Open-access “O FRACASSO DA REFORMA ESCOLANOVISTA”: ATALIBA DE OLIVEIRA INTERPRETANDO A RENOVAÇÃO ESCOLAR PAULISTA (DÉCADAS DE 1930 E 1940)

EL FRACASO DE LA REFORMA ESCOLANOVISTA”: ATALIBA DE OLIVEIRA INTERPRETANDO LA RENOVACIÓN DE LA ESCUELA PAULISTA (DÉCADAS DE 1930 Y 1940)

RESUMO:

Sob uma perspectiva de análise orientada por Darnton (1986), este artigo objetivou capturar as interpretações de Ataliba Antonio de Oliveira acerca do movimento da escola nova. Trata-se de um professor paulista que acompanhou e resistiu de perto e por dentro às investidas e tentativas da renovação pedagógica em curso do aparelho escolar paulista. Ao escrever mais de duas centenas de crônicas, interpretando, entre outros temas, as iniciativas dos escolanovistas em São Paulo, Ataliba de Oliveira apontou os erros que caracterizaram “o fracasso da reforma escolanovista”. Após inventariar e analisar essas crônicas, este artigo buscou responder a seguinte problemática: como Ataliba de Oliveira interpretou o movimento da escola nova e as tentativas de inserção dessa doutrina pedagógica no aparelho escolar paulista, entre as décadas de 1930 e 1940? A lógica comparativa estrutura a maior parte das crônicas e, por meio dela, revelam-se os pontos sobre os quais incidem críticas mais contundentes do autor à reforma, aos reformadores e às consequências educacionais dessas ações, bem como o padrão de trabalho que ele desejava preservar. Tomados em conjunto, os textos de Ataliba de Oliveira construíram a interpretação de que “o fracasso da reforma escolanovista” ocorreu porque os seus apologistas não souberam ler o exemplo do passado.

Palavras-chave: escola tradicional; escola nova; escola ativa; ensino globalizado; método de projetos

RESUMEN:

Desde una perspectiva de análisis guiada por Darnton (1986), este artículo tuv como objetivo capturar las interpretaciones de Ataliba Antonio de Oliveira sobre el movimiento de la escuela nueva. Se trata de un maestro paulista que siguió y resistió de cerca y desde dentro las embestidas e intentos de renovación pedagógica en curso en el sistema escolar paulista. Al escribir más de doscientas crónicas, interpretando entre otros temas las iniciativas de los escolanovistas en São Paulo, Ataliba de Oliveira señaló los errores que caracterizaron “el fracaso de la reforma escolanovista”. Después de inventariar y analizar esas crónicas, este artículo buscó responder al siguiente problema: ¿Cómo interpretó Ataliba de Oliveira el movimiento de la escuela nueva y los intentos de insertar esta doctrina pedagógica en el sistema escolar paulista, entre las décadas de 1930 y 1940? La lógica comparada estructura la mayor parte de las crónicas y, a través de ella, se revelan los puntos sobre los que se desvelan las críticas más contundentes del autor a la reforma, a los reformadores y a las consecuencias educativas de estas acciones, así como el patrón de obra que quiso preservar. En conjunto, los textos de Ataliba de Oliveira construyeron la interpretación de que “el fracaso de la reforma escolanovista” ocurrió porque sus apologistas no supieron leer el ejemplo del pasado.

Palabras clave: escuela tradicional; escuela nueva; escuela activa; enseñanza globalizada; método por proyectos

ABSTRACT:

Under the perspective guided by Darnton (1986), this article aims to capture the interpretations made by Ataliba Antonio de Oliveira about the new school movement. It is about a teacher from São Paulo who followed and resisted closely and from within the onslaughts and attempts at pedagogical renewal in progress in the São Paulo school system. By writing more than two hundred chronicles, interpreting among other themes the initiatives of the Escolanovistas in São Paulo, Ataliba de Oliveira pointed out the errors that characterized “the failure of new school reform”. After inventorying and analyzing these chronicles, this article intends to answer the question: How did Ataliba de Oliveira interpret the new school movement and the tentatives of inserting this pedagogical doctrine in the Paulista school apparatus between 1930 and 1940? The comparative logical structures the most of the chronicles, and through them, are revealed his most scathing criticism to the reform, the reformers, and the educational consequences of those actions. He also revealed the patterns that he intended to preserve. Taken together, the chronicles of Ataliba de Oliveira made up the interpretation that “the failure of new school reform” occurred because its apologists did not consider the data and situations of the Paulista school reality, nor the conditions faced by teachers and students in the educational task.

Keywords: traditional school; new school; active school; correlated teaching; project method

INTRODUÇÃO

Não nutro nenhuma ojeriza pela chamada escola-nova, mas condeno formalmente as exagerações e as incongruências das escolas-novistas. Se os teoristas da nova doutrina se resolvessem descer de Sirius à Terra; se deliberassem deixar, por algum tempo, o mundo frio dos in-fólios para se aproximar do mundo objetivo da realidade; se trocassem o ambiente tranquilo das bibliotecas, onde conversam com os filósofos da educação, pelo ambiente rumoroso das escolas, dentro das quais se processa o trabalho dinâmico da educação da criança; se subissem, ou descessem (como quiserem) do abstrato ao concreto, permutando a paisagem gelada da teoria pela paisagem tropical da realidade, cheia de verdura seivosa, então, perceberiam, com pasmo, quão contraproducente tem sido o seu trabalho de doutrinadores e quão negativa a sua tarefa de proselitismo! [...].

Afinal, que querem estes homens? Desejam tudo destruir para, depois, tudo reconstruir? São amigos ou inimigos? Trazem o sinal dos predestinados que apostolizam uma doutrina, ou envergam a couraça dos hunos que tudo destroçam na passagem, sob as patas dos corcéis de guerra? (OLIVEIRA, 1936g, p. 30).

Assim como a frase destacada com aspas no título deste artigo, a epígrafe acima, na dureza de sua linguagem incisiva e concludente, resume o modo de pensar de um malsim do sistema escolar paulista que denunciou aquilo que, para ele, os reformadores da educação, nos anos de 1930, quiseram encobrir: o fracasso escolanovista em nível nacional e internacional1.

Numerosas são as pesquisas que delinearam as trajetórias profissionais de grandes apologistas do movimento da escola nova e as estratégias de difusão dessa concepção pedagógica no Brasil, particularmente em São Paulo, a partir de 1930 (BRANDÃO, 1992; MONARCHA, 1997, 2009, 2010; CAVALCANTE, 2000; CARVALHO, 2002, 2003; MATE, 2002; VIDAL, 2002, 2013; CAMPOS, 2003; MAGALDI; GONDRA, 2003; XAVIER, 2004; SOUZA, 2009; CARVALHO, 2012; apenas para citar algumas referências de uma longa lista). Essas pesquisas focalizaram, majoritariamente, as proposições escolanovistas em seus elementos de renovação e de inovação, deixando escapar resistências que emergiram no interior do próprio sistema2. Talvez isso explique, em parte, o desconhecimento sobre a atuação de membros do magistério público paulista durante a primeira metade do século XX, o que obscurece o embate então travado. Ao seguir na contramão daquelas pesquisas, isto é, colocando em análise as críticas sobre a renovação em curso, este artigo procurou compreender outros sentidos do movimento da escola nova por meio das interpretações de um de seus críticos mais contundentes: o professor Ataliba Antonio de Oliveira.

Figura pouco familiar à historiografia educacional do Brasil3, Ataliba de Oliveira atuou no sistema escolar paulista entre os anos de 1905 e 1935 e conhecia por dentro as entranhas e engrenagens dessa maquinaria escolar. De mestre-escola a diretor geral da instrução pública do estado, ele percorreu o sistema de escalação profissional e transitou do mais baixo ao mais elevado cargo administrativo, normativo e diretivo do ensino. Nesse trânsito, assumiu as tarefas de ensinar, educar, inspecionar, orientar, examinar e fiscalizar o ensino ministrado em escolas primárias e normais do estado de São Paulo, durante trinta anos de magistério público. Trata-se, portanto, de um “obreiro escolar” - como se dizia à época - de cultura elevada, que percebia o valor didático e pedagógico dos estabelecimentos de ensino público paulista, tanto na sua feição sistêmica como no dinamismo do dia a dia. Enfim, um profissional do ensino que militou por longo tempo no terreno da prática escolar paulista.

O período de atuação profissional de Ataliba de Oliveira no sistema escolar público de São Paulo coincidiu com as diferentes fases de dois movimentos pedagógicos: até os anos finais de 1920, ele participou da institucionalização da pedagogia moderna, tal como a denominavam os seus propositores (retratada por boa parte da historiografia brasileira pela expressão sinóptica de método/ensino intuitivo); na década de 1930, vivenciou as iniciativas de renovação (a pedagogia científica), aposentou-se e passou a analisar no jornal Correio Paulistano,4 quase diariamente, os motivos que, no seu entender, resultaram no “fracasso da reforma escolanovista” (OLIVEIRA, 1939h, p. 5) ou, na afirmação peremptória de que “a escola nova nasceu morta” (OLIVEIRA, 1938j, p. 5).

Defensor declarado das normas pedagógicas e didáticas da pedagogia moderna, Ataliba não escondia sua aversão aos ditames da pedagogia científica, que, segundo ele, podia ser identificada por diferentes expressões: escola nova, escola ativa, escola renovada, escola do trabalho, ensino rotativo, ensino globalizado, método de projetos, método de problemas, plano Dalton. Foi com base nesses e noutros temas que ele fez um exercício crítico “interpretando fielmente o pensamento de luminares da escola nova, que se ocuparam desses assuntos” (OLIVEIRA, 1938p, p. 5). Nesse exercício interpretativo, como mostra a epígrafe desta introdução, ficou clara sua forte objeção ao trabalho de divulgação e implementação da pretendida renovação pedagógica, mais especificamente, à atuação dos reformadores (“doutrinadores”, diria ele) que atuavam em São Paulo.

