Open-access A ÉTICA COTIDIANA DAS INTERRUPÇÕES EM TRAJETÓRIAS RELIGIOSAS PENTECOSTAIS

THE EVERYDAY ETHICS OF INTERRUPTIONS IN PENTECOSTAL RELIGIOUS TRAJECTORIES

L’ÉTHIQUE QUOTIDIENNE DES INTERRUPTIONS DANS LES TRAJECTOIRES RELIGIEUSES PENTECÔTISTES

Resumos

O objetivo deste artigo é estudar os momentos de interrupções em trajetórias evangélicas no Brasil contemporâneo; ou seja, analisar os processos de suspensão, paragem, refluxo e (des)continuidade, ocorridos ao longo dos desdobramentos das vidas religiosas de pessoas convertidas ao pentecostalismo. Tendo como base teórico-metodológica a antropologia das emoções e das moralidades, o trabalho debruça-se sobre as biografias de três artistas brasileiras evangélicas. Entende-se, neste texto, que as interrupções são eventos propícios para a produção de dramas morais e emocionais, por meio de histórias que são contadas de distintas formas discursivas. Nesse sentido, o propósito é acompanhar de maneira pormenorizada as flutuações éticas e subjetivas frente às demandas mundanas e sagradas experimentadas por estas artistas, realçando suas ações para lidar com as incertezas e sofrimentos do cotidiano, através do manejo que fazem das palavras e do modo como narram seus períodos de instabilidade na fé.

Palavras-chave:  pentecostalismo; emoções; moralidades; conversão religiosa; narrativas; interrupções


The objective of this article is to study the moments of interruptions in evangelical trajectories in contemporary Brazil, that is, to analyze the processes of suspension, stop, reflux and continuity that occurred throughout the unfolding of the religious lives of people converted to Pentecostalism. Based on the theoretical and methodological approach of the anthropology of emotions and moralities, the work focuses on the biographies of three evangelical Brazilian artists. It is understood in this text that interruptions are propitious events for the production of moral and emotional dramas through stories that are told in different discursive forms. In this sense, the purpose here is to follow in detail the ethical and subjective fluctuations in the face of the mundane and sacred demands experienced by these artists, highlighting their actions to deal with the uncertainties and suffering of everyday life through the handling of words and the way they narrate their periods of instability in the faith.

Keywords:  pentecostalism; emotions; moralities; religious conversion; narratives; interruptions


L'objectif de cet article est d’étudier les moments d’interruptions des trajectoires évangéliques du Brésil contemporain, c'est-à-dire d’analyser les processus de suspension, d’arrêt, de reflux et de (dis)continuité survenus au cours du déroulement de la vie religieuse des personnes converties au Pentecôtisme. Suivant la base théorique et méthodologique de l’anthropologie des émotions et des morales, le travail se concentre sur les biographies de trois artistes évangéliques brésiliens. Il est entendu dans ce texte que les interruptions sont des événements propices à la production de drames moraux et émotionnels à travers les histoires racontées de différentes manières discursives. En ce sens, il s’agit de suivre en détail les fluctuations éthiques et subjectives face aux exigences mondaines et sacrées vécues par ces artistes, en mettant en évidence leurs actions pour faire face aux incertitudes et aux souffrances de la vie quotidienne à travers la manipulation des mots et des façons dont ils racontent leurs périodes d'instabilité dans la foi.

Mots-clés:  pentecôtisme; émotions; moralités; conversion religieuse; récits; interruptions


“O que desejamos é trazer para um mundo fundamentalmente descontínuo toda a continuidade que ele pode sustentar”. (Georges Bataille, L’érotisme) “Ao recordar permanentemente o passado sob o signo da demonização, os esforços pentecostais por criar uma descontinuidade alimentam suas próprias práticas de lembrar e de estabelecer continuidade”. (Robbins, 2011, p. 18)

Apresentação

Ela já foi Consuelo. Ela é do Brasil. De volta ao rock, feliz da vida e em ebulição, ela é...”. Assim anunciava o jornal O Globo, em agosto de 2017, uma reportagem especial com a cantora e compositora Baby do Brasil. Conhecida nacionalmente, desde os anos 1970, como vocalista do grupo Novos Baianos, e por posterior carreira solo de sucesso, Baby tornou-se evangélica ao final dos anos 1990 e, desde então, passou a se dedicar à música gospel e à função de pastora no Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo, criado por ela mesma. A matéria jornalística buscava reapresentar Baby aos leitores, exaltando sua trajetória de relevo no cenário musical brasileiro e a “volta aos palcos com força total”. Novamente envolvida com composições da MPB – a “música secular”, como a própria diz –, repercutia-se na reportagem a importância da turnê que ela vinha fazendo desde 2012, junto ao filho, o guitarrista Pedro Baby. O CD e DVD “A menina ainda dança”, gerados a partir do show que correu o Brasil, tornaram-se, através de variadas narrativas, os produtos musicais sínteses do “retorno” da cantora ao mundo artístico hegemônico.

Entretanto, um passeio por notícias mais antigas indica outras descrições de momentos nos quais a cantora esteve “de volta”, “retornando aos palcos com toda força” depois da conversão religiosa ocorrida há mais de duas décadas. Em janeiro de 2007 – ou seja, dez anos antes da matéria de O Globo –, a revista Isto é Gente publicava uma entrevista um tanto sensacionalista em que destacava os sete anos nos quais Baby estivera “longe da carne”, ou seja, sem atividades sexuais. Nesse contexto discursivo, era anunciado o novo CD que vinha sendo por ela produzido.

Baby ensaia uma volta após sete anos só de músicas religiosas. No fim de 2006, ela subiu ao palco no Bourbon Street em São Paulo, para cantar pop e MPB. E em março, lança o primeiro CD de inéditas e regravações depois de Exclusivo para Deus, cinco anos atrás. (Cardoso, 2007)

Embora anunciado à época, a cantora decide não mais lançar o compacto meses depois. Isso porque, nas porosas fronteiras entre as práticas evangélicas e as artes seculares, Baby do Brasil parece estar sempre trafegando entre “idas” e “vindas”, em um eterno “retorno” a contextos religiosos e artísticos, ao longo dos tempos.

A partir de casos como o de Baby do Brasil, o presente artigo visa atentar justamente para tais movimentos de “voltas”, “saídas”, “retornos”, “viradas” e “chegadas”, recorrentes em diversas trajetórias religiosas de artistas evangélicas do show business brasileiro. Inspirado em algumas proposições de Robbins (2004 e 2011), esses momentos especiais serão aqui nomeados de interrupções, por conta de suas temporalidades fortuitas e instáveis, em muitos casos de difícil delimitação, e que revelam os processos de suspensão, paragem, refluxo, passagem e (des)continuidade, ocorridos ao longo dos múltiplos desdobramentos das vidas religiosas de pessoas convertidas ao pentecostalismo. Essas interrupções permitem observar as nuances e incertezas da vida, a partir de momentos nodais e marcantes de certas trajetórias, capazes de gerar reconfigurações e combinatórias diferenciadas entre as práticas de fé e aquelas consideradas artístico-profissionais.

Para além de um mero uso midiático e comercial desses “retornos” pelos famosos – que uma rápida interpretação poderia acionar –, acredito que determinadas circunstâncias interruptivas revelam de maneira emblemática os meandros de como as dinâmicas das subjetividades e das moralidades entrecruzam-se ao fluxo das experiências cotidianas de pentecostais. Menos interessado em identificar as lógicas dos trânsitos religiosos na contemporaneidade, este artigo visa observar, em tais momentos especiais de interrupção, os ambíguos ideais morais que mobilizam as práticas de sujeitos religiosos, bem como os intensos conflitos subjetivos que eclodem na busca por tentar viver em fé. É possível observar ao longo deste texto como as experiências interruptivas fazem transparecer – a partir de diferentes modalidades de se colocar no mundo, enquanto evangélico – o que uma bibliografia antropológica vem nomeando de “ética ordinária” (Fassin, 2008 e 2012; Lambek, 2010 e 2012; Das, 2010 e 2012; Mahmood, 2012).

