RESUMO:
Neste ensaio, é apresentado um mapeamento cartográfico (de processos, eventos, fluxos e afetos como linhas de força em um território), considerando o fortalecimento do espectro político das direitas radicais e consequentes retrocessos e subversões adultocêntricas nos significados de “melhor interesse” das crianças, centralmente. São discutidos alguns acontecimentos noticiados pelas mídias tradicionais/sociais, casos de violência entre crianças devido à disputa eleitoral para a Presidência da República, violência física de adultos contra crianças também por motivos políticos, além de outros casos que evidenciam uma política autoritária de subjetivação em ascensão e mudanças na dinâmica cultural. Os acontecimentos e as análises tecidas, a partir dos atravessamentos do militarismo sobre as subjetividades infantis, convergem no sentido de nos alertar para que as crianças passem a nos guiar nestas iminentes tarefas civilizatórias e epistemológicas. É possível que sigamos por esses caminhos, por meio de teorias relacionais e também por meio de nossos afetos como pesquisadores/as.
Palavras-chave: novas direitas; militarismos; melhor interesse; direitos humanos das crianças; subjetividades
ABSTRACT:
In this essay, a cartographic mapping is presented (of processes, events, flows and afects as lines of force in a territory), considering the strengthening the alt-right political spectrum and importance setbacks and adultocentric subversions on the meanings of “best interest” of children, centrally. Some cases reported by the traditional/social media are discussed, cases of violence between children due to the electoral dispute for the Presidency of the Republic, fisical violence by adults against children also for political reasons, in addition to other cases that show a authoritarian political of subjectivation in rise and changes in cultural dynamics. The events and analyzes woven, from the crossings of militarism on children's subjectivities, converge in the direction of alerting us so that children begin to guide us through these imminent civilizing and epistemological tasks. It is possible that we follow these paths, through relational theories and also through our affections as researchers.
Keywords: alt-right; militarisms; best interest; children's human rights; subjectivities
RESÚMEN:
En este ensayo se presenta un mapeo cartográfico (de procesos, eventos, flujos y afectos como líneas de fuerza en un territorio), considerando el fortalecimiento del espectro político de las derechas radicales y los consecuentes retrocesos y subversiones adultocéntricas en los significados de “mejor interés” de les niñes, centralmente. Se comentan algunos hechos reportados por medios tradicionales/sociales, casos de violencia entre niños por la disputa electoral por la Presidencia de la República, violencia física de adultos contra niños también por motivos políticos, además de otros casos que evidencian una política autoritaria de subjetivación creciente y cambios en las dinámicas culturales. Los hechos y análisis tejidos, a partir de los cruces del militarismo sobre las subjetividades infantiles, confluyen en el sentido de alertarnos para que les niñes comiencen a orientarnos en estas inminentes tareas civilizatorias y epistemológicas. Es posible que sigamos estos caminos, a través de teorías relacionales y también a través de nuestros afectos como investigadores/as.
Palabras clave: nuevas derechas; militarismos; interés superior; derechos humanos del niños; subjetividades
DIREITOS HUMANOS, INTERESSES E SUBJETIDADES DAS CRIANÇAS: IMPACTOS DAS NOVAS DIREITAS
“Os interesses sempre se localizam, e estão constituídos, pelas condições de vida. No caso de meninos e meninas, coloca-se a questão de quais aspectos dessas condições de vida são especialmente significativos para a constituição de seus interesses”.
(Liebel, 2021, p. 75, livre tradução, grifos meus)
Ainda que bastante defendida, alardeada e até mesmo trivializada por sociedades e instituições ditas democráticas, a ideia de interesse superior ou melhor interesse das crianças continua a ser um desafio global em termos de efetivação, inclusive como indicador de maior justiça, e um tema que tem se revelado caro e complexo também para os Estudos críticos da Infância (Liebel, 2021), na medida em que tal desafio está relacionado à sobrevivência e fortalecimento das democracias e dos direitos humanos, destacadamente a partir das contribuições da Convenção sobre os Direitos das Crianças, CDC (UNICEF, 1989), sua sustentação jurídica internacional e desdobramentos locais. Considerada essa importância, este artigo busca destacar e problematizar algumas das tendências atuais sobre a formação de interesses singulares de alguns grupos de crianças e adolescentes2, a partir da realidade atual política e cultural brasileira - na relação com as novas direitas globais - como parte do projeto de erosão das democracias liberais.
Com o propósito empírico de mapeamento de processos e tendências correlatas à referida problemática, particularmente sobre como os militarismos se cruzam com as infâncias e como as mesmas têm re-agido (Beier & Tabak, 2020), através de uma breve cartografia como um processo reflexivo (“operado com forças-ideias3”) e, assim, configurando-se como um orientador teórico-metodológico (Deleuze & Guattari, 1995; Carneiro & Paraíso, 2018), procuro apontar e analisar, ao longo do trabalho, alguns dos acontecimentos históricos relacionados à questão e noticiados em diversas fontes de informação secundárias, como a) as jornalísticas (onde, num conjunto de dados que pode ser produzido por aproximação temática, recorro a algumas fontes, dentre muitas que podem ser encontradas digitalmente nesses portais, utilizando o critério de maior clareza textual das manchetes, reconhecimento social na área e das coberturas jornalísticas para um público de leitores/as não apenas nacional), b) outras fontes documentais e bibliográficas e c) imagens/ discursos daí decorrentes também veiculadas e que ajudam a compor as forças molares/ “linhas duras” desse território investigado.
Em suma, busco percorrer alguns dos principais (e mais expostos) indicativos de como as infâncias brasileiras parecem responder às racionalidades e manifestações militarizadas que reforçam as desigualdades estruturais do país e do Sul global, mas não apenas (Ursin, 2020; Abebe, Dar & Lysa, 2022; Castro, 2021a, 2021b). Quanto à concepção de militarização aqui empregada, refiro-me aos militarismos cotidianos, suas (re) circulações e articulações mais sutis, subterrâneas e difusas sobre a vida das crianças (Beier, 2011; Beier & Tabak, 2021). Portanto, militarização não em seu sentido convencional de preparação para a guerra, mas como uma forma de produção de subjetividades militarizadas, cidadanias, políticas de poder e culturas afins (Yakovlyeva, 2021). Nesses contextos, a governança é de subordinação das crianças, como regra: “It invites children and youth to participate exclusively as “receivers,” whose political bodies are to internalize the predetermined meaning of the national-patriotic education.” (Yakovlyeva, 2021, p. 148).
