impossível. Talvez tenhamos aí, entre a escrita e a ignorância, uma relação ainda mais ameaçadora que a relação geralmente apontada entre a escrita e a morte, entre a escrita e o silêncio. Falamos, pois, de ciência, mas de uma maneira que, infelizmente, sentimos não ser científica (DELEUZE, 2006, p. 18).

Nesses dois livros, publicados em intervalo de pouco mais de vinte anos, Deleuze repete um tema que atravessa sua obra: o caráter empírico e experimental da criação. Pensar, conhecer, filosofar, escrever, aprender e ensinar são formas de criar e de experimentar que se efetivam por meio de uma empiria. Ao colocar lado a lado as duas citações, Zourabichvili sugere que o ato de criação e experimentação são comuns tanto ao pensamento filosófico quanto à prática pedagógica. Consequentemente, ensinar consiste em uma forma de pensamento e de criação. Sandra Corazza (2015) chegou à mesma conclusão ao traçar um paralelo entre didática e tradução. A partir desse paralelo a autora argumenta que esses saberes não se limitam a repetir ou transmitir o sentido de um original, eles apresentam uma dimensão criativa tão importante quanto a do original, pois as duas atividades envolvem sempre uma diferenciação e uma tradução.

O segundo elemento da “teoria deleuziana do aprendizado” expressa-se na citação de Proust e os Signos: “Quem sabe como um estudante pode tornar-se repentinamente ‘bom em latim’, que signos (talvez amorosos ou até mesmo inconfessáveis) lhe foram úteis para a aprendizagem?” (DELEUZE, 1987, p. 22 apudZOURABICHVILI, 2005, p. 1310). Citamos também o parágrafo integral no original (seguido da tradução de Roberto Machado e Antonio Piquet), que oferece uma perspectiva mais contextualizada do problema desenvolvido por Deleuze.

C'est pourquoi, quand nous croyons perdre notre temps, soit par snobisme, soit par dissipation amoureuse, nous poursuivons souvent un apprentissage obscur, jusqu'à la révélation finale d'une vérité du temps qu'on perd. On ne sait jamais comment quelqu'un apprend; mais, de quelque manière qu'il apprenne, c'est toujours par l'intermédiaire de signes, en perdant son temps, et non par l'assimilation de contenus objectifs. Qui sait comment un écolier devient tout d'un coup « bon en latin », quels signes (au besoin amoureux ou même inavouables) lui ont servi d'apprentissage? Nous n'apprenons jamais dans les dictionnaires que nos maîtres ou nos parents nous prêtent. Le signe implique en soi l'hétérogénéité comme rapport. On n'apprend jamais en faisant comme quelqu'un, mais en faisant avec quelqu'un, qui n'a pas de rapport de ressemblance avec ce qu'on apprend. Qui sait comment on devient grand écrivain? A propos d'Octave, Proust dit : “Je ne fus pas moins frappé de penser que les chefs-d'œuvre peut-être les plus extraordinaires de notre époque sont sortis, non du concours général, d'une éducation modèle, académique, à la de Broglie, mais de la fréquentation des pesages et des grands bars” (DELEUZE, 1964, p. 31 -32).

Por isso, quando pensamos que perdemos nosso tempo, seja por esnobismo, seja por dissipação amorosa, estamos muitas vezes trilhando um aprendizado obscuro, até a revelação final de uma verdade desse tempo que se perde. Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos. Quem sabe como um estudante pode tornar-se repentinamente "bom em latim", que signos (amorosos ou até mesmo inconfessáveis) lhe serviriam de aprendizado? Nunca aprendemos alguma coisa nos dicionários que nossos professores e nossos pais nos emprestam. O signo implica em si a heterogeneidade como relação. Nunca se aprende fazendo como alguém, mas fazendo com alguém, que não tem relação de semelhança com o que se aprende. Quem sabe como se tornar um grande escritor? Diz Proust, a propósito de Otávio: "Não me impressionei menos ao refletir que talvez as obras-primas mais extraordinárias de nossa época tenham saído, não dos concursos universitários, de uma educação modelar e acadêmica, no estilo de Broglie, mas do contato com as 'pesagens' e com os grandes bares” (DELEUZE, 2003, p. 21).

No texto, Deleuze trata da questão do aprendizado do escritor, mais especificamente de um grande escritor. A questão se refere à produção de um grande artista que inventará um problema verdadeiro e uma diferença real. Zourabichvili - tal como traduzido por Corazza e Silva - dá a crer com sua citação que não existem regras para o aprendizado. Porém, lendo atentamente o texto original de Deleuze, observa-se a repetição da composição entre os elementos de um aprendizado intempestivo e de um aprendizado tradicional. Em primeiro lugar, Deleuze diz que ninguém sabe como se aprende, ninguém sabe quais signos amorosos despertarão um estudante para o latim. Num segundo momento, Deleuze cita Proust, que afirma, com certa ironia, pois o texto tem uma linguagem formal indelével, que as maiores obras primas da época foram produzidas antes nos grandes bares do que nos concursos acadêmicos de uma educação modelo. Proust joga com a educação obscura e a educação tradicional, privilegiando, no conteúdo, a primeira e, na expressão, o formalismo da segunda. O currículo escolar referido por Proust é absolutamente tradicional. A aprendizagem do escritor envolve, por um lado, ser bom em latim e, por outro, perder tempo em bares.

O terceiro elemento trazido por Zourabichvili (2005, p. 1310) é retirado de Diferença e Repetição:

Fazem-nos acreditar que a atividade de pensar, assim como o verdadeiro e o falso relativamente a essa atividade, não começa senão com a procura das soluções, não diz respeito senão às soluções. (...) Como se não continuássemos escravos enquanto não dispusermos dos problemas mesmos, de uma participação nos problemas, de um direito aos problemas, de uma gestão dos problemas (DELEUZE, 2006, p. 227-8).

O mesmo elemento surge alguns anos antes na obra O bergsonismo (DELEUZE, 1999; originalmente publicada em 1966). Nos três temas que fundamentam a argumentação do autor, o aprendizado surge da composição entre um elemento estruturado e um elemento desterritorializado. Na primeira passagem, o ensino se dá no limiar entre o saber e o não saber; na segunda, se dá entre o ensino tradicional e as aprendizagens obscuras e, na última, a condição de verdadeiro e falso é determinada na criação de um problema que exige um rearranjo de nossas faculdades.

A esses três elementos, Zourabichvili (2005, p. 1311) soma o da literalidade da linguagem, que consiste na compreensão ao pé da letra: “A literalidade é o motivo de uma pedagogia interna à filosofia, de uma pedagogia propriamente filosófica.” Ora, em que sentido esse procedimento linguístico é pedagógico? Deleuze repete insistentemente que seus conceitos não são metáforas. Pois bem, como compreender então os conceitos de “máquina de guerra”, “máquina abstrata”, “rizoma”, “linha de fuga”, “distribuição nômade”? Zourabichvili diz que é preciso crer no que o filósofo diz, crer que seus conceitos não são metáforas, e sim relações literais. O conceito de crença, desenvolvido em Empirismo e Subjetividade (DELEUZE, 2001), não diz respeito somente ao discurso, mas sim a uma forma de viver no discurso, de se colocar na linguagem. Compreender um filósofo não é fazer como ele e sim fazer com ele. “Crer no que o filósofo diz é, pois, fazer com ele o que ele faz quando enuncia, não separar nunca seus conceitos do desvio, do deslizamento ou do deslocamento, dos quais eles são, por assim dizer, os casos.” (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1312). Essa crença distingue-se da crença religiosa na medida em que define uma atitude filosófica que busca desestabilizar o senso comum ao propor uma “perspectiva incomum”.