O presente artigo está estruturado da seguinte forma: na primeira seção, a proposta de estudo das “éticas ordinárias” das interrupções será melhor esclarecida aos leitores, a partir do diálogo com a antropologia urbana das religiões que, desde pelo menos os anos 1980, vem se dedicando a uma reflexão sistemática sobre as subjetividades pentecostais no Brasil; nas partes seguintes do texto, passo a delinear uma “etnografia do particular” (Abu-Lughod, 1993), tendo como base teórico-metodológica a antropologia das emoções e das moralidades. Analiso as interrupções em três diferentes trajetórias de artistas, por meio de um acompanhamento pormenorizado dos dramas morais e subjetivos postos em narrativas no contexto das éticas que elas buscam tecer em seus sinuosos cotidianos.1

Os nomes da transformação: rupturas, trânsitos, passagens, interrupções

O advento de uma nova onda do pentecostalismo, a partir dos anos 1970, estimulou a antropologia urbana da religião na busca pela compreensão dos meandros que estavam por trás dessa “novidade” do campo religioso brasileiro. Pode-se afirmar que um dos fios analíticos que, desde então, perpassa tais análises, e que até hoje se atualiza teórica e metodologicamente, é a procura por uma compreensão das dinâmicas subjetivas e morais do fazer-se evangélico. Acredito que três grandes flancos analíticos se entrecruzam e sintetizam o debate: 1) a caracterização do ethos de ruptura com o mundano; 2) os trânsitos religiosos estimulados pelas conversões; 3) as vicissitudes e ambiguidades existentes em torno da aderência e sujeição ao projeto evangélico.

Com relação ao distanciamento do mundo, as interpretações sobre o fenômeno pentecostal sempre destacaram como necessidades atravessadoras dos modos de subjetivação dos fiéis a valorização da intensidade no comprometimento com as igrejas e a sensação de ruptura com a sociedade em geral, por conta de um dualismo existencial representado pela “batalha espiritual entre o bem e o mal” (Machado & Mariz, 1996; Mariz, 1999). Diferentemente do catolicismo hegemônico e das religiões de matriz afro, os evangélicos exigiriam uma transformação nas histórias de vida dos fiéis no presente, fomentando a necessidade de uma mudança radical deles com seus passados. Nos termos de Banaggia (2009, p. 206), tais propósitos revelam o “modelo de conversão por substituição”, tipicamente protestante, em que o sujeito busca substituir antigas práticas religiosas por outras inéditas, consideradas, a partir de então, como ideais máximos a serem seguidos.

A caracterização do ethos exclusivista dos evangélicos poderia estimular uma interpretação do self pentecostal como algo um tanto homogêneo, apagando os meios-tons e as ambiguidades das conversões. Nesse sentido, sempre houve, na bibliografia especializada, um esforço coletivo em matizar tais experiências. Um dos caminhos encontrados foi a elucidação dos trânsitos religiosos, expressão que serviu como rubrica para pensar tanto a circulação sincrética das pessoas pelas alternativas religiosas, quanto as metamorfoses de suas crenças no tempo e no espaço (Almeida & Monteiro, 2001). Longe de ser uma experiência final na trajetória de fé, tornar-se evangélico ofereceria uma nova gama de possibilidades em termos de mobilidade confessional. Como bem pontua Gomes (2006, p.194), os novos trânsitos se expressam no movimento de troca de denominação (idas e vindas entre igrejas evangélicas); na desvinculação institucional (abrindo espaço para práticas que prescindem de um intermediário institucional); e na chamada reinserção religiosa (o “retorno” ou “reconversão” de uma experiência de fé já vivenciada em outro momento).

A própria categoria “conversão” entra em xeque nesses debates, já que o termo não elucidaria o cenário de flutuações na fé entre os brasileiros. Em um clássico artigo sobre o tema, Birman (1996a) propôs o conceito de “passagens”, a fim de que o contexto social em que está inserido o sujeito religioso fosse mais bem levado em conta nas pesquisas, permitindo observar as mudanças ocorridas ao longo da vida, os deslizamentos religiosos furtivos, além das mediações simbólicas (como certos rituais), bem como os mediadores (pessoas, objetos, instituições) que tornam possível a dita conversão. Um olhar histórico sobre o fenômeno ajudou a ressignificar também esta questão. Na perspectiva culturalista de pensar uma “conversão à brasileira”, a autora já acreditava haver, em meados dos anos 1990, um “mecanismo de compatibilização” nas igrejas pentecostais (Birman, 1996b, p. 205). Os “novos crentes” buscariam se compatibilizar com os modos de vida já existentes em sua sociedade, distinguindo-se do “crente tradicional”, visto como mais ortodoxo e fundamentalista.

Logo, se a reflexão sobre os trânsitos entre as religiões e o sincretismo marcam a bibliografia dedicada ao pentecostalismo nos anos 1980 e 1990, o debate se desloca para uma maior atenção às vicissitudes e criatividades das subjetividades evangélicas, a partir das primeiras décadas dos anos 2000. Esse deslocamento com ênfase na antropologia urbana ganha contornos nítidos na proposta de Mafra (2000) acerca da “conversão minimalista”. Para a autora, noções como “trânsitos” e “passagens” apagam as agências individuais dos convertidos ao enfatizarem o contexto, dando destaque apenas ao processo de sociabilização, ao controle do grupo e à coesão da congregação na condução do sujeito religioso. Os modelos evangélicos contemporâneos valorizariam mais a “conversão minimalista” (2000, p. 60), o indivíduo possuindo maior autonomia e responsabilidade para conectar valores, mitos e cosmologias.

Segundo Duarte et al. (2006, p. 19), um paradoxo típico do individualismo na cultura ocidental moderna apresenta-se nos movimentos pendulares entre contexto/ sociedade/ congregação e indivíduo/ trajetória/ agência das interpretações sobre o ato de se converter: ao mesmo tempo em que existe o imaginário de que vivemos em um contexto social de generalizada liberdade religiosa, mesmo os discursos mais individualizados tematizam o “assujeitamento ao mandamento religioso”. Entretanto, os autores demonstram que é por meio de um “subjetivismo”, que boa parte das trajetórias evangélicas na atualidade se faz possível. Trata-se de uma expressão que realça a concepção de uma escolha do sujeito de sua religiosidade, por conta dessa presumida “liberdade principial” prevalecente no campo religioso, fruto do advento do individualismo e dos tensionamentos que ele provoca nas dinâmicas sociais.

A compreensão da conversão evangélica como sendo uma experiência paradoxal é também defendida por Campos e Reesink (2014), mas não a partir da tensão entre escolhas individuais/ doutrinas congregacionais, e sim da dialética entre continuidade e descontinuidade. Afastando-se dos críticos que apontam limitações no conceito de “conversão” e enfatizam a vivência evangélica apenas como porosa e transitiva, as autoras buscam enfrentar o desafio de conciliar a esse “paradigma da continuidade” o ponto de vista nativo que estrutura a conversão como “transformação radical” (p. 50). Assim, o paradoxo da conversão evangélica entre descontinuidade e continuidade se instaura, ao indicar uma relação dialética entre uma experiência compreendida como de ruptura – uma “ontologia” – com outra pensada e vivida como um “processo” lento e gradual.

Nota-se que as proposições em torno da conversão como sendo “minimalista”, fruto de um “subjetivismo” ou de uma “dialética entre contínuo e descontínuo”, representam reflexões que buscam dar conta dos delicados e contraditórios processos de construção de si, efetuados pelos evangélicos no Brasil. Uma grande ênfase vem sendo dada, hoje em dia, por exemplo, a estudos de “desviantes” masculinos como usuários de drogas ilícitas e álcool (Mariz, 2003); presidiários e “ex-bandidos” (Côrtes, 2014; Machado, 2014; Teixeira, 2016); “traficantes evangélicos” (Vital da Cunha, 2008); homossexuais e transexuais evangélicos (Natividade & Oliveira, 2013; Quintela, 2020), entre outros outsiders. São estudos que privilegiam analisar a coexistência de dinâmicas de vida a princípio contraditórias no seio da ideologia pentecostal, destacando as lógicas agonísticas radicais típicas do ethos masculino, como a virilidade e a violência nas tramas morais da conversão. Machado (2005, p. 389) classifica esse processo como uma “androgenização” ou “domesticação dos homens”, tendo em vista que ele promoveria uma mudança drástica nas moralidades viris.