Contudo, cabe uma nota inicial a respeito desses contextos e em que esta discussão se orienta: o alerta sobre a objetificação das crianças em discursos de risco. Como enfatiza J. Marshall Beier: “Children and young people tend to be thoroughly objectified within risk discourses, perceived and presented either as innocents to be protected or dangerous beings whose innocence is distorted” (Beier, 2015 quoted in Ursin, 2020, p.326), já que aqui as perspectivas das crianças e adolescentes não são fontes diretas, ainda que seja fundamental em novos estudos.
A partir dessa importante consideração, dirijo o olhar para a influência e alguns desdobramentos de lógicas/ ideologias militaristas, considerando sua complexidade, diversidade (suas economias simbólicas e modos de captura subjetiva política) - neste caso, intensificadas e repaginadas pelas novas direitas - e da crescente normalização da violência na sociedade (Macmillian, 2011, quoted in Ursin, 2020; Beier & Tabak, 2020); em outras palavras, trata-se do enfraquecimento de modos de criação/ invenção em torno da justiça social, em várias perspectivas. Em suma, considero, ainda que por outras rotas, o que J. Marshall Beier sinaliza sobre as economias visuais e afetivas das crianças em situações abjetas, considerando suas agências e subjetividades na relação com o militarismo e as práticas militarizadas em suas vidas diárias (Beier & Tabak, 2021), onde o bolsonarismo receberá um papel aqui destacado. Essas considerações também podem nos levar à concepção de que a condição ontológica desses grupos/indivíduos (Spyrou, 2018) também está sob forte assédio.
Isto posto, apesar da necessidade dessa compreensão sobre o interesse superior e sua efetivação concreta, quase inquestionável em democracias fortalecidas (mesmo que esses países busquem ampliá-la), ainda podemos encontrar análises sobre os direitos das crianças que não explicitam os interesses das mesmas como um desses indicadores de mais justiça social, de fato, ou circunscrevem esses interesses de modo muito específico ou limitado (Liebel, 2021). Apenas como exemplo, no caso brasileiro, aponto o relatório Relatório de Progresso dos Direitos das Crianças/ Child Right´s Now (Brasil, 2019) que aborda o interesse superior apenas no que se refere aos casos de adoção. A esse respeito, ainda que haja avanços inegáveis na área jurídica, como aponta Sanchez (2015), há enormes desafios a serem superados, em muitas esferas sociais. No entanto, aqui me refiro a uma lacuna ainda mais ampla, considerando as especificidades políticas e culturais brasileiras na atualidade e a condição de emancipação social/ cidadã dos adultos que interferem na construção e desenvolvimento dos interesses das crianças e adolescentes, considerando que os mesmos “[...] estão determinados essencialmente por sua relação ambivalente com os adultos” (Liebel, 2021, p. 76).
Para tanto, retomo o citado Relatório que indica um importante retrocesso sobre os direitos das crianças e adolescentes no país, desde 2015. Dentre os retrocessos, são destacadas algumas violações: “[...] o aumento de crianças e adolescentes em situação de pobreza, o crescimento da mortalidade infantil, o extermínio de jovens negros, a diminuição dos investimentos na educação e saúde, a crescente oposição à discussão sobre igualdade de gênero e a ampliação do apoio a projetos que reduzem a maioridade penal”. Segundo o documento, “[...] A sociedade, que vinha paulatinamente se mobilizando pela expansão dos direitos, respondeu a essa crise com posições conservadoras. Historicamente, crianças e adolescentes são os mais afetados em momentos de crise” (Brasil, 2019, p.7).
O Relatório também indica temas prioritários para a realização dos direitos das crianças e, dentre eles, enfatiza o acesso à educação de qualidade. Neste âmbito, aponta algumas barreiras estruturais em relação à efetivação desses direitos e ao direito de ensinar de professores/as, enfatizando a propagação da chamada “ideologia de gênero4” por “movimento conservador religioso”, como denominam: “[...] a temática de gênero e orientação sexual dá a oportunidade para se tratar o tema educação sexual na escola como uma forma desenvolver a capacidade de autoproteção de crianças e adolescentes. Portanto, negar aos estudantes acesso a esses conhecimentos configura em grave violação de direitos” (Brasil, 2019, p. 28, grifos meus). Tal negação ao direito à informação particularmente nos interessa nesta discussão e pretendo aprofundá-la, com ênfase nos processos de construção dos interesses das infâncias (individual e/ou coletivamente), como brevemente mencionei, e suas subjetividades políticas.
Assim, a partir dessas urgências apontadas no documento, destaco a questão da referida censura sofrida pelas crianças5, para além da educação formal (um tipo de violência epistêmica/ simbólica ou até psicológica/ espiritual, na direção do que aponta Liebel, 2019, 2015, também a partir de outras variadas formas de adultismo), acompanhada de outros artifícios das direitas radicais (não apenas religiosas), como modos de manipulação ou violência política (Bustelo-Graffigna, 2005; Cussiánovich, 2010). Isto posto, a partir das contribuições de Finchelstein (2022), para designar o conjunto complexo e difuso de tais “novas direitas”, refiro-me mais especificamente às direitas populistas (no Brasil, sob as forças do bolsonarismo), circunscritas no conjunto do chamado pós-fascismo para designar uma forma radicalizada de subjetividade política6 como marca central (atualizada, se considerarmos o nazi-fascismo histórico como um dos começos7); uma articulação da violência e morte com a renovação radical do “eu” (o culto à violência extrema como eixo identitário da nova moralidade); a noção de justiça sumária (feita pelas próprias mãos) que se baseia na concepção de “verdade eterna” (religiosa messiânica); a negação da história, o ódio à democracia8, a presença estruturante das mentiras autoritárias racistas, misóginas/ sexistas, xenófobas, o aniquilamento de toda pluralidade/ diversidade9 e da razão/intelectualidade/ cientificismo, como estratégias políticas principais para forjar uma revolução cultural e moral (revolução das/nas almas). Nas palavras do historiador argentino: “No Brasil, uma ideologia com propagandas golpistas, muito próxima do fascismo, tem se intercalado com o nacionalismo e o messianismo mais extremo [...]” (Finchesltein, 2022, p.12/13).