Zourabichvili retoma a questão da metáfora na filosofia pragmática, em especial em Wittgenstein, para explicar o que Deleuze quer dizer quando afirma que seus conceitos não são metáforas. A metáfora tradicional substitui um significante por outro, mantendo um referencial real. Na filosofia, ocorre algo diferente, pois essa disciplina não tem como objeto entes reais e sim entidades metafísicas ou entidades linguísticas puras. Essa distinção entre um modo figurado e um modo próprio da linguagem nos foi legada por Platão, que, no diálogo Crátilo (PLATÃO, 2001), rejeita a tese nominalista de Hermógenes, sustentando um modo adequado e verdadeiro de nomear as coisas, uma relação direta entre as palavras e as coisas. Sobre o sentido figurado e o sentido próprio na escrita escolar, Aquino (2011) faz uma crítica à separação entre os gêneros discursivos enquanto mecanismo de limitação da escrita e dos modos de vida, aproximando-se da posição defendida por Zourabichvili. Para Deleuze, na esteira do pragmatismo, o procedimento metafórico pressupõe a distinção entre o sentido próprio e o figurado, entre domínios distintos da linguagem, um literal e adequado, outro simbólico e impuro. Entretanto, os significados nunca são puros, pois são sempre derivados e contaminados por outros significados: “o que interessa a Deleuze é a ideia de que as contaminações mudam, e a necessidade de pensar os espaços dessas contaminações móveis, que é também o espaço no qual nossa experiência se estrutura e se transforma. (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1315).

O autor ilustra seu argumento com os aforismas “O cérebro é uma árvore” e “O cérebro é uma erva”. Para ele, Deleuze não está apontando a semelhança entre a estrutura e organização cerebral e as estruturas vegetais, ma sim produzindo um efeito de sentido que se mantém na imanência dos termos cérebro e erva. Não se trata de ilustrar uma propriedade, mas de produzir uma relação disruptiva que inaugura um novo campo de possibilidades semânticas e conceituais. Uma experimentação empírica que toma a própria condição de significação como elemento de problematização. A relação cérebro-erva conecta-se ainda com proposições de outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, as descobertas da neurologia sobre o funcionamento a-centrado do cérebro, mas isso não implica uma relação de tradutibilidade. Ao invés de meramente repetir a proposição da neurologia, Deleuze cria uma relação que se liga à proposição científica: “Crer que o cérebro é uma erva é um novo horizonte, tanto para a neurologia quanto para a filosofia” (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1317)

A crença constitui um solo pré-filosófico, entendido não enquanto um conjunto de preceitos sustentados por uma “fé pré-racional”, e sim enquanto uma relação que abre a experiência a um novo campo de possibilidades: “Crer é um acontecimento, uma síntese passiva, um ato involuntário, que se confunde com a abertura de um novo campo de inteligibilidade.” (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1317). Essa relação de literariedade entre dois termos inaugura novos campos de problematização. Entretanto ela é um produto de uma intuição cristalina, uma percepção que choca e violenta o espírito, transformando o modo como se vê o mundo. Essa relação torna visível um termo não dado, apresenta uma nova perspectiva. Destarte, a fórmula “o cérebro é uma erva” nos permite compreender o pensamento enquanto produto de relações heterogêneas e a-centradas, e isso não é sem importância. Esse aprendizado nos permite afirmar em um único lance o sentido figurado e o sentido literal de uma obra enquanto cadeias dissonantes e irredutíveis. A filosofia conquista a imanência quando produz relações que se inscrevem na Natureza, no puro Plano de imanência:

Com efeito, se este campo é constituído por relações, não o atingimos senão nos tornando capazes de amarrar essas relações, isto é, se escrevemos e falamos literalmente. Em outros termos, a “coisa mesma” é a experiência enquanto ela se faz; é o devir, sempre singular, antes que o ser em geral. A “coisa mesma” é, assim, sua propriedade sem significação: nós a atingimos no momento em que as significações ficam em suspenso, quando sabemos levar a enunciação a uma de suas relações desconcertantes, mais profundas que qualquer teoria, que se afirmam obstinadamente no pensamento e a forçam a entrever novas possibilidades de pensar e de viver (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1319).

SCHÉRER, OS SIGNOS EMITIDOS POR DELEUZE-EDUCADOR E O PEQUENO ERNESTO

René Schérer (2005) toma um rumo distinto do tomado por Zourabichvili. Ao invés de tentar encontrar uma teoria do aprendizado na obra de Deleuze, ele prefere investigar o que Deleuze nos ensinou “sobre ele, sobre o mundo e sobre nós” (SCHÉRER, 2005, p. 1184). O personagem conceitual escolhido pelo autor para traçar seus conceitos é Deleuze educador “à maneira de [um] Montaigne ou [de um] Nietzsche” (SCHÉRER, 2005, p. 1184). Ensinar não é transmitir gestos a serem imitados, é agir em meio aos signos junto ao aprendiz. Nesse sentido, o que Deleuze nos ensina é inseparável dos signos que ele emite. Para Schérer, o personagem Deleuze educador é fraturado entre os signos guardados na memória daqueles que o viram falar, que observaram seus gestos e feições, e os signos do Deleuze-imagem capturado na vídeo-entrevista publicada sob o título de L’abecedaire. A replicação e repetição dos signos emitidos pelo corpo de Deleuze em um vídeo e a possibilidade de retomá-los à vontade, retornando assim aquilo que com ele aprendemos, dá um novo suporte à materialidade de seu pensamento. Os gestos e signos emitidos pelo personagem, nos diz Schérer, são inseparáveis do que ele nos ensina: “Pois, parece-me que esta impregnação sensível e afectiva - que esta repetição na diferença atualiza - ilustra uma das vias deleuzianas, uma das grandes idéias sobre um aprendizado que nunca se encerrará na aquisição de um saber, mas que consiste em um processo a ser incessantemente recomeçado.” (SCHÉRER, 2005, p. 1184-1185).

Ora, o que nos ensina esse Deleuze educador? Nos ensina sobretudo a libertar o pensamento de todas as suas amarras: do senso comum, do bom senso, da individualidade, do antropocentrismo, dos clichês, das representações categóricas, das imagens dogmáticas do pensamento, etc… “Desembaraçar-se de tudo o que imobiliza, que sedentariza: palavra-refrão” (SCHÉRER, 2005, p. 1185). O pensamento de Deleuze nos ensina a desindividualização, ele nos ajuda a escapar do terreno da subjetividade universal, a adentrar na terra das singularidades nômades. “E esta é a grande revolução libertadora deleuziana, o empirismo radical da dispersão - que eu chamaria de naturalista ou cósmica - de nossas mais ancoradas certezas de sermos consciências e sujeitos.” (SCHÉRER, 2005, p. 1186)

O aprendizado envolve um desaprendizado ou, para tomar um termo de Nietzsche (2009), um esquecimento ativo. É necessário desconstruir o sujeito que somos para podermos experimentar empiricamente um pensamento molecular, mineral, vegetal no qual o homem e o sujeito não são mais do que efeitos de superfície. São a ideia e o problema que ocuparão o centro do pensamento deleuziano, determinando as condições de possibilidade do entendimento, e não o sujeito, produto de uma certa imagem do pensamento. Nesse sentido, Schérer confirma a leitura de Zourabichvili, segundo a qual o pensamento e o aprendizado se dão não no sujeito, mas no plano de imanência formado pelo conjunto das relações heterogêneas linguísticas e não linguísticas. Subvertendo inúmeras correntes filosóficas, Deleuze e Schérer afirmam que só pensamos por nós mesmos quando nos despessoalizamos, quando nos desapegamos do sujeito que somos e afirmamos um bloco de devir que nos toma e nos afeta. “Ao contrário, um indivíduo adquire um verdadeiro nome próprio ao cabo do mais severo exercício de despersonalização (...)” (DELEUZE, 1992, p. 15). Ou seja, é preciso aprender a “se abrir às multiplicidades que nos atravessam” (DELEUZE, 1992, p. 15).