A síntese dessas objeções foi formulada em duas crônicas memorialísticas publicadas em 1941, nas quais aborda os erros por ele cometidos no início da carreira do magistério. Na primeira delas, afirma que o pensamento escolanovista “pairou nas regiões vaporosas das abstrações doutrinárias; desprezou a prática pedagógica; deixou de lado o esforço individual dos mestres; não submeteu os princípios à contra prova da experiência” (OLIVEIRA, 1941a, p. 5). Em outra, confessa seu pasmo, estarrecimento e revolta quando, sob a bandeira da autonomia didática, atribuiu-se aos novos professores e normalistas a elaboração dos programas e dos horários escolares. Segundo seu entendimento, tal “tolice [foi] proferida em nome de uma sciencia mal deletreada e pessimamente interpretada” (OLIVEIRA, 1941b, p. 5) e submeteu meio milhão de crianças a efeitos desconhecidos.

Se a crítica feita pelo autor é cristalina, é preciso, à maneira proposta por Robert Darnton (1987)5, inquirir essa documentação para alargar a compreensão do movimento reformador. Abarcar a experiência da resistência, expressa quase diariamente num jornal de grande circulação na capital, implica considerar a interpretação divergente na construção de sentidos de um movimento com pretensões de ruptura. Trata-se de um exercício historiográfico que toma os escritos de um ator tão peculiar sobre o movimento da escola nova, notadamente sobre as tentativas de operacionalização desse movimento no aparelho escolar paulista, para compreender as interpretações que certos indivíduos fazem dos acontecimentos históricos por eles vivenciados e, muitas vezes, por eles construídos.

Isso conduz diretamente à problemática deste artigo: como Ataliba de Oliveira interpretou o movimento da escola nova e as tentativas de inserção dessa doutrina pedagógica no aparelho escolar paulista, entre as décadas de 1930 e 1940? A documentação analisada é suficientemente rica para caracterizar a trajetória e a atuação profissional de Ataliba de Oliveira que fizeram dele um interlocutor autorizado das reformas que então se processavam e para informar sobre a recepção, apropriação e incorporação dos princípios e das práticas pedagógicas da escola nova no sistema escolar paulista.

Para tanto, foram realizados mapeamento e inventário analítico de um conjunto de mais de duas centenas de textos escritos por Ataliba de Oliveira, publicados nas páginas do jornal Correio Paulistano, entre fevereiro de 1936 e julho de 1941, em colunas semanais denominadas: Páginas de um mestre-escola, Problemas da instrução pública (ambas de 1936 a 1941) e Direção e inspeção escolar (1936). Por meio desse procedimento, verificou-se que, nos escritos da primeira coluna, a forma é memorialística e descreve fatos da infância à vida profissional; na terceira, estão delineados os trabalhos da administração escolar, destacando as funções, os deveres e direitos dos professores, diretores e inspetores escolares construídos em torno de valores profissionais e funcionais. Nos textos da segunda coluna nomeada, com maior volume de escritos, estão registradas as interpretações do autor sobre variados temas ligados ao cotidiano escolar paulista, tais como: queda do nível do ensino, prédios escolares, autonomia didática, finalidade da escola primária, causas da decadência do ensino primário, escolanovismo e orientação pedagógica, ensino rotativo, globalização do ensino, escola ativa, escola tradicional, escola nova, preparação dos normalistas, alfabetização do povo brasileiro e do povo paulista nas zonas urbana e rural, e assim por diante. A lógica comparativa estrutura a maior parte das crônicas e, por meio dela, revelam-se os pontos sobre os quais incidem críticas mais contundentes do autor à reforma, aos reformadores e às consequências educacionais dessas ações, bem como o padrão de trabalho que ele desejava preservar.

Expondo-se ao escrutínio público, Ataliba de Oliveira enfatizou que seus textos tinham como farol a sua própria experiência no magistério primário:

Vimos semanalmente registrando, nestas colunas, o nosso parecer sobre assuntos de educação e o fazemos fundamentado mais na experiência e observação geral dos fatos do que em erudição, interpretando os acontecimentos com o uso da nossa inteligência, sem perder nunca a independência de julgar os dados escolhidos, sem sentimentos ortodoxos a nos marearem o raciocínio. (OLIVEIRA, 1941c, p. 5).

Ponto de vista controverso (como também se verá mais adiante), uma vez que a escolha do Correio Paulistano6 como veículo de difusão dos seus escritos não foi à toa. Ele via esse jornal como “baluarte da defesa da tradição e do passado de São Paulo” (OLIVEIRA, 1938a, p. 5). Fato incontrovertido, porém, era o de grandes vultos da literatura, do jornalismo e do campo educacional brasileiro também terem suas crônicas divulgadas nas edições diárias desse jornal: Monteiro Lobato, Lélis Vieira, Carlos da Silveira, Amadeu Mendes, entre outros.

A fim de caracterizar o debate encetado por Ataliba de Oliveira, o primeiro movimento analítico baseou-se nos artigos designados como memorialísticos para compor traços biográficos do autor e delinear sua carreira profissional no interior do sistema escolar paulista. Em seguida, exploraram-se os escritos sobre os problemas da instrução a fim de apreender os elementos que, segundo o autor, levaram à falência a escola nova na instrução pública em São Paulo. Quando necessário, invocaram-se outros documentos subsidiários (legislação escolar, anuário do ensino, revistas pedagógicas, jornais etc.), buscando esclarecer informações obscurecidas nos textos de Ataliba de Oliveira.

ATALIBA ANTONIO DE OLIVEIRA TRANSITANDO PELO APARELHO ESCOLAR PAULISTA

Filho do ex-escravo Lourenço Antonio de Oliveira7, Ataliba Antonio de Oliveira nasceu em 17 de julho de 1884 no bairro da Ponte, na cidade de Itatiba, no estado de São Paulo, onde viveu sua meninice. Também foi nesse bairro que, aos 5 anos de idade, em 1889, sofreu o luto da morte da sua mãe e iniciou a vida escolar na escola particular de Chico Affonso. Em 1896, no florescer da juventude, saindo de Itatiba, teve início a nova fase estudantil com o ingresso no Liceu do Sagrado Coração de Jesus de São Paulo e, posteriormente, no Ginásio São Joaquim em Lorena, ambos mantidos pela congregação dos salesianos. A vida estudantil estendeu-se até o ano de 1904, quando se diplomou como normalista pela Escola Normal da praça da República da capital de São Paulo8, mas permaneceu sendo “um eterno frequentador de escolas!” (OLIVEIRA, 1936f, p. 14).

Diplomado como normalista, Ataliba de Oliveira regressou à terra natal e, em 23 de fevereiro de 1905, foi nomeado por Jorge Tibiriçá - então presidente do estado de São Paulo - como mestre de uma escola rural masculina de Tapera Grande, município de Itatiba. O diploma da Escola Normal lhe conferia a possibilidade de iniciar a carreira em escola urbana, mas preferiu iniciar a vida profissional numa casa que, das 11 às 16 horas, se transformava em escola, para reger classes primárias. Parte das cinco horas de trabalho escolar diário era destinada ao ensino de leitura e escrita a seus primeiros alunos através da “Cartilha da infância”, de Thomaz Galhardo.

Com pouco mais de um ano de carreira, buscando ascender no magistério público, em agosto de 1906, deixou a escola rural de Itatiba para assumir classe numa escola urbana na cidade praiana de São Vicente, onde permaneceu por dois anos, até outubro de 1908. Esse novo posto surgiu mediante a sucessão do cargo deixado pelo professor Cymbelino de Freitas.9

Em 1909, Ataliba de Oliveira regressou, uma vez mais, à terra natal como professor adjunto do grupo escolar “Coronel Júlio Cezar”. Professor mais experimentado, relata que organizou o horário escolar e, três anos mais tarde, em 1912, abriu um curso preparatório para as escolas superiores junto com sua irmã professoranda, Maria Joanna de Oliveira. O reconhecimento de seu empenho no exercício do magistério público fez o governo do estado creditar a Ataliba de Oliveira novas responsabilidades durante o ano escolar de 1913: primeiro, como diretor interino daquele grupo escolar, mediante a licença de Horácio de Faria; depois, como diretor efetivo.10 O curso criado com a sua irmã não durou muito. Sendo já normalista formada, Maria Joanna de Oliveira logo passou a integrar o quadro de professores do grupo escolar dirigido por seu irmão. Na direção do grupo escolar, Ataliba de Oliveira ensinou, orientou, estimulou colegas de trabalho e recebeu autoridades de ensino que inspecionavam a escola. Uma dessas autoridades foi o professor Júlio Pinto Marcondes Pestana quando, em 1913, ocupando o cargo de inspetor escolar, visitou esse grupo escolar e fez elogios à organização didática, pedagógica e higiênica do estabelecimento. Nesse mesmo ano, conheceu pessoalmente o também inspetor escolar Benedicto Maria Tolosa. Esteve à frente da direção do grupo escolar de Itatiba até o fim do ano letivo de 1920.11

Em 15 de dezembro desse mesmo ano, Ataliba de Oliveira foi nomeado inspetor escolar da 10ª Região do ensino com sede em São Carlos, cargo no qual permaneceu até 1922. A sua promoção no magistério público paulista foi motivo de orgulho para os itatibenses, manifesta em apreço público. Nessa função, atuou como autoridade do ensino, fiscalizando, orientando e assessorando o professorado primário paulista dos municípios da Estrada de Ferro Douradense, desde São Carlos até Itápolis, Ibitinga e Bariri.

