INTRODUÇÃO
Esta resenha tem como base a análise do artigo Avaliação formativa nos grupos tutoriais: uma análise com base na idoneidade didática emocional, além do diálogo estabelecido com os seus autores. Esse diálogo foi promovido pelo periódico Educação em Revista, que vem adotando os princípios do movimento Ciência Aberta. Nesse caso, completando os pareceres produzidos sobre os artigos encaminhados para possível publicação, o periódico promove um encontro entre autores e pareceristas, numa perspectiva colaborativa e transparente de construção do conhecimento científico.
O artigo mencionado refere-se a uma pesquisa que teve como objetivo avaliar como ocorre a avaliação formativa em grupos tutoriais, conduzidos em um curso de medicina, com a aplicação do método de ensino denominado Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Busca-se compreender como essa avaliação afeta aspectos ligados à dimensão afetiva dos estudantes. Os resultados encontrados evidenciam a necessidade de se avançar no entendimento teórico-prático dessa modalidade de avaliação e do método de ensino em pauta.
Neste texto tem-se como objetivo contribuir para a ampliação daquele entendimento, tendo-se como base reflexões feitas no decorrer do processo de apreciação do artigo, em sua primeira versão. Essas se referem à importância e necessidade de se rever e esclarecer a caracterização histórico-conceitual e ideológico-contextual da avaliação formativa e da ABP, implicando relação estreita entre elas; e referem-se aos cuidados com as interpretações de dados empíricos relativos ao significado dessa avaliação e às suas vantagens e limitações. De fato, a importância e a necessidade, e os cuidados mencionados mostram-se evidentes, sobretudo na condução de pesquisas sobre esse tipo de avaliação em que se discute a relação entre ele e a avaliação somativa; se situa o processo de ensino e aprendizagem no contexto atual da contemporaneidade; e se busca contribuir para o avanço do conhecimento científico na área.
Vale lembrar a importância e a validade científico-política do estudo da avaliação formativa no artigo em pauta, legitimadas, entre outros fatores, pela presença expressiva de questões da avaliação nas políticas públicas no campo da educação. Estas salientam a função reguladora dos processos avaliativos em detrimento da função formativa, tal como discutido por Gomes & Melo (2018) e Pires (2024). Constata-se ainda que tais políticas são caracterizadas por um processo global de padronização, comprometido com a formação de subjetividades consentâneas com o estágio atual do capitalismo e a ideologia do neoliberalismo, sob a orientação de organismos internacionais. Isso, indo de encontro ao trabalho nas escolas em que se resiste a uma educação mercadológica, na defesa por uma formação omnilateral dos sujeitos escolares, como cidadãos críticos, propositivos e criativos. Formação essa dirigida à defesa de um projeto de educação e de sociedade comprometido com o desenvolvimento humano e a transformação social, tendo-se em vista uma formação social democrática, justa e ética. No entanto, sabendo-se que essa transformação é limitada, ainda que possível, pelas contradições societárias em que as bases materiais da sociedade a levam em direção contrária à mencionada2.
Nesse contexto, salienta-se a importância de práticas escolares de avaliação formativa e de ABP, consideradas “recursos” didático-pedagógicos que favorecem a materialização de processos de ensino e aprendizagem colaborativos e cooperativos, mediados pela interação docente/discente, sendo esses recursos alguns dos mediadores, eles mesmos, na direção daquele projeto.
Nas reflexões feitas no presente texto serão levados em conta aspectos histórico-conceitual e ideológico-contextual, porquanto busca-se ultrapassar uma visão meramente instrumental desses recursos. Assim, não se esquecendo de que o conhecimento científico-tecnológico tem entre suas características gerais as condições de social, histórico, objetivo, mas não neutro, como discutem Lefebvre (1979) e Saviani (1983).