Assim como para Zourabichvili, aprender e pensar estão em estreita conexão. Pensar consiste em aprender um novo devir, atualizar uma nova potência, estabelecer uma conexão não conhecida, estender o saber a uma zona de indiscernibilidade. Schérer elenca quatro pontos notáveis traçados pelo personagem Deleuze educador:

  1. A reformulação da distinção entre verdadeiro e falso na elaboração de problemas. Segundo tal princípio, um problema não pode ser definido em função de sua solução, nem pela repetição negativa de um saber já existente. Para demonstrar esse princípio, Schérer cita uma fala de um personagem literário, o pequeno Ernesto de A chuva de verão, de Marguerite Duras (1994, p. 22 apudSCHÉRER, 2005, p. 1189): “não quero ir à escola, porque não me ensinam coisas que não sei”. A repetição realizada pelo artifício da literalidade, e também realizada na fala de Ernesto sobre o aprendizado, não é da ordem do Mesmo, e sim da ordem da diferença. A literalidade estabelece uma relação disjuntiva e intempestiva entre dois termos que antes não se relacionavam, ela estabelece um problema antes de expressar uma proposição sobre um estado de coisas já conhecido. Ernesto utiliza a literalidade para desconstruir o clichê da escola enquanto lugar onde se aprende. A escola é, segundo tal proposição, o lugar onde se repete o que todos já sabem.

  2. A compreensão do pensamento enquanto invenção de ideias. Parafraseando Godard, Schérer diz “Não uma ideia justa, justo uma ideia” (2005, p. 1189), ou seja, não uma ideia que se adeque aos padrões significantes, lógicos e discursivos do bom senso e do senso comum, e sim uma ideia que instaure uma determinação singular ou uma relação disjuntiva. Se, como nos diz Zourabichvili, a literalidade é a relação disjuntiva e conectiva entre dois termos singulares, se ela é da ordem da associação, assim como as imagens nos filmes de Godard, ela consiste, portanto, nessa propriedade não demonstrativa da linguagem que opera a partir da cisão e disjunção dos termos.

  3. A necessidade de uma educação passional, uma educação da sensibilidade fundada no afeto. “A aprendizagem segue a via dos encontros e dos amores e não os métodos de uma pedagogia sempre impotente, ultrapassada pelas paixões. ‘Não existe método para encontrar os tesouros e muito menos para aprender’” (SCHÉRER, 2005, p. 1191). Para Schérer (2011, 2012), o principal elemento do personagem Deleuze educador é a relação imanente entre afeto, intelecto e aprendizado. O intelecto, como nos mostra Spinoza (2009) e Deleuze (1968, 2002) a partir deste último, é um produto de relações afetivas, de experiências empíricas, das somas das alegrias e tristezas, mas sobretudo das alegrias, já que as paixões tristes tem menos a oferecer ao aprendizado do que as alegres.

  4. A importância de se aprender a filosofia com Deleuze, a partir de sua trajetória que parte da história da filosofia para uma criação singular de uma filosofia. Aprender com Deleuze a estabelecer conexões disjuntivas, a se apropriar dos conceitos alheios e utilizá-los como ferramentas em uma filosofia própria. Estabelecer diferenças produtivas entre conceitos heterogêneos em função de problemas inesgotáveis.

PELBART, O NIETZSCHIANO, OU BARTLEBY, O ESCRIVÃO

Na sequência, apresentamos as três réplicas do texto de Zourabichvili, a começar pela de Peter Pál Pelbart. Há uma diferença significativa entre a interpretação de Zourabichvili e de Pelbart acerca da obra de Deleuze. Destaca-se, dentre outras coisas, que o francês tende a dar mais peso a leitura deleuziana de Spinoza e o autor húngaro-brasileiro dá mais peso à leitura de Nietzsche. Encarnando o espírito do filósofo alemão, o texto de Pelbart manifesta um mau humor e um mal-estar generalizados com a forma do evento e a função imposta ao seu texto, que era a de debater o texto de Zourabichvili. Pelbart diz ser “com certo constrangimento” que participa de “mais um colóquio sobre Deleuze” os quais, segundo o autor, possuem um “caráter artificial” e uma dimensão “ignóbil do circo e da sedução” (PELBART, 2005, p. 1324). Tendo descoberto sua função na manhã do encontro, Pelbart (2005, p. 1327) diz que sequer pôde refletir adequadamente sobre texto e, além disso, diz ele detestar a função de replicar a posição de um outro autor.

Apesar de não se saber se o autor diz a verdade ou se “monta uma cena” para fazer uma performance, a primeira sensação do leitor é a de resistência. Pelbart se recusa a se conformar com o papel imposto a ele e resolve escrever sobre a solidão e o fascismo na linguagem. Tal atitude remete a um trecho de O que é filosofia? (1999, p. 14), no qual Deleuze e Guattari dizem que a filosofia não é um exercício de diálogo ou de conversação, muito menos um exercício de consenso; pelo contrário, a filosofia consiste na realização de uma experiência de pensamento única e singular. É nesse mesmo sentido que a aula supera a comunicação e a palestra, pois a aula trabalha “uma matéria em movimento - a matéria-pensamento” (PELBART, 2005, p. 1324). O movimento do texto opera uma não-comunicação, uma resistência ao diálogo.

Essa resistência ao diálogo expressa-se em uma crítica. O artigo se situa no pensamento da diferença para criticar o sectarismo de alguns teóricos “deleuzianos”. Como foi mencionado no início do artigo, Zourabichvili propõe deduzir uma teoria deleuziana do pensamento; ele formula uma proposta pedagógica a partir de uma sequência de preceitos e oposições. Pelbart chama a atenção para as formulações binárias e para a multiplicação das palavras de ordem na pesquisa acadêmica:

[...] sobretudo num momento em que divisões binárias redesenham não só a geopolítica planetária, mas também a do pensamento, em que nos vemos impelidos a tomar partido no campo do bem ou do mal, da verdade ou da mentira, da dita democracia ou do dito terrorismo... Mas também entre nós, intelectuais de sensibilidade alternativa, cresce a tentação de reafirmar palavras de ordem, e sub-repticiamente deslizamos nos cacoetes que Roland Barthes denunciava como sendo os dois maiores perigos intrínsecos à linguagem, a assertividade e a gregariedade (grifos nossos). (PELBART, 2005, p. 1325)

A linguagem é fascista,3 pois nos obriga a ocupar certos lugares em um agenciamento social segmentarizado. A linguagem nos impõe uma série de discursos. Nesse sentido, Pelbart (2005, p. 1325) pergunta-se “Como sustentar um discurso (...) sem impô-lo? Como fazer do próprio ensino um exercício de desaprendizagem?”. Pelbart esmiúça a tese de Zourabichvili. Segundo sua interpretação do texto “Deleuze e a questão da literalidade”, a “tradição nos habituou” a pensar que o conhecimento é reconhecimento e representação, que a linguagem e os saberes têm domínios próprios que condicionam os discursos. Porém, na verdade, o pensamento confunde-se com um aprendizado, com a passagem de um sabido a um não sabido e, inversamente, de um não sabido a um sabido. Pensar é, segundo Zourabichvili, estabelecer relações heterogêneas. A tradição, segue Pelbart (2005, p. 1327), parafraseando Zourabichvili, “formata nossa experiência e domestica nosso pensamento, determina nossas repugnâncias e canaliza nossos desejos, nossa circulação, nossas conexões, nossos afetos.” Em contrapartida, a literalidade, que é o método das associações, quebra essa lógica, produzindo um “curto circuito na distribuição dos domínios, das disciplinas, dos gêneros, das categorias, bem como dos planos de existência. Com isso, liberam-se novos sentidos” (PELBART, 2005, p. 1327). A literalidade é condição de toda experiência singular, opondo-se dessa forma à recognição. No fim do texto, Pelbart coloca a seguinte questão ao colega: em que medida a literalidade é capaz de resistir ao crescente movimento de gregariedade? Pelbart problematiza a capacidade do procedimento da literalidade, descrito por François, de escapar ao pensamento binário fundado na distinção entre um elemento bom e um elemento perverso.