Caldeira Neto (2023) analisa que o bolsonarismo, embora seja parte de um fenômeno da onda mundial de extrema direita, tem características próprias, por se tratar de um “um laboratório da extrema direita global’” (s/p), confirmando, aliás, a perspectiva de Joe Mulhall sobre o caso brasileiro: “O Brasil se tornou ator central no enredo global da ascensão da extrema direita” (Mulhall, 2022, p. 27). Em direção próxima, Michel Gherman (2023), também historiador, considera que o bolsonarismo “é uma forma de nazismo”, não se referindo ao nazismo histórico, “mas a uma releitura do nazismo”, acompanhando os pressupostos de Achille Mbembe a respeito, ou seja, considerando que “o nazismo é um regime suicidário e homicidário, ou seja, que se mata e mata” (s/n) e que, da mesma forma que o nazismo histórico foi enfrentado culturalmente, pela “desnazificação” da sociedade alemã, o Brasil precisa passar por um processo de “desbolsonarização radical”, já que estamos contaminados10. Da forma como compreendo, essa retomada precisará levar em conta, fundamentalmente, o papel e o protagonismo das infâncias (considerando um tipo de contágio específico sobre seus interesses e culturas).
É, então, nesse sentido que cabe uma atenção redobrada sobre os processos de subjetivação política das crianças e suas capturas particularmente reacionárias no Brasil, como destacarei na sequência (a partir dessa realidade que circula e também instrui outros grupos extremistas em sociedades democráticas, tendo como substrato o adultocentrismo, paternalismo e colonialismo, como em grande parte do mundo, com destaque ao Sul global11). Não se trata, como muitos acreditam (por se tratar de crianças), que são expressões “menores” do fenômeno ou que podem desaparecer pela mera ação do tempo! Pelo contrário, podem emitir importantes pistas sobre essa política, suas forças, táticas e possíveis (des) continuidades.
Os processos gerais de radicalização estão cada vez mais expostos e, nesse ritmo, as infâncias também se radicalizam (e/ou explicitam maior radicalidade política, através de seus “renovados” interesses individuais e coletivos, ao menos como pode parecer, numa primeira análise), agravando o quadro de instrumentalização das infâncias pela política bolsonarista (Autor, 2021).
Retomando a importância da referida revolução cultural/ espiritual/ moral nesse “novo” ethos, o período do governo Bolsonaro (2019-2022) foi um destacado princípio ideológico para a criação e efetivação de várias políticas públicas (federais, inicialmente) destinadas às infâncias e juventudes, sob um modelo tutelar e autoritário por importantes agentes de Estado e seu propósito instrumental-eleitoreiro, através da criação de “pânico e circo” (Mendes, 2019) e fronteiras morais para cooptar as famílias (a “virada conservadora”, como apontam, por exemplo, Lobo & Cardoso, 2021; Dunker, 2019; Quinalha, 2019; Biroli et.al., 2020; Alonso, 2019), além de outras camadas sociais. Isso se deu, basicamente, através da gramática da “defesa da família” (supostamente também ameaçada pelas pessoas da comunidade LGBTQIA+ e os/as ativistas dos direitos humanos), da discursividade sobre as “crianças em risco” e da necessidade urgente de sua proteção (e de sua “pureza”), não por acaso tidas como ameaçadas por esses grupos ou indivíduos arquitetados como “inimigos políticos” (Lobo & Cardoso, 2021; Biroli et.al., 2020; Mendes, 2019; Dunker, 2019; Finchelstein, 2022). Isso foi ocorrendo pelo fato de serem oposição ao referido governo, simplesmente, ou ainda por atuarem como agentes de formação pluralista das infâncias (educadores/as, artistas, cientistas, intelectuais, por exemplo).
Nesse sentido, foram tornados para a opinião pública, de modo calunioso, “ideólogos”, “comunistas” ou “doutrinadores/as” (e assumidos pelas massas muito rapidamente como tais), inclusive com considerável apoio da mídia tradicional12 (ainda que mais no início desse projeto de poder e sob outros pretextos da agenda econômica neoliberal, ou seja, do “mercado”). Isso tudo fez (e ainda faz, mesmo após a derrota de Bolsonaro nas eleições) parte da “nova cruzada moral”. Está bastante fixado no imaginário e nos afetos sociais do país.
Em direção semelhante, o referido Relatório Child Right´s Now reitera essa preocupação com o que apontei anteriormente sobre as violências simbólicas/ epistemológicas sobre as crianças (e a própria garantia democrática de Estado, atual e vindoura): “O fato é que qualquer conteúdo vinculado a direitos humanos e de interpretação de fatos e acontecimentos pode ser considerado ideológico, deixando os professores em uma situação de vulnerabilidade” (Brasil, 2019, p. 28), ainda se referindo ao já considerado inconstitucional projeto Escola Sem Partido, mas que continua modulando expressiva parte do ethos social brasileiro, na esteira da “virada conservadora”, a exemplo do famigerado “kit gay” (Lobo & Cardoso, 2021), do “ensino de sexo nas escolas13”, da fabricação da mais recente ameaça do “banheiro unissex” para crianças em escolas de Educação Infantil14, dentre outras manipulações políticas coletivas com fins de instauração do caos social15 e que expressam apenas uma das facetas (via de regra caricatas) do destacado retrocesso/ rebaixamento civilizatório vivido no país (Sousa Santos, 2022; Pereira, 2022; Alencar, 2019; Rocha, 2020), o “rebaixamento da inteligência coletiva brasileira”, ou ainda da “luta para não emburrecermos” (de Masi, 202216), da “boçalidade do mal”, como bem analisou a jornalista Eliane Brum (2015). Esse contexto se aproxima do que Gabriel Moshenka analisa como “aberração cultural” (Moshenka, 2019) ou ainda do chamado “fundamentalismo cultural”, como denomina Onwutuebe (2018) e do “ethos da guerra” (Leirner, 2023). Referem-se a sentidos próximos dessa implosão da política e da evocação da destruição e da violência (múltipla e difusa) em seu lugar.
Uma das mais importantes demonstrações dessa afetação causada pelas extremas direitas17 é o fato de Bolsonaro quase ter ganho as eleições presidenciais de 2022, ou seja, de quase conseguir (por vias democráticas, ao menos representativas, que tanto tencionou e ameaçou no período) um segundo mandato. Desta vez, o então candidato perdeu por uma margem muito pequena de votos (49,10% x 50,90% para Lula), pleito considerado “o mais apertado da história” (uma diferença final de pouco mais 2 milhões de votos18) e com a formação das maiores bancadas bolsonaristas no Congresso Nacional e no Senado Federal19, além da eleição de vários governadores estaduais20, que expressa esses mesmos valores e foi eleita por fervorosas manifestações de defesa. Vale lembrar que o perfil de eleitores bolsonaristas mantém-se majoritariamente homem, branco, evangélico, maiores renda e escolarização21.