Importa lembrar ainda o fato de que, dada a natureza do tema tratado, as reflexões a seguir têm como referencial o campo de conhecimento da Didática Crítica cujo marco histórico encontra-se no I Seminário A Didática em Questão, ocorrido no Rio de Janeiro, em 1982, coordenado por Candau (1984), como se discute em Oliveira (2024). Para efeito da presente discussão, têm-se por pano de fundo sobretudo uma das características desse campo, ou seja, a busca pela superação do tratamento meramente instrumental e pretensamente neutro do seu objeto de estudo, ou seja, o ensino caracterizado como trabalho humano que tem como objetivo aquela formação mencionada.
AVALIAÇÃO FORMATIVA - REVENDO SUAS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS
Em primeiro lugar, importa rever aspectos histórico-conceituais relativos ao processo de avaliação que passaram a frequentar de forma intensa e extensa os estudos e as pautas de discussão sobre a educação escolar no Brasil, particularmente no campo da didática, sobretudo, a partir da década de 1980. Nessas situações os sujeitos escolares “viam-se às voltas” com tipos de avaliação que favorecessem o processo de ensino e aprendizagem comprometido com a democratização do saber escolar.
Nesse contexto, as discussões de autores como Libâneo (1991) e Haydt (1997) deixam claro que avaliar implica interpretar dados quantitativos e qualitativos obtidos por meio de testes e medidas relativos ao processo de ensino e aprendizagem, a fim de se emitir um julgamento de valor. Este se direciona à tomada de decisão acerca das próximas atividades didáticas, no processo de ensino e aprendizagem, tendo-se em vista objetivos a serem alcançados.
Além dos aspectos mencionados: interpretação de dados obtidos sobre aquele processo, tomada de decisões e caráter qualitativo, porquanto de julgamento de valor, a avaliação tem uma outra característica essencial, própria de todo trabalho humano. Essa se refere à constatação de que ela não tem materialidade própria e, como tal, é conduzida por sujeitos sócio-históricos que podem assumir objetivos diferentes, segundo diferentes posições ideológicas.
Isso posto, há que se lembrarem dados históricos sobre a avaliação formativa. Esses são esclarecedores no sentido de se precisar o significado desse tipo de avaliação, quando comparado com a avaliação somativa, tema tratado no artigo que serviu de base para esta resenha.
Nesse sentido, registre-se que, na década de 1960, Scriven teria revolucionado as questões da avaliação, com seu texto The Methodology of Evaluation, o qual, conforme Guba & Lincoln (1981, p. 9), “deserves to be recognized as the single most importante paper on evaluation written do date”. Conforme os autores, Scriven discute a então denominada avaliação formativa distinguindo-a da denominada avaliação somativa, a despeito da complexidade dessa distinção. No entanto, fica correntemente definido que a formativa ocorre durante todo um processo educacional e não apenas no final desse processo, o que seria considerado uma avaliação somativa. Em termos metodológicos, ocorrem discussões sobre as etapas da avaliação formativa que, segundo Dick (1977), envolve uma etapa ligada ao desempenho de cada estudante, seguida de uma segunda com base no desempenho de pequenos grupos, até a avaliação global do processo, a partir das mudanças que foram ocorrendo em função das etapas anteriores, mas sempre com propósitos formativos ou de revisão do processo.
Quanto à avaliação somativa, ela se referiria ao processo avaliativo conduzido após a completação de um dado processo educacional, não tendo caráter formativo. No caso do processo de ensino e aprendizagem, pode-se afirmar que o propósito da avaliação somativa é o de verificar o desempenho de estudantes para efeito do seu prosseguimento em etapas escolares posteriores àquela em que eles se encontram. Disso decorre o fato da sua identificação como uma avaliação classificatória. No caso de um programa educacional, Gagné & Briggs (1974, p. 289) registram “These two roles of evaluation lead to decisions about program revision, in the former case, and about program adoption and continuation, in the latter” (grifos meus). Nessas condições, há que se registrar, ainda, a discussão acerca dos ‘limites temporais” entre um e outro tipo de avaliação. Conforme Briggs & Wager (1981, p. 207), não há um “standart point” em relação ao qual um termina e o outro se inicia.