A saída defendida por Pelbart, ao que dá entender o movimento de seu texto, é a recusa aos processos de significação, a resistência do texto em deixar-se interpretar, desvendar ou re-reapresentar. Cintya Regina Ribeiro (2014) retoma essa questão em um artigo que conecta a filosofia de Foucault, a literatura de Cortázar e a pesquisa sobre currículo. Escreve-se para fugir ao achatamento da linguagem e ao dogmatismo do conceito, para resistir à folha em branco coberta de clichês, para frustrar o leitor; escreve-se contra a representação e o sentido. Eis o caráter pedagógico do procedimento literário operado por Pelbart: mostrar a potência da recusa. Nesse sentido, Pelbart assume a postura de Bartleby, o escrivão, que recusa sua função no agenciamento social ao proferir a famosa fórmula: “I would prefer not to” (MELVILLE, 1987, p. 20; DELEUZE, 2011a, p. 80). Em sua recusa em aceitar seu papel de debatedor, ao recusar a forma sectária do discurso, Pelbart coloca em xeque a possibilidade mesma de um pensamento e de uma pedagogia deleuziana.

TOMAZ TADEU OU O PROFESSOR CHALLENGER, O PRAGMÁTICO

Tomaz Tadeu da Silva escreve a segunda réplica ao texto de Zourabichvili. Ele começa sua argumentação recuperando os preceitos deleuzianos eleitos por Zourabichvilli como tripés de uma possível “pedagogia deleuziana”, termo que o autor também coloca entre aspas, ao contrário de Zourabichvili. Retomando sua pesquisa na área, Silva acrescenta aos quatro elementos constituintes da teoria da diferença na educação mencionados em “Deleuze e a questão da Literalidade”, a pedagogia do conceito, desenvolvida por Giuseppe Bianco, e a pragmática do ensino, discutida pelo próprio Tadeu Silva (2002) em um texto que discute a teoria do currículo a partir da leitura deleuziana de Spinoza.

O personagem conceitual articulado no texto de Silva é o professor Challenger, personagem fictício criado por Deleuze e Guattari (1995a) no terceiro capítulo de Mil Platôs, “Genealogia da Moral (Quem a Terra pensa que é?)”. O capítulo é uma narrativa fantástica de uma aula na qual um excêntrico professor acaba por se dissolver na frente de seus alunos, emitindo assim um devir molecular que realiza de forma literal a teoria que profere, teoria esta que passa inadvertidamente da antropologia à embriologia e da embriologia à geologia. Tomaz Tadeu menciona o personagem muito brevemente, dizendo ser ele um precursor de uma pedagogia pragmática e performática. Bem, é justamente o aspecto pragmático e performático da escrita de Deleuze que ocupará o centro da argumentação do autor.

O principal problema da proposição de Zourabichvili segundo Tadeu é a relação declarada, mas não expressa, entre a literalidade e os três princípios da teoria deleuziana do aprendizado. Tadeu também questiona a possibilidade de distinção entre uma “teoria do ensino” e uma “pedagogia propriamente filosófica” (SILVA, 2005, p. 1333). Qual é o alcance da literalidade? Ela se aplica somente ao ensino de filosofia ou também se aplica ao de física e matemática? Ela serve a uma teoria geral do ensino, ou a uma propriedade específica da escrita deleuziana?

Silva (2005, p. 1334) sintetiza a tese de Zourabichvili sobre o procedimento de literalidade nos seguintes termos: as proposições aparentemente metafóricas de Deleuze devem ser lidas conforme o princípio de Hume, segundo o qual “as relações são exteriores a seus termos ou ideias”. Entretanto, Tomaz Tadeu não vê a ligação entre a impossibilidade ou a resistência ao discurso metafórico e as exterioridades dos termos de uma relação. Ademais, se trocássemos o termo “relações” por “estrutura”, chegaríamos a algo bem próximo do que propõem os estruturalistas, aos quais Deleuze diz se opor.

Para Silva, Zourabichvili parece negar o caráter figurativo e atributivo da linguagem deleuziana, afirmando que as proposições aparentemente metafóricas são, na verdade, relacionais. Isso significaria negar uma série de possibilidades de leitura dos textos de Deleuze. Por exemplo, tomando como verdadeira a tese de Zourabichvili, a proposição “o cérebro é uma erva” não atribui as qualidades do termo “erva” ao termo “cérebro”, logo, a proposição não poderia ser traduzida pelas expressões “o cérebro é descentralizado”, “o cérebro é não-hierárquico” (SILVA, 2005, p. 1334). Apesar de aparentemente bem fundada, a tese é difícil de defender, mesmo porque os escritores de Anti-Édipo atribuem expressamente algumas dessas qualidades ao cérebro (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 25, 33; 1997a, p. 267-279).

Entretanto, Deleuze e Guattari (1997a, p. 53, p. 268) advertem que o cérebro de que falam não se confunde nem com o órgão, nem com o objeto científico. Como se lê no último capítulo de O que é filosofia?, o cérebro é o plano de imanência que reúne todas as três formas de pensamento que afirmam sua potência em si e por si mesmas. Logo, o cérebro reúne um conjunto de relações, conjunto que abarca toda a diferença e toda a criação no campo do pensamento. De fato, na frase “o cérebro é uma erva” a palavra cérebro não representa um objeto que seria traduzido pela comparação com uma figura ilustrativa. O cérebro é, desde sempre, um conjunto de relações, assim como a erva.

Tomaz Tadeu da Silva afirma que a solução de Zourabichvili é demasiadamente complexa e que a literalidade de Deleuze se explica pela questão da pragmática de forma muito mais simples (SILVA, 2005, p. 1336). Segundo Silva a literalidade da linguagem deriva de sua conexão real e imediata com o mundo. Para Deleuze e Guattari, a linguagem é um dos estratos que compõem a Terra, não gozando de nenhum privilégio sobre os outros. As palavras realmente se ligam às coisas, constituindo máquinas nas quais elas não são mais do que um elemento entre outros.

Em toda parte são máquinas, de maneira alguma metaforicamente, máquinas de máquinas, com seus acoplamentos, suas conexões. Uma máquina-órgão é ligada em uma máquina-fonte: uma emite um fluxo que a outra corta. O seio é uma máquina que produz leite, e a boca, uma máquina acoplada nela. A boca do anoréxico hesita entre uma máquina para comer, uma máquina anal, uma máquina para falar, uma máquina para respirar (ataque de asma). É por isso que somos todos bricoleurs, cada um suas pequenas máquinas. Uma máquina-órgão para uma máquina energia, e sempre fluxos e cortes. (...) Alguma coisa se produz: efeitos de máquinas, e não metáforas. (DELEUZE; GUATTARI, 1976, p. 15-16 apudSILVA, 2005, p. 1335)

Enquanto a metáfora opera por semelhança e analogia, a literalidade e a pragmática, segundo Silva, operam por efetuação em um estado de coisas. O procedimento de Deleuze e Guattari não é uma metáfora, pois não substitui um significante por outro; a literalidade, segundo Tadeu da Silva (2005, p. 1336), é um procedimento pragmático e materialista em que os termos são designados em sua exata acepção. Até aqui, a interpretação dos dois autores não se diferencia muito. Ambos concordam que a linguagem produz relações reais que se inscrevem em conjuntos heterogêneos de signos concretos. A linguagem constitui uma dimensão da realidade que ressignifica e conecta todas as outras.

