Resumo
Este estudo teve como objetivo fazer uma relação variabilidade climática, com ênfase na variabilidade de precipitação, na Região Nordeste do Brasil e a influência no deslocamento humano migratório no estado do Ceará devido à perturbação ambiental dessa variabilidade pluviométrica. O estudo foi feito a partir de dados dos censos demográficos migratórios, para o estado do Ceará, e dados pluviométricos no Nordeste do Brasil, entre os anos 1960 e 2010. A metodologia investigou as características desses deslocamentos migratórios, avaliando-se dados sobre sua mobilidade interestadual em associações com programas governamentais, além de inferir relações com a variabilidade das chuvas decadais entre 1960-2010 na Região Nordeste do Brasil. Os resultados do estudo sugeriram que a redução no número de migrantes para outras regiões do país foi mais influenciada por programas de transferência de renda e desenvolvimento das pequenas e médias cidades, do que impactos diretos da variabilidade pluviométrica na região semiárida do Nordeste do Brasil.
Palavras-chave variáveis climáticas; migração; semiárido; mitigação
Abstract
This study aimed to make a relation of climatic variability, with emphasis on the variability of precipitation, in the Northeast Region of Brazil and the influence on human migratory displacement in the state of Ceará due to the environmental disturbance of this rainfall variability. The study was based on data from migratory demographic censuses, for the state of Ceará, and rainfall data in Northeast Brazil, between the 1960 and 2010 years. The methodology investigated the characteristics of these migratory displacements, evaluating data on their mobility interstate in associations with government programs, in addition to inferring relationships with the variability of decadal rains between 1960-2010 in the Northeast Region of Brazil. The results of the study suggested that the reduction in the number of migrants to other regions of the country was more influenced by income transfer and development programs in small and medium-sized cities, than direct impacts of rainfall variability in the semiarid region of Northeast Brazil.
Keywords climatic variables; migration; semi-arid; mitigation
1. Introdução
No campo da demografia há uma definição clássica para os deslocamentos, que pode ser subdivida em duas categorias: atração e repulsão (Oliveira et al., 2017). Os fatores que motivam muitas pessoas a migrar estão associados à qualidade de vida, como dinamismo econômico, oportunidade de emprego, tratamento de saúde, dentre outros. Já os elementos determinantes para migração forçada estão relacionados aos desastres naturais, fome, guerras, intempéries climáticas, além de conflitos étnicos e religiosos (Ojima, 2015).
A migração pode ser entendida como o movimento de indivíduos de um determinado espaço geográfico que possuem constantemente um motivo ou um comportamento padrão, seguindo, em muitos casos, uma perspectiva cultural, social, política, econômica e ambiental (Ojima e Fusco, 2017). Esse fenômeno pode ser compreendido como uma mudança permanente ou semipermanente de residência. Não se põem limitações com respeito à distância do deslocamento ou à natureza voluntária ou involuntária do ato (Lee, 1980, apud IBGE, 2011).
Quando o migrante se desloca, subtende-se que o indivíduo teve à vontade, o desejo, a opção de deixar a sua terra. Entretanto, os refugiados são grupos de pessoas que foram forçadas a sair de seu local de origem sob ameaça de morte. Em 2014, no mundo todo, o número de deslocados e refugiados cresceu 40%, chegando, em três anos, a 59 milhões pessoas, sendo as vítimas fatais mais frequentes os idosos e as crianças, por não suportarem os esforços físicos do deslocamento (Luchilo e Ribeiro, 2016).
é relevante mencionar que nas últimas décadas houve um acentuado aumento na frequência de ocorrência de secas no Nordeste brasileiro. Em 2100, no pior cenário projetado, a temperatura no planeta tenderá a aumentar até 4,5 °C, e a região da Caatinga correrá o risco de sofrer um processo de desertificação com a redução das chuvas, a intensificação da evaporação dos lagos, lagoas, açudes e a redução dos reservatórios subterrâneos, ocasionado a fuga em massa de flagelados da seca (Marengo, 2008, apud Pereira e Cuellar, 2015).