Diante desse cenário, buscarei evidenciar, a seguir, algumas singularidades da referida afetação (cognitiva e emocional) pela “onda bolsonarista” que também atinge fortemente as crianças, suas constituições e agenciamentos culturais/subjetivos, onde a formação e expressão de seus interesses torna-se de especial importância nessas análises, considerando o já apontado. A esse respeito, destaco alguns casos que buscam materializar, em alguma medida, o impacto de forças reacionárias sobre as infâncias e adolescências (Figuras 01 a 07, abaixo), que tendem a afetar suas vidas (direta ou indiretamente), seus agenciamentos e protagonismos, de modo mais imediato ou talvez permanente, a depender das circunstâncias. Diante do já apontado, cumpre enfatizar que por “onda bolsonarista” podemos compreender uma conjunção de forças reacionárias e “afetos segregativos” (Dunker, 2019), afeitas à aberração cultural; um fenômeno coletivo de ressentimentos, obscurantismos e radicalidades que se encontra espraiado - de diversos modos, intensidades e temporalidades - destacadamente incentivado/ inflamado por agentes da extrema direita (através de políticas, gramáticas e/ou estéticas).
Nesse compasso da incitação adulta (de seus investimentos libidinais dominantes, como poderia dizer Guattari, 2013 22), as crianças são usadas como escudos humanos em ocupações antidemocráticas em rodovias (Figura 3), pedem o fim do governo democrático - sob o jargão bolsonarista “intervenção federal” (Figuras 2 e 3) que, anteriormente, era manifestado como “intervenção militar já” - participam de manifestações abertamente nazistas ou de ódio em escolas e redes sociais (há vários casos no país, como alguns apresentados através das Figuras 4,5,6a 7), sendo submetidos cotidianamente à materialidade (simbólica e concreta) dessa cultura armamentista beligerante, disseminada e encorajada pelo próprio Estado também às crianças23, até como “presente” no Dia das Crianças ou através de propaganda de clube de tiro infantil, feita com apoio de Deputado bolsonarista, como se observa também na Figura 1:
Exposição de armas no Dia das Crianças, organizada por prefeita, e propaganda de clube de tiro infantil, por deputado também bolsonarista
Ainda que a mídia tenha começado a cobrir e divulgar esses casos de adesão de crianças, adolescentes e jovens ao movimento neonazista, por volta do final de 2022 (a exemplo das Figuras 05 e 06, acima), quando eclodem os conflitos mais agudos causados pela disputa eleitoral presidencial (e outros casos de ataques em escolas), autor (2021) vinha discutindo o fenômeno, através de mapeamento em redes sociais específicas que estavam sendo utilizadas por esses grupos, já nos anos de 2020 e 2021.
As Figuras 2, 3 4,5,6a 7 também alertam para a questão da radicalização política dessas infâncias, à medida em que explicitam sua deturpação do exercício democrático (e do que seriam - ou poderiam ser - seus interesses próprios) instigadas e fomentadas pelos adultos (por exemplo, incentivando-as a clamar por intervenção militar, no lugar da democracia: “Forças armadas, salvem as crianças”).
Podemos observar, nesse contexto apontado de renovação/ aproximação nazifascista (como na Figura 8, abaixo, em referência aos casos já tratados como terrorismo doméstico), como alguns discursos, estéticas e políticas de cunho autoritário/ militarista cumprem uma função pedagógica muito singular, com destaque ao envolvimento das crianças, adolescentes e jovens (suas subjetividades individuais e coletivas), o que buscarei ainda detalhar e aprofundar, na sequência.
MILITARISMOS E AS INFÂNCIAS: PEDAGOGIAS SINGULARES QUE SUBVERTEM PROTAGONISMOS POLÍTICOS E IMAGINÁRIOS SOBRE A JUSTIÇA SOCIAL
A partir do entendimento de que as crianças têm direito de participar da tomada de decisões e de compartilhar o poder com os adultos, incluindo suas resistências (Basham, 2011; Beier, 2011), podemos perceber, pelo aqui exposto, também o seu oposto: o enfraquecimento dessas possibilidades, onde se inclui até a subversão das concepções e valores democráticos/ pluralistas (que não podemos saber ainda a dimensão), em função do poder exercido por culturas autoritárias. Nessas situações, podemos observar traços da referida radicalização como condição subjetiva política, o que afeta a formação cidadã das infâncias (mas até que ponto?). Significa, portanto, a partir desse conjunto, considerar também uma acepção sobre a constituição subjetiva política que nem sempre apresenta caráter emancipatório (individual ou coletivo) e de resistência ativa (de fato, protagonista) desses grupos e sujeitos, a partir de situações de exclusão e opressão, como grande parte das situações apontadas pelos Estudos da infância (Cussiánovich, 2010; Alvarado, 2009; Liebel, 2021).
A respeito dos processos de formação subjetiva política das crianças, Liebel (2021) destaca que a experiência de coincidências em questões importantes da vida tende a produzir identidades coletivas que, mesmo não provocando uma adesão hegemônica, em determinados momentos e situações conduzem à “concentração de energias” e os motivam a atuar juntos. O autor refere-se, na ocasião, às crianças de setores populares e às formas de fazerem “frente à vida, assim como uma forma de resistência contra a que se dirige a própria opressão e humilhação e que tem como objetivo uma maior liberdade e justiça social” (2021, p.85, grifos meus).
Quando se trata de guerra cultural, é preciso considerar algumas sérias preocupações no caso de alguns grupos de crianças brasileiras quanto às pedagogias da mesmidade (de morte e de guerra) que se estabelecem e se difundem. No caso de alguns grupos de crianças brasileiras, em convívio cotidiano com práticas de ódio, ressentimento e violência (e tendo-os como importantes modelos), necessitamos considerar algumas (e sérias) preocupações sobre a possibilidade de formação de tais identidades coletivas forjadas pelo ódio e da continuidade de outros afetos e ações da intolerância, o que também ameaçaria o fortalecimento do Estado democrático de direito/ da justiça social. A esse respeito, retomo as observações de Doria (2020, p. 9): “os afetos do bolsonarismo são fascistas, embora o bolsonarismo tenha muitos traços distintos daquele fascismo”. Assim, considerando as articulações entre macro e micropolítica, de acordo com os referenciais deleuzo-guattarianos (Guattari & Rolnik, 2013), podemos presumir que as subjetivações e os interesses das crianças no Brasil sofrem severo acosso, com destaque para a ideia da “violência realizadora”, própria dos fascismos (Finchelstein, 2022, p. 91), ainda que não saibamos a extensão do problema e possíveis formas de enfrentamento das próprias crianças. Poderão sequer se manifestar, em caso de assumirem valores democráticos, de algum modo, considerando também o contexto da “polarização afetiva” (Abranches, 2019)? O ambiente não se encontra favorável para qualquer manifestação nessa direção, inclusive para os adultos24.