Silva analisa brevemente o uso de expressões como “realmente”, “na realidade”, “efetiva”, “efetivamente”, “ao pé da letra” ao longo de Mil Platôs para mostrar o imediatismo e o caráter pragmático e materialista da literalidade de Deleuze. A literalidade produz uma relação real no seio da natureza, articulando diferentes dimensões materiais. Os exemplos escolhidos pelo autor para ilustrar a sua posição sintetizam esse caráter ao mesmo tempo produtivo e material da linguagem: o conceito de máquina-boca conjuga os fluxos alimentares e verbais a uma série de outros fluxos conectando literalmente fluxos de sons e fluidos corpóreos (Cf. DELEUZE, 2011b, p. 25-31). O conceito de axiomática capitalista, por sua vez, não descreve as características do modelo econômico, ao invés disso, expressa um modelo de realização tomado pelo Estado na atualidade (SILVA, 2005, p. 1337).

A maior diferença entre a posição de Zourabichvili e a de Silva está na questão da materialidade da linguagem. O primeiro pensa o plano de imanência como conjunto de relações entre ideias, enquanto o último concebe o campo de consistência por meio da relação entre a linguagem e a materialidade das coisas. Sendo assim, a tese de que a linguagem começa pela palavra de ordem (DELEUZE; GUATTARI, 1995b) dá inteligibilidade ao conceito de máquinas sociais, na medida em que formula uma teoria da linguagem vinculada, desde a origem, à composição de relações sociais concretas. A literalidade, nesse sentido, ensina o caráter material e pragmático da linguagem e do conhecimento, ela mostra o pensamento em funcionamento. Entretanto, como bem adverte Tomaz Tadeu da Silva, o valor desse procedimento não pode ser generalizado na educação. A metáfora é um elemento importante em diversas obras filosóficas e literárias e não pode ser reduzido à tese deleuze-guattariana da linguagem. Além disso, a literalidade tem um valor estritamente filosófico e artístico. Por mais que a linguagem científica não represente a natureza, sua estrutura interna não pode ser compreendida a partir da literalidade, no sentido que Deleuze confere ao termo.

ORLANDI OU A CRIANÇA QUE CANTA CONTRA O CAOS

Alguns anos depois, em 2011, Luiz Orlandi escreve uma homenagem póstuma ao colega Zourabichvili, que faleceu em 2006. Logo na abertura do ensaio, a questão de Zourabichvili é deslocada, passando da função da literalidade no aprendizado para a questão da consistência do pensamento do professor: “o que alguém, chamado educador ou professor etc., deveria fazer para pensar de maneira mais exigente possível a experiência do aprendizado?” (ORLANDI, 2011, p. 145). O professor enfrenta ao menos duas porções de caos em sua atividade: por um lado ele está emaranhado no caos próprio ao seu cérebro, “essa coisa estranha que nele pensa por estar cheia de dobras envolvendo interioridades e exterioridades” (ORLANDI, 2011, p. 145), e outra porção relativa ao aprendizado dos alunos. Afinal, como dizem Deleuze e Zourabichvili, nunca se sabe como alguém se tornará bom em uma disciplina. Orlandi deixa de lado a questão da literalidade e se dedica a desenvolver algumas implicações da tese sobre o aprendizado no texto do colega.

No artigo publicado em 2011, discutem-se os três temas da teoria da aprendizagem delineados em “Deleuze e a questão da literalidade”. O primeiro tema desestabiliza o hábito e o dogma pelo qual se considera o professor como arauto de um saber que ele domina. “Sem dúvida, ele (o professor) foi iniciado em algum saber, da situação em que ele atua e do campo problemático que o envolve com outros” (ORLANDI, 2011, p. 148). O primeiro axioma de Zourabichvili significa que o ensino não envolve somente a transmissão de um saber, ele envolve uma pesquisa, uma busca “desencadeada por algo que intensifica a sensibilidade e força todas as faculdades a irem além de sua inércia habitual ou da acumulação de um saber abstrato” (ORLANDI, 2011, p. 148). O aprendizado temporal, discutido por Deleuze em Proust e os signos e comentado brevemente no início deste texto, diferencia-se do saber abstrato, pois envolve um encontro afectivo4 com os signos.

O segundo princípio manifesta a multiplicidade de forças, de disposições e indisposições individuais envolvidas no processo de ensino. O aprendizado temporal, que é a experiência de aprendizado que envolve os signos, implica a apreensão de um campo heterogêneo ocupado por singularidades ou diferenças. “O aprendizado do pensar está imerso, portanto, numa caótica de encontros que abalam inicialmente a sensibilidade” (DELEUZE, 1988, p. 270 apudORLANDI, 2011, p.149), provocando um desequilíbrio nas faculdades.

O terceiro tema da tese de Zourabichvili, segue Orlandi (2011, p. 149), leva os outros dois ao limite, pois, em primeiro lugar, ele desloca o aprendizado da questão da aquisição do saber para a questão do desenvolvimento de um pensamento complexo, autopoiético e desindivizaulizado; em segundo lugar, o princípio escapa ao modelo do pensamento centrado na solução, favorecendo um construtivismo centrado no problema; por fim, em terceiro lugar, a máxima deleuziana politiza o aprender, pois distingue entre uma forma de pensar livre, que envolve a elaboração de problemas, e uma forma de pensar servil, centrado na solução de problemas preestabelecidos. Essa distinção política e ética entre duas formas de conhecimento deriva da distinção spinoziana entre ideia adequada e ideia inadequada. Reunimos a seguir uma coleção de definições e de proposições da Ética de Spinoza que expressam a relação entre o conhecimento, o pensamento e a liberdade:

[Parte I] Def. 7. Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e que por si só é determinada a agir. E diz-se necessária ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida (SPINOZA, 2009, p. 13).

[Parte II] Def. 4. Por ideia adequada compreendo uma ideia que, enquanto considerada em si mesma, sem relação com o objeto, tem todas as propriedades ou denominações intrínsecas de uma ideia verdadeira. Explicação. Digo intrínsecas para excluir a propriedade extrínseca, a saber, a que se refere à concordância da ideia com seu ideado (SPINOZA, 2009, p. 51).

Prop. 35. A falsidade consiste na privação do conhecimento que as ideias inadequadas, ou seja, mutiladas e confusas, envolvem. Demonstração. Não há, nas ideias, nada de positivo que constitua a forma de falsidade (pela prop. 33). Ora, a falsidade não pode consistir na privação absoluta (…), nem tampouco na ignorância absoluta, pois ignorar e errar são diferentes. A falsidade consiste, portanto, na privação de conhecimento que o conhecimento inadequado das coisas - ou seja as ideias inadequadas e confusas - envolve (SPINOZA, 2009, p. 77).

[Parte III] Def. 1. Chamo de causa adequada aquela cujo efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma. Chamo causa inadequada ou parcial, por outro lado, aquela cujo efeito não pode ser compreendido por ela só.

Def. II. Digo que agimos quando, em nós ou fora de nós, sucede algo de que somos a causa adequada, isto é (pela def. prec.), quando de nossa natureza se segue, em nós ou fora de nós, algo que pode ser compreendido clara e distintamente por ela só. Digo, ao contrário, que padecemos quando, em nós, sucede algo, ou quando de nossa natureza se segue algo de que não somos causa senão parcial (SPINOZA, 2009, p. 98).

Prop. 1. A nossa mente, algumas vezes age, outras, na verdade, padece. Mais especificamente, à medida que tem idéias adequadas, ela necessariamente age; à medida que tem idéias inadequadas ela necessariamente padece (SPINOZA, 2009, p. 99).