Os panoramas futuros são tão desfavoráveis que motivam a sociedade a fazer uma reflexão: de que forma o aquecimento global impactará na vida das pessoas? A seca ou estiagem é um fenômeno climático causado pela falta prolongada de chuva e que vem assolando o Sertão Nordestino, acentuada pelo aumento populacional que transformou a seca na grande calamidade social dos últimos três quartos de séculos (Furtados, 1959 - apud Campos, 2014).
As instituições locais do Estado que historicamente contribuíram para a concentração fundiária e a desigualdade social na região se concretizaram historicamente em um discurso pautado no combate à seca (Teixeira, 2016). A atual conjuntura da região do Nordeste brasileiro fomenta uma reflexão para repensar as políticas e programas sociais e vencer os jogos de interesse da Indústria da Seca (Matos, 2012).
Esse termo foi utilizado pela primeira vez pelo jornalista Antônio Callado em 1959, no intuito de caracterizar as dimensões socioeconômicas e políticas que estão no cerne do problema, como a fome, a desnutrição, o êxodo rural e a corrupção, que afetam milhões de nordestinos (Gomes e Heller, 2016). Esse estudo teve como objetivo compreender a variabilidade climática, com ênfase a variabilidade pluviométrica no Nordeste do Brasil, e suas relações com o fluxo migratório do imigrante cearense entre os anos de 1960-2010.
2. Variabilidade Climática, Migração e os Primeiros Indícios de Refúgio Ambiental
O padre jesuíta Fernão de Cardim descreveu vários momentos da historiografia brasileira. Boa parte das obras desse escritor surgiu a partir de cartas enviada a Portugal para seus superiores. O livro Tratados da Terra e da Gente do Brasil foi devido a observações cuidadosas sobre os hábitos e os costumes de uma nação que estava em processo de formação (Gonçalves, 2018). Foi nessa obra que ofereceu o primeiro relato sobre as dificuldades do homem do campo diante da seca no Nordeste Brasileiro (Pereira e Cuellar, 2015). O religioso português retratou a seca de 1583 a 1585, que afetou fazendas na zona rural de Pernambuco. Até mesmo os indígenas foram afetados por essa estiagem prolongada (Cardim, 1980).
Ocorreram tentativas tímidas de colonização desse bioma, porém grande parte das expedições ficou fadada ao fracasso. O clima semiárido era visto como algo que impossibilitava o desenvolvimento de um projeto autônomo de colonização dessa sub-região (Sousa, 2017). O processo de ocupação do semiárido se consolidou com a criação de gado, já que, a partir da segunda metade do século XVI, com as Decisões Régias, foi proibida a criação de bovinos em toda a faixa litorânea da região canavieira, sendo assim, os criadores de gado foram obrigados a desbravar as pastagens no interior do Nordeste (Jucá, 2012).
Com o passar dos anos, muitos eventos de seca foram registrados no Sertão Nordestino. Sem alternativa, a população mais vulnerável foi obrigada a migrar para outros núcleos urbanos ou regiões da colônia (Gandavo, 2008). Durante o século XVII, foram registradas oito secas severas, que ajudaram a conjecturar o semiárido brasileiro como um lugar inóspito e de difícil adaptação (Lima e Magalhães, 2018).
Uma estiagem que se prorrogou entre 1776 e 1778 assolou a Capitania do Ceará. Ao mesmo tempo, uma grave epidemia de varíola rondava as moradias sertanejas (Lima e Magalhães, 2018). No desejo de remediar o estado de calamidade pública, as autoridades portuguesas decidiram repartir as terras com a população mais pobre e realocar os sertanejos para regiões próximas a rios, com esse evento a pecuária, sofreu uma forte retração: houve perda de rebanho bovino em todas as províncias do Nordeste (Gonçalves, 2018).
A estiagem de 1877 foi marcada pela transição de um fenômeno climático para um fenômeno social (Filho e Sampaio, 2014). Diante desse contexto, muitas plantações de algodão foram perdidas. Somou-se a isso a ascensão da produção de algodão norte-americano no mercado mundial, o que agravou ainda mais o quadro de miséria na região Nordeste (Garcia e Sampaio, 2014). Dessa vez, o governo imperial, na tentativa acanhada de minimizar esse problema climático, passou a dar subsídios governamentais para incentivar a migração de retirantes (Gonçalves, 2018).