Diante disso, é a partir do diálogo com tal lastro teórico-metodológico atento às subjetividades evangélicas na antropologia urbana que o presente artigo procura pensar a conversão de artistas. Seguindo a proposta da antropologia do cristianismo de Robbins (2004 e 2011), busco explorar as dinâmicas morais e subjetivas decorrentes das interrupções vivenciadas por artistas em suas práticas profissionais e religiosas. Para este autor, idealmente uma clara distinção poderia ser feita entre a “ruptura” do transcendental com o mundano – a qual marca as descontinuidades das histórias pessoais procuradas pelos protestantes e pentecostais – e a “interrupção”, constatada com mais frequência nas vidas dos católicos. Pensando a partir do teólogo Lieven Boeve, Robbins acredita que a categoria de interrupção não se reduz ao catolicismo e ilumina outras formas relacionais do cristianismo, inclusive evangélicas. “O transcendente se relaciona com o mundano não ao romper fundamentalmente a sua continuidade, mas ao ‘interromper’ o seu desenvolvimento esperado” (Robbins, 2011, p. 21). A interrupção nas esferas sociais, culturais e pessoais do convertido realça uma relação de tensão constante entre permanências e transformações que indicam uma visão menos progressiva e baseada em improviments do sujeito no mundo.

A categoria de interrupção une continuidade e descontinuidade, numa relação de tensão. Interrupção, afinal, não é idêntica à ruptura, mas implica que o que é interrompido não continua simplesmente como se nada tivesse acontecido. (Boeve apudRobbins, 2011, p. 21)

Assim, o esperado e previsível em uma dada trajetória não tem necessariamente um fim diante dos movimentos interruptivos. Porém, o contínuo nunca é o mesmo após interrupções, havendo algo de diferente naquilo que se manteve. É fato que Robbins oferece em sua conceituação das interrupções uma atenção especial às continuidades no desenrolar das vidas cristãs, mas deseja também observar os seus desdobramentos, sem excluir o reconhecimento da mudança e da transformação.

Nesse sentido, o que pretendo neste artigo, com o conceito de interrupção, é menos estudar os trânsitos religiosos ou apontar aquilo que permanece e/ou é modificado no desenrolar de trajetórias de fé. Na verdade, acredito que as experiências interruptivas são momentos especiais, por permitirem acompanhar as flutuações morais e subjetivas dos convertidos frente às ingerências mundanas e transcendentais. As interrupções apontam para períodos nos quais podemos perceber os fiéis repensando planos, observando o passado, ponderando hábitos e ressignificando sentimentos. Na antropologia, importantes autores que pensam o lugar das moralidades na sociedade, a partir de uma perspectiva etnográfica (Fassin, 2008 e 2012; Lambek, 2010 e 2012; Das, 2010 e 2012; Mahmood, 2012), nomeiam de “ética ordinária” as maneiras sinuosas com que os sujeitos lidam com aquilo que consideram ser o certo ou o errado em seus voláteis cotidianos. Longe de se referir meramente à obediência às regras ou a hábitos automatizados, o uso do termo “ética”, por esses autores, reconhece a inconsistência das rotinas e sentimentos humanos, compreendendo as moralidades como uma “qualidade da ação” (Lambek, 2010, p. 7), e não uma força transcendental a controlar indivíduos em sociedade. A “ética ordinária” indica que o cotidiano não é estático e, por isso, a expressão de valores morais só pode ser sentida quando integrada ao fluxo da ação desempenhada pelos sujeitos, a fim de tornar o ordinário habitável (Das, 2012, p. 134).

Assim, a ideia de refletir sobre uma ética cotidiana das interrupções religiosas pretende realçar uma percepção filigranada dos julgamentos, ações e sentimentos de evangélicas acerca de seus modos de estar no mundo e das circunstâncias de decisão sobre a “coisa certa a se fazer” (Fassin, 2008), ou de experimentar sentimentos que “realmente importam” (Kleinman, 2006). Observam-se neste trabalho artistas envolvidas em dramas éticos, por conta do cruzamento entre práticas profissionais e religiosas, passando por hesitações e contradições em seus mundos. Pode-se verificar suas “éticas ordinárias” na maneira como expressam emoções, questionam atitudes e caem em incertezas frente àquilo que é delas esperado. De acordo com Biehl e Locke (2017), o que estou observando por meio das interrupções religiosas nada mais é do que o inacabado e plástico processo de tornar-se pessoa no mundo, uma “antropologia do devir”.

Em termos teórico-metodológicos mais precisos, as interrupções serão aqui apresentadas a partir de uma abordagem mais “dramática” e menos “reconstrutiva” das conversões (Bispo, 2018 e 2019; Vieira, 2014). Elenco momentos emblemáticos de interrupções em algumas experiências artístico-religiosas, ocasiões estas propícias para a produção de dramas morais por meio de histórias que são (re)contadas através de diferentes formas discursivas. As interrupções são movidas por uma dinâmica dramática, por conta de revelarem, de maneira densa, conjunturas morais através de palavras. Vieira (2014, p. 183) auxilia a pensar que contextos especiais de interrupções se expandem para além do processo de constituição desses eventos dramáticos, graças à formulação, a partir deles, de um campo mais amplo de narrativas e produções simbólicas discursivas. Assim, estudarei as emoções e as moralidades das artistas nas situações sociais específicas em que se expressam, sendo constituídas no próprio processo de narrar as interrupções, e não somente como dinâmicas referenciadas a posteriori por discursos variados sobre o ocorrido (Abu-Lughod & Lutz, 1990).

Os silêncios de Índia Potira

Índia Potira é o nome artístico de Glória Maria da Silva, 73 anos de idade, moradora do Rio de Janeiro e considerada como a maior chacrete dos programas de auditório televisivos de Chacrinha, nos anos 1970 (Bispo, 2014). Dentre as centenas de dançarinas que passaram por ali, sua notoriedade foi tecida em torno da construção de uma persona pública que entrelaçava duas características: a “brasilidade”, por conta de uma beleza “mulata” classificada de “exótica”; e a de “mulher guerreira”, pela dedicação, enquanto “mãe solteira”, ao cuidado de duas filhas. Foi incentivando a fricção entre a ternura maternal e a sensualidade que se faz nacional, que Índia viveu dez anos exclusivamente das artes, seja como dançarina, backing vocal, figurante; cantando, interpretando ou “fazendo programas” – trajetória de sex symbol trilhada durante a década de 1970.

Por conta da temporalidade dessas carreiras instáveis da indústria cultural, obviamente Índia não possui hoje a inserção que tivera no mundo artístico hegemônico. Entretanto, não abre mão de se compreender como uma artista, mesmo percebendo que as oportunidades minguam ao longo dos tempos, para uma baixa classe artística dedicada à exibição do corpo e dependente do mercado erótico. Sempre que possível, Glória tira Índia Potira do armário, ajeita o aplique, põe a pena na cabeça e revive os tempos áureos, desempenhando atividades esporádicas para “ganhar um trocado”, como jurada, apresentadora de pequenos shows, participação em reportagens, entrevistas memorialísticas. Hoje aposentada, depois de famosa, enfrentou dificuldades financeiras e, devido a pouca escolaridade, trabalhou como garçonete, balconista, cozinheira e empregada doméstica.

Conheci Índia (como costuma ser chamada até hoje) durante minha pesquisa de campo sobre a experiência artística e de envelhecimento das chacretes, desenvolvida entre os anos de 2009 e 2011. Não é pretensão minha traçar aqui sua história de vida, algo que pode ser analisado em outros trabalhos (Bispo, 2014 e 2016). Destaco que ela foi uma de minhas principais interlocutoras, cujas práticas religiosas sempre me chamaram a atenção. Quando nos conhecemos, dizia-se evangélica e frequentadora da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), há 15 anos. Era comum ver sua bíblia aberta e espalhada por diversos lugares da casa. Ela a lia com frequência, além de fazer “estudos” em cadernos de anotações. Na parte da tarde, gostava de ligar o rádio ou ver canais da TV com programações evangélicas.

Índia morava “de favor” em um apartamento alugado pelo marido da filha, no bairro de Copacabana. Naquele espaço, convivia a típica variabilidade religiosa das camadas populares urbanas. No quarto da chacrete e na sala, quadros com passagens bíblicas estavam dispostos nas paredes, estando eles próximos, contudo, do altar de santos e velas e dos inúmeros objetos dispersos pela casa contra o mau agouro (figas, espigas de milho, vasinhos com oferendas). A filha era frequentadora de um terreiro de candomblé, nas proximidades do bairro pobre de origem. Índia a respeitava, mas evitava envolver-se com tais cerimônias, que já havia frequentado quando se dizia também católica.