A seriedade do trabalho de Ataliba de Oliveira no magistério público foi reconhecida, e, em 24 de abril de 1923, ele foi designado Delegado Regional interino da 8ª Região do ensino, com sede em Itapetininga, substituindo o professor Júlio de Oliveira Penna. Nesse período, conheceu e acompanhou de perto a ação profissional de Pedro Voss na organização didática e pedagógica da Escola Normal de Itapetininga.

Quando, em 1925, Pedro Voss ocupou o cargo de Diretor Geral do Ensino de São Paulo, promoveu a transferência de Ataliba de Oliveira para o cargo de inspetor escolar do distrito de Mogi das Cruzes, informando que: “Não podendo transferi-lo para São Paulo, trouxe-o para Mogi, arrabalde da capital” (OLIVEIRA, 1940b, p. 4). Trechos de um relatório de inspeção apresentado por Ataliba de Oliveira foram publicados nas páginas da revista Educação, edição de junho de 1929, destacando os meios disciplinares aconselháveis para a regência das classes do ensino primário. Quando esses excertos foram divulgados, ele já havia deixado o cargo que ocupara até maio de 1929.

Em 12 de maio de 1929, Ataliba de Oliveira foi promovido a inspetor geral de Escolas Normais Livres do estado - instituições de formação do professorado primário mantidas pelos municípios ou por particulares. A promoção saiu das mãos do então diretor do ensino Amadeu Mendes pela qual recebeu homenagem dos professores primários do município de Mogi das Cruzes. Jornais da época noticiaram o balanço do Tribunal de Contas do estado de São Paulo, referenciando, entre outras coisas, a boa conduta do professor Ataliba de Oliveira no uso do dinheiro público, documentada nas prestações de contas enquanto inspetor escolar.

Um novo degrau na carreira deu-se com a nomeação de Eusébio de Paula Marcondes para exercer o cargo de diretor da Secretaria da Diretoria Geral da Instrução Pública, possibilitando que, em 5 de dezembro de 1930, Ataliba de Oliveira ocupasse a função de inspetor distrital do ensino da capital.

O Decreto n. 5.335, de 7 de janeiro de 1932, reorganizou a instrução pública de São Paulo. Entre as 22 regiões do ensino em que se dividia o estado12, a delegacia do ensino na capital foi confiada ao professor Ataliba de Oliveira. Ao detectar a dificuldade de professores no ensino de matéria específica, ele escreveu e fez circular nas páginas da revista Educação, edição de abril e maio de 1932, um conjunto de modelos de lições intitulado “como ensinar algarismos romanos”. Este parece ter sido o único artigo sob a forma de “modelo de lição” que Ataliba de Oliveira publicou em revistas pedagógicas paulistas durante todo o período da sua vida profissional como professor.

Sua escalada profissional no magistério paulista continuou. Em 24 de agosto de 1933, o lente de francês do Instituto de Educação de São Paulo, o professor Francisco Azzi, foi empossado no cargo de diretor geral do ensino do estado. Este, por sua vez, convidou o professor Ataliba de Oliveira para o cargo de assistente técnico da Comissão de Prédios Escolares e vice-diretor na sua ausência (Cf. ANUÁRIO DO ENSINO, 1935 -1936, p. 353).

Após a exoneração de Francisco Azzi do cargo que ocupava, Ataliba de Oliveira passou a responder pelo cargo mais elevado do sistema de ensino: a Diretoria Geral do Ensino, ali permanecendo de 15 de agosto a 14 de setembro de 1934. Ele cedeu o lugar ao professor Luiz Motta Mercier, então delegado regional de Ribeirão Preto, nomeado no dia 15 de setembro. A cerimônia da posse do novo diretor da instrução pública de São Paulo, realizada dois dias após a nomeação, foi assim noticiada nas páginas de jornais paulistas: “O novo diretor geral, entrou no recinto acompanhado pelo sr. Aluízio Lopes de Oliveira, representante do secretário da Educação e pelo professor Ataliba de Oliveira, que estava até o momento respondendo pelo expediente da Diretoria do Ensino, sendo recebido por uma salva de palmas” (TOMOU posse..., 1934, p. 3). Com a transferência do cargo, Ataliba de Oliveira reassumiu a chefia do serviço e a presidência da Comissão de Prédios Escolares, e seu desempenho foi novamente reconhecido publicamente por Luiz Motta Mercier.

Após trinta anos dedicados ao magistério público paulista, Ataliba de Oliveira se aposentou, em 1935, quando ocupava o cargo de chefe de serviço técnico da Secretaria do Departamento de Educação, que tinha como diretor seu colega e amigo de curso normal Armando Araújo. Após a aposentadoria passou a ser um colaborador assíduo do jornal Correio Paulistano sobre temas educacionais, entre fevereiro de 1936 e julho de 1941.

O percurso aqui descrito revela que Ataliba de Oliveira foi duplamente útil ao magistério público do estado de São Paulo: como educador e como burocrata em diferentes setores da instrução. A sua importância no campo educacional paulista foi tema do programa “Curso de Admissão pela TV” da TV Cultura13, no dia 15 de outubro de 1962. Em comemoração ao Dia do Professor, essa emissora prestou homenagens a Ataliba Antonio de Oliveira, conduzidas pelo então secretário da Educação, Euvaldo de Oliveira Mello, que rememorou sua carreira profissional, desde sua atuação como docente na zona rural até o elevado grau de diretor geral do ensino, incluindo as atividades jornalísticas no setor educacional (Cf. DIÁRIO DA NOITE, 1962).

O próprio Ataliba de Oliveira enxergava a escrita de artigos de jornal sobre assuntos educacionais como “a segunda maneira de continuar a exercer a profissão, mesmo depois de nos termos afastado dela, havia já alguns meses quando, a 4 de fevereirode 1936, traçamos para o ‘Correio Paulistano’, a nossa primeira crônica” (OLIVEIRA,1940a, p. 5). Para ele, a atividade jornalística tornou-se uma forma de superar a inatividade imputada pela aposentadoria, e foi exercendo essa segunda etapa da profissão que o prof. Ataliba de Oliveira - como ele assinava suas crônicas - registrou uma interpretação original acerca das iniciativas dos escolanovistas paulistas, sobretudo.

A sua morte, em 30 de agosto de 1967, aos 83 anos, deixou viúva a sua esposa Rafaela de Oliveira e órfãos os filhos Milton Lourenço de Oliveira, Magino Roberto de Oliveira, Maurício de Oliveira, Marina de Oliveira, Magda de Oliveira, Mirtes de Oliveira, Isaura de Oliveira e Elisa de Oliveira, além do já falecido Mauro de Oliveira, que era professor. Quase três meses após sua morte, seu nome e legado educacional foram imortalizados nos documentos oficiais da instrução paulista e nas paredes do Colégio Estadual “Prof. Ataliba de Oliveira” - localizado, atualmente, na Rua São Silvestre, n. 400, São João Clímaco, São Paulo (Lei n. 9.925, de 28 de novembro de 1967).

Apesar de ter sido um profissional do ensino que desempenhou e ocupou diversas funções no magistério público paulista, suas realizações são pouco lembradas tanto pela história da educação como pela história da alfabetização do Brasil. O presente artigo recupera apenas uma pequena parcela dos seus escritos jornalísticos, a fim de ler, pelos olhos desse sujeito, as iniciativas dos pioneiros da escola nova no sistema escolar paulista, durante a década de 1930.

PROFESSOR ATALIBA DE OLIVEIRA INTERPRETANDO O APARELHO ESCOLAR PAULISTA

Outubro de 1930. O presidente Washington, no Rio de Janeiro, e o presidente Prestes, em São Paulo, já haviam sido apeados do poder, pela revolução triunfante. O povo já saíra à rua, gritando o ‘Nós queremos!’. A atmosfera, pejada de apreensões, que envolvia a cidade, prolongava- se até a sede da Diretoria Geral do Ensino.

Dentro do recinto principal da repartição, em presença de professores e funcionários, desde os mais modestos até os inspetores gerais - homens maduros, maiorais do ensino, graduados e encanecidos nas lides da instrução - num ambiente de silêncio pesado e apreensivo, ouviu-se a voz do, então, pontífice do escolanovismo paulista, a exclamar com ênfase: ‘Os senhores pensam que a revolução acabou? Pois estão enganados! Agora é que ela vai começar!’.

E foi assim, com estalo chicoteante dessas frases de ameaça, que - nos idos de outubro de 1930 - a ‘escola nova’, de um salto brusco efetuado no escuro, galgou triunfante a cátedra do oficialismo público, em São Paulo.

Na aflitiva solenidade desse dia e na angustia dessa hora de incerteza, traçou-se o programa de ação do escolanovismo, em nossa terra: Revolução! Desfraldou-se, na atmosfera eletrizada, a sua bandeira de combate: Revolução! Delatou-se, ante o professorado boquiaberto de surpresa, o seu sistema de reforma escolar: Revolução!

Revolução ao invés de evolução.

Em lugar do calmo e raciocinado labor de laboratório - o vozerio e os atropelos das tarefas engolfadas em confusão. Gritos. Apodos. Afirmações bruscas. Doutrinação anárquica. (OLIVEIRA, 1938e, p. 5).

A narração acima - feita por uma testemunha, o professor Ataliba de Oliveira - revela fatos da história do ensino público paulista que somente alguém que os vivenciou poderia narrá-los. Fatos ocorridos no momento de turbulência política do País - a Revolução de 1930 -, que ecoaram no interior da maior instância da instrução de São Paulo: a Diretoria Geral do Ensino.