Nesta resenha contempla-se a avaliação formativa relativa não a um programa educacional, mas ao processo de ensino e aprendizagem. Com base em Gomes (2014), a avaliação formativa envolve diálogo e reflexão coletiva, constituindo-se como fonte de informação, enquanto ocorre o processo de ensino e aprendizagem, tendo-se em vista intervenções nesse processo. Dessa forma, pode-se afirmar que a avaliação em pauta é conduzida na interação professor-aluno, cumprindo o papel de acompanhar o processo de ensino e aprendizagem, indicando o que necessita ser modificado. Isso, tendo-se em vista a melhoria da aprendizagem de alunas e alunos, para o alcance de objetivos educacionais desejados, por meio da interpretação de dados, por parte deles. Vale lembrar a função então mediadora do professor e dos próprios alunos na condução da avaliação formativa em que não se avalia apenas o desempenho discente, mas tudo o que pode contribuir ou não para o sucesso daquele processo.
Em síntese, como uma avaliação, a formativa assume um caráter sempre qualitativo, porquanto de interpretação de dados, culminando com decisões sobre revisões que se percebam necessárias ou apropriadas na condução do processo de ensino e aprendizagem, tendo-se em vista objetivos desejados. Registre-se, no entanto, que os procedimentos utilizados nessa avaliação podem, em sua etapa de coleta de dados, basear-se em dados quantitativos obtidos por processos de testagem e medida. De fato, testar, medir e avaliar são processos estreitamente relacionados na condução do ensino e aprendizagem, o que explicaria discussões sobre a avaliação com referências a aspectos qualitativos, mas também quantitativos, evidenciando-se a menção aos primeiros no caso da avaliação formativa e aos segundos no caso da avaliação somativa. Mas, tal como discutido no diálogo com os autores do texto analisado, importa registrar que essas comparações entre os dois tipos de avaliação, a rigor, carecem do reconhecimento das suas características mais essenciais, quando centradas sobretudo no par categorial qualitativa-quantitativa.
Convém deixar claro, ainda, que o adjetivo de formativa na avaliação é legitimado pela sua característica de revisões/intervenções do/no processo de ensino e aprendizagem, enquanto ele ocorre, na direção de determinados fins. Trata-se de uma função que ela cumpre ao considerar aspectos objetivos e subjetivos que facilitam ou dificultam esse processo. Entretanto, há que se refletir sobre os fins com os quais a avaliação pode se comprometer, portanto sobre o seu caráter ideológico-contextual. Esses podem estar direcionados para regular aquele processo em termos do comprometimento com uma educação essencialmente mercadológica, sobretudo, considerando as características do sistema social mais amplo em que a educação se insere. Por outro lado, pela contradição da educação em suas relações com esse sistema, a avaliação formativa implica a possibilidade do caráter humanizador do processo de ensino e aprendizagem. Isso, considerando que ela é conduzida por meio de procedimentos pelos quais professor e alunas e alunos, em conjunto, dialogam sobre o processo de ensino e aprendizagem. Nessa condição, esse tipo de avaliação conta com potencialidade, veja-se bem, para o desenvolvimento de aspectos cognitivos e atitudinais desses sujeitos, como a colaboração, que vão ao encontro de características de um projeto de educação humanizador, comprometido com o desenvolvimento humano.
Finalmente, a avaliação formativa no processo de ensino e aprendizagem na área médica, como no artigo cujos temas são objeto desta discussão, vem sendo conduzida como mediadora, ela mesma, na aprendizagem baseada em problemas.
AVALIAÇÃO FORMATIVA E A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS
Em primeiro lugar, no tratamento compreensivo da avaliação formativa no processo de ensino e aprendizagem com o método da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), é necessário que se detenha na caracterização histórico-conceitual e crítica desse método.