Até então, o drama dos sertanejos não era percebido pelas autoridades governamentais. Esse problema começou a ganhar visibilidade nacional com a seca de 1877 que se prolongou por três anos e atingiu praticamente todas as províncias do Nordeste (Neves, 2001). Esse período de estiagem foi um dos mais difíceis para a população sertaneja, somado a uma violenta epidemia de varíola (Costa, 2014). A estiagem prolongada na qual se encontrava a maior parte da população, aliada à agricultura de subsistência, fez com que esse episódio ganhasse status de catástrofe social e de um problema nacional.
Nessa época não havia investimento em tecnologia, muito menos uma cultura de convivência com esse fenômeno climático. As famílias não estavam preparadas para romper com a cultura política da época - baseada no clientelismo - na qual a população explorada trocava seus votos por favores com quem detinha o poder político (Oliveira, 2016). Vários políticos e intelectuais procuraram alternativas de convivência com a seca, contudo prevaleceu “a adoção de uma política de incentivo à migração interna, à construção de açudes e à exploração de trabalhadores em obras públicas” (Sousa, 2017, p. 146).
O poder público buscava estratégias paliativas para minimizar a falta de água na região, como a distribuição de gêneros alimentícios e a formação de frentes de trabalho (Travassos, 2011). Essa ótica imediatista perdura até dos dias atuais. Famintos e com poucas alternativas muitos sertanejos foram obrigados a migrar para a região Norte do país (Matos, 2012). Entre os anos de 1887 e 1879, o Ceará tinha uma população de 800 mil habitantes, desses, 120 mil (15% do total) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros estados (Silva et al., 2013).
No início do século XX, o Brasil estava dando seus primeiros passos a caminho da industrialização, impulsionado pela atividade cafeeira (Gonçalves, 2015). Já o Estado do Ceará, entre os anos 1914 e 1915, passava por uma grave crise hídrica, de modo que havia um grande número de flagelados fugindo de condições ambientais (Lima e Magalhães, 2018). Para conter o fluxo de refugiados ambientais as autoridades governamentais instituíram os “currais”, que tinha por objetivos controlar a entrada dos sertanejos nas principais cidades do Estado, como também estabelecer uma divisão entre os flagelados da seca e os habitantes considerados - para os padrões da época - como os civilizados habitantes da capital cearense (Travassos, 2011).
Vale ressaltar que “diante do grande número de flagelados fugindo da seca extrema, o governo cearense criou o primeiro campo de concentração, que consistia em uma área demarcada por arames farpados e vigiada vinte e quatro horas por dia por soldados para confinar os retirantes” (Lima e Magalhães, 2018, p. 199). Essas medidas foram tão absurdas que as imagens e relatos desses episódios podem ser comparados aos campos de concentração do regime nazista.
Em 1932, outra seca violenta assolou novamente o Ceará deixando um rastro de fome e morte nas áreas rurais, sendo essa a primeira vez em que o Estado brasileiro interveio na região Nordeste de forma coordenada e centralizada (Lima e Magalhães, 2018). Milhares de pessoas foram afetadas: a fome, a miséria e muitas mortes novamente foram a tônica dos jornais da época. Os retirantes que tentavam fugir da fome eram retidos em campos de concentração que se localizavam estrategicamente próximos às estações rodoviárias (Rios, 2014).
A intenção era confinar homens, mulheres e crianças, logo quando desembarcassem para não chegarem à cidade de Fortaleza (capital), com o objetivo de “prevenir a afluência tumultuária” de retirantes famintos a Fortaleza (Neves, 2001, p. 119). Haviam cinco campos que localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital do Ceará, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada (Garcia e Sampaio, 2014). O governo mantinha uma guarda armada no intuito de impedir fugas. Esse confinamento era estratégico para silenciar os cativos, impedindo essas pessoas de delatarem os horrores vivenciados nesses locais (Rios, 2014).
Os “currais” eram um ambiente inóspito, repleto de doentes, espaços de morte, onde a dor e o sofrimento dessas pessoas eram intensificados (Rios, 2014). Em Fortaleza, um dos campos de concentração mais conhecidos foi o do Otávio Bonfim, que foi um dos “maiores currais humanos instalados no Brasil para conter a massa castigada pela seca” (Lima e Magalhães, 2018, p. 201). Ao invés de uma política de assistências, o governo criou uma política de exclusão e isolamento que, em muitos casos, culminava na morte dos retirantes.
