Open-access ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL PARA O PORTUGUÊS DE UM INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO DE PROVOCAÇÕES DURANTE A ATIVIDADE FÍSICA/ESPORTIVA EM ADOLESCENTES BRASILEIROS

RESUMO

Objetivo:  Traduzir e adaptar para o português brasileiro um questionário para avaliação das provocações durante a prática de atividades físicas/esportivas para utilização com a população adolescente.

Métodos:  O processo foi conduzido em seis etapas: quatro traduções, elaboração de uma versão sintética, duas retrotraduções, avaliação por um comitê de especialistas, teste da versão pré-final com a população-alvo e apresentação da versão final ao comitê de especialistas. Participaram do teste da versão pré-final 38 adolescentes com idades de 11 a 18 anos, estudantes do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio em uma escola pública de Santa Catarina.

Resultados:  As etapas foram seguidas rigorosamente, e a partir delas surgiram necessidades de alteração no instrumento. As questões foram modificadas de acordo com as divergências observadas nas retrotraduções, as sugestões realizadas pelos especialistas para melhoria da compreensão e/ou clareza e baseadas nos apontamentos dos adolescentes participantes do teste da versão pré-final.

Conclusões:  O instrumento foi traduzido para o português e adaptado para o contexto brasileiro, conforme a realidade e a cultura de adolescentes de 11 a 18 anos, apresentando dificuldades de compreensão para faixas etárias menores.

Palavras-chave: Tradução; Comportamento do adolescente; Bullying; Atividade motora

ABSTRACT

Objective:  To translate and adapt a questionnaire aimed to evaluate teasing during the practice of physical/sports activities in the adolescent population.

Methods:  The whole process had six stages: four translations, elaboration of a synthesis version, two back-translations, evaluation by a committee of experts, test of pre-final version with the target population, and presentation of final version to a committee of experts. Thirty-eight adolescents aged between 11 and 18 years participated in the pre-final version test, all of them from the 6th grade of elementary school to senior year of high school in a public school of the state of Santa Catarina.

Results:  The steps were strictly followed and then the need for change in the instrument emerged. The questions were altered according to discrepancies observed in back-translations, as well as suggestions by specialists to improve understanding and/or clarity and notes of adolescents participating in the pre-final test.

Conclusions:  The instrument was translated into Portuguese and adapted to the Brazilian context according to the reality and culture of adolescents aged 11 to 18 years old, with possible understanding failures in younger age groups.

Keywords: Translation process; Adolescent behavior; Bullying; Physical activity

INTRODUÇÃO

A temática bullying tem sido amplamente discutida em diferentes meios e contextos, como mídias e escolas.1,2 Isso se deve, principalmente, aos inúmeros prejuízos à saúde mental e física causados às vítimas,3,4 remetendo a sentimentos de menos-valia, isolamento social e de medo ou raiva reprimida.3 Além disso, o bullying acarreta consequências como prejuízos sociais, dificuldade de concentração,3 problemas de relacionamento e hiperatividade.4

A internacionalização do conceito de bullying, paralela ao aumento da violência, provocou uma banalização do termo.5 Entretanto, muitas vezes, o que ocorre, principalmente entre os jovens, são provocações, conceituadas como uma comunicação pessoal que combina elementos de humor, agressividade ou ambiguidade.6 Tais provocações podem se dar por meio de comentários, risadas ou insinuações a partir de gestos, ocorrendo, frequentemente, entre pessoas próximas, como familiares e amigos.7 O aspecto de “diversão” confundido com um ato hostil é o que diferencia a provocação de bullying.8 No entanto, comportamentos típicos das provocações, além de serem suscetíveis ao agravamento e terem a possibilidade de se tornarem bullying, podem apresentar consequências tão severas quanto.

Os adolescentes são mais vulneráveis às provocações, especialmente voltadas à aparência física, em virtude da adolescência ser um período em que ocorrem muitas mudanças,9 atreladas, dentre outros aspectos, ao processo de maturação biológica.10 Essas mudanças podem gerar certa insegurança, principalmente quando os indivíduos não se consideram inclusos nos padrões físicos ideais, tornando-se vulneráveis a influências negativas e julgamentos.11

Sendo de grande importância conhecer os contextos mais propensos às provocações, elencam-se o escolar e o esportivo ou o de realização de atividades físicas como os mais prováveis a essa prática.12,13 Especificamente durante a atividade física, observa-se que, quando a performance do corpo não atinge o padrão exigido, pode ocorrer uma exposição do adolescente às provocações relacionadas à aparência ou à maneira como realiza os movimentos corporais em determinadas tarefas.14 Esse apontamento corrobora a afirmativa de que as mudanças corporais que ocorrem durante a adolescência podem interferir, inclusive, no interesse e no desempenho esportivo.15 Assim, percebe-se a importância desses comportamentos serem investigados nesses contextos.

Em 2011 foi desenvolvido um instrumento, na língua inglesa, para avaliar provocações durante a atividade física direcionadas aos adolescentes,14 o qual é curto e simples, mas abrange possíveis situações sobre diferentes aspectos, como a aparência física e a coordenação motora. Encontrou-se na literatura outros instrumentos na língua inglesa que avaliam provocações,16,17,18,19 entretanto, esses não são voltados à população adolescente ­e/­ou não priorizam atividades físicas/esportivas. Foi encontrado apenas um instrumento com essa prioridade, porém é limitado às provocações relacionadas ao peso corporal em crianças com média de idade de 11,6±1,2 anos e também na língua inglesa.20 Dentre os instrumentos supracitados, dois18,20 foram traduzidos, adaptados e validados para adolescentes brasileiros para um estudo,21 porém os dados referentes a esse processo não foram publicados.