Mesmo diante de um cenário de forte religiosidade em sua residência, Índia pouco verbalizava a mim ou aos familiares sobre sua vida religiosa naquele momento. Em meus registros no caderno de campo, possuo anotações que indicam sua resistência em falar sobre o assunto, o que me intrigava, já que conversávamos sem constrangimentos sobre sexo ou seu passado conturbado com drogas. Índia dizia-se evangélica, nada mais. Perguntei-lhe, certa vez, se poderia acompanhá-la ao culto, e ela desconversou: “‘Tô meio afastada” – tornou-se uma recorrente expressão evasiva, usada como resposta pronta aos próximos insistentes. Suas poucas narrativas religiosas naquele período eram, às vezes, como “slides congelados” (Das, 2007, p. 33); isto é, palavras soltas, vagamente alusivas e repletas de subentendidos estereotípicos, como “Deus está vendo” ou “só Ele sabe”.

Entre todos ao seu redor, havia um claro consenso acerca de uma desilusão de Índia com o transcendental. Seus silêncios demonstravam uma interrupção em sua trajetória religiosa – nos termos propostos neste artigo –, sendo eles uma forma de narração ativa encontrada pela chacrete a fim de comunicar no cotidiano seus descontentamentos com a prática religiosa. Através do nada a dizer, do pouco a dizer ou do dizer evasivo, Índia dramaticamente discursava sobre vontades e necessidades de agir conforme aquilo que acreditava ser um “bem” maior para ela, naquele momento (Fassin, 2008). O falar genérico dos “slides congelados” fomentava as justificações que buscavam dar conta para ela própria e às pessoas ao redor das discrepâncias observadas entre a evangélica que ela vinha sendo (ou deveria ser, segundo expectativas) e a que ela acreditava realmente ser, naquele momento.

Os comportamentos da chacrete remetem à “ética ordinária” de sua parentela. Sua vida religiosa era tema candente entre as filhas candomblecistas e os familiares católicos. Costa (2014, p. 135) afirma que, em uma residência onde coabitam diferentes credos, processos de conversão dão a tônica de várias desavenças no seio familiar. A parentela acreditava que era “bom para Índia” manter-se na fé. Logo, tais silêncios da chacrete eram, para eles, um barulho ensurdecedor habitando as superfícies dos dramas domésticos. Isso porque todos a apoiaram, quando souberam de suas decisões de enveredar pelo pentecostalismo, em meados dos anos 1990, lembrando-se que ela “entrou na linha” após a conversão. Duarte e Gomes (2008, p. 154) indicam que, apesar de existirem tensões no agrupamento familiar devido à conversão de certos entes, nem sempre eles são malvistos, quando está em jogo o abandono de práticas consideradas desordens ético-morais.

O apoio familiar foi importante para Índia superar aquilo que tanto os parentes quanto ela própria, em suas memórias coletivas, consideravam ser a fase artística “sinistra”, “ruim” e “sem juízo” da dançarina, marcada pelo interesse na fama, envolvimento com as drogas, programas sexuais, relacionamentos amorosos abusivos, abandono da prole, além de três prisões por conta de assaltos e tráfico. As lembranças de Índia costumavam imputar um forte julgamento moral acerca de suas atitudes quando artista na década de 1970, reportando-se com pesar, culpas e arrependimentos a esse período. A interrupção evasiva e ambígua da chacrete na intensidade religiosa, durante o início de nossa convivência nos anos 2010, gerava, então, atitudes de insistência por parte desses parentes, para que ela tomasse melhor consciência de sua própria fé. “Volta para a igreja, é o melhor que você faz”, recomendavam-lhe com frequência.

O tratamento quimioterápico de um câncer de mama, que Índia passou a enfrentar, tornou suas intimidades mais expostas, reconfigurando a tessitura das dores que fazia até então por meio do silêncio. Das (2007) demonstra que um “trabalho do tempo” atua nas (im)possibilidades dos sujeitos de lembrar, dizer e representar seus males, passando por formas discursivas variáveis entre os limites do que pode ou não ser dito, conforme o tempo vai “trabalhando” sobre eles, operando sobre suas subjetividades. Aos poucos, Índia foi revelando aos familiares que a instabilidade em sua fé se ligava ao fato de se sentir “em dívida com Deus”, na mesma medida em que não era por ele agraciada, mesmo com todo o seu fervor religioso – “fui esquecida”, dizia.

A descoberta da doença e o posterior silêncio não eram um trauma nos moldes psicanalíticos, um acontecimento tortuoso que não se consegue colocar em linguagem, sendo por isso “reprimido” e tornado “inconsciente”. Por meio do controle das palavras, de uma “fala cercada de cuidados”, Índia buscava “habitar o mundo”, gerindo a dor e o medo da morte através de uma “descida ao ordinário”, um exercício diário e persistente de refazer a própria vida a partir das limitações impostas pelo cotidiano (Das, 2007, p. 14-15). Agia, portanto, de forma um tanto diferenciada da ascensão ao transcendente divino, como costumava fazer nos últimos anos desde a conversão ao pentecostalismo.

O desenrolar do tratamento quimioterápico e a sensação cada vez maior de cura fez com que Índia, aos poucos, passasse do silêncio a uma profusão de palavras sobre a vida religiosa. Quando retornei à sua casa, após alguns meses sem vê-la, Índia revelou-me que passara a frequentar os cultos da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), um ramo neopentecostal relativamente novo e oriundo da IURD. Sentia-a mais disposta e feliz com a mudança. Uma narrativa religiosa positiva passou a justificar a doença. “Para que serve um seio na idade que eu tenho, não é mesmo”? Sentia-se privilegiada e não mais renegada por Deus. “Voltei a me acertar com Ele e estou bem com isso”. Ainda de acordo com Das (2007), a comunicação pública da dor feita por Índia, após interrupções em suas práticas religiosas, demonstrava que o sofrimento já podia ser inscrito na vida cotidiana, tendo o tempo como um de seus maiores aliados na recuperação tortuosa do que considerava moralmente como o “melhor” para si.

A reconfiguração nas interrupções de Índia foi também acompanhada por um reflorescimento de interesses artísticos, através de uma proximidade comedida com os meios de comunicação e a “volta” à cena pública de sua personagem chacrete. Afinal, se nunca deixou de se dizer evangélica, ser artista também foi uma atividade repleta de interrupções em seus setenta anos de idade. Índia entendia a reaproximação com o mundo artístico como uma causa em busca de fiéis, e não mais algo fruto de um interesse pela fama e sucesso. Ela passou a se ver, a partir daí, como um “instrumento de Deus”.

O testemunho tornou-se uma prática recorrente no cotidiano dela e, desde então, é por meio desse típico ato de fala cristão que tem se feito enquanto artista na esfera pública (Bispo, 2018 e 2019). Certa vez, a seu pedido, gravei um vídeo dela testemunhando sobre o tratamento do câncer, disponibilizado na internet pela plataforma YouTube (2011). Ela narrou suas vivências e atestou o que dizia, mostrando-se careca aos espectadores, sofrimento provocado pelo tratamento quimioterápico e comprovado pela ostentação das marcas deixadas por ele no corpo, algo comum nos testemunhos (Cortês, 2014; Machado, 2014). Pelo vídeo, Índia passou a interagir com “fãs” e “fiéis” que enviavam recados solidários.

A chacrete também foi convocada pelos pastores da IMPD a testemunhar no púlpito, durante os cultos. Através desse ato, Índia instaurava um outro patamar narrativo em seu drama moral sobre suas “idas e vindas”. Acompanhei seu longo tempo por decidir-se a fazer tal ato em público. Ao finalmente chegar ao púlpito, a chacrete demonstrava a sua força pessoal tecida no tempo, no trabalho de conseguir gerir a vida ordinária, cuidar do que acreditava ser o “bem” e reverter o quadro de sofrimentos. Logo, o caráter estruturado e público do testemunho reverberava um momento ápice de profusão de palavras sobre a dor na vida de Índia.