Em vários casos reportados durante o período eleitoral (ou logo após), algumas crianças estavam sendo violentadas por motivação política (por adultos ou por outras crianças), como observamos nas figuras abaixo (09 e 10), o que sugere também uma profunda alteração nas dinâmicas das culturas infantis:
Diante desse panorama, como nos lembra Dunker (2019), o maior risco para a democracia brasileira está na emergência de discursos que se ajustam ao que Adorno considerou como síndrome fascista (Adorno, 2019 25), a partir também de “uma reação hipnótica de ódio que age por contaminação” (Dunker, 2019, p. 128). Como aqui exemplifiquei, através de alguns dados mais recentes, já ultrapassamos - como sociedade - a dimensão “apenas” discursiva a que Dunker se referia. Com o necessário espanto sobre o rápido agravamento da situação, concordo com Adorno (2020), quando diz que, se quisermos confrontar tal curso das coisas, devemos nos referir “aos interesses drásticos daqueles a quem a propaganda se dirige. Isso vale especialmente para a juventude” (Adorno, 2020, p. 58), sobretudo para as infâncias. Além desses possíveis efeitos deletérios, as crianças foram tornadas elementos centrais da propaganda bolsonarista (Lins, 2021) que busca atingir as famílias e o imaginário popular, como apontado. Uma tática de instrumentalização que precisamos explicitar/ denunciar, cada vez mais, para buscar desfazer uma importante armadilha das novas direitas.
Nessa perspectiva, na primeira parte deste trabalho, referi-me ao pós-fascismo para circunscrever uma forma radical de subjetividade política, a partir das contribuições de Finchelstein (2022, p. 41) desde os fascismos históricos e suas possíveis atualizações, os “renovados impulsos fascistas”. Nessa perspectiva, como busquei argumentar, tal subjetivação dominante (macropolítica) vincula-se, mais uma vez, a um universo de sentidos e valores muito particular (uma robusta e destrutiva pedagogia) e torna-se uma força motriz para o estabelecimento de uma refundação social/moral (visando a uma revolução cultural26), tornando extremamente potentes as ideias da guerra, morte e violência; aberrantes, principalmente por compreenderem a paz como desonrosa, por estabelecerem uma “ética soldadesca”, a “fetichização de tudo que é militar” (Adorno, 2020), por fomentarem condutas violentas, “a lei do mais forte”, “a política da comemoração da guerra” (Beier & Tabak, 2020, a “ética da infâmia” (Borges, 1938, quoted in Finchelstein, 2022, p. 83) e toda sorte de preconceitos e desigualdades. Como ainda destaca Finchelstein (2022), em 1938, Jorge Luís Borges declarou: “O fascismo é um estado da alma. Na verdade, ele não requer de seus seguidores convertidos senão o exagero de certos preconceitos patrióticos e raciais que todas as pessoas têm” (Finchelstein, 2022, p. 127).
Ainda afirmava o líder nazista à Alemanha (e as semelhanças com as atuais sociedades tomadas pela extrema direita não se limitam aí): “Nossa força reside na nossa rapidez e na nossa brutalidade [...] Sejam duros, sejam sem piedade, ajam mais rápido e mais brutalmente que os outros” (Hitler, apud Chapoutot, 2022, p. 97). Assim, nessas culturas (e suas pedagogias), prevalecia/ prevalece o direito à vida do mais forte, a honra beligerante, a eliminação da complacência, o “bom senso popular” ou “instinto”, “a predação”, “a justa raiva”, a troca de verdades por mentiras, a superstição no lugar da razão para guiar a política, o “novo direito27” e a “nova cultura” (Chapoutot, 2022; Finchelstein, 2022). Sociedades em que a regra é a interpretação patológica da verdade, como já observava Freud (Finchelstein, 2022, p. 82). Tratava-se, em suma, de refutação “[...] de fraternidade, humanidade e da universalidade [de direitos]”. Esses valores são rejeitados [...] são denunciados por sua hipocrisia: por trás da máscara do universalismo, do desprendimento e da generosidade, eles servem aos interesses particulares do Ocidente [...]” (Chapoutot, 2022, p.81).
Nos atuais contextos, como já apontado, ainda que não se deva estabelecer simples reprodução política e histórica, por certo, não podemos, inadvertidamente, ignorar as muitas aproximações, assim como Chapoutot (2022) recupera a essência daquela cultura da intolerância na Alemanha: “´Sim, somos intolerantes’ [...] O tempo dos debates chegara ao fim: a ágora do semicírculo seria fechada, pois não havia lugar para confronto de argumentos [...] A diversidade de argumentos e opiniões era um erro liberal” (Chapoutot, 2022, p. 82). Tratava-se de um tempo do combate, anti-Iluminista (o tempo do debate).
