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O MAL-ESTAR COLONIAL: RACISMO, INDIVÍDUO E SUBJETIVAÇÃO NA SOCIABILIDADE CONTEMPORÂNEA

MALESTAR COLONIAL: RACISMO, INDIVIDUAL Y SUBJETIVACIÓN EN LA SOCIABILIDAD CONTEMPORÁNEA

COLONIAL MALASIE: RACISM, INDIVIDUAL AND SUBJECTIVATION IN CONTEMPORARY SOCIABILITY

Resumo

Em que consiste a sociogenia apresentada por Frantz Fanon e quais as suas implicações para a compreensão dos modos de subjetivação em uma sociabilidade marcada pelo racismo e a desumanização? Este estudo estabelece um diálogo entre escritos de Sigmund Freud e Fanon para propor que a experiência colonial imprime um tipo particular de estranhamento, aqui nomeado como mal-estar colonial. O sofrimento sociopolítico resultante do racismo antinegro contemporâneo se expressa a partir de um duplo mal estar. Soma-se, ao mal-estar relativo ao desassossego dos indivíduos diante do preço a pagar pela pertença e segurança no laço social, a recusa do reconhecimento de sua pertença e do seu direito de usufruto do pacto social, travestido de pacto civilizatório. Este estudo, baseado na gênese social e política do sofrimento humano na sociabilidade colonial, considera que a perspectiva clínico-política implicada se alia à análise sociológica para atentar às dimensões singulares e universais do sujeito.

Palavras-chave:
Colonialismo; Frantz Fanon; Mal-estar; Psicanálise; Racismo

Resumen

¿En qué consiste la sociogenia presentada por Frantz Fanon y cuáles son sus implicaciones para comprender los modos de subjetivación en una sociabilidad marcada por el racismo y la deshumanización? Este estudio establece un diálogo entre los escritos de Sigmund Freud y Fanon para proponer que la experiencia colonial imprime un tipo particular de extrañamiento, aquí denominado malestar colonial. El sufrimiento sociopolítico resultante del racismo antinegro contemporáneo se expresa a través de un doble malestar. Al malestar relacionado con la inquietud de los individuos ante el precio a pagar por la pertenencia y la seguridad en el vínculo social se suma la negativa a reconocer su pertenencia y su derecho a disfrutar del pacto social, disfrazado de pacto civilizador. Este estudio, basado en la génesis social y política del sufrimiento humano en la sociabilidad colonial, considera que la perspectiva clínico-política involucrada se combina con el análisis sociológico para a las dimensiones singulares y universales del sujeto.

Palabras clave:
Colonialismo; Frantz Fanon; Malestar; Psicoanálisis; Racismo

Abstract

What does the sociogeny presented by Frantz Fanon consist of and what are its implications for understanding the modes of subjectivation in a sociability marked by racism and dehumanization? This study establishes a dialogue between the writings of Sigmund Freud and Fanon to propose that the colonial experience imprints a particular type of estrangement, here named as colonial malaise. The sociopolitical suffering resulting from contemporary anti-black racism is expressed through a double discomfort. Added to the discomfort related to the uneasiness of individuals regarding the price to pay for belonging and security in the social bond is the refusal to recognize their belonging and their right to enjoy the social pact, disguised as a civilizing pact. This study, based on the social and political genesis of human suffering in colonial sociability, considers that the clinical-political perspective involved is combined with sociological analysis to address both singular and universal dimensions of the subject.

Keywords:
Colonialism; Frantz Fanon; Discomfort; Psychoanalysis; Racism

1. A sociogênese do sofrimento psíquico

Em ‘Pele negra, máscaras brancas’, escrito aos 26 anos para ser seu trabalho de conclusão de curso em Psiquiatria, Frantz Omar Fanon (2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba.) comenta que Sigmund Freud, ao propor a psicanálise no século XIX, teria exigido “que fosse levado em consideração o fator individual (substituindo) a tese filogenética pela perspectiva ontogenética”. E, segue o estudante de psiquiatria ao afirmar: “Veremos que a alienação do negro não é só uma questão individual. Ao lado da filogenia e da ontogenia, há a sociogenia ... o que pretendemos aqui é estabelecer um sociodiagnóstico"(2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 28).

A psicologia filogenética ou constitucional relaciona o comportamento humano à morfologia e à fisiologia, criando uma correlação entre o perfil corporal e as características psicológicas universais dos sujeitos. Embora não pudesse oferecer respostas conclusivas sobre a relação e as fronteiras entre a biologia e a experiência humana individual, Freud, em seu Panorama das neuroses de transferência (1915Freud, Sigmund (1915/1987). Reflexões para os tempos de guerra e morte. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 309-319). Imago.) não deixou de se perguntar “o quanto a disposição filogenética pode contribuir para a compreensão das neuroses” (Freud, 1915/1987Freud, Sigmund (1915/1987). Reflexões para os tempos de guerra e morte. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 309-319). Imago., p. 10). No entanto, ele se distanciou significativamente das concepções biológicas ao atribuir papel fundamental à dimensão temporal do psíquico. Segundo Monah Winograd, “o tempo do agora, do instante em que o psíquico acontece” (2007Winograd, Monah (2007). Freud e a filogenia anímica Revista do Departamento de Psicologia da UFF, 19(1), 269-281. https://doi.org/10.1590/S0104-80232007000100006
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, p. 75), apontando, assim, inicialmente, para uma relação entre uma filogenética biológica e uma filogenia psíquica. O que é próprio dessa filogenia psíquica é sua natureza experiencial, caracterizada por ser plástica e relacional.

Por seu lado, a incursão da psicanálise no campo da sociologia aconteceu por exigência da prática psicanalítica, no momento em que Freud se deu conta de que a problemática neurótica que leva ao sintoma inclui um componente que se poderia chamar de moral. Essa problemática se tornou tão importante na teoria e na clínica freudiana que inicialmente foi pensada como o eixo da teoria pulsional ─ as pulsões sexuais em conflito com pulsões do Eu e, mais tarde, postulada como uma instância psíquica para a função moral, o Super eu. Ivan Ramos Estêvão (2017Estêvão, Ivan Ramos (2017). A teoria freudiana do complexo de Édipo. Escuta.) argumenta que, em Freud, há sempre um triplo movimento de conjunção entre clínica/metapsicologia/cultura e sociedade, marcando sua constante recusa em opor indivíduo e sociedade, isto é, reafirmando a indissociável relação entre um e outro. Quando Freud se depara com o desejo em jogo nos processos neuróticos, na clínica vê-se às voltas com ter de lidar com o componente moral que se opõe ao desejo em cada caso clínico. Isso o conduz a toda uma elaboração que o leva a pensar: (a) uma articulação com a teoria da cultura; (b) uma teoria da sociabilidade e; (c) instrumentos conceituais de análise social.