Entretanto, a reconstrução moral explicitada pelo testemunho indicava também uma história de vida ainda inacabada. Isso porque, mesmo “quinze anos evangélica”, no ato testemunhal Índia declarava que ainda fazia “doideiras”. Pretendia aos poucos ir revertendo todos os males a fim de uma plenitude ao lado de Deus. Sua “ética ordinária” partia da compreensão da conversão como um longo e penoso processo, em que a cada momento ela estaria abrindo mão de elementos que compunham um estilo de vida que não desejava mais. A ideia era seguir pela “mudança”, demonstrando que as interrupções observadas ao longo da pesquisa confirmavam muito mais as continuidades de seus interesses pela “transformação” paulatina de si por meio do evangelho, do que uma ruptura completa e abrupta com o transcendental.

As conexões de Baby do Brasil

“Estou com saudades, oh Baby. Nós estamos com saudades”. Assim, o guitarrista Pedro Baby adaptava um trecho do repertório musical do pai, Pepeu Gomes, a fim de fazer alusão à ausência de anos da mãe em casas de espetáculo. Ele dividia com ela os mesmos holofotes ao cantarem Planeta Vênus, em A menina ainda dança. O show de 2012 é o marco da “volta” de Baby à “música secular”. As narrativas que eclodiram a partir desse evento realçam as resoluções morais e subjetivas encontradas por ela para dar sentido à interrupção que vinha experimentando na intensidade com que se envolveu com o ideário pentecostal desde o final dos anos 1990.

O “ambiente familiar” serve como esteio para o retorno da cantora, ao entoar, ao lado do quarto de seus seis rebentos, músicas compostas por ela junto da filha Sara Sheeva e do ex-marido, com quem fez fama nos Novos Baianos. O “bem” gerado pelos vínculos de parentesco transmitidos por redes familiares que se dedicam quase que por completo às artes expande-se com a presença de um sobrinho no palco. Além disso, é também na confecção de um drama narrativo familiar, que Baby justificava ao público o seu retorno. Um convite de Pedro tinha o propósito de trazê-la à vida artística secular. “Mãe, vamos? Vamos fazer um show? Eu queria tanto aquela minha mãe para poder ouvir de novo aquelas músicas” (O Verbo News, 2015). Mesmo com a insistência dela para que o filho tocasse guitarra em suas canções gospel, a cantora decidiu, após orações, dedicar-se ao projeto. “Pensei que nunca ia mais fazer nada aqui do lado da Babilônia” (Urbim, 2017), explicava nas entrevistas. O espírito proselitista evangélico fazia a artista acreditar ter a missão de “santificar uma geração”.

Em 2010, dois anos antes de eu voltar a cantar, Deus me avisou que isso ia acontecer. Fiz um jejum para ter certeza de que aquele era o momento. Não queria retornar ao mercado por dinheiro ou fama; meu foco são as pessoas, a vida, a música. Estou de volta no futuro. E está todo mundo feliz por me ver inteira. (Andrade, 2015)

Estar “de volta no futuro” era uma frase muito dita pela cantora nas entrevistas à época. Ela demonstra a percepção da passagem do tempo por parte de Baby, acompanhada de uma avaliação daquilo que muda ou não em sua fé. Biehl e Locke (2017) afirmam que o tempo vivido pelos sujeitos não é reduzido àquele do relógio, pois ele habita múltiplas temporalidades concomitantemente, com passado e futuro se interpenetrando no que consideramos ser o ideal para o presente. Baby explora a extensão de seus ciclos de vida, ao misturar tempos a fim de demonstrar que o “retorno” ao passado na grande mídia não é um retrocesso, uma atitude anacrônica, mas uma aposta pessoal no futuro. O projeto da cantora remete mais aos sentimentos morais da esperança, do que os mobilizados pela nostalgia e saudade.

A interrupção reforça, em variados planos temporais, as continuidades e as projeções de vida de Baby. Ela permaneceu desempenhando suas práticas religiosas em concomitância aos shows. Atuava como pastora de seu Ministério, sendo em seus próprios termos uma “popstora”: trabalhava em missões de rua em prol de “drogados” e “mendigos”; promovia cursos religiosos e vigílias em sua residência. “Hoje sou uma pessoa completa e posso andar no mundo e ser uma referência nessa área” (Baeta, 2013).

O show da cantora é um apanhado de narrativas fragmentadas que são por ela tecidas com o intuito de conectar dois mundos em princípio inconciliáveis. As letras de seu repertório new age, dos anos 1980, são exemplos do uso das palavras para promover interligações entre o sagrado e o profano. “Magia” é trocada por “alegria”, em Cósmica: “Na época em que a música foi feita, esse era o significado da palavra para mim, e não o de magia (espiritual) mesmo, que eu conheci depois” (O Verbo News, 2015). Em Telúrica, a cantora aponta para os céus e substitui “em ti” por “nele”, em referência a Deus, no trecho “Eu penso Nele, no meu agir”. A canção de Caetano Veloso, Menino do Rio, consagrada em sua voz, também passa pelo exercício discursivo de combinar e torcer vocábulos. A frase “dragão tatuado no braço” é substituída por “Jesus forever tatuado no braço”. O uso da língua inglesa pela “popstora” é recorrente; ao longo do show, várias expressões estrangeiras conectam as passagens entre as músicas e oferecem ao público uma postura rock star. “I love you, lord” e “In name of Jesus, come on!” são frequentes.

Baby entende que seu repertório sempre foi marcado por uma busca de Deus e, por isso, acha que as letras antigas seculares lhe servem hoje, como hinos de adoração evangélicos. “Eu precisava saciar minhas questões existenciais e fiz uma incursão bem matrix, punk do bem. Durante minha vida inteira, eu cacei Deus. Telúrica, Cósmica, Sem pecado e sem juízo, comprovam isso” (Andrade, 2015). Por essa perspectiva, podemos entender que as cantigas sempre foram gospel em certo sentido, e um show secular em casas de espetáculo consideradas laicas, como o que ela fazia em 2012, não deixava de ser também uma celebração religiosa, um púlpito para o louvor ao sagrado.

O propósito de Baby é duplo, não consiste apenas em conectar o religioso ao secular, mas o oposto também. Os CDs evangélicos, lançados ao longo dos anos 2000, estão repletos de canções tidas como mundanas em formato gospel, como Stand by me, de Ben King. Trata-se de um álbum que justapõe palavras e sons considerados ora divinos, ora seculares. “O disco é gospel, mas tem jazz, bossa nova, tambores, tem tudo” (Baeta, 2013). Pensando junto com Scielke (2009b) e suas pesquisas sobre o revivalismo islâmico no Egito, o que observamos nas interrupções de Baby são os reflexos de seus desejos de querer viver virtuosamente seguindo o “bem”, não apenas trafegando entre objetivos de vida morais muito bem demarcados, mas através de conexões entre projetos pessoais ambivalentes, que, para muitos evangélicos, poderiam ser entendidos como mutuamente excludentes.

Sou uma louca do bem, da matrix de Deus. Dizem as escrituras que ele ia usar os loucos deste mundo para confundir os sábios. Olha eu aqui! (Andrade, 2015)

Meu cabelo e minha roupa revelam um jeito diferente de enxergar a vida, sem restrições. Não queria me enquadrar numa só religião. Sou evangélica, mas não a de saia longa e coque. (Andrade, 2015)

Eu já descobri que Deus é marqueteiro. Ele tem igreja para todo tipo de pessoa: para o careta, o mais ou menos, o caretéssimo, o louquéssimo... Aí tem a outra igreja que provavelmente vão dizer: “não, muito louco. Está todo mundo tatuado. Não pode”. Pode ou não pode? Aí você vê que, outra igreja, nem calça comprida deixa usar. Eu vou lá brigar com isso? Eu não me meto nos negócios de Deus. (YouTube, 2014)

Com tudo que vivi desde que comecei no início da música, aos 17 anos, venho sendo fiel aos meus princípios de busca de mim mesma e ao que acredito. Tem a ver com pensamentos, tem muito de psicanálise, psicologia e espiritualidade, que é a principal vertente que me move. Durante toda a minha vida, eu banco esse tipo de conclusão. Com isso, chego hoje aos 62 anos, mas nem sinto, graças a Deus. (YouTube, 2014)

As conexões evangélicas tecidas por Baby em entrevistas dialogam e sincretizam com suas experiências pretéritas, seja a Contracultura dos anos 1970, dos Novos Baianos, seja o estilo de vida comumente nomeado de Nova Era (Magnani, 2000) e por ela adotado na década seguinte. A cantora parte de uma constatação de que há uma ampla oferta de possibilidades e modos de ser pentecostal, adaptados às demandas subjetivas de quem a procura, sendo todos legítimos aos olhos de Deus, o “marqueteiro” que sabe muito bem se posicionar no mercado de “negócios” religioso.

