Este editorial é uma celebração à dignidade, à resistência e à esperança.
Decididamente, 2021 não foi um ano fácil para nós que integramos a coordenação editorial da revista Psicologia & Sociedade. Conjuntura política nacional desfavorável e escassez de investimento na produção e divulgação científica, por um lado, e conflitos no diálogo com Direção Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) que resultaram em dificuldades na gestão da Revista, por outro, tornaram o trabalho editorial voluntário uma experiência extenuante. Afetos, princípios éticos, dignidade, senso de responsabilidade e de comunidade foram nossas linhas de resistência.
Somos um coletivo de docentes e pesquisadores/as cuja produção acadêmica e profissional se inscreve no amplo e plural campo da psicologia social. Somos associadas e associados da ABRAPSO e integramos, de diferentes formas e há várias décadas, o cotidiano dessa associação, seja participando e colaborando na organização de eventos, seja no trabalho de gestão junto aos núcleos, regionais e também na gestão nacional da entidade. Somos educadores/as, cientistas, profissionais, ativistas que atuam no campo dos direitos humanos e cuidadores/as. Em relação à revista, fomos autores/as, pareceristas e alguns/mas, inclusive, já atuaram como coeditores/as, antes desta gestão.
Essa inserção profissional e vínculos diversos com a ABRAPSO foram importantes quando fomos selecionados via edital público (03 de julho de 2019) para uma gestão quadrienal (2020-2023), em processo conduzido por uma comissão que incluiu representante da Direção Nacional da ABRAPSO (Gestão 2018-2019) e editores/as com reconhecida atuação em revistas congêneres.
Definimos como objetivo principal dar continuidade ao processo de consolidação e expansão da revista, fomentando a produção de conhecimento crítica, original, criativa e interdisciplinar, em consonância com os princípios ético-políticos que caracterizam a história da revista e da associação que ela representa. Como objetivos específicos, propusemo-nos a: 1) garantir a cuidadosa avaliação de escopo, privilegiando produções críticas, originais, criativas e interdisciplinares, dada a natureza diversa e o grande volume de produções que é submetido à revista; 2) tornar públicos, por diferentes meios, os princípios que conformam a matriz ética e a identidade política da revista e seu compromisso com a democratização do conhecimento; 3) ampliar estratégias de divulgação da revista, de modo a potencializar a busca por suas publicações, em consonância com as atuais estratégias de produção de conhecimento científico, de pesquisa e pós-graduação e de avaliação de impacto; 4) fortalecer o processo de internacionalização da Revista, aspirando à possibilidade de tornar-se referência da área para outros países, além do Brasil. 5) garantir celeridade no fluxo de publicações, de modo que o tempo entre apresentação de manuscrito, aprovação e publicação seja o mais breve possível; 6) adequar a Revista às recentes reorientações nas bases de indexação e aos processos de avaliação Qualis Capes, com vistas a garantir a manutenção da boa avaliação atual; 7) garantir recursos para custeio de despesas essenciais para o funcionamento da Revista, tendo em vista que a progressiva redução de investimentos do governo federal no apoio à edição de periódicos nacionais tem onerado a Gestão da ABRAPSO.
Ao assumirmos o desafio da gestão editorial desta revista, tínhamos consciência que a Psicologia & Sociedade é um (e não o único) dos veículos de comunicação da ABRAPSO. É um patrimônio político e cultural da Associação e um importante veículo de comunicação científica. Por meio do seu periódico e de outras vias de comunicação, a ABRAPSO se inscreve no campo da produção científica e que se posiciona de modo contundente no debate sobre políticas públicas, formação acadêmica, direitos humanos e outros campos da ação pública. Nessa leitura, a revista se consolidou como relevante e reconhecido espaço de veiculação de conhecimentos em psicologia social no Brasil, com acesso livre e gratuito tanto para autores/as como para leitores/as. Tal compreensão dimensiona o compromisso com o cuidado e zelo pelo trabalho construído por aqueles/as que estiveram à frente da Revista e da Associação antes de nós, reiterando nosso respeito e reconhecimento.