Se, por um lado, a tensão política de outubro de 1930 gerou apreensão nos funcionários da Diretoria Geral do Ensino, por outro lado, criou o clima para consubstanciar as vias oficiais de institucionalização do programa de ação do escolanovismo no estado de São Paulo. Do ponto de vista da conjuntura política da época, essa institucionalização pode ser assim sintetizada: no dia 25 de outubro de 1930, foi instituído, em São Paulo, o governo provisório, composto por José Maria Whitacker (na secretaria da fazenda), Plínio Barreto (na secretaria do interior), Edmundo Novarro de Andrade (na secretaria da agricultura), que convidou Manoel Bergstron Lourenço Filho para a direção geral da instrução pública.

Não é possível afirmar que no anúncio da revolução pedagógica a expressão “pontífice do escolanovismo paulista” seja referência a Lourenço Filho; no entanto, esse entusiasmado escolanovista (MONARCHA, 2010), tornou-se o diretor geral do ensino no mês e ano de ocorrência dos fatos testemunhados pelo professor Ataliba de Oliveira.

Foi nesse clima de tensão de outubro de 1930 que, “aproveitando habilmente a confusão do momento, num lance malabaresco de ousado salto no escuro, o escolanovismo conquistou em São Paulo, com o lenço vermelho da revolução, sua ‘entrée’ no mundo oficial” (OLIVEIRA, 1936d, p. 7). A partir de então, o sistema escolar público paulista passou a receber novas orientações didático-pedagógicas, que, simultaneamente, desacreditavam a obra do passado. Segundo Ataliba de Oliveira, os escolanovistas condenaram o passado educacional paulista como sendo arcaico e inoperante. Tanto o trabalho dos “luminares da instrução paulista [do final do século XIX]”14 como a escola do passado foram abalroados pelos “mais ridículos apodos” (OLIVEIRA, 1936c, p. 7). Dos professores do passado, “zombou-se do seu esforço, achincalhou-se o ideal que os norteava. Eram atrasados. Retardatários. Tradicionalistas. Cristalizados. Mumificados” (OLIVEIRA, 1936c, p. 7). Da escola do passado, desdenhou-se também “e foi, então, todo um enxurro de epítetos grotescos: escola antiga; velha; caduca; tradicional” (OLIVEIRA, 1936c, p. 7).

De cima para baixo, certificadas pelo batismo de selo oficial, os escolanovistas fizeram essas adjetivações circularem pelos quatro cantos do estado de São Paulo. Mas eles tinham uma referência. Segundo Ataliba de Oliveira (1936a, p. 3), “dentro da mochila dos reformadores havia uma pedagogia renovada que traz no seu bojo o ‘espírito científico’, irmão gêmeo do celebre ‘espírito revolucionário’”. Atrelado a essa pedagogia de cunho científico estava um conjunto de conceitos oriundos da psicologia, da didática, da história, da estatística, da biologia e da sociologia educacional, a saber: liberdade didática; ensino globalizado; escola ativa; centros de interesse; método de projetos; medição objetiva da inteligência infantil pelos testes e educação funcional (OLIVEIRA, 1936c). Para ele, tais conceitos se constituíram no evangelho da escola nova vulgarizado com estilo próprio: “O evangelho escolanovista foi pregado a pontaços de lança...” (OLIVEIRA, 1936c, p. 7). Foi “ferindo impiedosamente o professorado militante com palavrões e xingações grotescas que assinalavam a investida da ofensiva escolanovista nos tranquilos campos onde a escola paulista desenvolvia o seu dinamismo” (OLIVEIRA, 1936g, p. 30).

Essa implacável propaganda dos renovadores sobre a doutrina da escola nova baseou-se nos diferentes meios de comunicação disponíveis à época: traduções, revistas, livros, jornais, das cátedras das escolas e das tribunas das conferências - argumentou ele. Nas entrelinhas de cada artigo publicado e nos discursos de cada palestra conferida, “os reformadores solaparam os alicerces da escola paulista e arremessaram contra as suas paredes, em atrevida ofensiva, os projetos da catapulta demolidora” (OLIVEIRA, 1938b, p. 5). Para Ataliba de Oliveira (1937c), esse modus operandi dos escolanovistas se resumia nos seguintes pontos: ousados na pregação de suas doutrinas, eram indiferentes ao passado, insuflavam a descrença contra preceitos e postulados pedagógicos em uso.

Foi com esse modus operandi que a reforma escolanovista se impôs como um regime ditatorial quando, segundo o articulista, colocando à margem a opinião pública, “nenhum protesto se fez ouvir. Nem a imprensa traçou o mais leve comentário. Não podia fazê-lo: a manopla poderosa do governo forte asfixiava, nas tenazes dos dedos musculosos, os pulmões por onde o povo respira, nos difíceis momentos de aflição e desespero” (OLIVEIRA, 1936b, p. 3).

No entanto, nessa pesada atmosfera, o professorado paulista se adaptou, reagiu, resistiu.

Em represália, o magistério paulista, sempre discreto na sua conduta, se não levantou francamente a luva de desafio, soube, todavia, entrincheirar-se em seguro reduto de resistência passiva, estratégia de defesa oriental, que Gandhi ensinou aos adeptos de suas ideias.

O professorado não vociferou nas praças públicas, nem nas colunas indiscretas dos jornais. Não agiu de espada à mão, nem bracejou de punhos fechados e ameaçadores. Aquietou-se. Resistiu pela inércia. Reagiu pelo silêncio. Deixou a tempestade rugir na atmosfera, permanecendo, cá embaixo, sob a proteção de estudada mudez que simulava medo, mas que, na realidade, era coragem inteligente e preconcebida.

Embora magoado e perplexo, continuou a trabalhar dentro das escolas, enquanto em derredor a horda adversaria ululava, ameaçadora, com viva estridência, até o relaxamento das cordas vocais.

Foi essa atitude de inércia que evitou o completo esfacelamento do barco da instrução paulista. (OLIVEIRA, 1938g, p. 6).

O tempo, sendo implacável no seu curso, trouxe mudanças. Chegou o momento de trocar o silêncio pelo protesto, a mudez pela fala, a calmaria pela agitação, a quietação pela movimentação. Essa mudança de comportamento “é o troco que os normalistas de São Paulo oferecem aos seus gratuitos detratores” (OLIVEIRA, 1938i, p. 5). Fazendo-se porta-voz desse grupo, Ataliba de Oliveira protestou e provocou barulho no cenário escolar com duras críticas às investidas dos reformadores em São Paulo.

Vazadas em estilo próprio, tais críticas circularam via páginas do Correio Paulistano. Críticas, segundo o autor, independentes e sinceras, sem nunca nomear qualquer pessoa, “evitando transformar as colunas do ‘Correio [Paulistano]’ em válvula de descompressão de recônditas idiossincrasias e os nossos escritos em instrumentos de desforço pessoal, o que é sempre censurável” (OLIVEIRA, 1941c, p. 5). Argumentativo, ele sublinhou que se tratava de “opinião colhida do ângulo de visão de professor militante que, então, era” (OLIVEIRA, 1938e, p. 5).

Apesar dessa justificativa, quando analisados em conjunto, os textos de Ataliba de Oliveira revelam outro temperamento do autor. O tom azedo pode ser sentido e medido pelas adjetivações utilizadas - talvez - para devolver os achincalhamentos recebidos dos escolanovistas. A estes, ele chamava de: falsos deuses da pedagogia renovada; corifeus da escola nova; cresos intelectuais; copiosos teóricos de educação; teoristas e evangelistas do credo novo; panegiristas da nova ideologia teórica; neo- ideologistas; ilustres pregoeiros do escolanovismo sedutor; propagadores de pedagogia indígena; inimigos da tradição escolar paulista; arrivistas mentais; gente estranha ao nosso meio, desligada dos influxos respeitabilíssimos da tradição; homens de especulação; faroleiros improvisados em marujos; reformadores fanáticos; vanguardistas da escola nova; pioneiros locais das novas concepções educacionais; detratores; gratuitos inimigos da escola tradicional; educacionistas acadêmicos; ingênuos futuristas do ensino de imaginação criadora e poética; educacionistas de gabinetes; e assim por adiante.

Essas adjetivações, tiradas, literalmente, das crônicas, revelam sua interpretação acerca da escola que queria ver preservada. Ao fazer uma incursão na história da instrução pública paulista, ele demarcou a escola tradicional - “assim batizada pejorativamente, em sinal de escarneio e desprezo pelos reformistas que apadrinharam o advento da chamada escola nova” (OLIVEIRA, 1938c, p. 5) - como sendo aquela escola consequente da reforma do ensino realizada nos primeiros anos da República. Mais precisamente, ele nomeou de tradicional o aparelho escolar criado por Caetano de Campos, Rangel Pestana, miss Browne e seus coevos, a partir de 1891. Mas fazia questão de registrar que se tratava de uma “escola tradicional, sim; mas não tradicionalista” (OLIVEIRA, 1938c, p. 5), pois tinha renovação permanente - sublinhou.

Com senso de realidade e o trabalho adaptador de Caetano de Campos, dizia ele, “criou-se a chamada ‘Escola Paulista’, com normas de organização próprias, métodos e processos de técnica escolar, vindos de fora, é verdade, mas acomodados ao nosso clima, afeiçoados à morna temperatura do sol tropical” (OLIVEIRA, 1938b, p. 5). Uma escola, continuou, na qual “apaulistou-se a didática”; apaulistou-se a sua estrutura pedagógica e administrativa copiada do estrangeiro, mas acomodada às condições de São Paulo - “tudo adquiriu, então, foros de bandeirismo” (OLIVEIRA, 1938d, p. 5). Essa foi, defendeu ele, a escola tradicional paulista, escola progressiva, escola de renovação lenta e graduada.