Quatro textos se tornam centrais para a explicitação da temática política em Freud, a saber: Psicologia das massas e análise do Eu (1923/2013Freud, Sigmund (1923/2013). Psicologia das massas e análise do Eu. (Paulo Cesar de Souza, trad., pp. 13-99). Companhia das Letras.), O futuro de uma ilusão (1927/2011Freud, Sigmund (1927/2011). O futuro de uma Ilusão. L&PM.), O mal-estar na civilização (1930/1996Freud, Sigmund (1930/1996). O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 67-150) Imago.) e Por que a guerra? (1933/1976Freud, Sigmund (1933/1976) Por que a guerra? In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 121-208). Imago.). Em Psicologia das massas e análise do Eu, Freud traçou um panorama do ponto de vista libidinal de como se organizam os laços sociais e da relação dos grupos e massas com os líderes, a partir dos conceitos de ideal do Eu, libido, identificação e narcisismo. Alguns anos antes, em Totem e tabu (1914/1996Freud, Sigmund (1914/1996) Totem e tabu e outros trabalhos. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 11-191). Imago.), localizara Édipo e o tabu do incesto como o ponto inicial da própria cultura e da sociedade. Essas bases foram posteriormente ampliadas em O futuro de uma ilusão, a partir da ideia de que a constituição psíquica está marcada por uma relação de poder, tal como aparece na vivência religiosa que promete uma segurança a certo preço: a submissão às exigências de um outro, supostamente protetor. Seguem-se as regras e o outro oferece garantia e amparo. Foi nesse texto que o criador da psicanálise expressou sua recusa em distinguir Kultur de Zivilisation.

Descritivamente, os “dois aspectos” da civilização, a organização social e o universo das representações coletivas, apresentam-se como diferentes, mas, na verdade, estão intimamente relacionados, ou seja, o modo como os homens organizam sua vida social, a maneira como produzem os bens para viver, tudo isso está articulado à forma como representam a si mesmos e aos outros (Rosa, 2022Rosa, Miriam Debieux (2022). Sofrimento sociopolítico, silenciamento e a clínica psicanalítica. Psicol. Ciênc. Prof., 42, 1-10. e242179. https://doi.org/10.1590/1982-3703003242179
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). Tais acepções são retomadas no texto do mal-estar na civilização, que articula uma concepção de poder e de desamparo. Essas posições de Freud, embora nem sempre levadas em consideração pela comunidade de psicanalistas, não passaram despercebidas por alguns seguidores, tais como o grupo dos chamados freudo-marxistas, composto por Bernfeld, Fenichel, Reich e Fromm, entre outros, servindo de operadores para pensar não só a sociedade e a cultura, mas o modo de produção capitalista.

É difícil dizer se o apelo à “sociogenia” por Fanon ignorava essa abertura da psicanálise freudiana ao social, se a considerava insuficiente ou apenas julgava necessário enfatizá-la aos psicanalistas de seu tempo. Fato é que ele estava menos preocupado com as ortodoxias disciplinares de quaisquer naturezas e mais com a possibilidade de se valer de saberes diversos - entre os quais se destaca a psicanálise, mas não apenas - para dar respostas aos problemas psicossociais provocados pela situação colonial (Faustino & Oliveira, 2020Faustino, Deivison Mendes & Oliveira, Maria Clara (2020, 26 outubro). Frantz Fanon e as máscaras brancas da saúde mental: subsídios para uma abordagem psicossocial. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as 12(nspe), 6-26.). É notável, no entanto, que em seu “sociodiagnóstico” ele não hierarquiza suas facetas constituintes, mas as correlaciona, ao afirmar que “ao lado da filogenia e da ontogenia, há a sociogenia” (Fanon, 2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 28). Com essa posição, evita tanto a redução da singularidade individual às grades restritivas da racialização quanto a sua anulação por análises sociologizantes que reduzem a riqueza complexa e não linear da experiência psíquica a constatações generalizantes e carentes de mediações. Ressalta-se que, em Fanon, a relação entre discriminação sistemática, sofrimento e eventual adoecimento nunca é mecanicamente causal, como fica explícito no emprego da conjunção subordinativa condicional “se”: “quando os pretos abordam o mundo branco, há uma certa ação sensibilizante. Se a estrutura psíquica se revela frágil, tem-se um desmoronamento do ego” (Fanon, 2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 136). Ao mesmo tempo, ele reforça as sugestões oferecidas por Freud, segundo o qual “a psicologia individual também é ao mesmo tempo psicologia social” (Freud, 1927/2011Freud, Sigmund (1927/2011). O futuro de uma Ilusão. L&PM., p. 35) em relação à necessidade de considerar a dimensão singular da experiência subjetiva na relação com o ambiente relacional, afetivo e sociocultural que a influencia. É a partir dessa premissa ─ a sociogenia ─ que Fanon dialogará com a psicanálise, com o existencialismo sartriano e com o marxismo, mas, sobretudo, com as diversas disciplinas e abordagens que estruturam o conjunto dos chamados “saberes psi” em particular, e com o campo da saúde mental em geral.

Destaca-se que a sociabilidade que Fanon exige ser levada em conta é a capitalista em seu processo de desenvolvimento desigual e combinado segundo Karl Marx (1857/1996Marx, Karl (1857/1996). O capital: Livro 1. Nova Cultural., p. 823-824). Essa sociabilidade forjou o indivíduo moderno e abriu as condições de possibilidade para a emergência da psicologia e da psiquiatria, ao mesmo tempo em que se universalizou, expandindo-se para fora da Europa a partir da violência colonial. Desde então, nesses territórios ocupados as relações sociais passaram a ser marcadas por forças centrípetas relativamente distintas daquelas observadas nos centros capitalistas europeus. Para Fanon, a emergência da modernidade capitalista, com a sua necessidade de converter o que é genuinamente humano em objeto de sua acumulação, se deu pela conversão (também violenta) tanto de uma parte dos europeus a meros produtores de valor como também, sobretudo, pela conversão dos povos não europeus à condição de objetos semoventes.

A centralidade da sociogenia, no entanto, não representa uma recusa à filogenia e à ontogenia, mas, sim, o equacionamento interdisciplinar e dialético dessas facetas a uma certa transgressão calibanizadora de seus pilares, o que permitiu a Fanon tematizar o que nomearemos aqui como mal-estar colonial.