A ABP encontra aplicação adequada no processo de ensino e aprendizagem na área médica, como evidenciam as discussões apresentadas no artigo Avaliação formativa nos grupos tutoriais: uma análise com base na idoneidade didática emocional. Além dessa área, a ABP vem sendo objeto de estudo em outras áreas de trabalho, na educação superior, como na administração (BOROCHOVICIUS & TORTELAL, 2014), ou mesmo no ensino fundamental (BOROCHOVICIUS & TASSONI, 2021). Como registram os últimos autores, “O método pode ser aplicado em diferentes áreas do saber, e há prevalência de sua aplicação no Ensino Superior, com escassas pesquisas aplicadas ao Ensino Fundamental” (p. 1).
De qualquer forma, com base em Borochovicius & Tortella (2014), o tratamento da ABP encontra suas origens no Comitê de Educação da Escola de Medicina de McMaster, no Canadá, na província de Ontário. O comitê era constituído por um grupo de cinco médicos entre os quais John Evans, que assumiu a reitoria daquela escola em 1965 e propôs a formação do Comitê. Este, em linhas gerais, tinha como objetivo criar situações no processo de ensino e aprendizagem de forma que os estudantes desenvolvessem habilidades de resolução de problemas, para melhor atendimento aos seus pacientes. Inspirados em modelos de ensino de outras instituições, chega-se à proposição da ABP. Segundo Borochovicius & Tortella (2014, p. 268), o método da ABP “tem como premissa básica o uso de problemas da vida real para estimular o desenvolvimento conceitual, procedimental e atitudinal do discente”.
Do ponto de vista metodológico, esse método é conduzido por meio de alguns passos básicos, pelos quais se define um problema, formulam-se hipóteses entre as quais uma é selecionada e testada, chegando-se à conclusão, tal como apresenta Roitman (1979), em periódico da área médica. Assim, há concordância de que a ABP encontra fundamentos em estudos de Johh Dewey. Para este (1978), tal como citado por Borochovicius & Tortella (2014, p.269): “a educação é um processo de reorganização da experiência e de reconstrução da reflexão, visando melhorar, pela inteligência, a qualidade das experiências futuras”.
Assim, segundo Dewey,
[...] a reflexão é o método de uma experiência educativa, o método de educar. Os pontos essenciais do método coincidem, portanto, com os pontos essenciais da reflexão. Estes são: primeiro, que o aluno esteja em uma verdadeira situação de experiência - que haja uma atividade contínua a interessá-lo por si mesma; segundo, que um verdadeiro problema se desenvolva nesta situação como um estímulo ao ato de pensar; terceiro, que ele possua os conhecimentos informativos necessários para agir nessa situação e faça as observações necessárias para o mesmo fim; quarto, que lhe ocorram sugestões para a solução e que fique a cargo dele o desenvolvê-las de modo bem ordenado; quinto, que tenha oportunidades para por em prova suas ideias, aplicando-as, tornando-lhes clara a significação e descobrindo por si próprio o valor delas (DEWEY, 1979, p. 179-180).
Finalmente, cabe lembrar que o pensamento de John Dewey é considerado um dos fundamentos da tendência pedagógica da Escola Nova. E a adoção dessa tendência na educação não vai ao pleno encontro de se conduzir um processo de ensino e aprendizagem comprometido com o projeto de educação mencionado neste texto3.
Na presente discussão, no tratamento da ABP, como se abordou no diálogo com os autores do artigo relativo a esta resenha, algumas limitações desse método nem sempre são consideradas. Isso ocorre, por exemplo, quando, na defesa da ABP, não se considera a realidade social mais ampla, em que a competitividade no mundo globalizado está muito presente, o que não favorece a formação de profissionais com atitude de colaboração no mercado de trabalho.
Pergunta-se: estando registradas as relações entre a ABP e a proposta de John Dewey, e levantada a questão sobre limitações do método e pauta, cabe perguntar: quais as relações entre a avaliação formativa e o método de ABP?