Em 1958, outra grande seca atingiu o território cearense deixando diversos sertanejos em uma situação deplorável. Para amenizar o drama da população nordestina, o Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS) abriu algumas frentes de emergência, objetivando a construção de barragens e a ampliação de açudes (Lima e Magalhães, 2018). Sem seguridade alimentar, inúmeros sertanejos migraram para outras regiões do Brasil em busca de melhores oportunidades, e um dos principais destinos era a Região Amazônica. No norte do Brasil, a extração da borracha atendia à necessidade do governo federal ao preencher os “vazios demográficos” (Ojima et al., 2014).
Na década de 60 houve três grandes estiagens entre os anos 1962 e1963, e também no ano de 1966, o País sofria com agitações políticas em um contexto de um mundo polarizado (Lima e Magalhães, 2018). O panorama político do país estava nebuloso devido ao auge da guerra fria, a conflitos armados, a protestos sociais e à instauração da ditadura militar, que apresentava cenários difíceis para o Nordeste brasileiro.
Vale lembrar que, a partir dos anos 70 foram implantados vários programas de combate à seca, tais como: Proterra (1971), Polonordeste (1974), Projeto Sertanejo (1976), Prohidro (1979) e Projeto Nordeste (1984). Apesar dos muitos avanços, esses projetos não escaparam dos vícios costumeiros que inviabilizam os programas governamentais na região como a descontinuidade dos programas sociais e a corrupção (Matos, 2012). Infelizmente, os esforços governamentais não foram suficientes para atender às necessidades mínimas do homem do campo.
Entre os anos 1979 e 1983 a ausência de chuvas se mostrou atípica, aliada à falta de políticas públicas em favor do sertanejo, e ao histórico de técnicas agrícolas rudimentares que provocavam a erosão do solo (Ojima et al., 2014). No Estado do Ceará foi registrada mais de uma centena de saques, quando legiões de trabalhadores famintos invadiram centros urbanos e saquearam alimentos em feiras-livres e armazéns (Silva et al., 2013). Deve-se salientar que o governo organizou ações emergenciais como a oferta de emprego para 3,1 milhões de nordestinos nas chamadas Frentes Emergenciais de Trabalho (Lima e Magalhães, 2018).
Esse período deixou “um rastro” de miséria e fome: lavouras foram perdidas, animais mortos e, de acordo com a UNESCO, 62% das crianças nordestinas, de 0 a 5 anos, viviam na zona rural em estado de desnutrição aguda (Silva et al., 2013). Reportagens sobre crianças com um quadro de desnutrição grave ganharam visibilidade no Brasil e no mundo, e o êxodo rural passou a ser um problema nacional. Durante esse período, estima-se que 3,5 milhões de sertanejos, em sua maioria crianças, tenham chegado a óbito em razão da desnutrição, de doenças, de maus tratos e da escassez de políticas públicas (Lima e Magalhães, 2018).
No decurso da década de 90, mais especificadamente entre os anos de 1997 e 1999, a estiagem afetou drasticamente a região Nordeste (Pereira e Cuellar, 2015). Relatos de saques a depósitos de suprimentos, mortes de rebanhos e lavouras perdidas foram amplamente divulgado nos meios de comunicação (Melo, 1999). Acrescente-se, ainda, que a “Seca Verde” do período 1999, assim nominada porque a chuva faltou antes da maturação da colheita ocasionou desemprego acentuado, grandes prejuízos econômicos para toda a região Nordeste, e acredita-se que 5 milhões de pessoas foram afetadas (Lima e Magalhães, 2018).
3. Materiais e Métodos
Foram analisados dados de precipitação pluviométrica mensal entre 1960-2010 da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), do Global Precipitation Climatology Center (GPCC) do WCRP: World Climate Research Programme (Becker et al. 2013). Além desses, foram usados dados do censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), também referente ao período de janeiro de 1960 a dezembro de 2010, para verificar a influência da variabilidade pluviométrica no Nordeste Brasil nos fluxos migratórios no Estado do Ceará e as principais características desse deslocamento.