2. O mal-estar colonial

Ao investigar as cisões psíquicas que emergem na sociabilidade moderna, Sigmund Freud problematizou-as em Das Unbehagen in der Kultur, traduzido para a língua portuguesa como O Mal-estar na Cultura ou civilização (1930/2020Freud, Sigmund (1930/2010). O mal-estar na cultura. Autêntica. https://lotuspsicanalise.com.br/biblioteca/FREUD-Sigmund.-O-Mal-Estar-na-Cultura-LPM.pdf
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). Nesse texto aponta a existência de uma tensão entre as pulsões e as regras sociais internalizadas pelos indivíduos em um dado contexto. Essa tensão, pautada pela “substituição do poder do indivíduo pelo da comunidade” (Freud, 1930/1996Freud, Sigmund (1930/1996). O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 67-150) Imago., p. 102), é influenciada pela modalidade de laço social e de união libidinal dos indivíduos. Diferentemente do que havia argumentado anteriormente, em Moral sexual "civilizada" e doença nervosa moderna (1908/1996Freud, Sigmund (1908/1996). Moral sexual "civilizada" e doença nervosa moderna. In Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (pp. 187-212). Imago.) ─ onde o sofrimento causado pela restrição à sexualidade figurava como oponente à civilização ─ em Das Unbehagen é a energia sexual que viabiliza o laço social, ligando os sujeitos entre si. No entanto, essa união é também marcada por um desprazer, provocado não pelas regras culturais em si, mas pelo conflito entre a sua interiorização e as agressividades pulsionais que compõem cada indivíduo. Assim, o enlaçamento social é, “desde sua origem, portador de sentimentos de destruição e agressividade com relação ao próximo. É essa agressividade, esse desejo de destruição do próximo que tem de ser cerceado. A lei incide onde o desejo ameaça o social” (Pinheiro, Lima, & Oliveira, 2006Pinheiro, Clara Virgínia de Queiroz, Lima, Celina Peixoto, & Oliveira, Débora Passos (2006). Sobre as relações entre o sexual e o mal-estar na civilização: uma discussão acerca das perspectivas freudianas. Psicologia Clínica 18(2), (37-48). http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-56652006000200004&lng=pt&nrm=iso
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, p. 44).

Para conter essa agressividade inerente e internalizar as proibições existentes na cultura, argumenta Freud, o super eu atua como “uma consciência mais severa do que qualquer instituição externa” (2006, p. 44), deslocando, não sem desconfortáveis consequências, a libido para caminhos de expressão socialmente aceitos. É em relação a essa autocontenção que a neurose se constitui, à medida que as pulsões agressivas são transportadas para dentro de si, do sujeito, que as vive como conflito interno entre, de um lado, o eu, os sentimentos e paixões e, do outro lado, o super eu com as suas regras sociais interiorizadas.

As possibilidades de satisfação e repressão são marcadas por uma complexa relação entre amor e agressividade, autocontenção e culpa. Freud (1930/1996Freud, Sigmund (1930/1996). O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 67-150) Imago., 119) nos diz que “O homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”. Estabelece uma gênese do sofrimento:

O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução ...do mundo externo, que podem voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro (Freud, 1930/1996Freud, Sigmund (1930/1996). O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 67-150) Imago., p. 84).

Sobre essa relação, acrescentou que:

Os homens não são criaturas gentis... pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos devem-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante em potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo (Freud, 1930/1996Freud, Sigmund (1930/1996). O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (pp. 67-150) Imago., p. 116; grifo nosso).

Embora Freud entendesse a cultura como “as realizações e os regulamentos que distinguem nossas vidas das dos nossos antepassados animais e que servem a dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mútuos” (1930Freud, Sigmund (1930/2010). O mal-estar na cultura. Autêntica. https://lotuspsicanalise.com.br/biblioteca/FREUD-Sigmund.-O-Mal-Estar-na-Cultura-LPM.pdf
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, p. 96), no desenvolvimento do texto alude à fragilidade desses laços dada a agressividade, questão posta cada vez mais radicalmente nos seus escritos. Ele não deixa de explicitar que “na vida psíquica do indivíduo, o outro entra em consideração de maneira bem regular como modelo, objeto, ajudante e adversário, e por isso, como já referido aqui, desde o princípio, a psicologia individual também é ao mesmo tempo psicologia social” (Freud, 1927/2011Freud, Sigmund (1927/2011). O futuro de uma Ilusão. L&PM., p. 35).

Deste modo, conforme afirma Miriam Debieux Rosa (2022Rosa, Miriam Debieux (2022). Sofrimento sociopolítico, silenciamento e a clínica psicanalítica. Psicol. Ciênc. Prof., 42, 1-10. e242179. https://doi.org/10.1590/1982-3703003242179
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), podem-se perceber diferentes modalidades e intensidades de sofrimento nas relações sociais, pois nem todos pagam o mesmo preço pela chamada civilização. Todos têm restrições pulsionais em troca da proteção e pertença, mas uma parcela da população tem maior proteção, menores restrições e menos infortúnios, enquanto outra, explorada, tem menor proteção, maiores restrições e maiores sofrimentos, o que inclui o tema da desigualdade no sofrimento e no mal-estar. De acordo com o filósofo Sérgio Paulo Rouanet (1993Rouanet, Sergio Paulo (1993). Mal-estar na modernidade. Companhia das Letras.), “os sofrimentos e privações impostos às classes oprimidas constituiriam um Unbehagen (mal-estar) intenso e ameaçador, causador de grande parte da frustração pulsional na maioria da população” (Rouanet, 1993Rouanet, Sergio Paulo (1993). Mal-estar na modernidade. Companhia das Letras., p. 11).

Nesse contexto, o sofrimento não é mero efeito das restrições impostas pelo processo civilizatório, mas resultado de um processo de gestão política e social dos bens matérias e culturais que pode promover restrições e mesmo a destituição subjetiva e interdição do reconhecimento para grupos sociais que passam a ser vistos como estranhos ou familiares à sociedade, considerada a sua dimensão interno/externo, tal como tratado por Freud, em O estranho (1919/1972Freud, Sigmund (1919/1972). O estranho. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Obras completas (pp. 296-297). Imago.).

Para localizar os processos de constituição/destituição subjetiva e diferenciar os modos como os sujeitos são cooptados pelo poder é fundamental, explica Rosa (2016Rosa, Miriam Debieux (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sócio-política do sofrimento. Escuta/Fapesp.), distinguir o processo civilizatório das manipulações sociais e políticas utilizadas para o exercício do poder coercitivo. Segundo a autora, “entram em jogo o que consideramos as artimanhas do poder e a produção do desamparo discursivo que compõem o sofrimento sociopolítico” (Rosa, 2016, p. 21). Nessa tese, Rosa (2016Rosa, Miriam Debieux (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sócio-política do sofrimento. Escuta/Fapesp.) demonstra que certos discursos sociais fazem valer seu poder ao se equipararem ao campo simbólico da cultura e da linguagem, naturalizando essas atribuições e evitando dar visibilidade aos embates sociais e políticos presentes em sua base.

