A nordestinacão ou a nordestinidade de São Paulo
Marcos Magno Gama
Escritor
Quando termina a Praça da Sé e começa a Rua Direita com a 15 de Novembro, nas noites de sábado e domingo, sanfonas, pandeiros, bumbo dão suas afinadas finais, para começar um grande forró. Na maioria das vezes são dois ou três grupos a pequenas distâncias e, em volta, começando a chegar, já caindo num envolvimento de bailado, cadência, balançar, são eles e elas, "parecendo que são do Nordeste", uma aparência de que a semana foi dura, de que a saudade foi pura, de que este forró venha prolongar esta pureza, que não está lá, porque é São Paulo, é grande, é preciso ficar, porque lá há dureza de ganhar o pão, há falta deste, que duramente tem que ficar nesta grandeza de cidade.
E a primeira parada, ou o intervalo, palmas, e a virada do pandeiro, correndo a roda, caindo moedas para os tocadores porque o pão destes é ganho nestas tocadas.
E esse forró os convida a viver um pouco o lá. Porque tudo aqui lhes bambeia; a semana, em cima de uma construção civil, numa cozinha doméstica, numa porta de prédio sendo porteiro, ou carregando mercadorias para este mercado; mas não perdem a noção do balançado, da música, e misturando os perfumes baratos, as roupas também acompanham esta simplicidade, algumas moreninhas num remelexo meio provocativo, alguns casais com passos novos para chamar a atenção, em outro canto uma pequena churrasqueira de lata soltando uma grande fumaça, com esturricados pedaços de carne, acompanhando uma talagada de pinga. A festa está completa, o forró na sua mais alta emoção. E esta não-perda deste perdido forró nesta grande cidade, uma animação de olhares, de gestos, de cutucadas, de fazer deste canto da cidade um reviver. Não interessando se estão aqui, na China, ou no Afeganistão, estão lá no seu Nordeste, e, se não estão lá, estão nordestificando alguns lugares para estarem lá.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Fev 2011 -
Data do Fascículo
Jun 1985