Assim, ao aceitarmos a responsabilidade de coordenar os processos editoriais da Revista, tínhamos consciência de que, ao longo dos últimos 35 anos (desde sua fundação em 1986), a Psicologia & Sociedade se estabeleceu como resistência a formas individualistas e abordagens exclusivamente experimentais e hegemônicas de pesquisa em Psicologia Social. Nossa revista se destaca, assim, entre os periódicos de Psicologia por manter uma linha de publicação de artigos que dialoga criticamente com a literatura e com debates sociais, epistemológicos, estéticos e ético-políticos contemporâneos, assumindo explicitamente uma postura contra-hegemônica em relação à produção e publicação de conhecimentos 1) que dialoguem criticamente com a literatura e com debates contemporâneos em psicologia social e não apenas arrolem textos e autores/as; 2) que sejam de abordagem explicitamente analítica, com solidez de argumentos e não apenas uma descrição de procedimentos, resultados e análises e 3) que apresentem contribuição inequívoca do manuscrito ao campo de estudos sobre o qual versa o texto sobre o campo teórico que aborda. Em outras palavras, um conhecimento comprometido com a transformação social, que observa a chamada realidade social com lentes críticas e que aposta na ciência cidadã para todos/as como uma prática social situada e implicada no enfrentamento a violações a direitos e violências estruturais e coloniais.
Como coordenação editorial desta revista, temos atuado com seriedade e competência, tanto política como administrativa, em respeito a todos e todas que fazem a ABRAPSO, seguindo os ritos democráticos da entidade, sem pôr em risco sua dinâmica interna ou sua imagem pública. A partir de uma gestão autônoma e responsável, temos representado a Psicologia & Sociedade em diferentes fóruns e também, com transparência, temos desenvolvido processos financeiros, tendo em vista que uma das funções da gestão da Revista é também a mobilização de recursos (que incluiu a captação e sua gestão), na medida em que a ABRAPSO não é sua única fonte de recursos.
A autonomia, compromisso e responsabilidade da comissão editorial foram estabelecidos há mais de 18 anos, desde 2003 (Assembleia do evento nacional, em Porto Alegre), quando o mandato da comissão editorial passou a ser de 4 anos e a da direção nacional manteve-se bianual; e quando a gestão editorial passou a incluir, entre suas atribuições, a gestão financeira, comprometendo-se a apresentar prestação de contas anuais à Direção Anual e bianuais aos sócios/as em Assembleia. Recentemente, na Assembleia Nacional da ABRAPSO (01/01/2021), apresentamos, publicamente, um relatório de atividades e um balanço geral dos primeiros dois anos de gestão e da previsão orçamentária da revista. Este balanço foi aprovado nesta Assembleia, na qual conversamos, também, sobre os desafios que marcaram esses dois primeiros anos de gestão.
No plano mais amplo, como Revista do campo das ciências humanas, temos enfrentado desafios complexos. Hoje, convivemos com metáforas de ciência como inimiga do desenvolvimento, em que as ciências humanas são consideradas inúteis e, portanto, não estratégicas, na visão de um estado totalizante e neoliberal. Simultaneamente, no âmbito da dinâmica interna da gestão da ABRAPSO, neste mesmo período, fomos tomados/as por um sentimento de violação de nossas integridades morais e profissionais, bem como o questionamento da relevância da Revista no espaço das práticas da Associação, com argumentos e estéticas que se assemelham à dinâmica do atual e brutal cenário político nacional. Esse sentimento se deu a partir de um movimento de deslocamento de uma dinâmica dialógica de discussões e negociação de diferenças, sempre preservado e afirmado pela Associação, para uma experiência de constrangimento por meio de certos discursos e ações que colocavam tanto a produção científica da Revista como antagonista às lutas dos movimentos sociais, situando-a como prática elitista dentro da própria Associação; como em relação a nós, editoras/es da Revista e associadas/os como antagonistas da própria Associação.
Se não nos surpreendem tais ataques articulados por uma política (des)governamental que aposta no retrocesso e no desmonte de importantes conquistas, é importante registrarmos nossa surpresa pela experiência de constrangimento dados os ataques acusatórios, improcedentes, desrespeitosos e autocráticos que rompiam com princípios básicos da Abrapso. Tais princípios, consagrados em acordos civilizatórios fundamentais, incluem: a rejeição a qualquer forma de violência; a defesa permanente de espaços democráticos e dialógicos, inclusive para a exposição de diferenças e de contraditórios; o compromisso social permanente com a defesa da dignidade e integridade de todas as vidas.