Foi, portanto, nessa escola tradicional que Ataliba de Oliveira se profissionalizou como professor. Colocada como pano de fundo, essa concepção de escola paulista orientou suas críticas às iniciativas dos escolanovistas, após 27 de outubro de 1930. A partir de então, o escolanovismo que conquistou São Paulo “procurou assinalar sua ‘entrée’ no mundo oficial, com espalhafatosa e retumbante proclamação da autonomia didática” (OLIVEIRA, 1936d, p. 7). Esse foi, segundo ele, o primeiro e principal tema posto em foco pelos pioneiros da escola nova, seu cavalo de batalha, deixando o professorado perplexo, como relatou nosso informante. Acompanhando essa autonomia, esteve a voz de comando “que entregava ao mestre-escola a incumbência de organizar - ele mesmo - o programa da sua classe ou escola” (OLIVEIRA, 1936d, p. 7). Não era a autonomia didática já conhecida pelo professorado paulista, mas “uma autonomia nova eivada de ‘espírito científico’, carregada para estas plagas em companhia do ‘espírito revolucionário’, seu irmão colaço” - protestou Ataliba de Oliveira (1936e, p. 3). As consequências disso tudo, acusou, foram “escolas sem programas e afrouxamento da assistência técnica”15 (OLIVEIRA, 1936d, p. 7). A anarquia nos arraiais do professorado paulista foi geral, finalizou ele.

No fluxo das suas interpretações, uma questão foi levantada pelo articulista: “Afinal, o que vem a ser escola nova?” (OLIVEIRA, 1938g, p. 5). Para respondê-la, o velho professor aposentado passou em revista um conjunto de conceitos difundidos pelos reformadores e chegou à seguinte resposta: “a nova escola deve ser ‘ativa’ e, dentro dela, se realiza a ‘educação funcional’” (OLIVEIRA, 1938k, p. 5). A partir de então, a escola ativa foi um dos temas mais explorados nas crônicas semanais, enfatizando que ela tinha como base o conceito de interesse do aluno, que, por iniciativa própria, deveria exercer o complexo das atividades educativas: “O interesse! Eis a força maravilhosa, que é o mágico elixir dos novos doutrinadores!” (OLIVEIRA, 1938k, p. 5).

Os detalhes sobre esse tema se desdobram, pouco a pouco nas crônicas, num hábil jogo de palavras: no interior dessa escola ativa

não há alunos que estudam, mas crianças que vivem; não há lições, mas problemas de vida que se resolvem; não tem horários que a constrinjam, nem programas, mas projetos a solucionar; não tem salas de aulas com carteiras, mas ambientes de geografia, de matemática, etc.; [enfim], segundo os doutrinadores extremados, a escola ativa legítima pode até dispensar o professor. (OLIVEIRA, 1938k, p. 5).

Afirmando não saber onde estaria ou mesmo se existiria essa “escola de maravilha”, Ataliba argumentou que a Rússia a acolheu em 1918, mas a abandonou dez anos depois, em 1928, para reinstalar a escola tradicional. E continuou a enumerar: “dizem, ainda, que se realiza a educação funcional em escolas experimentais da França, Inglaterra e Estados Unidos. Mas, oficialmente, não consta tê-la adotado nenhum país do mundo” (OLIVEIRA, 1938l, p. 4). Retornando ao tom cáustico, concluiu sua interpretação sobre o tema dizendo que “a escola alicerçada no interesse puro é possível que, entretanto, exista, longe daqui, em estranhas terras e outros mundos. No de Marte, por exemplo, onde a civilização leva grande vantagem sobre a nossa...” (OLIVEIRA, 1938l, p. 4).

Não é difícil constatar as objeções por trás da linguagem irônica. Como evidência das suas afirmações, revisou a ideia de uma educação funcional, realizada no regime da escola ativa, frente à supressão do programa escolar. Na verdade, argumentou Ataliba de Oliveira (1938m), na autêntica concepção de “maiorais escolanovistas”, a escola ativa tem um programa improvisado no ato das atividades escolares, de modo que os assuntos são gerados pelos próprios alunos. Essa germinação “natural” dos assuntos colocava diversos conteúdos sob um trabalho de conjunto: o ensino globalizado, por excelência, estabelecendo uma nova maneira de distribuir as matérias em concordância com as necessidades psicológicas da criança. “A isto, apelidam os doutrinadores de ‘programa construído no sentido psicológico’” (OLIVEIRA, 1938m, p. 5). Adotado por “esta escola ativa, escola de atividades, escola de ação, melhor dito, de trabalho”, esse programa, assentado no ensino globalizado, como princípio dominador do método de projetos, do método de problemas e do centro de interesse, unia as matérias em bloco homogêneo - assegurou Ataliba de Oliveira (1938m, p. 5).

Segundo seu entendimento, implantar os princípios da escola ativa na escola primária paulista implicaria destruir o sentido formalístico construído desde o fim do século XIX - pois, querendo ser ativa, “seria mais um clube do que uma escola. Desapareceriam o ensino isolado e sistemático de cada matéria, para surgir em seu lugar, o ensino globalizado” (OLIVEIRA, 1938n, p. 4). Essas mudanças da escola e do ensino também reajustariam o papel do professor que, não sendo quase anulado, se reduziria “à situação subalterna de ‘bengala branca de cego’” (OLIVEIRA, 1938n, p. 4).

Essas interpretações conduziram Ataliba de Oliveira a subordinar a efetivação da escola ativa no aparelho escolar paulista a três condições: I) “um horário largo e maleável, amplamente folgado e flexível, capaz de comportar todas as variadas e múltiplas atividades” (OLIVEIRA, 1938o, p. 4); II) número reduzido de alunos por classe a fim de atender o ritmo de cada aluno, pois “A aprendizagem na escola ativa tem de se fazer assim, individualmente e não coletivamente” (OLIVEIRA, 1938o, p. 4); III) preparação cultural e técnica do professor que, devendo abandonar sua prática de ensino de elaboração de modelos/planos de lições, é “forçado a intervir na atividade escolar de improviso abordando assuntos surgidos à tona da discussão. É impossível, portanto, a preparação prévia das lições” (OLIVEIRA, 1938p, p. 4).

Frente a essas condições, e considerando a realidade escolar paulista, Ataliba de Oliveira (1938n) argumentou que a escola ativa não podia ser posta em prática porque não seria possível manter salas de aulas com matrículas reduzidas para 15 a 20 alunos e, com número superior de alunos, não seria possível adotar o modo de ensino individual; não havia professores especialistas preparados enciclopedicamente para reger tais salas. Para objetivar sua argumentação, recorreu à linguagem fria dos números, a fim de ressaltar que, com um horário de trabalho escolar reduzido a três horas, com 59% da sua população infantil em idade escolar fora da escola, com um quantitativo baixo de formação de professores e preparação cultural inadequada ao enciclopedismo requerido, “a escola do interesse espontâneo, vulgarmente chamada escola ativa ou de trabalho” não pôde ser integrada ao aparelho escolar paulista nessas condições (OLIVEIRA, 1939b, p. 5).

Isso o levou a afirmar que a escola ativa foi uma “escola até nós conduzida através de compêndios de literatura pedagógica de doutrinários do escolanovismo universal” (OLIVEIRA, 1939d, p. 5). Essa interpretação fez com que ele enxergasse a escola ativa que desembarcou em São Paulo como uma “escola de compêndios, apenas entrevista na vaga atmosfera das teorias”, por não possuir resultados de realismo pedagógico acumulados no terreno da prática (OLIVEIRA, 1939f, p. 5). A fim de sustentar esse argumento, buscou mostrar que a incompatibilidade da acomodação da escola ativa à realidade paulista não foi um caso isolado. Para isso, acompanhou as marchas e marcas de penetração da “escola ativa, apelidada de escola nova” em diferentes países (OLIVEIRA, 1939f, p. 5). Ao transitar da escola ativa de Cecil Reddie, na Inglaterra, em 1889, à escola ativa da Rússia comunista de 1918, chegou à seguinte conclusão: “A escola nova disseminou-se pelo mundo todo. [Porém], até o dia, mês e ano em traçamos estas linhas, nenhuma nação do globo terrestre - nem a França, europeia e erudita; nem os Estados Unidos, americanos e dinâmicos - oficializou a escola nova”16 (OLIVEIRA, 22 de abril de 1939i, p. 4). Houve, portanto, concluiu ainda, um “fracasso do escolativismo mundial” (OLIVEIRA, 1939k, p. 4), justapondo, num neologismo, escola nova e escola ativa.

Não podendo realizar a escola ativa em terra paulista, declarou Ataliba de Oliveira, os escolanovistas tentaram substituí-la “por dois tipos de escolas de todo em todo condenáveis: a do ensino rotativo e a do plano Dalton” (OLIVEIRA, 1939f, p. 5). Segundo seus relatos, o ensino rotativo já havia sido experimentado num grupo escolar de São Paulo. Dizia que “em 1919 talvez, no grupo ‘Rodrigues Alves’, desta capital, dirigido então pelo professor Antonio Alencastro de Azevedo, foi experimentado o sistema de ensino rotativo” (OLIVEIRA, 1937a, p. 3). Esse experimento alterou completamente o dinamismo desse grupo escolar, pois a principal característica do ensino rotativo era designar cada matéria para um professor, isto é, transformando “o professor de classe” em “professor especializado de matéria” (OLIVEIRA, 1937a, p. 3). O experimento não durou muito, e “a experiência redundou em completo fracasso. ‘Anarquizou o grupo’” (OLIVEIRA, 1937a, p. 3).