É necessário esclarecer que, para Spinoza, a liberdade e a potência de agir correspondem ao grau de perfeição próprio à essência do corpo considerado. Deus, nessa teoria, é infinitamente potente e absolutamente livre, isso significa que suas ações, seu pensamento, sua extensão e todos os seus atributos são determinados em razão de suas respectivas essências. O conceito de liberdade de Spinoza se opõe ao livre-arbítrio, na medida em que, para o filósofo, ser livre é agir em conformidade com a própria natureza. Ora, o homem pensa, logo, na medida em que é um ser pensante, ele só é livre se compõe seu intelecto a partir de ideias adequadas, pois das ideias adequadas decorrem ações em conformidade com a essência humana e, portanto, livres. Para Spinoza, a liberdade de agir e de pensar, que se opõem à servidão, se assentam sobre a possibilidade do indivíduo ser causa de suas próprias ideias e de efetivar a sua própria potência, determinada não por ele mesmo, mas pela própria essência divina. Ou seja, o indivíduo é livre na medida em que adentra a cadeia causal da Natureza inteira. Para Deleuze, leitor de Bergson, a liberdade está em produzir os próprios problemas que constituirão as condições para a criação das ideias-diferença. De forma inversa, quando o pensamento é determinado a partir de problemas que lhe são exteriores, permanece-se servo, escravizado por uma imagem de pensamento. Pensar livremente é ser causa de seus próprios problemas. Não confundamos aqui o pensamento com o sujeito psicológico, pois, para Deleuze, o sujeito não é a fonte ou causa dos problemas, mas sim o pensamento, considerado em sua impessoalidade e imanência.

Orlandi segue dizendo que o conhecimento e o aprendizado se dão a partir do encontro com os signos heterogêneos, que “[...] abrem nossa sensibilidade aos campos problemáticos em que vivemos” (ORLANDI, 2011, p. 149). Os signos são expressões reais, são sensações materiais. Logo, o aprendizado e o pensamento não são invenções arbitrárias, delírios irreais; eles são produtos do encontro com signos reais - signos da natureza, da arte, da filosofia, signos amorosos, etc. Não obstante, a filosofia da diferença resiste ao dualismo entre Natureza e Pensamento. Para Deleuze e Guattari, o Real, a coisa em si, confunde-se com o caos indiferenciado das relações dos fluxos que correm em velocidades infinitas; o mundo é o caos recortado e transformado pelo pensamento e pela percepção. Os conhecimentos consistentes são aqueles que se constituem em uma relação direta com os signos emitidos pelo caos-mundo, caosmos5. O pensamento, segundo dizem Deleuze e Guattari em O que é filosofia?, divide-se em três modos: arte, ciência e filosofia. Cada qual encara o caos de uma forma particular. Todavia, o caos é, ao mesmo tempo, o principal aliado e o maior adversário do pensamento, pois este não consegue lidar com a totalidade dos fluxos desterritorializados compreendidos no caos. Somente a arte é capaz de absorver a voragem do caos e retransmiti-la em seu estado selvático. Dessa propriedade, decorre a potência e a natureza específica da arte e da imagem no currículo escolar e na pesquisa em educação em geral.

O conhecimento sempre recorta, limita ou recodifica as porções de caos sobre a qual ele se desenrola. É certo também que os diferentes campos do pensamento se conectam em diversos pontos convergentes, traçando assim um plano que reúne as três formas de pensamento. Orlandi elenca três riscos para o pensamento nesse embate com o caos e nessa busca por conectar os diversos planos de imanência. O primeiro deles é ceder à opinião, que consiste nos discursos pseudocientíficos, dogmáticos, religiosos e tantos outros que se fecham ao caos por meio de generalizações, prejuízos morais e de verdades preestabelecidas; o segundo é cair no caos indiferenciado; o terceiro perigo é o da imposição ou acomodação do sujeito a modelos de vida e de conhecimento (DELEUZE; GUATTARI, 1997a; ORLANDI, 2011).

Nesse sentido, Orlandi retoma obliquamente um tema também debatido por Pelbart: o fascismo. Ora, o fascismo do cotidiano é a ação de prescrever formas de viver e de conhecer puras, que projetam sobre o sujeito e sobre seus desejos uma imagem negativa. Há uma certa concepção do conhecimento, muito comum em alguns círculos religiosos, cientificistas, de militância marxista e quiçá na “militância deleuziana”, que atribuem à teoria um poder de determinação da prática. Esses discursos consistem em formas de opinião (doxa) produzidas a partir da ilusão inerente à razão (científica ou religiosa), ilusão que tende a considerar a linguagem, o entendimento e o conhecimento enquanto cópias ou representações da natureza, do mundo ou do Ser. Rodrigo Pelloso Gelamo (2007) estuda a concepção iluminista de educação que se empenha em reduzir o fenômeno pedagógico a um sistema de verdades e procedimentos cientificamente demonstráveis. Esse afã da razão poderia ser compreendido enquanto efeito da ilusão transcendental (DELEUZE, 2006) engendrada no seio mesmo do pensamento, em especial do pensamento científico, que, diante dos sucessos e avanços inegáveis em alguns campos, se convence da universalidade de seus procedimentos e acaba, por conseguinte, ultrapassando os limites por ela mesma impostos.

Poderíamos objetar que Deleuze e Guattari utilizam a palavra “modelo” em diversos momentos, como aponta Orlandi (2011). Os autores sugerem uma possível oposição ao modelo rizomático e o arborescente: “Não existiria no Oriente, notadamente na Oceania, algo como que um modelo rizomático que se opõe sob todos os aspectos ao modelo ocidental da árvore?” (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 29). Algumas páginas à frente, os autores alegam que se servem de binarismos para “atingir um processo que se recusa todo modelo” (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 32). O rizoma não representa um modelo, antes expressa um momento, ele acontece em um intervalo “onde as coisas adquirem velocidade” (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 37). A esse respeito, Ada Kroef (2001) e Kaustuv Roy (2002) propõem os conceitos de mini-intervalos de aprendizagem e de zonas catalisadoras do saber. O rizoma e o território são constituídos a partir de uma modificação dos ritmos. O rizoma é um modo de traçar um território, de desenhar um mapa ou de cantar uma canção que nos abrigue do caos, como:

I. Uma criança no escuro, tomada de medo, tranquiliza-se cantarolando. Ela anda, ela para, ao sabor de sua canção. Perdida, ela se abriga como pode, ou se orienta bem ou mal com sua cançãozinha. Esta é como o esboço de um centro estável e calmo, estabilizador e calmante, no seio do caos. Pode acontecer que a criança salte ao mesmo tempo que canta, ela acelera ou diminui seu passo; mas a própria canção já é um salto: a canção salta do caos a um começo de ordem no caos, ela arrisca também deslocar-se a cada instante. Há sempre uma sonoridade no fio de Ariadne. Ou o canto de Orfeu. (DELEUZE; GUATTARI, 1997b, p. 116 apudORLANDI, 2011, p. 153)

II. Agora, ao contrário, estamos em casa. Mas o em-casa não preexiste: foi preciso traçar um círculo em torno do centro frágil e incerto, organizar um espaço limitado. Muitos componentes bem diversos intervém, referências e marcas de toda espécie. Isso já era verdade no caso precedente. Mas agora são componentes para a organização de um espaço, e não mais para a determinação momentânea de um centro. Eis que as forças do caos são mantidas no exterior tanto quanto possível, e o espaço interior protege as forças germinativas de uma tarefa a ser cumprida, de uma obra a ser feita. Há toda uma atividade de seleção aí, de eliminação, de extração, para que as forças íntimas terrestres, as forças interiores da terra, não sejam submersas, para que elas possam resistir, ou até tomar algo emprestado do caos através do filtro ou do crivo do espaço traçado. Ora, os componentes vocais, sonoros, são muito importantes: um muro do som, em todo caso um muro do qual alguns tijolos são sonoros. Uma criança cantarola para arregimentar em si as forças do trabalho escolar a ser feito (DELEUZE; GUATTARI, 1997b, p. 116).