Esse discurso social se apresenta como emissário de uma verdade e de um valor a-histórico e apolítico. No entanto, é carregado de interesses políticos e econômicos, pautados na manutenção da ordem social específica que representa. Pode promover laços sociais dessubjetivantes, que submetem o sujeito à maquinaria de gozo de um dado tempo histórico. Tais discursos promovem desamparo, pois o sujeito passa a ser inteiramente culpabilizado por sua condição social plurideterminada.

Nesses casos, a invisibilidade dos conflitos gerados no e pelo laço social recai sobre o sujeito, individualizando e naturalizando seus impasses, patologizando ou criminalizando suas saídas. Seus sofrimentos são registrados numa óptica discursiva que retira sua mensagem e tem repercussões sobre o narcisismo, as identificações, o luto e os afetos tais como o amor, o ódio, a ignorância e a culpa. O sujeito é desalojado da sua história pessoal, sociocultural e política, o que o desarvora de seu lugar discursivo, do lugar a partir do qual ele fala, o que pode pôr em suspensão o processo civilizatório (Rosa, 2016Rosa, Miriam Debieux (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sócio-política do sofrimento. Escuta/Fapesp.).

Pois bem, Fanon introduz no debate sobre o processo civilizatório a sua universalidade, referindo-se à articulação entre capitalismo e colonialismo. Discute que Freud pressupõe certa universalidade de Unbehagen, especialmente na sociedade “ocidental” 1 1 As aspas foram inseridas por nós aqui para destacar o caráter movediço e pouco preciso que os termos “civilização” e “ocidente” representam, em termos históricos, geográficos e conceituais, e, sobretudo, o quanto expressa relações entre raça e nacionalidade. Ver, nesse sentido Losurdo, A Linguagem do Império (2010). Para uma relação entre as noções de mal-estar, de Freud e processo civilizador, de Norberto Elias (1993), ver Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro, Celina Peixoto Lima e Débora Passos de Oliveira (2006), Sobre as relações entre o sexual e o mal-estar na civilização , onde supõe que a cultura, com suas leis, interdições e tabus, se apresentava mais desenvolvida e, portanto, mais dramática e diretamente relacionada ao aumento do sentimento de angústia, da insatisfação. Isso porque destaca que a sociabilidade que se exige ser levada em conta é a capitalista em seu processo de desenvolvimento desigual e combinado. Nessa medida, ao analisar Unbehagen, tanto em termos de “processo civilizador” como de estranhamentos historicamente determinados, descortina-se o longo, complexo e contraditório movimento histórico de desenvolvimento humano das forças produtivas e individuação de que emerge o indivíduo moderno, suas angústias e cisões subjetivas.

Ocorre, como alerta o psiquiatra martinicano, que a configuração colonialista não é exclusividade dos territórios colonizados, mas de toda a modernidade capitalista (Barbosa, 2018Barbosa, Muryatan (2018). A Atualidade de Frantz Fanon: acerca da configuração colonialista. In Silvio de Almeida Carvalho & Washington Santos Nascimento (Orgs.), Intelectuais das Áfricas (pp. 442-444) Pontes.). A democracia burguesa, as noções éticas e jurídicas de igualdade e liberdade, o desenvolvimento das forças produtivas na Europa, e, sobretudo, sua relativa partilha de relativo bem-estar social e direitos com os trabalhadores explorados em seu interior só foram possíveis mediante “expropriação, o despojamento, a razia, o assassinato objetivo” (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar.) de populações não europeias nas colônias durante séculos.

Esse processo atua, por um lado, pela transferência concreta das contradições sociais e econômicas europeias para as colônias, reduzidas a posições periféricas no capitalismo. Por outro lado, essa transferência atua no plano simbólico, retirando a colonização do horizonte político e teórico perceptível sob o qual o capitalismo é tematizado, defendido ou criticado. Assim, as dinâmicas de exploração e opressão próprias à escravidão colonial deixam de fazer parte das equações modernas sobre a ética, a política e a estética no ocidente capitalista e, inclusive, do cálculo geral da mais valia (Silva, 2019Silva, Denise Ferreira (2019). A dívida inapagável. Oficina de Imaginação Política e Living Commons. https://casadopovo.org.br/wp-content/uploads/2020/01/a-divida-impagavel.pdf
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).

Tais interpelações de Fanon nos convocam a indicar que o que está em jogo no colonialismo é justamente a suspensão do pacto civilizatório para alguns sujeitos envolvidos no laço social, impondo um tratado unilateral em que à elite econômica é permitida toda sorte de expansão agressiva e obscena dirigida às classes populares. A confusão entre o pacto e a sua interdição faz parte da estratégia política para impedir as subversões vistas como, estas sim, violentas e contra a lei. O laço social perverso que se estabelece é que, embora não participe da distribuição dos bens materiais e culturais, os sujeitos devem se submeter passivamente às condições de vida impostas, naturalizando o sofrimento sociopolítico.

Maria Aparecida Silva Bento (2002Bento, Maria Aparecida da Silva (2002). Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público [Tese de doutorado, Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP].) avança ao descrever, especialmente na sociedade brasileira, uma organização em torno do “pacto narcísico da branquitude” que desvela o compromisso em manter a estrutura racial: um pacto de proteção e premiação para as classes dominantes e brancas e a naturalização do abandono social dos grupos periféricos marcados pelo racismo. Para Eliane Costa (2020), o racismo é uma modalidade de dominação que opera subjetiva, intersubjetiva e transubjetivamente a partir da articulação de duas modalidades de alianças entre pessoas brancas: o pacto narcísico e as alianças ofensivas psicopáticas. O primeiro, já abordado por Bento (2002Bento, Maria Aparecida da Silva (2002). Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público [Tese de doutorado, Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP].), é marcado por uma aliança exclusivamente entre iguais de forma a eliminar o diferente e a segunda pautada por uma destrutividade direcionada à outrem (Costa, 2020). Embora Costa também aborde algumas alianças defensivas ou de pertencimento entre pessoas negras como o pacto denegativo e o contrato narcísico, no interessa discutir aqui a eleição do branco como parâmetro supostamente universal do laço social moderno a partir da invisibilidade, exotização, exclusão ou eliminação de tudo o que escapa à branquitude.

O mal-estar colonial converte sujeitos não brancos em estranhos, aqueles que carregam a possibilidade de trazer à tona o que deveria permanecer oculto (Freud, 1919/1972). Por vezes, o estranhamento transcende a mera invisibilidade para se revestir de prazer sadomasoquista e destruição e aniquilamento (Costa, 2020). São esses estranhos e assustadores que deverão sempre estar circunscritos num espaço de visibilidade/invisibilidade para que não denunciem, com sua presença, o que lhes é negado na possibilidade de narrativa (Rosa, 2016Rosa, Miriam Debieux (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sócio-política do sofrimento. Escuta/Fapesp.). Os estranhos, o refugo vivo, a vida nua do nosso tempo, são aqueles que se deverá apagar, calar, para produzir a ilusão de que estão mortificados, anônimos, imersos num mundo apresentado como ideal e imutável. Saem de cena a história, a transformação social, como forma de abordar o mal-estar. Apresenta-se o duplo mal-estar perante a objetificação dos colonizados.