Essa experiência nos provocou inquietação, pois veio justamente de um dos órgãos de representação da Associação, a Diretoria Nacional, que, assim como nós editores/as da Revista, é composta por associados/as, eleitos/as democraticamente por projetos de gestão apresentados em Assembleia, de modo a serem reconhecidos como representantes da Associação, portanto defensores/as e afirmadores/as dos princípios fundamentais que nos orientam como coletivo. Para além dos aspectos específicos que nortearam alguns impasses, nos preocupou sobremaneira a possibilidade de fragilização de espaços democráticos, que marcam a história da ABRAPSO desde sua fundação, e os princípios editoriais de indissociabilidade da produção acadêmica com as lutas políticas cotidianas, com as vidas. Dessa forma, reiteramos que, ao sermos selecionados via edital público e legitimados em Assembleia, assumimos o compromisso de gestão da Revista e que, em momento algum, rompemos com os princípios da Associação e qualidade da gestão de um periódico: transparência, responsabilidade, compromisso social e, sobretudo, a luta permanente contra essa política de morte que nos assola cotidianamente no País.
Em relação ao cenário político mais amplo, Cristina Wolff, Luzinete Minella, Mara Lago e Tânia Ramos (2021), em editorial da Revista Estudos Feministas, denunciam que:
“(...) o governo atual do Brasil está fazendo o que prometeu. Prometeu o “Estado Mínimo”, que deixa a educação e a saúde à mercê do mercado, e para o qual a ciência não tem “serventia”, especialmente as ciências humanas. [...] Ou seja, o que vemos acontecendo com as revistas científicas brasileiras não é obra do acaso ou da crise econômica, ou mesmo de negligência. É uma política, propositada, e vinculada a uma concepção que pretende deslegitimar a ciência e a universidade. [...] Assim, continuar publicando [...] tornou-se um ato de resistência e de rebeldia. Com intenso trabalho voluntário das editoras e pareceristas [...] Editar a revista com conteúdo científico [...] tornou-se algo que vai muito além de nosso trabalho acadêmico, mas que tem um forte sentido político no contexto em que estamos vivendo” (p. 02).
Na prática, é perceptível o desinvestimento governamental, em âmbito federal, nas ciências, especialmente nas ciências humanas, bem como crises institucionais que espelham esse desinvestimento nos espaços estatais dedicados à educação, ciência e tecnologia, que afetam o cotidiano de processos e a dinâmica de trabalho no Ministério da Educação e em agências de fomento como a Capes e o CNPq, resultando em instabilidade financeira das revistas, algumas das quais inclusive não tem resistido e, infelizmente, têm encerrado suas atividades, nos últimos dois anos.
Um (entre vários) exemplos desse processo é a breve análise produzida por Paula Araújo e Maura Lopes (2020) dos periódicos contemplados no edital de 2019 do Programa Editorial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no contexto da ciência aberta, apresentada no VII Encontro Brasileiro de Bibliometria e Cientometria. Este edital foi o único do governo federal voltado ao fomento de periódicos científicos brasileiros. Infelizmente, não houve edital da Capes nos últimos dois anos. No total, foram recebidas 223 propostas, das quais apenas 50 (22%) foram aprovadas com dotação orçamentária. Do total geral, apenas 6 periódicos (0,03%) da área de Ciências Humanas foram aprovados com dotação orçamentária. Nossa proposta foi aprovada, porém sem apoio financeiro. Como apresentam as autoras:
Ao analisar as áreas do conhecimento, constata-se que a maioria dos periódicos é vinculada às Ciências da Saúde (16 revistas). A área de Engenharia é a segunda mais contemplada no edital do Programa Editorial do CNPq, totalizando dez periódicos contemplados. Ciências Biológicas, Exatas e da Terra e Humanas tiveram seis periódicos contemplados cada uma. Ciências Agrárias estão representadas com cinco periódicos, Ciências Ambientais e Sociais Aplicadas estão representadas cada uma com um periódico (Araújo & Lopes, 2020, p. 49).
Diante da necessidade de enfrentamento às lacunas de investimento deixadas pelas agências de fomento à pesquisa e divulgação científica, nossa equipe esteve ainda mais mobilizada na captação de recursos e planejamento de estratégias que assegurassem a sustentabilidade financeira da Revista sem sobrecarga ou risco de comprometimento da ABRAPSO, sendo oportuno, neste momento, também o registro do agradecimento ao apoio recebido tanto da ABRAPSO como da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em psicologia (ANPEPP), via edital de apoio à periódicos científicos vinculados aos programas de pós-graduação; dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal de Alagoas (UFAL), via recursos PROAP/CAPES e do Núcleo Pernambuco da Abrapso. Nosso agradecimento especial também aos/às profissionais que desenvolvem tarefas editoriais técnicas (gerência, revisão, diagramação e formatação) com as quais negociamos descontos especiais, dada as condições financeiras atuais restritoras.