A criação de seu próprio Ministério é indício dos interesses de Baby pela pouca institucionalização de sua fé. Trata-se de uma crítica da cantora ao que “religião” promoveria em termos de controle subjetivo e acesso limitado à esfera transcendental. “Não estou falando de religião, mas de revelação, religare” (O Verbo News, 2015). Bem típico das culturas psicologizadas que encontram pontos de contato com os reavivamentos mágico-religiosos no Brasil contemporâneo, como indicam Duarte e Carvalho (2005), as conexões pentecostais de Baby se apoiam na preeminência das sensações e experiências emocionais na constituição da “espiritualidade”, dando atenção especial à “busca pela autenticidade de si”, através da descoberta das agonias e obscuridades que rondam a interioridade do eu.

Na salvação intramundana pelo “equilíbrio interior”, garantido pela paulatina “busca de si” que a conversão permitiu à cantora, não seriam os momentos de interrupção repletos de conectividades vocabulares um típico procedimento subjetivo, que o sistema ético foucaultiano nomeia de “tecnologias do self”? (Foucault, 2014). As recorrentes e demarcadas passagens de “volta” à música secular explicitam uma incessante tentativa da cantora em interligar “sagrado” e “profano”, configurando um drama narrativo que lhe garante realizar por conta própria operações sobre sua “alma”, visando a uma transformação positiva de si. As “tecnologias do self” demonstram o “trabalho ético” (Robbins, 2004, p. 216) que deve ser constantemente efetuado pelas pessoas religiosas, a fim de se adequarem enquanto sujeitos morais no mundo, seguindo um “bem viver” por meio das regulações de suas próprias interioridades, um domínio pleno da psique.

As queixas de Perlla

O caso da cantora Perlla evidenciou, ao longo da pesquisa, dois momentos de interrupção em um curto espaço temporal. Primeiramente, verifiquei um processo de intensificação da fé, quando ela se reaproxima da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, em 2013, acompanhada de abrupto rompimento com a carreira de “rainha do funk melody”. Em 2016, constatei o oposto: um distanciamento das práticas evangélicas intensivas, seguido de um novo contato com o funk. Esses dois momentos interruptivos, vividos pela cantora, foram repletos de inconsistências e ambiguidades, permitindo-me observar a formulação em palavras de dramas morais bem diferenciados.

Perlla, 31 anos, foi a típica jovem das periferias das cidades que, através do funk, conseguiu galgar notoriedade no mundo artístico mainstream, em meados dos anos 2000, aos 16 anos. Moradora do subúrbio do Rio de Janeiro, sua carreira teve a potência dos fenômenos da indústria cultural nos quais uma artista parece não sair das mídias durante um período. Através das músicas Tremendo Vacilão e Eu vou, ela fez shows pelo Brasil e cantou ao lado de ídolos como Roberto Carlos.

Identificada com uma modalidade de funk considerada “suave”, “romântica” e “pop”, suas letras abordavam o universo adolescente feminino, de flertes e diversões. Após a reconversão em 2013, ela passou a dizer que não gostava de suas letras seculares. “Não tinha nada a respeito de sexualidade. Mas tinha aquele apelo com relação aos homens, de espezinhar, bater, de fazer e acontecer. São músicas que agrediam as pessoas” (Damião, 2013). Perlla é tida, por críticos musicais, como a percursora que pavimentou a estrada para uma série de cantoras, e que surgiu no funk e ampliaria seu escopo de atuação para outras vertentes, ao cantar sobre “empoderamento feminino” e adquirir reconhecimento internacional, como Anitta e Ludmilla.

“Nascida e criada” em uma família, cuja mãe e avó sempre frequentaram a Assembleia de Deus, Perlla aprendeu a cantar nos corais da igreja e manteve sociabilidades infanto-juvenis próximas aos irmãos de fé. São inúmeros os testemunhos virtuais em que profere isso – cujas datas de emissão concentram-se nos anos de 2013 e 2014 –, geralmente efetuados em cultos para jovens. Nessas narrativas, considerava ter ficado “desviada” do evangelho durante oito anos, o período de explosão como cantora. “A Perlla antiga era muito doida, fazia coisas que não agradavam aos olhos de Deus. Bebia, fumava, tinha um comportamento que não condizia com a pessoa que nasceu em um berço evangélico” (Damião, 2013). Além das mediações femininas (mãe, avó), que estimularam sua reinserção religiosa (Birman, 1996a; Machado & Mariz, 1996), foi também o casamento com um filho de pastor que reacendeu os interesses pela Assembleia.

Perlla descreveu, à época, a sua interrupção no mundo funk como sendo uma “renúncia”. Se, em algum momento, procurou conciliar trabalho nas artes seculares com a fé, rapidamente julgou que “tudo aquilo que te afasta de estar na presença do Senhor é aquilo que você não deve fazer. Você tem que se apartar” (YouTube, 2015). A cantora chegou a cumprir compromissos previamente marcados, sentindo-se mal por não mais desejar estar nos palcos. “E eu fazia show, e tudo, porque eu era obrigada. Eu me sentia um peixinho fora d’água” (YouTube, 2016). “Renunciar” e “apartar” remetem à retórica de distanciamento do mundo, na qual continuidades são proibitivas e a ruptura é o idealizado.

Passando a negar qualquer projeto secular, os testemunhos de Perlla ganham tintas de gênero, quando destacam os caminhos morais enquanto boa esposa, que passou a tentar trilhar. O uso midiático que fazia dessas narrativas estava muito além de uma proposta proselitista. Elas eram verdadeiras “tecnologias de gênero”, segundo De Lauretis (1994), já que serviam à funkeira como instrumento de aperfeiçoamento de si enquanto mulher, dentro de uma lógica heteronormativa, graças ao florescimento de sensibilidades que a realocariam em um feminino moralmente ideal. O início de uma carreira como cantora evangélica – gravando um CD gospel chamado A minha vida mudou – insere-se nesse diapasão de uma formação generificada de si, por meio das novas tecnologias. Perlla adquiriu uma “autoridade moral” (Teixeira 2016, p. 108) para produzir um álbum voltado para o público de adolescentes mulheres, pelo fato de ter sido reconhecida como jovem “desviada”, que se tornou mulher exemplar.

Nesse sentido, acompanhar as sutilizas da reconversão de Perlla é levar em conta algo que Scielke (2009a, p. 163-64) considera ser uma falha nos estudos das moralidades religiosas: presumir uma disposição razoavelmente unificada e clara, por parte dos fiéis, daquilo que desejam de “bom” para si; desejos estes, que seriam um conjunto mais ou menos coerente de coisas, ou que pelo menos conteriam uma clara hierarquia, quando os propósitos são considerados divergentes. Acompanhar as interrupções de Perlla é constatar o caminho tortuoso pelos quais projetos profissionais e pessoais são reconfigurados incessantemente. Se, em 2013, parecia-lhe claro que uma vida de cantora Gospel, mãe e esposa era tudo o que almejava, em 2016 verificamos propósitos divergentes.

Perlla decidiu reativar a carreira no funk. Construiu um canal de vídeos no YouTube, a fim de se reconectar com os fãs. Lançou músicas, clips “sensuais” e passou a dar dicas de maquiagem. A “volta” de Perlla foi acompanhada de mudanças no âmbito das denominações religiosas: ela deixou a Assembleia de Deus e passou a frequentar uma igreja próxima de casa, a Evangelho Pleno, por ela classificada de “pequenininha, menos rígida e tradicional” (YouTube, 2017). De Paula (2007, p. 64) demonstra que algumas artistas, a fim de manterem carreiras seculares e não serem cerceadas por religiosos, tendem a procurar por denominações consideradas menos rígidas pelos próprios evangélicos.