Todos os dados citados serviram de base para a organização de gráficos, tabelas; que auxiliaram na análise e discussão dos resultados.
4. Resultados e Discussões
Os resultados desta pesquisa têm por finalidade desenvolver ações educativas direcionadas a população sertaneja, para que seja fomentada a consciência de convivência com a região semiárida e buscar soluções de adaptabilidade as variações climáticas intensificadas pelo meio antrópico.
A Fig. 1 mostra, a partir de dados de censos demográficos, a evolução de migrantes cearenses que passaram a residir em outros estados brasileiros. Nos 60 anos houve um crescimento tímido se comparado com as décadas anteriores. Os anos 70 apresentaram um crescimento mais acelerado e expressivo, incomum com todas as décadas expostas no gráfico.
Os anos 80 e 90 apresentam uma constância no crescimento. Entretanto, entre 2000 e 2010 houve uma queda expressiva, algo incomum se comparado às cinco décadas anteriores. Essa característica dos anos 70 pode estar associada a variabilidade climática, e também a busca de oportunidades de trabalho em estados e regiões fora do Ceará. Ressalta-se, também que nesse período as políticas sociais de auxílio ainda eram menores dos as que existem nos anos mais atuais.
A Fig. 2 apresenta a série de totais anuais de precipitações anuais por década sobre o estado do Ceará entre os anos de 1951 a 2010. Nessas figuras é possível perceber que das décadas com chuvas abaixo da média, os anos 50 foram os mais secos. Nota-se também que a década de 80 apresentou uma sequência de anos de seca entre 1981 e 1983. Os anos de 2001 a 2010 trouxeram cinco anos de seca, no entanto esses períodos se intercalaram com anos de chuva acima da média.
Os censos demográficos de 1960 a 2010 retratam a mobilidade de cearenses para outros estados. Ressalta-se que as décadas aqui se referem aos dados dos últimos 10 anos, por exemplo, para década de 1960 esses dados compreendem entre os anos de 1951-1960, e assim para outras décadas. Nesses seis cenários é possível perceber que, entre os anos de 1960 e 1970, a principal rota migratória era em direção ao estado do Maranhão. Os censos demográficos de 1980 a 2010 revelam que os migrantes cearenses preferiram os estados mais populosos do país: o eixo Rio-São Paulo.
O Tabela 1 mostra os censos demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010, com a população de cearenses residente em cada estado brasileiro. Vale ressaltar que os estados de Tocantins e Mato Grosso do Sul, entre as décadas 1960 e 1980, eram parte integrante de outros estados da federação.
Nota-se também que em magnitudes de migrações estas ficaram sempre abaixo de 100000 habitantes, as que ocorreram nos anos 1951-1960 e 1961-1970, são mais expressivos em números sempre acima dos 100.000 migrantes, apesar de que nas décadas de 1981-1990 e 1991-2000 para alguns estados essa taxa de migração foi mais expressiva. Essa taxa mais expressiva nessas últimas décadas deve-se também a um aumento populacional da região.
As séries históricas revelam que para anos mais chuvosos as chuvas devem ocorrer entre 670 a 930 mm; baixo dessa média anual, os dados pluviométricos podem ser comparados como anos de seca. Entre os anos de 1910 a 2016 existiram duas ocasiões no Ceará onde houve cinco anos consecutivos de seca: 1979 a 1983 e 2012 a 2016 (FUNCEME, 2016).
A Fig. 3 mostra a variabilidade espacial dos desvios absolutos de precipitação anual no Nordeste do Brasil nas décadas de 1960, 1980, 2000 e 2010. Nota-se certa relação principalmente nas décadas de 1960 e 1970, pois as migrações são mais distribuídas para os quase todos os estados do Brasil, e nessas décadas as precipitações em todo Nordeste do Brasil foram com valores abaixo da média.
Desvio absoluto (mm) para cada década, dado pelo total anual a cada dez anos entre 1960 e 2010 menos a média do total anual das décadas entre 1960-2010.