É sob tais forças (que não se esgotam com a derrota eleitoral de Bolsonaro, como afirmei) que se encontra a condição de emancipação social/ cidadã dos adultos e que interfere ainda na construção e desenvolvimento dos interesses das crianças e adolescentes e no desvio das energias psíquicas/ políticas “primárias28” (com perigoso potencial). Com referência à efetivação da participação desses grupos/ indivíduos29, considerando a perspectiva de Liebel (2021), de que “podem surgir interesses específicos para ‘grupos’ de crianças que compartilham características comuns pelas quais se identificam entre si ou pelas quais são identificados” (Liebel, 2021, p.81) e, ao mesmo tempo, as contribuições do “Lundy Model” (Lundy, 2007, quoted Unicef, 2018), podemos dimensionar os imensos desafios que sociedades como a brasileira possuem, uma vez que sequer têm garantido, com destaque aos últimos anos, uma condição básica para que as crianças formem “seus pontos de vista”: espaços inclusivos e seguros, contando com tempo e confiança para se expressarem e buscar compreender o mundo à sua volta (além das outras dimensões, tais como voz, audiência e influência, discutidos no referido Modelo e recuperadas por Unicef, 2018, p. 13). Cumpre ressaltar: “In order to become increasingly active in in uencing matters affecting them, children need to be able to form and express views and they must be afforded the space and time to do so. They must be given the opportunity to gain the confidence, the time and a ‘safe and inclusive space’ to contribute their views” (Lundy, 2007, quoted Unicef, 2018, p.13). Como também apontei de início, as “novas” censuras - de variadas formas - como evidentes formas de violência, apresentam e sustentam toda essa problemática em que as crianças não são encorajadas a falar ou a desafiar os adultos (Unicef, 2018). Fundamental também é a condição ética para tal participação, conforme o documento da Unicef também alerta (Unicef, 2018), com várias recomendações nesse sentido (inclusive sobre o fator segurança e responsabilidade nas/das participações). Por exemplo, o que as crianças realmente conhecem sobre o processo de participação para o qual foram levadas? Foram informadas, minimamente, sobre o contraditório da perspectiva de seus pais? Puderam fazer escolhas e foram estimuladas para isso? Tudo indica que se tratou de mera manipulação e poder desmesurado dos adultos, ou seja, algo que compromete a questão ética envolvendo a participação infantil, conforme analisado pelo Unicef. As Figuras 10 e 11 (abaixo) mostram um cenário muito preocupante:
Com crianças maiores (Figura 12, a seguir), muitas considerações podem ser tecidas em termos da influência dos adultos, as mentiras singulares das novas direitas, seus impactos e modos de tutela e manipulação sobre o protagonismo infantil (com destaque sobre o uso político das crianças x interesse), como podemos observar pelo discurso proferido por um menino (cuja léxico e performance já se mostram afeitos a tais forças extremistas) que foi levado pela polícia a um ginásio, junto com responsável (ou responsáveis) para depoimento/ averiguação, em função dessa participação adulta nos atos terroristas de 8 de janeiro: “hoje, dia 09 de janeiro de 2023. Olha aqui, gente! Pegaram um ônibus, falaram que iam levar pra fora de Brasília e colocaram aqui no ginásio. Vamo ajudar, gente! [sic] Vamo divulgar todo mundo isso! [sic]. Bora! Vamo levantar força, gente! [sic] (grifos meus). Vale destacar que no vídeo gravado (Figura 12), há uma edição com a seguinte referência, além da tradução de todo conteúdo para o inglês (com objetivo de criação de fake news e imediata viralização nas redes sociais, como aconteceu fartamente, através de acusações de que as crianças tinham sido presas, passavam fome, desmaiavam, etc.30): “Children in concentration camps in Brazil”.
MINAS TERRESTRES E DEVIRES POSSÍVEIS NESTE MAPA
Diante do exposto, é de extrema importância conhecer os principais processos de captura ou governamentalidade adultocêntrica/militarista e alguns de seus efeitos que interferem diretamente nos processos de formação de sujeitos de direito coletivos e individuais. Assim, além da realização do horror e da aberração, principalmente, talvez possamos vislumbrar esperanças possíveis, como também encorajam Beier & Tabak (2020).
Em síntese, qualquer afirmação mais fatalista sobre tais influências aqui expostas, parece precipitada, considerando que as crianças têm potencial de ação, também sob algumas circunstâncias históricas. Como tentei apontar como principal tendência através deste mapeamento, precisamos denunciar essas práticas instrumentalizadoras e desarmar tais armadilhas, detendo a propaganda armamentista e o contágio beligerante às crianças, apesar dos desafios no contexto de polarização afetiva a que me referi. Da mesma forma, uma maior compreensão das representações sociais e das formas de participação infantil nos processos de (des)bolsonarização é uma chave fundamental para avançarmos no que diz respeito às diferentes ontologias infantis, seus interesses em andamento ou como devir (Spyrou, Rosen & Cook, 2019, Liebel, 2021). As crianças certamente podem nos guiar por essas tarefas civilizatórias e epistemológicas iminentes. É imprescindível que percorramos esses caminhos, por meio de teorias relacionais e também por meio de nossos afetos e percepções como pesquisadores/as.
Outros ventos podem soprar em outras direções (em torno da efetivação da justiça social) e o direito à educação democrática, laica e pluralista - entendida como ampla política pública - será parte fundamental para esses novos movimentos contra hegemônicos e artesanais. Precisamos nos concentrar, para isso, também sobre o deslocamento dos sentidos de “protagonismo infantil”, assim como dos interesses, em casos como o do Brasil, como aqui busquei explicitar.
Como destaca Ursi (2020), é fundamental conhecermos os modos como as crianças são influenciadas e se envolvem com racionalidades e manifestações do ódio e, para tanto, necessitamos ampliar e fortalecer essa compreensão, principalmente pela perspectiva das próprias crianças (também sobre a distorção do exercício e dos interesses democráticos), na direção do crescente fenômeno da militarização das sociedades e outros impactos multidimensionais. Neste sentido ainda, avançar nesse campo mais detida e criticamente, de modo a vislumbrar uma pluralidade epistêmica e a “teorização de baixo para cima da pesquisa com crianças Sul global”, tanto para redefinirmos o desequilíbrio onto/epistemológico nos Estudos da infância, quanto para fortalecermos sistemas de conhecimento outros que receberam atenção limitada neste campo até o momento (Abebe, Dar e Lysa, 2022; Castro, 2021a, 2021b).
Por fim, mas não menos importante, concebo a necessidade de continuarmos a aprofundar nossos estudos e percepções sobre a influências das culturas i-materiais, os agenciamentos daí decorrentes sobre/entre/pelas infâncias, assim como seguirmos na exploração e análise das variadas situações abjetas em que se encontram tantas crianças. Assim, torna-se urgente fortalecermos uma frente de estudos sobre os direitos humanos das crianças e a ascensão das extremas-direitas. Precisamos investigar, por exemplo, como essas crianças podem definir seus próprios direitos, conhecermos quais direitos reivindicam (Liebel, 2021), que outros processos de socialização política (agências e subjetivações) podem favorecer uma retomada democrática desses grupos, entre tantos outros assuntos relacionados. No caso das novas direitas, ainda que a guerra não seja necessariamente material, a realidade e as teorizações já feitas sobre as crianças-soldado, por exemplo - que são consideradas, por definição, “uma exceção às ontologias da infância”, mas que também podem nos ajudar a ver “a concepção de criança como incerta” (Beier e Tabak, 2021, p. 10) - podem nos dar algumas pistas, talvez, em termos da configuração de processos subjetivos, agenciamentos e interesses “atípicos”, assim como a perspectiva de sua possível reparação.
Ao mesmo tempo, precisamos nos afastar de universalismos e perspectivas (neo) coloniais (Castro, 2021a, 2021b). A partir daí, trazer as múltiplas infâncias envolvidas para pensar as “subjetividades interseccionais” e com os desafios que enfrentamos como pertencentes ao sul global (Castro, 2021a, 2021b). Significa conceber uma questão interseccional e suas sucessivas violências e opressões em contextos sociais desiguais, como também apontam Spyrou, Rosen & Cook (2019) e seu maior impacto em grupos historicamente vulneráveis, aos quais também pertencem as crianças (tais como negros/as, indígenas, meninas, dissidentes de gênero/sexualidade, pobres, entre outras categorias de exclusão e invisibilidades).