Na segunda interrupção, os testemunhos, os hinos gospel e as declarações midiáticas sobre ser esposa perdem densidade no espaço público para narrativas queixosas sobre sua relação com fiéis. Isso porque a artista contemporânea inevitavelmente esbarra em comentários de desconhecidos, nos canais virtuais de comunicação. O “retorno” ao funk gerou uma onda de críticas por parte de evangélicos.

Se eu fosse você Perla, teria vergonha de mim mesmo, vc tinha tudo pra ser um exemplo de Cristã, influenciando jovens. Mas, se tornou só mais uma Famosa que se vendeu pela Fama e Dinheiro. Eu quero saber quem é a Perla de verdade?? (YouTube, 2019)

Amiga serei objetivo: Vc veio aqui na minha igreja em Nova Iguaçu. O seu testemunho edificou muitas vidas. Vc era humilde e agradável. A sua família era linda. Jesus te ama muito. Ele pode restaurar a sua vida. A sua vida vale mais do que todo ouro e prata que existe no mundo. Um grande abraço e deixe o Senhor cuidar de vc. (YouTube, 2019)

Ela nunca aceitou Jesus verdadeiramente. (YouTube, 2019)

Perla vc já deu o q tinha q dá (sic). Vc mostrou de fato quem vc é, quando brincou com DEUS! Se arrependa o mais breve possível. Vc na música já era. Vc se lembra dos teus testemunhos na igreja??? Muito cinismo. (YouTube, 2019)

A desconfiança da conversão de artistas é um tópico comum entre evangélicos (Cunha, 2007, p. 94). Segundo as acusações, os desejos ocultos dos famosos seriam os de “aparecer” às custas da igreja. Entretanto, artistas que passam por essas avaliações encontram estratégias de ação frente às maledicências. Demonstrei em outro trabalho o papel público das queixas femininas, por exemplo (Bispo, 2016). Elas são mais do que meras reclamações e possuem um poder de atuação social. Nas queixas, a mulher alvo de infortúnios constrói discursivamente a sua posição de “vítima”, em um contexto dramático cujo sentido máximo é o de expor o sofrimento provocado por figuras “algozes”, cujas responsabilidades pelos males é muito clara à mulher que se queixa.

Perlla costuma se maquiar em vídeos caseiros e os disponibiliza na internet. Entre cílios e batons, profere inúmeras queixas aos “crenteiros”, os “evangélicos encrenqueiros”. As narrativas adquirem maior eficácia justamente no acúmulo, na descrição de um infortúnio atrás do outro, de forma que, ao cabo da narrativa, a situação total de sofrimento está ali retratada por meio de dispersos queixumes espalhados por entre conversas sobre maquiagem e funk.

Olha, meninas, deixa eu falar uma coisa: na verdade eu nunca deveria ter saído do meu trabalho no pop-funk. Eu, quando me converti, eu estava em um momento muito sensível na minha vida. [...] A maioria das pessoas que critica foi de pessoas recalcadas e crenteiros. Existem pessoas cristãs, que realmente seguem a Jesus e vivem a palavra, e outros que são crenteiros, que não têm o que fazer e ficam nas redes sociais querendo se meter na vida alheia das pessoas. Permaneço cristã, sou evangélica, mas não misturo mais a minha fé com o meu trabalho. Esse foi o meu maior problema: ter misturado. Minha volta foi uma decisão muito sensata, precisa, de comum acordo com o meu marido, com a minha família. A minha igreja me entende, o meu pastor me entende. (YouTube, 2019)

É na quantidade de denúncias sobre os crentes, no rosário de queixas, que Perlla constrói seus sofrimentos. Sua narrativa tem o propósito de “persuadir, convencer, deleitar ou comover por meio da palavra” (Gregori, 1993, p. 186) aquele que escuta o enovelamento que faz de suas histórias. As queixas nem sempre são ditas diretamente, de maneira objetiva ou carregada por um semblante negativo, introspectivo. Elas parecem adendos às lembranças da cantora, na maioria das vezes, ridicularizando seus algozes, atacando-os por meio de deboches sobre seus modos controladores de ser. “Não bebo, não fumo, não cheiro e sou mulher de um homem só. Então, por que me criticam?” (YouTube, 2019).

Perlla se diz evangélica e apoiada pelos pares de sua nova denominação. Não quer mais ser podada em sua arte, por isso queixa-se. Os momentos conturbados com evangélicos revelam também, indiretamente, as aspirações de sucesso e status nas artes seculares. A fama lhe deu felicidades no passado, mas, após o “retorno”, expectativas de reconhecimento vêm sendo frustradas. Em entrevista, com voz embargada, a uma apresentadora de TV, ela chegou a revelar o quanto vivia novamente uma instabilidade por ter optado em “voltar”. As “idas e vindas” demonstram o quão difícil ainda lhe é almejar o próprio bem em termos profissionais e religiosos.

As pessoas dizem: “eu acho que não tem mais espaço para você”. Mas é aquela certeza que eu tenho dentro de mim, sabe? Eu não sei explicar. Pessoas de dentro da minha família: “não, não tem mais espaço”. Mas, quando eu vi que era ainda muito querida... Num show, eu me senti abraçada, eu vi o quanto as pessoas me amavam, gostavam do meu som, da minha pessoa. “‘Tá doido. Eu estou certa. ‘Tô nem aí. Vou voltar”. (YouTube, 2017)

Conclusão

A fim de entender a variabilidade do cristianismo no Brasil contemporâneo, o conceito de interrupção permitiu-me vislumbrar a versatilidade que é a experiência pentecostal. A partir da trajetória de “idas” e “vindas” de artistas, verifiquei que os seus sentidos de existência, projetos, lembranças e desejos são explicitados e tensionados nos contextos éticos das interrupções, marcados por autorreflexões que ressaltam as variações das tonalidades morais e sentimentais frente ao que elas entendem como vida artística e religião. Os momentos interruptivos revelaram as histórias vividas ou imaginadas pelas artistas aqui retratadas; as reflexões sobre seus percursos, decisões e sentimentos; as suas percepções sobre a passagem do tempo, baseadas numa atenção a tudo que permaneceu, àquilo que nunca se concretizou ou ao que foi efetivamente abandonado ao longo de suas trajetórias.

Em termos metodológicos, segundo Duarte et al. (2006, p. 87), o que também constatei, em tais interrupções, foram processos longos, inconscientes, fortemente interiorizados e de difícil “objetificação exteriorizante”, geralmente acessados em racionalizações a posteriori às quais o pesquisador teve acesso por meio de narrativas. Assim, busquei costurar uma rede de significação sobre tais instáveis períodos, através de uma “abordagem dramática” (Vieira, 2014; Bispo, 2018 e 2019) das interrupções, acompanhando dramas morais que adquirem sentido ao se expressarem em diferentes formas de narrar, como os testemunhos, os silêncios, as cantigas, as queixas e as conexões vocabulares. Os modos como as artistas põem as palavras em ação na vida cotidiana foram as formas etnográficas que encontrei a fim de captar as sutilizas dos processos subjetivos por detrás de escolhas éticas.

À guisa de conclusão, realçarei três questões que emanam das trajetórias aqui entrelaçadas. Primeiramente, gostaria de problematizar as “idas e vindas” entre instâncias simbólicas em princípio tidas como antagônicas, já que notei o quanto as artes em geral ainda servem às religiosidades como um importante contraponto moral. O clássico argumento de Weber (1967) ajuda a iluminar a persistência histórica desta tensão, tendo em vista que em sua análise as religiões que sustentam uma ética da salvação fraternal – como as variações do cristianismo – instituíram-se por meio de conflitos com outras ordens sociais “do mundo”. Em várias ocasiões, as artes foram fontes para a criação religiosa. Os êxtases dos cânticos, as danças mágicas, os artefatos sagrados e as arquiteturas dos templos demonstram alianças entre estética e religião, decorrentes de uma “afinidade psicológica” entre elas, por conta de características originárias “essencialmente não-racionais” (Weber, 1967, p. 237).

Entretanto, a maior racionalização da vida na modernidade fez as artes tornarem-se independentes, dotadas de legalidades formais próprias, como argumenta Weber. Ao adquirirem maior autonomia, as artes tornaram-se competidoras diretas das religiosidades. Para estas, embrenhar-se no campo estético passou a ser visto como “uma forma muito mesquinha de falta de fraternidade” (p. 238). Para o artista formado nesse mundo moderno-racional, ser receptivo às ingerências religiosas “pode parecer facilmente como uma coação à sua criatividade autêntica e ao mais íntimo de seu eu” (p. 238).