Passados alguns anos, operando o controle do oficialismo escolar, “sob o exótico nome de Platoon System, o escolanovismo patrocinou a adoção do velho e caduco ensino rotativo, experimentado e condenado pela experiência verificada há um vintênio em São Paulo” (OLIVEIRA, 1938g, p. 6). Para fundamentar seu discurso contrário ao ensino rotativo, dizia estar acompanhado: “não sou eu, apenas, que o digo. Não é só o professor da velha escola paulista, alcunhada de arcaica, quem o afirma. É Claparède, abalizado propugnador da educação renovada, quem o assevera com toda a força de sua autoridade” (OLIVEIRA, 1937d, p. 3).

As críticas pareciam não ter fim. Ao continuar expressando suas objeções, Ataliba de Oliveira colocou em contraste as principais bases que orientavam a escola ativa e a escola do plano Dalton. Depois de anunciar as diferenças didáticas e pedagógicas que amarravam os escolanovistas em contradições e inconsistências, em tom irônico, ele questionou: “Repararam os leitores? Não lhes parece insólito que os doutrinadores da escola ativa ou de trabalho sejam os próprios da escola Dalton?”. Em seguida, respondeu: “ora, a escola tipo Dalton é condenada por autoridades de alto prestigio, algumas da própria escola nova” (OLIVEIRA, 1939e, p. 5). Para legitimar suas interpretações, recorreu aos escritos de Lourenço Filho, Onofredo Penteado e Claparède. Essas iniciativas constituiam um mosaico pedagógico que projetava no aparelho escolar paulista uma imagem fluida e movediça desses conceitos, afirmava Ataliba de Oliveira, dificultando, portanto, fixar as bases do escolanovismo. Para finalizar, o articulista reafirmou que as tentativas de incorporação dessa tipologia escolar foram herdadas do turismo pedagógico realizado pelos escolanovistas paulistas.

Segundo o cronista, percorrendo capitais do velho e do novo mundo, esses pioneiros visitaram a França, a Bélgica, a Espanha, a Suíça, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, Cuba e a Rússia dos soviéticos. Em cada um desses países, alegou ele, os reformadores encontraram uma referência. Na Bélgica, buscaram aprender, com Decroly, o método dos centros de interesse; na França, com Binet e Simon, tentaram entender as orientações métricas da medida da inteligência; na Suíça, seguiram Ferrière e Claparède; na Espanha, Luzuriaga e Aguayo; na Itália, Montessori; nos Estados Unidos, com Dewey, tentaram aprender o pensamento reflexivo, também chamado de método de problemas; ainda no Norte da América, sondaram outro modo de ensinar, com Kilpatrick, a partir da atividade propositiva, “apelidado de método de projetos”; antes, tinham descoberto o da organização dos hábitos de conduta, de William James (OLIVEIRA, 1939f, p. 5). Nessa peregrinação, relatou o informante, “os reformadores deram a volta ao mundo em redor do próprio quarto, devorando, com fome pantagruélica, apetitosos in-fólios das bibliotecas e rumas de revistas pedagógicas, desentranhadas dos fundos e bojudos porões dos transatlânticos” (OLIVEIRA, 1939f, p. 5).

Por transitarem pelo mundo pedagógico sem percorrerem muita distância, os pioneiros da escola nova foram, por Ataliba de Oliveira, nomeados de “‘globe-trotters’ de nova espécie” (OLIVEIRA, 1939f, p. 5). Nesse turismo pedagógico internalocal - o conceito é nosso, mas a narração é do informante -, os escolanovistas paulistas desenvolveram uma estratégia de convencimento: “para abrir-lhes o caminho fácil, largo e batido, bastava-lhes a marca ‘made in U. S. A.’” (OLIVEIRA, 1939j, p. 4). Apesar disso, os pioneiros da escola nova “tateavam, em confusão, no largo terreno da prática. Sabiam doutrinar, mas não souberam realizar” (OLIVEIRA, 1938b, p. 4), concluiu o crítico. Nessa interpretação, o escolanovismo paulista foi, em grande medida, uma campanha para difundir ideias, não para criá-las.

Reiterando o foco de suas críticas, Ataliba afirma que os reformadores não quiseram aprender com Caetano de Campos a máxima de “adaptar e não adotar”, o que exigia conhecer e avaliar as necessidades do meio. Tal desconhecimento constituiria, em sua opinião, “o motivo principal do fracasso da obra reformadora dos pioneiros da escola nova” (OLIVEIRA, 1939g, p. 5). A esses pregoeiros, continuou, faltou a “arte da adaptação”, “à reforma da escola nova faltou um Caetano de Campos que lhe traçasse, com magistral segurança, os objetivos; e uma miss Browne, que ensinasse, em campo, a aplicação dos métodos capazes de atingi-los. Foi reforma falida - por falta de condutores” (OLIVEIRA, (1938f, p. 5). Os pioneiros do escolanovismo fracassaram porque toda a sua proposta de inovação escolar não passou de “simples erudição teórica, facilmente haurida na fonte inesgotável dos compêndios” (OLIVEIRA, 1939c, p. 5). Por assim atuarem, interpretou Ataliba de Oliveira, os escolanovistas paulistas não passaram de “pregadores doutrinários”, divulgadores de “catilinárias proferidas das tribunas de conferências”, cujo trabalho consistiu em “ler obras de literatura pedagógica e de interpretá-las perante auditórios curiosos e submissos” (OLIVEIRA, 1939c, p. 5).

Quase oito anos se passaram, de outubro de 1930 a abril de 1938, até que, nessa data, em São Paulo, a chegada ao poder de Adhemar Pereira de Barros (como interventor federal no estado), de Mariano de Oliveira Wendel (como secretário da Educação e Saúde), de Antônio D’Ávila (como diretor do Serviço de Orientação Pedagógica do Departamento de Educação) e de João Alves Cruz (como diretor do Departamento de Educação) foi lida, entendida e celebrada por Ataliba de Oliveira como o fim do esconalovismo paulista e o retorno à tradição. Por meio de três decretos17, essa composição governamental de São Paulo estabeleceu a substituição da Diretoria do Ensino pelo Departamento de Educação; a criação de uma Escola Normal Modelo na Capital; e a extinção do Instituto de Educação da praça da República e outras providências. Para Ataliba de Oliveira (1938a, p. 5), “esses decretos representaram, pois, autêntica vitória da Escola Paulista e o triunfo da Tradição. Parabéns ao governo! Parabéns ao professorado normalista! Parabéns, ainda, ao ‘Correio Paulistano’”. Talvez, para não perder a independência no julgamento dos fatos - que dizia conservar -, ele não se autoparabenizou. Porém, as linhas acima permitem imaginar o quanto ele celebrou essa vitória, esse triunfo.

CONCLUSÕES

Depois de oito anos de dominação inoperante; oito anos de labor improfícuo, em que quase tudo foi confusão e trapalhada; não se sucedeu, como era de esperar, a proclamada escola nova (OLIVEIRA, 1938h, p. 5).

Hoje, a escola nova, não como doutrina ou concepção teórica - mas como prática escolar ou arte pedagógica, a realizar-se entre as quatro paredes de uma escola pública - constitui enorme peso que achata e esmaga a vaidade e o orgulho dos escolanovistas. É ave arisca que rodeia a gaiola, mas não cai, como presa ingênua, na armadilha do alçapão. É sonho arredio, esgarçado e informe como nuvem, que não há meio de transformar-se em realidade. (OLIVEIRA, 1939m, p. 5).

Ao contrário do que possa parecer, Ataliba de Oliveira também soube reconhecer que o trabalho dos escolanovistas deixou como principal legado ao professorado paulista o acesso a variadas obras estrangeiras e nacionais sobre assuntos educacionais, que faziam parte da coleção da “Biblioteca de Educação” organizada em 1926 por Lourenço Filho. No exercício do cargo, enquanto diretor, inspetor ou delegado escolar, aconselhou professores a “enveredar por trilhas apontadas pelos pregadores de novas doutrinas” (OLIVEIRA, 1938e, p. 5), empregando alguns novos procedimentos pedagógicos. Sobre essa tentativa, assegurou ele, “podem dar testemunho os professores de mais de trinta municípios do Estado confiados à nossa orientação” (OLIVEIRA, 1938e, p. 5). No entanto, o entusiasmo durou pouco, e prevaleceu o entendimento de que a realidade das escolas paulistas não possibilitava a efetiva aplicação daquelas orientações.

Conhecendo por dentro e de perto os complexos problemas do aparelho escolar paulista, Ataliba de Oliveira apontou suas falhas analisando-as do lado de fora. Ou seja, quando aposentado, o seu quarto se tornou o seu novo canteiro de trabalho - como ele mesmo relatou em suas memórias.

À época, as interpretações de Ataliba de Oliveira sobre a reforma escolanovista parecem não ter sido rebatidas, e não foi possível, até o momento, identificar nenhum texto nesse sentido. Por outro lado, sabe-se que as suas críticas romperam os limites territoriais paulistas. Afinal, a palavra impressa não respeita fronteiras. Ele recebeu, nos idos de abril de 1939, uma carta de Isaías Alves, então secretário de Educação da Bahia, solicitando seus escritos: “pediria ao ilustre amigo a fineza de me fazer chegar às mãos a coleção completa dos que se acham publicados, até o momento”. Reconhecendo o prestígio e seriedade do trabalho do professor paulista, Isaías Alves finalizou a carta requerendo um parecer técnico: “Aproveito o ensejo para enviar-lhe o recorte junto, sobre as primeiras bases da reorganização do nosso ensino normal, pedindo para esse modesto trabalho a sua tolerante apreciação. Sempre ao seu inteiro dispor, aqui fica o colega e amigo admirador - Isaías Alves” (CORREIO PAULISTANO, 1939, p. 3).