Por último, mas não menos importante, devemos conceber e nos abrir para tais singularidades e para esses ambientes (de)formativos tratados pelos childism studies, por exemplo (Hunt, 1991; Wall, 2011; Young-Bruehl, 2012), ainda que tais grupos radicais façam quase tudo para nos deter.
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Ursin, M. (2020). Militarized everyday lives, logics and responses among children and youth in a violent community in urban Brazil. Childhood, 27(3), 325-339. https://doi.org/10.1177/0907568220908309
» https://doi.org/10.1177/0907568220908309 - Yakovlyeva, V. (2021). Militarizing Citizenship in Ukraine: “Strategy for the National-Patriotic Education of Children and Youth” in Social Context. In: Beier, J. M., & Tabak, J. (2021). Childhoods in Peace and Conflict. Rethinking Peace and Conflict Studies Cham: Palgrave Macmillan, pp. 143-162
- Zanin, C.; Martins, V. & Valim, R. Lawfare: uma introdução São Paulo: Contracorrente, 2019.
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Esta publicação contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
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Aqui considerarei a definição da CDC sobre criança: “todo ser humano com menos de 18 anos de idade” (Art. 1).
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Com referência ao mapeamento de processos, eventos, intensidades e afetos como linhas de força e agenciamentos/rizomas em um território. A cartografia é uma forma aberta de pesquisar, que se faz “em movimento, experimentando e explorando um território” (Carneiro & Paraíso, 2018). Segundo Deleuze & Guattari (1995, p. 30), seria um “mapa aberto como performance”. Assim, os acontecimentos aqui pontuados não se referem a meros “exemplos” (fixados) como um traçado, mas a multiplicidades, possibilidades de (re) conexão, novos significados e agenciamentos, dependendo das subjetividades e intenções também envolvidas. Nesse sentido, o uso do 1º. pessoa singular (como é o caso aqui) expõe um pesquisador-cartógrafo com certas intenções e sensibilidades (e não outras), não pretendendo “refletir” no sentido de estudos mais convencionais (“arborescentes”, como apontam os autores, que isto é, buscar respostas/reflexões também modeladas), mas vislumbrar tendências por meio dessa busca de acompanhar processos, a partir de seus próprios afetos e percepções (também uma opção política como forma de conduzir a investigação). Isto também é feito com o objetivo de encontrar alternativas/linhas de fuga nestes territórios. Trata-se do “eu-pesquisador/a” que faz tais escolhas e se revela.
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Considerando as novas direitas do ponto de vista transnacional e em sua vertente ultraconservadora/ fundamentalista, vale salientar os estudos de Fatou Sow (2018) a respeito da realidade senegalesa e de outras regiões africanas, por caminhos próximos ao que observamos aqui na América Latina e no Brasil sobre o pânico moral.
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Refiro-me aqui a modos atualizados de censura, sob os artifícios das “guerras híbridas” ou culturais, alimentadas pelo pânico moral, fake news e discurso de ódio contra grupos e indivíduos historicamente vulneráveis (Malta, Flexor & Costa, 2020; Skinner, 2021) . Em suma, são estratégias que utilizam (des) “[...] informação mais que força, sanções mais que bombardeio, e a desmoralização intelectual dos opositores mais que tortura” (Fiori e Nozaki, 2019, citado em Skinner, 2021, pág. 173).
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A conceituação desses processos de subjetivação política acompanha, em princípio, os pressupostos de Alvarado (2009), Beier (2011), Beier & Tabak (2021) e Liebel (2021), centralmente, mas seguirei problematizando o fenômeno, considerando as singularidades dos contextos neo/pós-fascistas e as condições de participação das crianças, em diálogo com a concepção de ontologia infantil de Spyrou, Rosen & Cook (2019) e Spyrou (2018), por exemplo.
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Adorno (2020, p. 76) aponta que poucas coisas novas foram adicionadas ao velho repertório nazi (“uma gigantesca técnica de enganação psicológica”), ao final da década de 60. Ao que tudo indica, desde então, poucas coisas são hoje modificadas, em essência. É possível também o estabelecimento de algumas semelhanças importantes com o fascismo histórico, através do estudo de Bianchini (2019), por exemplo. O mesmo pode ser encontrado sobre o nazismo (Castro Barroso, 2021), Basham (2020) que também aponta outras implicações mais atuais sobre a normalização e legitimação da guerra para as crianças, ou ainda Gherman (2022), dentre outros/as.
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Chapoutot (2022) também faz uma recuperação histórica, a partir das características do nazismo, que são muito úteis para a construção de análises sobre os fenômenos atuais. Chapoutot recupera, inclusive das narrativas do próprio líder nazista, essa aversão à democracia, abstração, universalismo, pacifismo e liberalismo, por exemplo. Finchelstein (2022) faz exposição semelhante sobre o ódio à democracia e aos valores humanistas de vários fascismos (não apenas o italiano, inclusive na América Latina, citando o integralismo no Brasil, na década de 30, como uma de suas importantes manifestações e que até hoje se expressa).
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Como lembra Jason Stanley: “A política fascista pode desumanizar grupos minoritários mesmo quando não há o surgimento de um Estado explicitamente fascista” (2018, p. 7, grifos meus).
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Idem.
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A esse respeito, consultar Liebel (2019, 2019b, 2020) e Liebel e Martínez (2009). Para mais referências sobre discussões e movimentos descoloniais do contexto latino-americano, ver Castro (2021a, 2021b), por exemplo.
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A respeito desses medos do (produzidos pelo) radicalismo de direita, consultar Adorno (2020). Ver exemplo recente de uma acusação de jornalista, Cristina Graeml (canal Gazeta do Povo), sobre o que julgou “Doutrinação política pró-Lula em escola infantil de Recife”: https://www.facebook.com/gazetadopovo/videos/doutrina%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-pr%C3%B3-lula-em-escola-infantil-de-recife/561711572393932/. Ou ainda o caso da rádio Jovem Pam que incitou a invasão à Brasília, seguindo o compasso de ações antidemocráticas anteriores (https://www.conjur.com.br/2023-jan-09/mpf-abre-inquerito-jovem-pan-incitar-ataques-brasilia).
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Nas últimas eleições, Bolsonaro reedita a mentira utilizada em 2018, assim como muitos de seus/ suas apoiadores/as: https://www.metropoles.com/brasil/eleicoes-2022/bolsonaro-escolas-tinham-livros-simulando-criancas-fazendo-sexo.