Essas parcerias profissionais e institucionais nos permitiram fechar os números de 2020 e 2021 com um total de 100 manuscritos publicados, dentre eles 17 vinculados à chamada pública específica para dossiê sobre os efeitos psicossociais da Covid-19, além de entrevistas e resenhas. Essas produções têm autoria de pesquisadores/as de diferentes regiões do país e também de outros países, garantindo uma boa distribuição regional.
Vale ressaltar que a produção de um dossiê específico sobre a pandemia de Covid-19 foi demandada pelo Conselho da Abrapso o qual acolhemos, com zelo e responsabilidade e não foi apenas como esforço técnico-acadêmico, na medida em que essa pandemia atravessou e ainda produz marcas profundas no cotidiano da produção acadêmica, desde o âmbito da formação (que passou a usar instrumentos e estratégias pedagógicas questionáveis alinhadas a uma suposta educação à distância) até a produção e publicação científica. Percebe-se uma evidente ampliação do uso de estratégias de comunicação remota, fazendo com que muito rapidamente nos ajustássemos a telas sem rosto, atividades assíncronas e tantas atividades não interativas. E, obviamente, as desigualdades sociais históricas (com marcas de classe, raça, gênero, sexualidade e corporeidades) se tornam mais evidentes, resultando, por exemplo, no aumento de produtos bibliográficos e publicações desde 2020, especialmente entre homens, que tradicionalmente não assumem atribuições de cuidado.
Dados de um levantamento publicado pelo Movimento Parent in Science (2020), durante o isolamento social em virtude da Covid-19, evidenciam que a produtividade acadêmica dos/as pesquisadores/as brasileiros/as tem sido negativamente impactada durante a pandemia, com destaque para a produção das mulheres, principalmente as mulheres negras e aquelas com filhos. Entre os diferentes indicadores, a publicação destaca o percentual de docentes que submeteram artigos científicos que haviam planejado, gerando a seguinte ilustração:
Paralelamente, no afã de responder às demandas de um mercado acadêmico produtivista, no campo da publicação científica, algumas editoras entram no jogo para ofertar publicação de livros a baixo custo, mas, segundo eles, respeitando todos os protocolos da Capes (quem nunca recebeu um e-mail com ofertas tentadoras como esta?) e também as chamadas “revistas predatórias” que chegam a publicar em um único ano mais 1.000 artigos, com tempo de 1 a 2 meses entre submissão e publicação. Infelizmente, há pesquisadores/as que se submetem a esse jogo (porque se há oferta é porque há demanda) e, na lógica “publicar ou perecer” (publish or perish), passam a publicar ou estimular orientandos e orientandas a publicarem produtos ainda em estágio pouco avançado de desenvolvimento, sobrecarregando as revistas com submissões de baixa qualidade.
Preocupam ainda neste cenário a lógica piramidal que orienta o campo da avaliação de periódicos, por exemplo, no Sistema de Classificação Qualis/Capes, do total de 3.025 revistas avaliadas pela Área da Psicologia, apenas 612 tem avaliação A1 ou A2 (20%), 122 (4%) são nacionais, sendo 103 A2 (3%), entre as quais, a Psicologia & Sociedade e 07 A1 (1%).
Ao mesmo tempo, precisamos falar sobre a sustentabilidade financeira instável desses sistemas de publicação. Em relação a custos, por exemplo, levantamento que realizamos a partir de consulta direta aos sites dos periódicos, entre as 122 nacionais com classificação A1 ou A2, cerca de 35% já cobram por submissão, avaliação, edição e/ou tradução, com valores que vão de R$ 100,00 (aquelas que têm apoio institucional substancial) a R$ 7.500,00 (que publicam textos completos em inglês). O valor médio é de R$ 1.800,00, valor superior ao salário mínimo nacional. Isso é muito sério porque favorece a reprodução da desigualdade e incrementa a mercantilização do conhecimento. A Psicologia & Sociedade segue resistindo, apesar de todo o desfavorável cenário mencionado anteriormente. A reflexão e elaboração de estratégias para sobreviver neste contexto tem nos ocupado e nos leva a estender o convite a pesquisadores/as, autores/as, leitores/as, colaboradores/as, associados/as e direção da ABRAPSO para debater formas de garantirmos a continuidade da Revista, com qualidade e manutenção da gratuidade de acessos e submissões, reiterando nosso comprometimento com a democratização do conhecimento científico.