Profissional de reconhecida credibilidade, Ataliba de Oliveira se fez, portanto, uma voz autorizada em assuntos educacionais por meio de suas crônicas. A própria escrita das críticas demonstra cuidado na exposição racional e bem sistematizada dos seus argumentos em uma linguagem polida, embora contundente. Ao interpretar as ações dos pioneiros escolanovistas, no comando do oficialismo escolar em São Paulo, Ataliba de Oliveira considerou que a atuação deles através de livros, revistas pedagógicas e conferências se caracterizou por uma “insólita campanha de desmoralização assentada em ameaças e adjetivações” (OLIVEIRA, 1938g, p. 6). Esse foi, para o professor aposentado, outro erro capital dos reformadores, pois, querendo doutrinar e recrutar adeptos, optaram por insultar e ofender, em vez de convencer.

Seus argumentos jogam luzes sobre outros dois aspectos. O primeiro informa sobre a bem-sucedida criação, pelos primeiros reformadores republicanos, de uma imagem sólida da pedagogia paulista. Ela parece não derivar, exclusivamente, da formação na Escola Normal (que o articulista pouco detalha), mas da criação de um aparato normativo e profissional, que estabelecia padrões de procedimentos didáticos, programáticos e avaliativos e, por meio de diferentes processos, engajou os profissionais que se tornaram seus defensores no processo de construção de uma simbologia revestida de práticas docentes. Essa dinâmica de atuação contribuiu para “apaulistar a didática” das matérias a ensinar em escolas primárias. O segundo aspecto informa sobre a curta, porém decisiva, hegemonia dos renovadores no aparato administrativo. Foi depois da aposentadoria (ou de estar fora do alcance de represálias) que Ataliba de Oliveira deu livre curso a uma até então insuspeitada verve crítica e literária. Sua longa carreira de articulista testemunha que as condições políticas e administrativas haviam mudado.

Tomados em conjunto, lidos como um todo, os textos de Ataliba de Oliveira construíram a interpretação de que “o fracasso da reforma escolanovista” (OLIVEIRA, 1939h, p. 5) ocorreu porque os seus apologistas não souberam ler o exemplo do passado. Por um lado, muitos deles, assegurou o intérprete, transitaram pelo mundo pedagógico para conhecer a literatura estrangeira, mas sem percorrer muita distância, dando “a volta ao mundo em redor do próprio quarto” (OLIVEIRA, 1939f, p. 5) através de livros e revistas. Por outro lado, também não consideraram os dados e as situações da realidade escolar paulista, as condições enfrentadas por professores e alunos na tarefa educacional. Por assim atuarem, entendeu Ataliba de Oliveira, após oito anos de doutrinação da e por uma escola nova, visando transformar a cultura escolar paulista, houve o triunfo da tradição, segundo a máxima de que, assim como as crenças antigas, as tradições escolares não se dizimam facilmente.

As críticas de Ataliba de Oliveira sugerem avançar um pouco mais na reflexão sobre o tema até aqui acompanhado. Apesar de ter alcançado o status oficial no sistema público do ensino paulista, a escola nova não se enraizou em termos de generalização das práticas nem de coordenação e organização homogêneas. Isso pode ser percebido a partir de dois aspectos: o administrativo e o normativo. Embora seus principais apologistas ocupassem as mais altas posições na hierarquia normativa da instrução, a rotatividade impunha dificuldades à continuidade das orientações. Entre 1851 e 1930 - quase oitenta anos -, a chefia do ensino público paulista esteve tutelada por 13 nomes;18 enquanto que, de outubro de 1930 a abril de 1938 - menos de oito anos -, passaram por esse cargo nada menos que dez nomes, entre eles Ataliba Antonio de Oliveira.19 Colocando isso em termos técnicos, tem-se que, durante os oito primeiros anos da década de 1930, a escola primária paulista se equilibrou entre os impulsos ideológicos renovadores e os conservadores. Como sabia o cronista (OLIVEIRA, 1941d, p. 5), “é incontestável e decisiva a influência da alta chefia departamental na adoção ou recusa de novas formas de atuação pedagógica, nos arraiais do ensino primário de São Paulo”, pois “todo movimento em torno de nova forma de atividade escolar opera-se sob os auspícios da alta direção do ensino” (OLIVEIRA, 1941d, p. 5).

Os voláteis fluxos na chefia administrativa da direção do ensino paulista do período provocaram turbulências normativas e de orientação didático-pedagógica. A escolarização primária convivia com, pelo menos, três programas distintos. Em nome da autonomia didática - obedecendo à determinação de Lourenço Filho de 1930/1931 e, posteriormente, seguindo a orientação oficial do Código de Educação de 1933 -, parte dos professores elaboravam, organizavam e seguiam seus próprios programas de ensino. Outros adotavam as orientações do programa mínimo de 1934, chancelado por Francisco Azzi, então diretor do ensino. Outros ainda instruíam as crianças paulistas pelo programa de 1925, mesmo este tendo sido classificado como programa “armado sob a capa da tradição” (AZEVEDO, 1926, p. 15); “camuflagem ao retrocesso” (ESCOBAR, 1926, p. 75); “refluxo ao passado” (MENNUCCI, 1926, p. 110); “rumo ao passado” (LOURENÇO FILHO, 1926, p. 131). As melhores fontes de informações sobre o cenário pedagógico paulista, em tempos do escolanovismo, não são as críticas de Ataliba de Oliveira, mas os relatórios de inspetores, diretores e delegados do ensino da época (Cf. ANUÁRIO DO ENSINO, 1935-1936; 1936-1937)

Os anúncios de Ataliba de Oliveira sobre o soterramento da escola nova também não se concretizaram. Na dinâmica própria da mudança, nova rede de sentidos foi constituída por meio da combinação do vocabulário pedagógico renovador e da resiliência de práticas e programas presentes nas escolas, pois as palavras de ordem são insuficientes tanto para preservar o passado como para modificar o presente. A combinação entre velhos e novos objetivos educacionais, entre a renovação e a persistência das práticas, atuaram contra a pretendida ruptura pedagógica nos anos de 1930, mas em favor do reordenamento de concepções (VALDEMARIN, 2010). Embora os propositores da escola nova, simultanemanete, tenham monopolizado os sentidos do novo e do moderno e tenham designado seus opositores como tradicionais (CARVALHO, 2002), as crônicas e o estilo de Ataliba de Oliveira dificultaram, diariamente, essa intenção.

Em seus textos, vale dizer, aparece um problema que assombrava (assombra?) a educação brasileira, independente da filiação doutrinária. Ao interpretar o contexto pedagógico paulista, Ataliba de Oliveira assegurou que a ação reformadora dos escolanovistas resultou em “duas faltas inomináveis: desacreditou a escola tradicional e desviou a atenção dos governos e das forças vivas do País do máximo problema nacional, que é ‘a alfabetização do povo brasileiro’” (OLIVEIRA, 1939h, p. 5), problema que sucessivas gerações de professores e dirigentes tiveram que enfrentar.

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Fontes do Correio Paulistano 20