Na reflexão a respeito, retomam-se etapas da ABP, apresentadas no artigo do qual esta resenha se origina. Segundo seus autores, nesse método, têm-se grupos tutoriais em que ocorre: etapa de definição de problema(s), hipóteses e objetivos relativos à solução do(s) problema (s), seguida de estudo individual e retorno ao grupo. A avaliação ocorre durante o processo que envolveria autoavaliação, avaliação interpares, avaliação pelo tutor e do tutor, sempre com a mediação docente.
Por todo o exposto, verificam-se algumas características da ABP similares às características da avaliação em pauta: acompanhamento da aprendizagem com a mediação da(o) professor(a), em relação a cada estudante individualmente considerado e dos colegas em pequenos grupos; diálogo estabelecido entre os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem durante todo o processo; condução de práticas no ensino e aprendizagem que envolvem colaboração e cooperação, no contexto contraditório da contemporaneidade atual.
Finalmente, as discussões sobre a área da avaliação formativa, particularmente no processo de ensino e aprendizagem conduzido pela ABP, ampliam-se quando se trata da pesquisa na área.
Assim, o artigo Avaliação formativa nos grupos tutoriais: uma análise com base na idoneidade didática emocional traz uma contribuição significativa ao relatar uma pesquisa em que se coloca a própria avaliação formativa sob avaliação, numa situação de ABP. O conteúdo do artigo contribui para o não esquecimento de alguns aspectos no trabalho de pesquisa na construção de conhecimento científico-tecnológico. Esses vão ao encontro de se contemplar a fidedignidade e a validade científica da investigação, considerando-se: possibilidade de replicabilidade do estudo para verificação do seu grau de confiança; e a adequação dos instrumentos de coleta de dados empíricos em relação ao que se quer investigar.
Nessas condições, há a necessidade da definição bem precisa das características identitárias do objeto de estudo e de todos os conceitos que estão presentes em um estudo, além da definição também precisa do seu objetivo e dos critérios de análise dos dados coletados. Essas características são indispensáveis na interpretação e na análise dos dados obtidos na direção de se construírem conclusões de uma pesquisa. No caso em pauta, em que se estudou a avaliação formativa, definiu-se como objetivo avaliá-la tal como presente em grupo tutorial, conduzido no processo de ensino e aprendizagem pelo método de ABP. Teve-se como critérios na interpretação dos dados empíricos coletados efeitos de caráter emocional, por parte da avaliação, nos participantes do processo, como o interesse e a valorização daquilo que se está estudando.
Como conclusões da pesquisa encontram-se algumas limitações no uso da avaliação formativa nos grupos tutoriais. Essas se referem ao não entendimento do seu caráter qualitativo e ao aspecto subjetivo dessa avaliação, por parte dos discentes e docente, dificultando a sua plena realização, embora se reconheçam as suas vantagens em termos do desenvolvimento de habilidades profissionais na área médica. Com base nos critérios utilizados na interpretação dos resultados, os autores inferem ainda que, a despeito de as(os) alunas(os) sentirem-se ansiosos com medo de seus possíveis fracassos, essa avaliação é essencial na autorregulação da sua aprendizagem, servindo de estímulo para a sua melhoria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do artigo “Avaliação formativa nos grupos tutoriais: uma análise com base na idoneidade didática emocional” e o diálogo com os seus autores orientaram algumas reflexões, como apresentado no início deste texto, ou seja: importância e visível necessidade de se rever e esclarecer de forma a mais precisa possível a caracterização histórico-conceitual e ideológico-contextual da avaliação formativa; a sua adequação na condução do processo de ensino e aprendizagem em que se aplica a ABP, em relação a qual a avaliação cumpre papel mediador; e caraterísticas essenciais ao trabalho científico.