Assim, ainda segundo Weber, alianças entre arte e religião são sempre ambivalentes, por conta da intensificação da racionalização do mundo na modernidade, e a consequente autonomização dessas ordens sociais. A persistência histórica desse fenômeno foi verificada, no presente artigo, nas maneiras como as artistas evangélicas transitaram com ambiguidades e tensões entre arte e religião, ao longo dos tempos. Perlla “renunciou” e “rompeu” com a carreira artística, a fim de viver em fé. O funk possuía para ela uma “natureza diabólica”. Como demonstrei em outros trabalhos (Bispo, 2018 e 2019), os testemunhos de conversão de artistas são narrativas que explicitam os processos de ruptura com o mundo, por meio de declarações acerca da necessidade de distanciamento das artes em geral, vistas como um “mal” por excelência, escandalosas, exóticas, corruptoras de laços sociais e distantes das realidades do dia a dia.

Entretanto, a bibliografia especializada é enfática em afirmar o quanto o pentecostalismo no Brasil se desenvolveu em intensas parcerias com as estéticas artísticas, particularmente aquelas formuladas pelas mídias de comunicação de massa (Mafra, 2000; Cunha, 2007; Cortês, 2014; Machado, 2014). Assim, as três artistas em foco demonstram que o “retorno” às artes se faz possível apenas em comunhão com a fé. Realçando distinções entre a “arte secular” (autônoma e com suas próprias regras mundanas) e a “arte religiosa” (a serviço de um propósito divino), Índia Potira só se permitiu “ser famosa” novamente, observando a si mesma como alguém que leva a palavra pelos testemunhos. Baby do Brasil voltou “para o lado da Babilônia” por compreender que suas músicas serviam para “santificar uma geração”. Perlla “voltou” ao funk “secular”, sem grandes metas proselitistas, mas formulou uma “ética ordinária”, que busca entender o campo artístico como uma mera profissionalização: “permaneço cristã, sou evangélica, mas não misturo mais a minha fé com o meu trabalho” (YouTube, 2019). É importante realçar que a circulação entre o religioso e o secular das artistas não se faz sem críticas ou ponderações por parte dos pares de ambos antagônicos seguimentos. A todo instante, elas justificam aos “crenteiros” suas escolhas profissionais. Pelos repórteres e amigos do mundo artístico secular, elas são constantemente questionadas se ainda são evangélicas.

Um segundo ponto que gostaria de chamar a atenção é o quanto as identidades religiosas no Brasil contemporâneo têm sido cada vez mais desinstitucionalizadas e elaboradas através de uma “bricolagem” pessoal, como apontam diversos autores (Birman, 1996a; Mariz, 1999; Magnani, 2000; Mafra, 2000; Duarte & Carvalho, 2005). Trata-se de uma observação das disposições éticas das pessoas em vivenciar um determinado universo religioso, sem, todavia, considerá-lo como uma força estruturante de suas existências, determinando categoricamente suas identidades. Mesmo no cristianismo pentecostal, em que seguir à risca normas e valores torna-se importante para a forma exclusivista de como fiéis serão moralmente avaliados, percebe-se nas interrupções aqui traçadas o quanto os princípios modernos de autonomia e liberdade modelam as disposições das artistas em se aproximar ou não de determinada igreja.

Os trânsitos também indicam as reservas às práticas adotadas pelas instituições que elas escolheram como ideais, em um dado período. Índia tem passagens pelo catolicismo popular e pelo candomblé, encontrando soluções para suas aflições tanto na IURD, quanto na IMPD. Baby passou pela Nova Era e abriu o próprio ministério evangélico, não sem críticas explícitas à ideia de “religião” e “religiosidade”, que seriam tentativas de controle humano das forças transcendentais. Destaca-se aqui seus interesses pelo mundo psi, algo que amplia sua atuação na procura de uma vida religiosa própria, por meio da mobilização de outros repertórios de “busca de si”. Perlla se inseriu novamente na tradição familiar evangélica ao redor da Assembleia de Deus, depois de um tempo “desviada”, mas escolheu em seguida uma congregação considerada menos tradicional. Certamente, esses trânsitos não apagam a intensidade do denso mergulho subjetivo dessas pessoas nas práticas religiosas, muito menos menosprezam a contundência de suas adesões ao pentecostalismo. Entretanto, são justamente as sensações de liberdade para optar pela mudança ou pela continuidade dessas experiências, que oferecem as condições necessárias às artistas para que “voltem” a vivenciar as formas de fruição artísticas ditas seculares.

Por fim, cabe enfatizar que observar ambiguidades nas subjetividades religiosas não significa negligenciar as rígidas forças e os contingenciamentos existentes no âmbito da longeva moral cristã. “Escolher” e “mudar” são sempre opções possíveis dentro de um restrito “campo de possibilidades” (Velho, 1994), repleto de ingerências e ações normativas. Nos dados aqui apresentados, isso torna-se muito explícito na maneira como as questões de família e de gênero se entrelaçam a fim de instaurar limites nas oportunidades de fruição religiosa e artística dessas mulheres. A parentela de Índia exige dela constantemente a manutenção de sua fé; Baby respalda através dos filhos e do amor maternal o retorno ao secular e, não menos importante, Perlla é “resgatada” para Deus pela ação do marido e de figuras femininas, como a mãe e a avó. Cabe também destacar o quanto essas trajetórias adquirem relevo nas práticas diárias das igrejas evangélicas, sendo utilizadas pelas lideranças eclesiásticas como instrumentos proselitistas, justamente por terem se tornado exemplos de comportamento feminino.

Entretanto, é justamente por meio de um olhar minucioso para momentos como os de interrupções, que é possível entender como

As pessoas lutam, fazem e vivem suas vidas apesar de, através de ou ao longo de forças macroestruturais – seja a história, a política, a economia ou a ciência – reconhecendo os efeitos reais dessas forças na vida das pessoas. (Biehl & Locke, 2017)

Índia, Baby e Perlla passaram por inúmeros constrangimentos, em seus cotidianos religiosos e artísticos – tanto que “foram” e “voltaram” inúmeras vezes –, mas também descobriram formas de se desconectar de ingerências oriundas das dinâmicas de parentesco e de gênero, que são recorrentes nesses contextos sociais. Mesmo que as “idas” e “vindas” revelem as incertezas e o inacabado que compõem suas vidas, também indicam a vontade ativa dessas mulheres em experimentar, no cotidiano, maneiras de se tornarem mais agentes frente às suas carreiras profissionais, bem como nas escolhas religiosas que fazem e logo depois refazem... e fazem de novo, desfazem mais uma vez, etc.

Agradecimentos

Este artigo é resultado final de uma pesquisa por mim coordenada e intitulada “Testemunhos e Transformações: narrativas, emoções e moralidades femininas na conversão religiosa de artistas populares”, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPP) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Agradeço à colaboração da equipe de iniciação científica que participou da terceira fase da pesquisa, da qual este artigo é resultado direto: Bruna Damasceno Furtado (IC/ UFJF), Eric Barbosa Fraga (IC/ FAPEMIG), Helena Carvalho (IC/ FAPEMIG), Nathália Caroline Dias, Nathália Carneiro Prados (IC/ UFJF), Monique Nascimento, Tainara Silva (IC/ UFJF) e Valquíria Fiorilo (IC/ UFJF).

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    Venho pesquisando nos últimos dez anos a experiência artística no Brasil, a partir de múltiplos enfoques. Os dados apresentados neste artigo têm origem em duas pesquisas distintas: 1) uma primeira, realizada no âmbito de meu doutoramento, versando sobre a trajetória de vida das chacretes, antigas dançarinas de palco de Chacrinha, na televisão brasileira (Bispo, 2016); 2) uma segunda, mais recente, que busca compreender os sentidos da prática testemunhal entre artistas convertidas ao pentecostalismo, fazendo uso de materiais midiáticos (Bispo, 2018 e 2019). Todas as reportagens impressas e vídeos pessoais, utilizados para a confecção etnográfica das trajetórias aqui apresentadas, encontram-se ao final do texto na seção fontes digitais.
  • DOI: 10.1590/3610712/2021

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FONTES DIGITAIS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2020
  • Aceito
    25 Mar 2021
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