3. Modernidade, racismo e o duplo mal-estar

Retomemos Fanon para argumentar em favor da existência de uma certa duplicidade do mal-estar após a abolição da escravidão. Para ele, a exterioridade social sob o qual a subjetividade se constitui é a sociabilidade burguesa em suas instituições, crises e possibilidades de individuação e subjetivação. Mas ela emerge, se consolida e se universaliza desigualmente pelo globo terrestre a partir da violência colonial. A pergunta suscitada a partir daqui, é: qual a extensão e abrangência do Unbehagen observada por Freud quando pensada no tempo e no espaço do desenvolvimento desigual e combinado do capital, sobretudo nas sociedades estruturadas a partir do colonialismo?

Freud, relendo Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, citou em Totem e tabu (1913/1996) um pretenso pacto (contrato) social parricida e autorrestritivo estabelecido entre irmãos contra uma tirania maior. Segundo Deivison Mendes Faustino (2020Faustino, Deivison Mendes & Oliveira, Maria Clara (2020, 26 outubro). Frantz Fanon e as máscaras brancas da saúde mental: subsídios para uma abordagem psicossocial. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as 12(nspe), 6-26.), o colonizado narrado por Fanon, no entanto, não se insere nesse pacto voluntariamente, como sujeito contratante, mas, sim, como objeto inumano a ser negociado ou exterminado em uma nova ordem (colonial) perpetrada pela tirania total e não consanguínea, estruturada a partir da dissolução violenta dos laços sociais aos quais estava integrado anteriormente e de sua inserção como coisa em uma nova ordem.

O colonizado, diante da objetificação que lhe é imposta pelo colonizador, é lançado a uma nova sociabilidade “não proposta, mas imposta, sob o peso de canhões e sabres” (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 72), cuja política, estética e ética dominantes não lhe dizem respeito. Como ele afirma:

O mundo colonizado é um mundo cortado em dois. A linha de corte, a fronteira, é indicada pelas casernas e pelos postos policiais. Nas colônias, o interlocutor legítimo e institucional do colonizado, o porta-voz do colono e do regime de opressão é o policial ou o soldado. Nas sociedades de tipo capitalista, o ensino, religioso ou leigo, a formação dos reflexos morais e transmissíveis de pai para filho, a honestidade exemplar de operários condecorados depois de cinquenta anos de bons e leais serviços, o amor estimulado à harmonia e à sabedoria, essas formas estéticas do respeito à ordem estabelecida criam em torno do explorado uma atmosfera de submissão e de inibição que alivia consideravelmente a tarefa das forças da ordem.... Nas regiões coloniais, em contrapartida, o policial e o soldado, por sua presença imediata, suas intervenções diretas e frequentes, mantêm o contato com o colonizado e lhe aconselham, com coronhadas ou napalm, que fique quieto. Como vemos, o intermediário do poder utiliza uma linguagem de pura violência. O intermediário não alivia a opressão, não disfarça a dominação. Ele as expõe, ele as manifesta com a consciência tranquila das forças da ordem. O intermediário leva a violência para as casas e para os cérebros dos colonizados (Fanon, 2010Fanon, Frantz Omar (2010). Os condenados da terra. UFBA., p. 55).

No colonialismo capitalista, a “cega cólera” direcionada ao colonizado não é aquela que “separa os “povos irmãos em tempos de guerra”, como descrita por Freud em seu repúdio à grande guerra europeia, mas uma cólera nua, destinada aos bárbaros, selvagens que não teriam evoluído o suficiente para compor uma “comunidade cultural”, mas congenitamente determinados por sua inferioridade, ora religiosa, ora biológica, ora cultural. Há algo aqui que lembra vagamente o narcisismo das pequenas diferenças, mas se dirige para um raciocínio bastante distinto. Como argumenta Fanon:

Sob a ocupação alemã, os franceses permaneceram homens. Sob a ocupação francesa, os alemães permaneceram homens. Na Argélia, não há apenas dominação, mas, literalmente, decisão de ocupar, afinal, somente um terreno. Os argelinos, as mulheres de “haik”, os palmeirais e os camelos formam o panorama, o pano de fundo natural da presença humana francesa (2010Fanon, Frantz Omar (2010). Os condenados da terra. UFBA., p. 289).

Para objetificar os povos colonizados em pleno período de ascensão de um discurso universal do humano, o psiquiatra martinicano destaca que foi necessário destituí-lo ética, política e esteticamente dessa noção de humanidade que se esboçava:

A primeira necessidade é a escravização ... da população autóctone. Para isto, é preciso destruir os seus sistemas de referência. ... O panorama social é desestruturado, os valores ridicularizados, esmagados, esvaziados. Desmoronadas, as linhas de força já não ordenam. Frente a elas, um novo conjunto, imposto, não proposto, mas afirmado, com todo o seu peso de canhões e sabres (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 71).

Ao afirmar que “todo o problema humano” deve ser “considerado a partir do tempo” (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 29), o psiquiatra martinicano argumenta que particularidades geográficas são também atravessadas por fatores extra raciais relacionados ao contexto maior da luta de classes em cada época. Se o colonialismo surge como necessidade histórica da expansão geográfica e consolidação mundial das relações capitalistas de produção, o desenvolvimento do capitalismo se deu, ao longo do tempo, em diversas fases particulares e formatos sociometabólicos, com uma certa alteração nas dinâmicas sociais em cada sociedade colonial.