No caso do Brasil, em particular, nos preocupa também a instabilidade dos Sistemas de Avaliação do Ministério da Educação: em nosso país, a avaliação de pares sempre foi a “menos pior” das opções e um espaço de resistência para algumas áreas, especialmente as que têm sido ameaçadas pela recente instabilidade da CAPES, produzida pelas mudanças de gestão, em que pessoas sem reconhecimento ou legitimidade das comunidades acadêmicas (a exemplo dos reitores biônicos) passam a ocupar lugares importantes de deliberação na Capes.
O que nos resta fazer neste cenário? Primeiro, entendemos que devemos buscar alianças. Já passou da hora dos periódicos buscarem atuar em rede, de modo a produzir solidariedade como estratégia de resistência. Além disso, na linha dessas estratégias de resistência, precisamos acionar condições de possibilidades, habitando a “barriga do monstro”, como nos convida Dona Haraway (1992; 1995), que deixa muito claro que não significa se ajustar ou se moldar, a de se buscar fissuras internas de modo a desarticular e implodir determinados processos. Apesar de cansados, precisamos, como coletivo, resistir. Nessa mesma direção, pensamos que é importante resistirmos em consonância com a linha de provocações de Peter Spink e Mario Alves (2011), quando nos convocam a atuarmos como “rebeldes competentes” e não executivos “flexíveis e globalizados”. E isso, decididamente não se faz só, nem apenas pela argumentação, mas pela via de memórias e atos. Memórias que nos alimentam e mantêm vivas as contribuições de importantes associados/as da ABRAPSO na construção de uma psicologia social crítica e implicada politicamente, como a da psicóloga e professora Ângela Maria Pires Caniato, falecida em novembro de 2020, a quem não podemos deixar de prestar nossas homenagens. Atos presentes que reconhecem e saúdam os/as que nos precederam, com vistas a um futuro melhor.
E para finalizar esse texto com certo tom propositalmente otimista, precisamos dizer que escrevemos este editorial no dia em que foi anunciado o resultado da nova direção nacional da Abrapso (gestão 2022-2023) que elegeu a chapa “ABRAPSO: pensamentos plurais e práticas coletivas”. Nos princípios e diretrizes do grupo eleito há uma ênfase na defesa da ciência, da cultura e da ação coletiva, a partir de uma postura crítica, criativa, questionadora e interdisciplinar em relação à produção científica, à prática profissional em Psicologia Social, ao respeito à diversidade ética, política e conceitual. Destaca-se também tanto a valorização, apoio e reconhecimento da Revista Psicologia & Sociedade (como espaço qualificado de difusão da produção científica crítica no âmbito da Psicologia Social) como a potencialização do diálogo sobre política de difusão do conhecimento da ABRAPSO, nas diferentes instâncias democráticas de deliberação da entidade, de modo a incrementar diferentes formatos, estéticas e meios.
Tal resultado é por nós celebrado, a partir de um espaço dialógico, de afirmação dos princípios da Associação e que são guias de orientação da própria Revista, de modo a não pactuarmos direta ou indiretamente com esses modos que nos assaltam contemporaneamente por meio de um projeto de morte, de extermínio, desqualificação totalitária, neoliberal e colonial. Dessa forma, nosso otimismo está pela proposta de um grupo de associadas/os que se dispõe a gerir a Associação com um projeto que reitera o compromisso desta e de seus/suas associados/as com o repúdio ao autoritarismo, o apreço por processos democráticos, coletivos, plurais, nos diferentes âmbitos de ação da Associação: movimentos sociais, ciência, formação, produção de conhecimentos, lutas sociais.
Estamos muito felizes com a renovação das esperanças que se inscreve a cada processo político interno à Associação. Oxalá também possamos celebrar em 2022 o retorno de uma gestão política nacional que reconhece, defende e investe na potência política da produção científica crítica.
REFERÊNCIAS
- ARAÚJO, Paula Carina de & LOPES, Maura P. M. (2020). Análise dos periódicos contemplados no edital de 2019 do Programa Editorial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no contexto da ciência aberta. In: VII Encontro Brasileiro de Bibliometria e Cientometria, 2020, Salvador, BA. Anais. Salvador, BA: UFBA. p. 1-8.
- HARAWAY, Donna. (1992). Las promesas de los monstruos: Una política regeneradora para otros inapropiados/bles. Política y sociedad, 30, 121-163.
- HARAWAY, Donna. (1995). Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Cátedra.
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PARENT IN SCIENCE (2020). Produtividade acadêmica durante a pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade. Recuperado de: https://327b604e-5cf4-492b-910b-e35e2bc67511.filesusr.com/ugd/0b341b_81cd8390d0f94bfd8fcd17ee6f29bc0e.pdf?index=true
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2021