DISJUNÇÃO INCLUSIVA DA POLÊMICA DA LITERALIDADE

Para concluir, gostaríamos de propor brevemente uma outra leitura da tese de Zourabichvili à luz dos comentários realizados pelos outros autores. Todos os textos aqui analisados pensam a concepção de ensino/aprendizado em Deleuze. Contudo eles dialogam somente com o texto de Zourabichvili, não se comunicam lateralmente entre si. Propomos uma síntese de disjunção inclusiva das posições sustentadas pelos autores do debate, uma conjunção divergente das diferentes teses e uma breve provocação às tradicionais teorias do ensino.

Silva, Pelbart e Orlandi questionam se Zourabichvili não estaria propondo um modelo de aprendizado para toda a experiência possível, uma forma universal para todos os fenômenos e diferenças que compõem o campo fenomenológico e teórico do aprendizado. Schérer vai no mesmo sentido ao rejeitar a possibilidade de uma pedagogia deleuziana e defender uma abordagem essencialmente crítica da filosofia da diferença no campo educacional. Por exemplo, a classificação dos modos de linguagem em dois pólos opostos, o literal e o representacional, opera uma redução das possibilidades de escrita escolar. Ora, segundo Aquino (2011), apoiado em Foucault, a escrita é um exercício estético pelo qual o sujeito produz a si mesmo, ela se confunde com a própria vida e desempenha um papel central nos processos estéticos de subjetivação. Sendo assim, a escola que opera uma redução das possibilidades de escrita a certos gêneros ou a determinados modelos incidiria numa redução das possibilidades de vida. A imposição de um modelo de vida/escrita, seja a literalidade, a prosa de Clarice Lispector, a genealogia de Foucault ou qualquer outro, é produto do que Orlandi (2011, p. 151) chama de “rebeldia disciplinada”. Tal comportamento consiste na tomada de um autor, de um revolucionário, de uma ciência, ao mesmo tempo como identidade e como forma de pensamento. Nesse sentido, a imposição da literalidade enquanto forma generalizável de expressão acaba criando uma identidade da teoria deleuziana que limita a potência de seu pensamento. O texto de Zourabichvili, apesar de garatujar uma teoria do aprendizado, apresenta uma linguagem que resiste à fixação e à categorização. Como bem observa Tomaz Tadeu da Silva (2005), a questão da literalidade não explica nem complementa os três elementos da teoria pedagógica da diferença. E é justamente essa cisão entre as duas partes do texto que possibilita leituras abertas da tese de Zourabichvili. A maior prova disso são as análises completamente distintas de um artigo que não tem sequer quinze páginas. Todavia, Silva e Orlandi parecem apontar uma fraqueza inerente à posição defendida em “Deleuze e a questão da literalidade”.

Todos os autores que debatem o texto de Zourabichvili parecem confusos com a introdução do tema da literalidade na discussão da teoria do aprendizado. Talvez a chave para compreender a tese do filósofo Zourabichvili seja justamente aplicar o método da literalidade sobre seus enunciados, crer no procedimento de literalidade tal como descrito pelo autor. Assim, a “pedagogia deleuziana” não deve ser entendida enquanto uma teoria da educação, um sistema ou grade conceitual que recobre todos os fenômenos desse campo de estudo. Deve ser compreendida enquanto relação de dois termos, de duas séries independentes e irredutíveis: a pedagogia e a filosofia da diferença. De um lado, as diversas teorias do ensino, os problemas, os fenômenos e acontecimentos do campo da educação; do outro, os conceitos, afectos, ideias e questões criados por Deleuze. Propomos que, na impossibilidade de erigir um modelo deleuziano do aprendizado, talvez fosse possível tomar os termos “teoria do aprendizado” e “deleuziano” como conjuntos heterogêneos de provocações e relações cujo propósito seria produzir diferentes relações, relações inusitadas e extemporâneas. A disjunção dos elementos derivados dos dois termos poderia oferecer à teoria da educação uma série de problematizações e críticas capazes de revelar e deslocar os limites do campo.

Retomando a questão proposta por Schérer, o que Deleuze tem a nos ensinar sobre a educação e sobre o próprio pensamento? Ele nos convida a resistir aos consensos, aos sensos comuns e clichês. No campo da educação, essa abordagem contribui para um desaprendizado (Pelbart, 2005; Schérer, 2005; Almeida, 2013) teórico filosófico, um reexame e uma desconstrução dos consensos e crenças comuns arraigados na teoria educacional, uma abertura do campo às forças do caos. Tal movimento serviria à promoção de novas perspectivas para os problemas pedagógicos.

Segundo Zourabichvili, na famosa expressão deleuziana “o cérebro é uma erva”, o primeiro termo reuniria uma série de relações que se cruzariam e se conectariam com os elementos constituintes do segundo, formando uma nova série de sentidos: o cérebro não tem uma organização hierárquica, ele é a-centrado; ele opera como um rizoma, pois seus axônios se ligam de forma rizomática, assim como os conceitos, as memórias e sensações; o cérebro se constitui de relações heterogêneas não reunidas em uma unidade transcendente; o cérebro não se diferencia da erva, ele devém erva, expande-se como grama; mergulha novamente na Natureza, devém inumano, retorna à imanência. Crer em Zourabichvili seria, portanto, perceber “o pensamento como heterogênese” (ORLANDI, 2011, p. 150).

Zourabichvili afirma que toda experiência se refere a uma relação, a um conjunto de relações a partir das quais o entendimento é constituído. Eis aí o cerne da questão ontológica de Deleuze, que Zourabichvili diz ser mal compreendida, e que Peter Pelbart (2005, p. 1329) diz não ter compreendido bem no texto do colega. A ontologia, na filosofia de Deleuze, consiste no estudo do modo pelo qual as relações simples se acrescentam umas às outras formando conjuntos complexos que, por sua vez, constituem máquinas que passam a processar e produzir elementos em cadeias heterogêneas articuladas. Nesse sentido, a ontologia se confunde com o rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995a), um modo de compreender a natureza exclusivamente por meio das ligações entre elementos heterogêneos. A partir dessas reflexões propomos agora uma breve problematização das teorias tradicionais de ensino.

O entendimento produz a si mesmo nas relações estabelecidas pelo pensamento, que se somam e se agregam umas às outras, constituindo agenciamentos coletivos que, por sua vez, traçam um plano mais vasto. Desta feita, as condições de entendimento são sempre móveis e provisórias, pois são constituídas a partir das relações reais e das experiências concretas e singulares. Essas relações se ligam em agenciamentos ou máquinas que adquirem autonomia, essas máquinas constroem, sem metáfora, um conjunto de edifícios em uma espécie de cidade não planejada, a partir da combinação de estruturas fixas e de estruturas provisórias, andaimes, que vão sendo montados e desmontados conforme a estrutura cresce e se expande em todas as direções, por meio de conexões precárias e ligações subterrâneas. O horizonte de experiência de um indivíduo é condicionado por suas experiências pessoais codificadas pelas experiências sociais acumuladas na forma de linguagem, do campo simbólico e das diferentes formas de conhecimento historicamente determinadas. O aprendizado não é um processo estritamente psicológico, não é construído em um processo individual. O sujeito ocupa no aprendizado uma posição secundária, na medida em que a própria forma sujeito é uma construção social que reorganiza as funções subjetivas. Evidentemente os sujeitos concretos aprendem, mas o aprendizado mesmo se refere a sistemas sociais e cognitivos que estão em constante construção e reconstrução.