Seguindo um viés cronológico, entre 1950 a 2013 ocorreram 25 anos de fortes estiagem. Levando em conta a quadra chuvosa, que ocorre entre os meses de fevereiro a maio, os 10 anos com as menores precipitações pluviométricas foram: 1958 (206,87 mm), 1998 (241,50 mm), 1993 (289,31 mm), 1951 (297,28 mm), 2010 (302,27 mm), 2012 (302,47 mm), 1983 (307,87 mm), 1970 (370,31 mm), 2013 (376,79 mm), 1953 (390,97 mm) (FUNCEME, 2016).
Nas décadas dos anos 90, e 2000 as chuvas oscilaram a torno a abaixo da média, porém as taxas migratórias para os estados do Sudeste do Brasil aumentaram em magnitudes. Esse fato é interessante, porque mostra a dimensão da migração do semiárido Nordestino, que nem sempre deve ser atribuída à variabilidade climática, apesar de esse fator estar estritamente relacionado.
Além disso, faz-se menção que nessas últimas décadas apesar dos programas sociais de convívio as adversidades climáticas do semiárido nordestino as taxas de migração do estado do Ceará mantiveram-se com uma característica crescente.
Em média a migração, nessas décadas do estado do Ceará para outras regiões do País, foi de 248.000 mil pessoas, com um máximo em torno de 385.113 mil pessoas e um mínimo aproximadamente de 109.012 migrantes.
Fig. 4 retrata seis cenários associados ao censo demográfico de 1960 revelou que a região Nordeste era o destino preferencial de muitos cearenses. Com o passar dos anos, o sudeste do país se consolidou como a principal rota migratória, pois a crescente industrialização, a oferta de emprego e serviço se tornaram grandes atrativos. As demais regiões sofrem pequenas variações ao longo de seis décadas, dando um caráter de estabilidade.
5. Considerações Finais
Ao analisar as variáveis climáticas, inferidas pela precipitação no estado do Ceará, foi possível identificar que a população cearense, em particular aquela localizada na zona rural, está sujeita à migração motivada por extremos climáticos, mais susceptíveis anos de secas ou chuvas irregulares, porém essa relação parece não linear, pois a migração de pessoas do Ceará para outras áreas da federação continua crescente, e parece sugerir uma ligação de aspecto cultural pela busca de novos horizontes de vida principalmente para fins de empregos formais ou informais. Estudos anteriores mostram que a variabilidade pluviométrica interanual do estado e o contexto socioeconômico favorecem a mobilidade dessas pessoas, podendo trazer futuramente cenários de refúgio ambiental.
Os resultados mostraram que o processo migratório no Ceará entre as décadas de 1950 e 1970 foi endógeno no Nordeste, os maiores fluxos se deram para os estados vizinhos como o Maranhão. A partir da década de 1980 esse fluxo migratório passa a ter uma direção para a Região Sudeste do Brasil, principalmente os dados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Os dados decadais dos censos demográficos entre os anos de 1960 a 2010 possuem um grande intervalo de tempo e em muitos casos, essas informações trazem algumas lacunas para o trabalho do pesquisador. Os movimentos migratórios são muito dinâmicos, podendo durar longos períodos ou espaços muito curtos. Essa característica dos dados censitários não sendo na escala interanual e não discriminados, por exemplo, por região do Estado em análise, não permitem uma análise mais detalhada desse processo migratório com a variabilidade climática no Estado.
Além de guerras, questões econômicas, existem outros fatores que são bastante relevantes que provocam a dispersão humana e devem ser levados em consideração, como: perseguições políticas, desastres ambientais, questões psicológicos, religiosas e de orientação sexual ou relacionada ao gênero, essas dimensões requer discuti-las com maior profundidade.
Há uma grande complexidade entre fatores climáticos e a mobilidade humana, necessitando de estudos mais avançados e complementares para entender esses fenômenos. O auxílio de dados e informações é de grande relevância para o melhor entendimento das consequências do fenômeno migratório, em particular a dispersão populacional motivada pelas variáveis climáticas.
Para estudos futuros sugere-se uma análise das características do processo migratório de outros estados da Região Nordeste e identificar suas similaridades com o ocorrido no estado do Ceará, e fazer relações com as variabilidades climáticas ocorridas nesses Estados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Ago 2021 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2021
Histórico
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Recebido
25 Maio 2021 -
Aceito
09 Jun 2021