A violência do escravismo e do racismo foi se sofisticando ao longo do século XIX e adquirindo ares cientificistas na fase imperial-monopolista da acumulação financeirizada, quando a escravidão já havia sido abolida na maior parte das colônias modernas, mas as relações capitalistas de produção que ali se instalavam só poderiam ser consolidadas a partir da superexploração racializada do trabalho e a submissão total do trabalho excedente autóctone aos interesses metropolitanos (N´Krumah, 1967N´Krumah, Kawame (1967). Neocolonialismo: último estágio do imperialismo. Civilização Brasileira.). Nesse estágio, o racismo, que até então se pautava pela afirmação da “existência de grupos humanos sem cultura,” é substituído por uma “noção hierarquizada de cultura” (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 35), em que o colonizado é pensado como um primitivo intelectual e emocional congênito. Continua Fanon:

Tais afirmações, brutais e maciças (o racismo religioso), dão lugar a uma argumentação mais fina. Contudo, aqui e ali algumas ressurgem. É assim que a "labilidade emocional do Negro", "a integração subcortical do Árabe", "a culpabilidade quase geral do Judeu", são dados que se encontram em alguns escritores contemporâneos. Por exemplo, a monografia de J. Carothers patrocinada pela OMS, foi feita a partir de "argumentos científicos" para realizar a lobotomia fisiológica do negro africano. (p. 36)

Contudo, com a constrangedora publicidade dos crimes nazistas - produzidos em nome de epistemes e práticas pseudocientíficas que todas as nações ocidentais, aliadas ou rivais, partilhavam -, a noção eugênica da raça não poderia mais ser publicamente defendida, dando lugar a uma nova forma de classificação e exclusão, o “racismo cultural”. O objeto desse novo racismo já não pode mais ser “o homem particular, mas uma certa forma de existir. No limite, fala-se de mensagem, de estilo cultural” (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 36). Substitui-se a palavra “raça” pela palavra “etnia” ou “cultura” sem, contudo, romper-se com o etnocentrismo eurocêntrico que fundamentava a construção de ambos os conceitos. Segundo Fanon:

A lembrança do nazismo, a miséria comum de homens diferentes, a escravização comum de grupos sociais importantes, o surgimento de "colônias europeias", quer dizer, a instituição de um regime colonial em plena Europa, a tomada de consciência dos trabalhadores dos países colonizadores e racistas, a evolução das técnicas, tudo isto alterou profundamente o aspecto do problema. (Fanon, 2021Fanon, Frantz Omar (2021). Por uma revolução africana: textos políticos. Zahar., p. 71)

Dadas essas constatações, Fanon propõe que as categorias-chave e o diagnóstico da psicanálise, como também, poderíamos acrescentar, do marxismo, do existencialismo etc., aplicados à sociedade europeia, podem ser redimensionados levando em conta o tempo e o espaço. Nessa direção, Fanon se pergunta por que os “melhores representantes” da crítica à sociabilidade burguesa, tida como universal, não incluíram a sociabilidade colonial em suas análises.

Essa pergunta é incômoda porque, como já foi argumentado acima, a configuração colonial não se restringe à violência bruta nos territórios colonizados, mas se materializa também por um sofisticado discurso de homem e de sujeito que nunca é estendido - é apenas imposto ─ aos povos colonizados e às suas experiências culturais e sociais particulares. Ao mesmo tempo, a universalização das relações de produção e o domínio global da produção de mais valor como finalidade única, não dissolveu - ao contrário, intensificou e sofisticou - as diferenciações racializadas criadas no contexto colonial a partir das novas necessidades em suas respectivas fases de acumulação capitalista (N´Krumah, 1967N´Krumah, Kawame (1967). Neocolonialismo: último estágio do imperialismo. Civilização Brasileira.).

Entretanto, esse processo de desumanização colonial marca, a seu modo, não somente a sociabilidade das colônias, mas também a das metrópoles capitalistas. Por essa razão, a tomada de consciência das relações sociais, segundo Fanon (2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba.), deveria ser pautada por uma análise que ultrapassasse a dimensão meramente econômica da dominação. Dessa forma, o marxismo, a filosofia hegeliana, o existencialismo e a psicanálise ─ com os quais ele dialogou explicitamente ─ precisariam ser estendidos (Fanon, 2010) e calibanizados2 2 A noção de calibanização foi empregada originalmente por Paget Henry (2000), em Caliban's Reason: Introducing Afro-Caribbean Philosophy, para dar conta da apropriação e transgressão dos cânones europeus por autores afro-caribenhos modernos e anticoloniais, ao qual se inclui Frantz Fanon. Caliban é uma personagem shakespeariana que, ao ser escravizado, em The Tempest (Shakespeare, 1611/1978) se apropria da língua de seu senhor ─ a única considerada válida - para amaldiçoá-lo (Faustino, 2021). para dar conta desse mundo (colonial) cindido, onde tanto a dialética experiencial quanto os afetos próprios aos processos psíquicos operam sob restrições sociais incontornáveis. (Faustino, 2020Faustino, Deivison Mendes (2020). Notas sobre a sociogenia, o racismo e o sofrimento psicossocial no pensamento de Frantz Fanon. Revista Eletrônica Interações Sociais, 4(2), 10-21.).

Do ponto de vista da diáspora africana nas Américas, como bem expresso pelo caso brasileiro, o resultado foi a inserção subordinada de grupos racializados nas relações de produção capitalistas urbano-industriais, sem as possibilidades materiais e simbólicas de dissolução das antigas barreiras raciais. As estratégias de manutenção do racismo e da subordinação desses grupos racializados foram mantidas e aperfeiçoadas com a valorização do estrangeiro, desde que seja europeu ou estadunidense, em detrimento do valor do cidadão desses grupos, conforme explica Clóvis Moura (2020Moura, Clóvis (2020). Sociologia do negro brasileiro. Perspectiva.).

Assim, os filhos ilegítimos de um projeto de Estado Nacional congenitamente desigual e excludente, filhos cujos pais escravizados e animalizados construíram um país sem serem considerados parte deste, entraram na ordem do trabalho livre duplamente destituídos, por um lado, das prerrogativas cidadãs da política, da ética e da estética que sustentam o pacto contratualista da dominação capitalista e, por outro lado, parcialmente destituídos das possibilidades modernas da individuação.

Essa dupla destituição ocorre tanto porque o racismo implica o aprisionamento desses grupos - por gerações ─ entre os seguimentos mais precarizados e marginalizados da sociedade desigual, quanto porque a racialização atua como a redução sistemática do indivíduo objetificado às fantasias criadas pela sociedade colonizadora.

Segundo Georg Lukács (1954/2020Lukács, Georg (1954/2020). Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Editora Ciências Humanas.), o indivíduo vítima do racismo vive como todos os outros o mal-estar da civilização, ao encontrar-se cindido de si mesmo, em uma sociabilidade onde tanto o desenvolvimento das forças produtivas quanto a individuação contemporânea operam de maneiras entranhadas na ordem do capital. Mas, ao mesmo tempo, lembra-nos Fanon, vê a sua individualidade sistematicamente atravessada pela experiência da racialização:

“Preto sujo!” Ou simplesmente: “Olhe, um preto!” Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos. Enclausurado nesta objetividade esmagadora, implorei ao outro. Seu olhar libertador, percorrendo meu corpo subitamente livre de asperezas, me devolveu uma leveza que eu pensava perdida e, extraindo-me do mundo, me entregou ao mundo. Mas, no novo mundo, logo me choquei com a outra vertente, e o outro, através de gestos, atitudes, olhares, fixou-me como se fixa uma solução com um estabilizador. Fiquei furioso, exigi explicações. Não adiantou nada. Explodi. Aqui estão os farelos reunidos por um outro eu. (Fanon, 2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 103)

Em síntese, trata-se de alertar que a existência desse duplo mal-estar, já nomeado por William Edward Burghardt du Bois (2021Du Bois, William Edward Burghardt (2021). As almas do povo negro. Veneta.) no início do século XX como dupla consciência, resulta em formas de sofrimento psíquico nem sempre escutado pelas várias disciplinas que compõem o campo da saúde mental. Nesse contexto, as pessoas objetificadas pela racialização são vistas como monstros abusáveis ou matáveis. Ao buscar no vínculo com outro (seu olhar, afeto, desejo, empatia etc.) a validade da própria existência, recebem de volta, na maioria das vezes, não a reciprocidade hegeliana, mas a monstrificação racializada de sua imagem tal qual engendrada no seio da sociabilidade colonial.