  • 1
    Este artigo traz resultados parciais de dois projetos de pesquisa. Um deles de pós-doutorado - “A Aritmética do curso primário para alfabetizar: Análise histórica das dinâmicas de produção de um saber escolar (1870-1930)” -, desenvolvido sob a supervisão da professora doutora Vera Teresa Valdemarin, com o auxílio financeiro da FAPESP (Processo: 2017/20738-5); e o segundo: “Concepções e métodos para ensinar: circulação de ideias pedagógicas Brasil-Estados Unidos”, financiado pelo CNPq na modalidade Produtividade em Pesquisa (Processo 311711/2019-7).
  • 2
    Divergências entre católicos e adeptos da Escola Nova foram focalizadas em diferentes análises. Ver, principalmente: Russef (2013); Cunha e Costa (2002).
  • 3
    No levantamento realizado nos bancos de dados de teses e dissertações da CAPES, da BDTD e da FAPESP, foi localizado apenas um trabalho científico, a saber: dissertação de mestrado de Andréia Cristina Borges Rela Zattoni (2016), que abordou ações de Ataliba de Oliveira enquanto diretor do Grupo Escolar em Itatiba.
  • 4
    Toda essa documentação da pesquisa está acessível em: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Apesar de focar a maior parte dos seus escritos publicados entre 1936 e 1939, quando necessário, este artigo avançou a análise para alguns poucos escritos de Ataliba de Oliveira publicados entre 1940 e 1941.
  • 5
    O historiador norte-americano Robert Darnton (1986) ensina que uma pesquisa histórica conduzida a partir de uma postura etnográfica requer do pesquisador uma viagem ao mundo dos mortos para ouvir o informante, o que exige se descolar do trabalho de campo para a peregrinação/navegação nos arquivos físicos e/ou digitais. Em essência, conhecer um passado distante é em si uma viagem ao mundo dos mortos. Em substituição ao vis-à-vis com o informante nativo, o historiador francês Roger Chartier (2010) também ensina a “escutar os mortos com os olhos”, e Michel de Certeau (1982) define as possibilidades dessa escuta na relação com o leitor e com a pesquisa historiográfica.
  • 6
    O jornal Correio Paulistano começou a circular em 1854 defendendo as ideias liberais e abolicionistas; aglutinou-se depois às ideias e aos membros do Partido Republicano, na luta contra as intervenções federais e no apoio das oligarquias. Foi fechado entre 1930 e 1934 por ordem de Getúlio Vargas. Ver CPDOC, verbete temático e Thalassa, 2007.
  • 7
    Na fase da vida livre como um homem-branco da época, ele passou a sustentar sua família com o salário de lavrador de madeiras que se tornou. Depois, passou a construir obras e, em seguida, a conduzir homens de obras, tornando-se mestre de ofício. Esse negro-livre chefe de obras ficou conhecido como “Mestre Lourenço” e “Capitão Lourenço”. Nas crônicas memorialísticas, o autor discute questões ligadas à miscigenação brasileira e à dívida do Brasil para com os negros (ver crônica de 26/10/1940).
  • 8
    Ele pertenceu à turma de normalistas diplomados em 1904 pela Escola Normal da praça da República. Além do próprio Ataliba Antonio de Oliveira, foram diplomados e colocados no aparelho escolar de São Paulo professores da estatura de Antônio Firmino de Proença, Aprígio de Almeida Gonzaga, Armando Araújo, Benedicto de Paula França, Eugênio Teani, Frederico Bayerlein, Geraldo Alves Corrêa, Hélio Penteado de Castro, João Baptista de Toledo Leme, Joaquim de Castro Mendonça Furtado, Júlio do Amaral Carvalho, Mário de Oliveira Campos, Saturnino Barbosa Junior, Sebastião Paulo de Toledo Pontes e Zenon Cleanthes de Moura. Entre 1901 e 1904, essa turma de normalistas teve por professores figuras do magistério paulista, tais como: José Feliciano de Oliveira (mecânica e astronomia); Godofredo Furtado (geometria e trigonometria); Azevedo Soares (aritmética e álgebra); Manuel Cyridião Buarque (linguagem); Remigio Cerqueira Leite (francês); José Estácio Correa de Sá e Benevides (história universal e do Brasil); José Machado de Oliveira (latim); Canuto do Val (história natural); Sá Campello (inglês); Luís Galvão (geografia); Antonio Carlos (música); Manuel Baragiola (ginástica); Bruno Zwarg (trabalhos manuais); Thomaz Ribeiro de Lima (desenho); Macedo Soares (física e química).
  • 9
    Segundo Ataliba de Oliveira (1941e, p. 5), Cymbelino de Freitas foi responsável pela “organização [das indicações que norteiam o ensino de cada matérias] do programa de ensino para as escolas primárias agrupadas, reunidas e isoladas do Estado, aprovado e mandado observar pelo dr. José Manuel Lobo, então Secretário de Estado dos Negócios do Interior, por ato de 19 de fevereiro de 1925”. Entre 1930 e 1931, Cymbelino de Freitas foi um dos fundadores e primeiro diretor do Centro do Professorado Paulista - instituição que existe até hoje: https://www.cpp.org.br/institucional/presidentes. O professor Cymbelino de Freitas ainda fez parte da comissão responsável por elaborar o chamado “programa mínimo de 1934”.
  • 10
    Criado em 13 de maio de 1896, porém sendo instalado em 1° de julho daquele ano, o grupo escolar “Coronel Júlio Cezar” teve sua organização didática e pedagógica confiada ao então professor da “Escola Modelo do Carmo” Ramon Roca Dordal. Esse grupo escolar de Itatiba teve como diretores expoentes do magistério paulista da estatura de: Ramon Roca Dordal, Salustiano Leite de Oliveira, Luiz Ribeiro de Carvalho, Izaltino de Mello, Horário de Faria e, a partir de 1913, Ataliba Antonio de Oliveira.
  • 11
    Enquanto diretor do grupo escolar de Itatiba, Ataliba de Oliveira exerceu outro cargo público. Em 1914, ele substituiu o professor Francisco da Costa Martins no cargo de auxiliar do diretor da Escola Normal Primária de Pirassununga (Cf. ANUÁRIO DO ENSINO, 1914).
  • 12
    Cada região tinha sua delegacia do ensino com sede em: São Paulo (uma na Região Norte e outra na Região Sul), Araraquara, Bauru, Botucatu, Campinas, Casa Branca, Guaratinguetá, Itapetininga, Jaboticabal, Lins, Piracicaba, Pirassununga, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Rio Claro, Rio Preto, Santa Cruz do Rio Pardo, Santos, São Carlos, Sorocaba e Taubaté (Cf. ANUÁRIO DO ENSINO, 1935-1936).
  • 13
    Criado em março de 1961 e divulgado à época pelo Canal 2, esse programa era coordenado pelos professores Marília Antunes Alves e Osvaldo Sangiorgi (Cf. FRANCFORT, 2019).
  • 14
    Expressão utilizada para se referir aos reformadores de 1890 e seus coevos professores, que deram continuidade à obra: Caetano de Campos, Rangel Pestana, Bernardino de Campos, Prudente de Moraes, Gabriel Prestes, Arnaldo Barreto, Oscar Thompson, João Augusto Toledo, Amadeu Mendes, José Ferraz de Campos e outros “que pertenceram à nata do magistério bandeirantes” (OLIVEIRA, 1936b, p. 4).
  • 15
    Na realidade, as escolas nunca ficaram sem programas. Os professores primários paulistas, quando não elaboraram seus próprios programas, encontraram outras saídas. O relato do professor Fernando Rios, então delegado regional do ensino de Itapetininga, testemunha essa realidade do sistema escolar paulista. Disse ele: “Aqui em São Paulo, em 1931, em obediência a determinação do professor Lourenço Filho, então Diretor do Ensino, teve cada professor de organizar o seu programa. Isso em 1931. No ano seguinte, voltou-se de novo ao programa de 1925. Hoje, segue-se aqui na região, o programa mínimo de 1934, que não obstante sua organização nos moldes tradicionais, com descriminação de matérias, honra aos que o organizaram” (RIOS, 1936, p. 19). No aparelho escolar paulista, a autonomia didática atravessou várias reformas do ensino, constituindo-se em princípio didático-pedagógico da profissão docente. Tudo começou com a Reforma Sampaio Doria, em 1920 - no seu artigo 13; em seguida, esteve presente nas proposições reformistas de Lourenço Filho, em 1930 - destacando-se o seu artigo “Em torno da Autonomia Didática” publicado na revista Escola Nova, v. 1, n. 2 e 3, novembro de 1930; e se reafirmou no Código de Educação de 1933 - extenso documento com aproximadamente mil artigos -, que trazia na Parte III, Capítulo IV, Artigo 239, a seguinte norma: “Assegura-se ao professor autonomia didática, dentro das normas técnicas gerais indicadas pela pedagogia contemporânea” (SÃO PAULO, 1933, n.p.). A título de registro, menciona-se que “a questão da autonomia didática” foi o principal tema amplamente discutido no “Primeiro Congresso Brasileiro de Ensino Regional”, realizado em Salvador, Bahia, em 15 de novembro de 1934. Num dos relatórios desse evento, lê-se que “nenhum assunto agitou tanto o Congresso como esse. O professor Sud Mennucci veio à tribuna quatro ou cinco vezes para demonstrar que ninguém estava pleiteando a ‘licença’ didática, isto é, o direito de fazer o professor o que quisesse, mas simplesmente a ‘autonomia didática’, isto é, o direito de cumprir o programa de acordo com processologia individual do mestre e não com a oficial que lhe impusesse o governo” (MENNUCCI, 1934, p. 32).
  • 16
    Vale ressaltar que outra crônica afirma que a escola ativa foi oficialmente adotada na Rússia entre 1918 e 1928 e que nos Estados Unidos apenas 5% das escolas públicas experimentavam os princípios da escola nova (Cf. OLIVEIRA, 1941c).
  • 17
    Foram eles: Decreto n. 9.255, de 22 de junho de 1938; Decreto n. 9.256, de 22 de junho de 1938; Decreto n. 9.268-A, de 25 de junho de 1938. Esses decretos podem ser acessados via Biblioteca Digital da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
  • 18
    José Ignácio Silveira da Mota (de 1851 a 1852); Diogo de Mendonça Pinho (de 1852 a 1872); Francisco Aurélio de Souza Carvalho (de 1873 a 1884); Arthur Cesar Guimarães (de 1885 a 1896); Mário Bulcão (de 1897 a 1907); João Lourenço Rodrigues (de 1907 a 1909); Oscar Thompson (de 1909 a 1912); João Chrisóstomo Bueno dos Reis Junior (de 1912 a 1916); Oscar Thompson (de 1916 a 1920); Antônio de Sampaio Doria (1920 a 1921); Guilherme Jorge Kuhlmann (de 1921 a 1924); Pedro Voss (1924 a 1927); Amadeu Mendes (de 1927 a 1930).
  • 19
    Amadeu Mendes (de 23 de julho de 1927 a 26 de outubro de 1930); Manoel Bergstrom Lourenço Filho (de 27 de outubro de 1930 a 23 de novembro de 1931); Sud Mennucci (de 24 de novembro de 1931 a 26 de maio de 1932); João Augusto Toledo (de 27 de maio de 1932 a 3 de outubro de 1932); Fernando de Azevedo (de 28 de dezembro de 1932 a 27 de julho de 1933); Sud Mennucci (de 5 de agosto de 1933 a 24 de agosto de 1933); Francisco Azzi (de 24 de agosto de 1933 a 14 de agosto de 1934); Ataliba Antonio de Oliveira (de 15 de agosto a 16 de setembro de 1934); Luiz Motta Mercier (de 17 de setembro de 1934 a 26 de setembro de 1935); Antônio Ferreira de Almeida Junior (de 26 de setembro de 1935 a 25 de abril de 1938).

NOTA AO LEITOR

  • 40
    Ao longo deste artigo, os escritos de Ataliba de Oliveira foram referenciados de acordo com a data de publicação de cada um, de modo que o leitor possa acompanhar a evolução e conexão das intepretações do autor.
  • 20
    As edições do Correio Paulistano citadas e utilizadas neste artigo estão disponíveis no banco de dados da Hemeroteca Digital do Brasil, acessível em: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    13 Jul 2022
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