Assim, buscou-se discutir características identitárias da avaliação formativa no processo de ensino e aprendizagem, particularmente na condução desse processo pelo método de ensino em pauta. Pelas características do processo de avaliação formativa e do processo de ensino conduzido pela ABP em grupos tutoriais, no ensino de medicina, fica evidente a similaridade entre esses processos e o papel mediador da avaliação nesse método.
Em resumo, pelas discussões realizadas, a avaliação em pauta tem as características: qualitativa; sem materialidade própria; reflexão coletiva; mediação do(a) professor(a), alunas e alunos, no processo de ensino; conduzida durante o processo de ensino e aprendizagem; função formativa pela intervenção/revisão no/do processo; e caráter ideológico-contextual, no conjunto das contradições societárias. Assim, essa avaliação é conduzida na interação entre os sujeitos do ensino e aprendizagem, em que se salienta o fato de implicar um acompanhamento do processo com o objetivo da sua melhoria em termos do alcance de objetivos desejados. Como todo trabalho humano, o aspecto teleológico da avaliação formativa lhe atribui, ainda, a sua vinculação ao contexto social em que ocorre, com suas contradições, responsáveis pela possibilidade de que os sujeitos da avaliação a conduzam na direção de um projeto educacional comprometido com o desenvolvimento humano e a transformação societária. Este em prol da superação das desigualdades sociais, de qualquer forma de opressão ou de dominação, porquanto democrático, justo e ético.
Quanto à ABP, em resumo, ela se caracteriza como um método que tem, entre os seus fundamentos, a tendência pedagógica escolanovista, padecendo, portanto, das limitações dessa tendência em termos do seu compromisso com o mencionado projeto. No entanto, nas condições de aplicação desse método, com suas origens nos grupos tutoriais no processo de ensino na área médica, a ABP envolve trabalho colaborativo e cooperativo. Esse no acompanhamento do processo, com a participação dos seus sujeitos realizando avaliações deles e entre eles, reconhecendo-se o papel formativo desse tipo de avaliação e a sua dimensão ideológico-contextual. Por esta, pode-se direcionar o ensino e aprendizagem para a materialização de uma educação transformadora.
Do ponto de vista metodológico, a avaliação formativa em grupos tutoriais conta também com limitações na sua condução, ligadas ao não entendimento da sua característica qualitativa e ao seu caráter subjetivo, além de aspectos que, a rigor, estão presentes em avaliações, como sentimentos de ansiedade e medo de fracasso por parte dos estudantes. No entanto, não há como negar a contribuição expressiva desse tipo de avaliação em termos de propiciar melhoria no processo de ensino e aprendizagem.
Finalmente, cumpre ressaltar o desafio de o campo da Didática Crítica em que se inserem os temas da avaliação e do método ABP, nos âmbitos do ensino e da pesquisa, contribuir para a formação de professoras(es) que dominem esses temas de forma coerente e precisa quanto às suas concepções e finalidades teórico-práticas.
REFERÊNCIAS
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- SAVIANI, Demerval. Escola e democracia São Paulo: Cortez Editora/ Autores Associados, 1983.
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2
A propósito de discussão sobre a disputa entre modelos de formação no campo da educação escolar, consultar o site do X Encontro Estadual de Didática e Práticas de Ensino, com o tema Formação humana, escola e didática: lógica instrumental e lógica humanista em disputa”. O evento congregou várias instituições de ensino superior que tratam da formação de professores no Estado de Goiás, tendo ocorrido na Escola de Formação de Professores e Humanidades da PUC Goiás, em Goiânia, em novembro de 2023.
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3
Não cabe aqui discorrer e discutir sobre as características dessa tendência pedagógica e dos métodos novos (também denominados de metodologia ativa) que se encontram em vários estudos na área pedagógica, entre os quais são expressivos nessa área, o de Charlot, publicado em La mystification pédagogique, em 1976 e o de Saviani, publicado em Escola e democracia, com primeira edição em 1983.
Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
30 Jun 2024 -
Aceito
31 Jul 2024