Diante disso, muitas vezes, interiorizam, “epidermizando” essa imagem fetichizada de que são ruins, feios, falsos, passando a lidar consigo mesmos, agressivamente. Diante da interiorização da imagem que lhes é atribuída, defendem-se, ao mesmo tempo, do mundo que os hostiliza, mas, sobretudo, de si mesmos. Por essa razão, ao recorrer à psicanálise, Fanon argumenta que o negro é um “fobógeno”, (2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 134), ou seja, alguém que, em geral, não está em casa, em nenhum lugar que esteja, nem mesmo no próprio lar, nem mesmo diante do próprio corpo:

Depois tivemos de enfrentar o olhar branco. Um peso inusitado nos oprimiu. O mundo verdadeiro invadia o nosso pedaço. No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na elaboração de seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é unicamente uma atividade de negação. É um conhecimento em terceira pessoa. Em torno do corpo reina uma atmosfera densa de incertezas. Sei que, se quiser fumar, terei de estender o braço direito e pegar o pacote de cigarros que se encontra na outra extremidade da mesa. Os fósforos estão na gaveta da esquerda, é preciso recuar um pouco. Faço todos esses gestos não por hábito, mas por um conhecimento implícito. Lenta construção de meu eu enquanto corpo, no seio de um mundo espacial e temporal, tal parece ser o esquema. Este não se impõe a mim, é mais uma estruturação definitiva do eu e do mundo - definitiva, pois entre meu corpo e o mundo se estabelece uma dialética efetiva. (Fanon, 2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 104)

A despeito de a racialização anular as possibilidades de ocuparem a posição de sujeitos de direitos e de empatia, esses sujeitos não deixam de ser atravessados pelos elementos sociais que engendram, de um lado, um crescente processo de singularização e desencantamento do mundo e, por outro lado, a sensação de mal-estar, de Unbehagen, como descrito por Freud. Assim, o racismo promove o mal-estar colonial, com a emergência de um duplo Unbehagen. Por isso, Fanon afirma:

Enquanto o negro estiver em casa não precisará, salvo por ocasião de pequenas lutas intestinais, confirmar seu "ser diante de um outro. Claro, bem que existe o momento de “ser para-o-outro”, de que fala Hegel, mas qualquer ontologia se torna irrealizável em uma sociedade colonizada e civilizada. Parece que este fato não reteve suficientemente a atenção daqueles que escreveram sobre a questão colonial. Há, na Weltanschauung de um povo colonizado uma impureza, uma tara que proíbe qualquer explicação ontológica. Pode-se contestar, argumentando que o mesmo pode acontecer a qualquer indivíduo, mas, na verdade, está se mascarando um problema fundamental. A ontologia, quando se admitir de uma vez por todas que ela deixa de lado a existência, não nos permite compreender o ser do negro. Pois o negro não tem mais de ser negro, mas sê-lo diante do branco. Alguns meterão na cabeça que devem nos lembrar que a situação tem um duplo sentido. Respondemos que não é verdade. Aos olhos do branco, o negro não tem resistência ontológica. De um dia para o outro, os pretos tiveram de se situar diante de dois sistemas de referência. Sua metafísica ou, menos pretensiosamente (sic), seus costumes e instâncias de referência foram abolidos porque estavam em contradição com uma civilização que não conheciam e que lhes foi imposta. (2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., pp. 103-104)

A demonização monstrificante do negro, do índio e do árabe tem como função política divinizar o branco ─ o ocidente, a Europa e, em decorrência, as relações capitalistas de produção ─ em uma espécie de “teodiceia eurocêntrica”, conforme explica Faustino (2018Faustino, Deivison Mendes (2018). Notas Introdutórias sobre “filosofia africana” e o humanismo pós-colonial de Lewis Gordon. EntreLetras.).

No entanto, em mais uma volta nessa questão, destacamos que há um alto custo a pagar por essa desumanização antinegra. Tomemos a sociabilidade brasileira, analisada por Hélio Pellegrino, quando este argumenta que a ruptura com o pacto social, que caracteriza o caso brasileiro desde a sua fundação colonial, “pode implicar a ruptura, no nível do inconsciente, com o pacto edípico” em sua representação de Lei da Cultura, resultando, portanto, em uma destruição “no mundo interno, do significante paterno, do Nome do Pai e, em consequência, do lugar da lei.” (Pellegrino, 1983Pellegrino, Hélio (1983, 11 de setembro). Pacto edípico e pacto social: da gramática do desejo à sem-vergonhice brasílica. Folhetim - Suplemento da Folha de São Paulo n. 347. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5638230/mod_resource/content/1/Pellegrino%20-%20Pacto%20ed%C3%ADpico%20e%20pacto%20social.pdf, p. 1). Prossegue o autor:

Um tal desastre psíquico vai implicar o rompimento da barreira que impedia - em nome da Lei - a emergência dos impulsos delinquenciais pré-edípicos. Assistimos a uma verdadeira volta ao recalcado. Tudo aquilo que ficou reprimido - ou suprimido - em nome do pacto com o pai, vem à tona, sob forma de conduta delinquente e antissocial. (Pellegrino, 1983Pellegrino, Hélio (1983, 11 de setembro). Pacto edípico e pacto social: da gramática do desejo à sem-vergonhice brasílica. Folhetim - Suplemento da Folha de São Paulo n. 347. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5638230/mod_resource/content/1/Pellegrino%20-%20Pacto%20ed%C3%ADpico%20e%20pacto%20social.pdf, p. 1)

Nem tudo se resume à recalque. Ainda assim, uma interpretação possível, talvez a mais confortável, seria aplicar esse diagnóstico de Pellegrino às classes populares, patologizando justamente as reações daqueles cuja humanidade foi colocada sob suspeita pelos históricos aparatos coloniais. O convite à investigação de Unbehagen colonial, apontado por Fanon, vai na direção oposta: para ele, ao desumanizar e tratar o semelhante como monstro, o branco perde a própria humanidade, tornando-se, ele mesmo, o monstro.