Segundo a filosofia da diferença, o centro do processo de aprendizado não são os sujeitos, mas os campos de problematização. Disso decorre que, “a afirmação dessas relações, enquanto elas organizam a experiência, estrutura um certo campo problemático, e recebe o nome de crença” (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1316). Isso não quer dizer, evidentemente, que a psicologia e a biologia não desempenham papel determinante na construção do pensamento, mas que elas, por constituírem dimensões exteriores aos planos de imanência do pensamento, devem ser codificadas, transformadas pelas máquinas sociais para poderem entrar nas séries e máquinas que compõem o processo de aprendizado. O sociólogo Niklas Luhmann (2016) pensa a sociedade enquanto sistema independente no qual a psicologia e a biologia seriam como um contexto, um plano de fundo que só entra no sistema quando traduzidos e transformados em elementos codificados pelo sistema social, em outras palavras, elas só entrariam e influenciariam o sistema social na medida em que se transformam em elementos próprios ao sistema social, elementos que são reconstituídos segundo os padrões isomorfos das relações sociais. O pensamento e o aprendizado, para Deleuze, também são sistemas (máquinas) que funcionam de forma autônoma. Contudo, eles extraem seus elementos de estratos superiores (sociedade, cultura, linguagem) e inferiores (biologia, geologia, inconsciente), que são codificados e traduzidos em termos inerentes ao plano de imanência do pensamento. A maior diferença entre as duas posições está no peso atribuído à heterogeneidade e homogeneidade dos elementos. Enquanto Niklas Luhmann favorece a homogeneidade dos elementos e autonomia do sistema, Deleuze favorece a heterogeneidade das partes e a o caráter composto, local e fragmentar do sistema (campo de imanência).

Segundo Zourabichvili e Silva, a imanência do pensamento deleuziano é alcançada através do procedimento linguístico que toma a linguagem e o mundo enquanto um conjunto de relações. A literalidade seria um dos artifícios filosóficos capazes de se engajar nesse conjunto sem se diferenciar dele, ou seja, banhando-se em sua imanência. Deleuze diz: o mundo é um conjunto de relações múltiplas que compõem e se ligam em um plano de imanência; crer nele significa tomar a sua linguagem como um conjunto de relações entre termos heterogêneos que se inscrevem em um campo de problematização que, por sua vez, constitui um pequeno território de um campo de imanência muito mais amplo, a Terra. O personagem conceitual Deleuze, o autor e o professor, articula o pensamento e o ensino em um mesmo plano de imanência através do qual o pensamento estende seus próprios limites.

Se o campo da experiência pura, o campo de imanência, é o conjunto da totalidade das relações materiais, para que um pensamento se inscreva nesse plano, é necessário que ele mesmo engendre relações novas, capazes de desarticular os termos existentes e abrir um novo horizonte de experiência. O pensamento só retorna à imanência quando expande o número de relações totais possíveis (ZOURABICHVILI, 2005, p. 1319). Sendo assim, a literalidade está na associação imediata dos elementos divergentes em uma percepção, em uma crença que quebra e desdobra o sentido. Zourabichvili mostra a relação germinal entre escrita e aprendizado na filosofia. A respeito dos gestos do Deleuze-professor, Schérer afirma que o filósofo ensina não somente pelo que diz, mas também pela maneira como ele o faz. Pensar e ensinar são experiências empíricas e práticas, éticas e estéticas.

A educação constitui uma máquina que se associa a conjuntos muito mais vastos e complexos, que agencia uma grande diversidade de outros aparelhos. O aprendizado é um processo pelo qual diferentes indivíduos, máquinas, disciplinas e grupos produzem, reproduzem, transformam e multiplicam o campo de imanência do pensamento e da sociedade. É preciso lembrar que, para Deleuze e Guattari (2010), as máquinas sociais são como carros antigos, elas operam de maneira disfuncional, apresentam defeitos, necessitam de manutenção e intervenção constantes. As máquinas de pensamento-aprendizagem, seguindo a lógica das máquinas desejantes “(...) produzem ligações segundo as quais elas próprias funcionam, e funcionam improvisando estas ligações, inventando-as, formando-as.” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 240). A educação é uma máquina que não para de produzir ruídos, contradições, bloqueios, disjunções e problemas. Ela está sempre em movimento. As provocações e tensões entre a filosofia da diferença e a teoria do aprendizado não formam um sistema conceitual fechado, embora possam oferecer perspectivas críticas capazes de identificar a causa eficiente de tais bloqueios, permitindo, dessa maneira, o surgimento de novas conexões. Nesse sentido, a filosofia da diferença nos convida a pensar uma aprendizagem não centrada exclusivamente no sujeito e no indivíduo, uma aprendizagem que se dá em um campo de imanência, que relaciona elementos heterogêneos em sistemas provisórios e precários, o próprio sujeito ocupando simultaneamente a posição de produto e produtor no interior desse sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eis o construtivismo pedagógico da filosofia deleuze-guattariana: ela traça um território, organizando e recompondo as forças do caos para se proteger dessas mesmas forças. O cérebro, que, como se viu neste artigo, não se confunde com o órgão ou com a consciência individual, também é construído e condicionado nas/pelas experiências concretas dos indivíduos, grupos e demais agenciamentos coletivos. As experiências singulares, coletivas e a linguagem formam os andaimes por meio dos quais o pensamento se constrói e, assim, elas condicionam todas as experiências futuras. Porém, à medida que ao pensamento se acrescentam outras partes, os andaimes são desmontados, expandindo o campo de imanência para todos os lados a partir de conexões a-centradas. Dito de outra forma, o pensamento constrói-se por meio das experiências empíricas de sujeitos, sistemas sociais, linguagens, formações culturais e científicas que são ocupados pelas mesmas experiências, de tal forma que o cérebro se confunde com a projeção de um plano de consistência impessoal e coletivo das experiências no qual os sujeitos se inscrevem. Tal construtivismo se distingue da teoria pedagógica tradicional na medida em que (1) não se limita ao processo subjetivo psíquico individual, compreendendo uma vasta gama de máquinas e sistemas interligados, nos quais o sujeito ocupa somente uma função secundária; (2) não constitui uma teoria generalizável e universal do aprendizado, apenas um conjunto de problemas e afecções que oferece novas possibilidades analíticas, sem a pretenção de formar um sistema teórico universal.

Voltando ao problema central do artigo, o da existência e possibilidade de uma pedagogia deleuziana, estamos convencidos que essa matéria fluida e heterogênea que recebe o nome de obra ou corpus deleuziano não comporta um modelo pedagógico. Em primeiro lugar, os conceitos da filosofia da diferença resistem à substantivação, não se deixam fixar em proposições universais e totalizantes, não oferecem problemas com respostas prontas. Em segundo lugar, os conceitos de Deleuze não oferecem material suficientemente elaborado para fixação de um modelo pedagógico. Não obstante, é inegável o valor de algumas proposições de Deleuze para uma teoria da aprendizagem. Os ensinamentos do filósofo estão prenhes de implicações pedagógicas e, sem dúvida, abrem novos horizontes de significação no campo da educação.

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    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020050004&lng=pt
  • 3
    Pelbart provavelmente utiliza o termo fascismo no sentido utilizado por Foucault no prefácio que escreveu à edição americana do Anti-Édipo (FOUCAULT, 1977). Não se trata do fascismo em sua forma histórica, mas o fascismo cotidiano do desejo, essa vontade de poder dogmática, esse desejo de prescrição, desejo de submissão e de dominação.
  • 4
    Deleuze toma de Spinoza a distinção entre affection e affectus. Aqui, seguindo a tradução de Tomaz Tadeu da Silva da Ética de Spinoza (2009), utilizamos afeto para traduzir affection e afecto para traduzir affectus. Enquanto affection significa uma emoção ou sensação decorrente de uma interação entre corpos, affectus diz respeito à modificação dos corpos mesmos. Retomando um famoso exemplo de Spinoza, podemos dizer que o veneno ingerido afecta o organismo que sente tal afecção como dor ou sofrimento.
  • 5
    Caosmos é um neologismo criado por James Joyce e utilizado por Deleuze e Guattari para se referir ao estado caótico da natureza e do cosmos.
  • 6
    pesquisa de doutorado a partir da qual escrevemos a primeira versão deste texto foi financiada pelo Cnpq/Capes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2020
  • Aceito
    15 Maio 2021
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