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Ver por exemplo: https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/10/06/e-falso-que-programa-de-governo-de-lula-preve-banheiro-unissex-em-escolas.htm ou https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/banheiros-unissex-viram-pauta-de-campanha-e-lula-e-bolsonaro-se-dizem-contra.shtml.
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Na atual fase da escalada de radicalização bolsonaristas (“nova onda”), há grupos considerados terroristas domésticos, agindo e dizendo sobre “dar início ao caos” para que haja deflagração de “Estado de sítio” e tomada do poder pelos militares (ver mais em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/12/bomba-era-plano-com-manifestantes-do-qg-para-estado-de-sitio-diz-preso-em-brasilia.shtml). Um outro relato se soma ao fenômeno, dentre tantos casos: uma eleitora bolsonarista se oferece, em rede social, para ser uma “mulher bomba” (https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/bolsonarista-se-oferece-como-mulher-bomba-para-acabar-com-a-canalhice/). Vale lembrar que a ideia do sacrifício dos seguidores como um princípio “de honra” foi também presente no nazi-fascismo histórico, como apontam vários estudos (Finchelstein, 2022; Chapoutot, 2022). A ideia da ação como oposta ao diálogo democrático - como no caso do fascismo histórico (Finchelstein, 2022, p. 81) - tem se mostrado também, no caso do bolsonarismo, uma expressão dessa formação do “verdadeiro patriotismo”.
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Disponível em: https://viladeutopia.com.br/sociologo-italiano-domenico-di-masi-constata-o-rebaixamento-da-inteligencia-coletiva-brasileira/.
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Ao que tudo indica, não se trata de um fenômeno passageiro, considerando não apenas no Brasil, mas o caso de vários outros países (Hungria, Polônia, Estados Unidos, Índia, Itália, por exemplo), como analisam Mulhall, 2022; Schwarcz, 2022; Freitas, 2022; Calheiros, 2022; Kalil, 2019; Mendes, 2019; Power, 2022; Alonso, 2019, 2022; Finchelstein, 2022, dentre outros/as.
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Consultar: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/30/lula-x-bolsonaro-bate-dilma-x-aecio-e-tem-menor-diferenca-de-votos-compare.htm
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Ver por exemplo: https://www.jota.info/eleicoes/bolsonaro-tem-estrategia-vitoriosa-ao-eleger-senadores-em-mais-de-dez-estados-02102022 e https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/bolsonaro-amplia-base-de-apoio-no-congresso-ganha-mais-influencia-reeleicao/
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Dos 15 governadores eleitos no 1º. Turno, apenas 6 apoiavam Lula: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/oito-governadores-eleitos-se-aliam-a-bolsonaro-e-quatro-apoiam-lula/ . Ao final do segundo turno, 13 dos 27 eleitos apoiaram Bolsonaro e 10 estavam com Lula: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/eleicoes-governador-eleitos-apoios-lula-bolsonaro/
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Ver Almeida (2019) a esse respeito. Cumpre ainda lembrar que mesmo após o ataque ao Estado, através das invasões golpistas em Brasília, em 08.01.2023, há um número que pode ser considerado bastante expressivo de apoiadores dessas práticas e que sequer acreditam na vitória de Lula nas urnas (AtlasIntel, 2023). Tais ações foram repercutidas mundialmente e também materializam importantes traços da gravidade das forças e articulações da extrema direita em nível transnacional.
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Guattari aponta que: “É através da cartografia das formações subjetivas que podemos esperar nos distinguir dos investimentos libidinais dominantes” (Guattari, 2013, p. 157, grifos meus).
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O próprio Presidente Bolsonaro, em diferentes ocasiões, defendeu que as crianças precisavam saber atirar desde cedo (consultar, por exemplo: https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/08/23/bolsonaro-diz-que-filhos-atiram-com-municao-desde-os-5-anos-de-idade.htm.
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As últimas eleições entraram para a história como as mais violentas do período pós-ditadura. Ver por exemplo: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2022/09/27/crimes-de-odio-e-intolerancia-politica-entram-para-a-historia-da-eleicao-mais-violenta-do-pos-ditadura-no-brasil.htm.
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Adorno indica também a síndrome do “Durão” com sinistro potencial fascista, assim como a do “manipulador” (Adorno, 2019, p. 553) que particularmente interessam nessa discussão, ainda que os referenciais teórico-conceituais sobre os processos de subjetivação não sejam os mesmos.
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A revolução cultural (com valores afins, embora não idênticos) é explicitamente almejada também no bolsonarismo (destacadamente a partir das narrativas de Olavo de Carvalho), no compasso das novas direitas (Rocha, 2021). Adorno (2020) fazia referência à fúria contra o chamado “setor cultural” também como um “sintoma” fascista.
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Sob o bolsonarismo, aliás, há vários estudos que indicam a prática exponencial de lawfare. Aqui destaco o de Zanin et.al. (2019). No caso específico sobre os direitos das crianças, houve impressionante subversão dos textos da lei (a partir da Convenção sobre os direitos das crianças), com destaque para o subterfúgio adultocêntrico e neocolonial: “direitos das crianças na perspectiva da família”. Ver por exemplo uma publicação de um destacado Ministério do governo Bolsonaro, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/publicacoes/por-uma-infancia-protegida.pdf.
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Com alguma semelhança, talvez, ao que Adorno apontava sobre situações de “crise social” e os desvios das energias políticas das classes trabalhadoras de seu “objetivo primário” (Adorno, 2020, p. 40).
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Refiro-me aqui à concepção de participação como aumento de empoderamento e influência, como regra e meta social (o “típico” do que se supõe sobre uma democracia fortalecida): “Children (individually and/or collectively) forming and expressing their views and influencing matters that concern them directly and indirectly” (Lansdown, 2018, quoted Unicef, 2018, p. 7-20)
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Assim como fizeram neste caso também, em comparação com campos de concentração nazistas, ainda que usassem celulares e internet para transmitir os conteúdos falsos (como depois averiguado e confirmado pela imprensa): https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/foto-crianca-deitada-bandeira-policia-federal/ ou https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2023/01/10/e-fake-que-criancas-estejam-sem-comida-e-agua-em-ginasio-onde-foram-detidos-golpistas-em-brasilia.ghtml, por exemplo.
FINANCIAMENTO
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Jun 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
21 Out 2023 -
Aceito
23 Abr 2024
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Este documento possui uma versão em preprint
10.1590/SciELOPreprints.66