Para Fanon, o delinquente antissocial é o branco, o humanista, o democrata, o liberal ou o esquerdista que goza direta ou indiretamente da violência colonial mesmo quando não se reconhece nela ou a “repudia” performativamente sem, contudo, se levantar contra os seus benefícios e privilégios. Em Pele negra, máscaras brancas, Fanon afirma que “Sim, a civilização europeia e seus representantes mais qualificados são responsáveis pelo racismo colonial” (Fanon, 2008Fanon, Frantz Omar (2008). Pele negra: máscaras brancas. Edufba., p. 88). Somente o reconhecimento de tal contradição permitiria a construção das resistências possíveis que dariam a ver o furo, a lacuna, que reside em todo ato de governar e de regular as civilizações.

Por fim, trazemos de Gayatri Chakravorty Spivak (2010Spivak, Gayatri Chakravorty (2010). Pode o subalterno falar? UFMG.), teórica dos chamados estudos pós-coloniais, a pujante questão: “Pode o subalterno falar?”. Tal questão, que pode ser reformulada como “Pode o capitalista/colonizador escutar?”, incita a ressaltar a importância em se considerar os enclausuramentos epistemológicos hegemônicos da escuta quando o outro permanece no lugar da submissão. Desse modo, se reorganizam as articulações entre o lugar de fala e o lugar de escuta. A ética e a política da escuta, nessas circunstâncias, baseiam-se em propiciar o subverter dos signos sociais que são atribuídos aos sujeitos e separar a alienação estrutural do sujeito ao discurso do Outro da alienação ao discurso social e ideológico. Essa alienação e esse enredamento podem ser elucidados pela via da historicização dos laços sociais em certos grupos sociais, o que se dá pelo resgate da memória na e pela experiência compartilhada.

4. Conclusão

Neste artigo visamos destacar que a posição de Frantz Fanon sobre a relação dialética e sem hierarquia entre sociogenia, ontogenia e filogenia, permite evitar uma causalidade direta entre discriminação sistemática, sofrimento e eventual adoecimento. Desse modo não se alinha a análises sociologizantes que reduzem a riqueza complexa e não linear da experiência psíquica. Será com a sociogenia acrescida da dimensão singular da experiência subjetiva na relação com o ambiente relacional, afetivo e sociocultural, que Fanon vai dialogar com a psicanálise, com o existencialismo sartriano e com o marxismo, para oferecer uma contribuição significativa aos chamados “saberes Psi”, particularmente, e ao campo da saúde mental, em geral.

Tal enquadre permite afirmar, em primeiro lugar, que a crítica às abordagens constitucionalistas em psicologia de que fala Fanon emergem no ocidente, em um contexto de crise da sociabilidade moderna e da tentativa de abordar clinicamente tanto a cisão entre o indivíduo moderno e seu gênero (pulsão versus regras sociais) como a cisão do indivíduo consigo mesmo (desejo versus interiorização das regras morais). Ambas cisões são possíveis mediante o surgimento da noção de indivíduo, mas também, da impossibilidade de realização deste indivíduo nos marcos da sociabilidade burguesa.

Para além disso, a sociogenia exige equacionar essa crise em termos históricos e geográficos, o que significa considerar o caráter desigual e combinado da expansão e desenvolvimento das relações capitalistas de produção. Se o surgimento do indivíduo moderno é o ápice da crise da sociabilidade burguesa, essa individualidade não era possível na sociabilidade vivida nos marcos do sistema colonial, tal como apresentado por Marx no livro I do Capital.

A violência inerente ao colonialismo se pauta exatamente pela impossibilidade - 22 ou pelo, menos suspensão - do reconhecimento do indivíduo que, como tal, proprietário de si, impõe aos povos colonizados um tipo de mal-estar particular, aqui nomeado como mal-estar colonial. Dese modo, com o fim da escravidão e a inserção social precarizada e racializada das populações antes escravizadas no trabalho livre, o mal-estar colonial se converte em um duplo mal-estar. Em diálogo com a teoria dos estranhamentos de Lukács (1979Lukács, Georg (1979). Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Editora de Ciências Humanas.), sugerimos que o indivíduo vítima do racismo vive como todos os outros o mal-estar da civilização, ao encontrar-se cindido de si mesmo, em uma sociabilidade na qual tanto o desenvolvimento das forças produtivas quanto a individuação contemporânea operam de maneiras entranhadas na ordem do capital. Mas, ao mesmo tempo, lembra-nos Fanon, este indivíduo vê a sua individualidade sistematicamente atravessada pela experiência da racialização, configurando um duplo mal-estar.

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Notas

  • 1
    As aspas foram inseridas por nós aqui para destacar o caráter movediço e pouco preciso que os termos “civilização” e “ocidente” representam, em termos históricos, geográficos e conceituais, e, sobretudo, o quanto expressa relações entre raça e nacionalidade. Ver, nesse sentido Losurdo, A Linguagem do Império (2010Losurdo, Domenico (2010). A linguagem do império: léxico da ideologia estadunidense. Boitempo.). Para uma relação entre as noções de mal-estar, de Freud e processo civilizador, de Norberto Elias (1993Elias, Norbert (1993). O processo civilizador 2: formação do estado e civilização. Jorge Zahar.), ver Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro, Celina Peixoto Lima e Débora Passos de Oliveira (2006), Sobre as relações entre o sexual e o mal-estar na civilização
  • 2
    A noção de calibanização foi empregada originalmente por Paget Henry (2000Henry, Paget (2000) Caliban's reason: introducing Afro-Caribbean philosophy. Routledge.), em Caliban's Reason: Introducing Afro-Caribbean Philosophy, para dar conta da apropriação e transgressão dos cânones europeus por autores afro-caribenhos modernos e anticoloniais, ao qual se inclui Frantz Fanon. Caliban é uma personagem shakespeariana que, ao ser escravizado, em The Tempest (Shakespeare, 1611/1978Shakespeare, William (1611/1978). A tempestade. Paz e Terra.) se apropria da língua de seu senhor ─ a única considerada válida - para amaldiçoá-lo (Faustino, 2021Faustino, Deivison Mendes (2021, maio-agosto). A ‘interdição do reconhecimento’ em Frantz Fanon: a negação colonial, a dialética hegeliana e a apropriação calibanizada dos cânones ocidentais. Revista de Filosofia Aurora, 3(59), 455-481. https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/28065
    https://periodicos.pucpr.br/index.php/au...
    ).
  • Financiamiento

    Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 ( Miriam Debieux Rosa)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2023
  • Aceito
    22 Set 2023
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