Além de terem sido encontrados poucos instrumentos para avaliar provocações, em algumas pesquisas com adolescentes12,22 - sendo a primeira com média de idade de 14,4 e a segunda com média de 16,4 anos - foram utilizadas questões elaboradas pelos próprios autores, em vez de questionários validados. Vale ressaltar que não foi encontrado nenhum instrumento brasileiro ou adaptado para o português publicado, possivelmente fazendo com que pesquisadores utilizem instrumentos traduzidos literalmente, podendo implicar em equívocos, já que a realidade cultural não foi adaptada para a população em questão.

Diante do exposto, o presente estudo propôs uma iniciativa importante, pois ter um instrumento para avaliar provocações, comentários e experiências dos adolescentes na prática de atividades físicas/esportivas traduzido e adaptado para a população brasileira é de grande valia. Um instrumento com essa proposta torna possível que profissionais que atuam com essa população saibam lidar com os casos de provocação, evitando que os mesmos gerem danos psicológicos aos provocados ou situações de agravamento (bullying), além de auxiliar pesquisadores da área da saúde com mais uma ferramenta para a condução de estudos sobre essa temática.

Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo traduzir e adaptar para o português brasileiro um questionário para avaliação das provocações durante a prática de atividades físicas/esportivas para utilização com a população adolescente.

MÉTODO

O instrumento original é um questionário de língua inglesa14 composto por quatro questões desenvolvidas com o objetivo de avaliar experiências negativas, comentários e provocações em adolescentes de 12 a 16 anos de idade praticantes de esportes ou atividades físicas. Ainda, há uma segunda seção no questionário em que o indivíduo pode apontar, dentre cinco alternativas, o(s) responsável(is) por tais experiências negativas.

Na adaptação transcultural do instrumento original para o português brasileiro, utilizou-se o método de Beaton et al.,23 que consiste em seis etapas:

  1. Tradução inicial do instrumento original por pelo menos dois tradutores independentes.

  2. Síntese das traduções.

  3. Retrotradução (back translation).

  4. Avaliação por um comitê de especialistas.

  5. Teste da versão pré-final com a população-alvo e

  6. Submissão da documentação para o comitê de especialistas.

O instrumento original (inglês) foi traduzido para o português por quatro profissionais brasileiros, com fluência em inglês, de maneira independente. Na segunda etapa, as quatro traduções foram comparadas por três pesquisadores deste estudo e sintetizadas em uma única versão.

A terceira etapa foi realizada por dois profissionais nativos de países de língua inglesa como língua materna e com fluência em português, que retrotraduziram a síntese das traduções para o idioma oficial. As duas retrotraduções independentes foram comparadas entre si e com o instrumento original com o intuito de verificar se a versão traduzida estava transmitindo a ideia primordial do instrumento.

Posteriormente, encaminhou-se ao comitê de especialistas, formado por cinco professores doutores do ensino superior das áreas de Educação Física e Pedagogia, fluentes na língua inglesa, um documento com as questões originais do instrumento e a versão em português para avaliação quanto à equivalência semântica (transferência do significado entre os idiomas); idiomática (coloquialismos equivalentes em ambos os idiomas); experimental (situações mencionadas devem condizer com possíveis vivências culturais no Brasil); e conceitual (item pode ser compreendido e utilizado de maneira universal).

Foram também anexados ao documento os relatórios referentes à síntese das traduções e às alterações realizadas após as retrotraduções. A avaliação foi feita em uma escala ordinal de cinco pontos: 1 (inadequado), 2 (pouco adequado), 3 (aceitável), 4 (adequado) e 5 (muito adequado). Para pontuações 1, 2 ou 3, solicitou-se que o avaliador deixasse sugestão de alteração.

A versão do questionário modificada após as avaliações dos especialistas (versão pré-final) foi testada com a população-alvo, constituída por 38 adolescentes (20 meninas e 18 meninos) com idades de 11 a 18 anos, estudantes do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio em uma escola pública estadual de Santa Catarina. Realizou-se um sorteio para seleção de uma turma correspondente a cada ano de ensino. Nas turmas sorteadas, os pesquisadores responsáveis explicaram o objetivo do estudo, convidando-os a, voluntariamente, responder ao questionário e realizar a entrevista. Aqueles que aceitaram participar assinaram o termo de assentimento e levaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para que os pais tomassem conhecimento e autorizassem a participação de seu filho menor de idade. Os maiores de idade assinaram o seu próprio termo.

Para a coleta dos dados, os adolescentes foram informados sobre o objetivo do instrumento e que poderiam desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo. Em seguida, separados por turmas, responderam individualmente ao questionário, levando em média dez minutos. Posteriormente, os pesquisadores realizaram uma entrevista com eles, questionando a compreensão de cada questão, possíveis dúvidas e dificuldades encontradas, além de críticas e sugestões pertinentes ao conteúdo e à forma de preenchimento do questionário, o que levou aproximadamente 15 minutos por turma. Todos os entrevistados participavam das aulas de Educação Física escolar e alguns também praticavam atividades físicas ou esportivas extracurriculares.

Após o pré-teste, a versão final do questionário foi encaminhada ao comitê de especialistas para conhecimento dos resultados. Ainda, os pesquisadores entraram em contato novamente com os adolescentes participantes do teste com a versão pré-final para apresentação do questionário modificado após a realização dessa etapa, verificando a adequação da nova versão e estabelecendo-se, então, a versão final.

Este estudo, de delineamento transversal, faz parte de um macroprojeto intitulado “Guia Brasileiro de Avaliação da Aptidão Física Relacionada à Saúde e Hábitos de Vida - Etapa I”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina - CEPSH/UFSC (Protocolo nº 746.536/2014).

Para a realização dos procedimentos de tradução e adaptação do instrumento de avaliação das provocações durante a prática de esportes ou atividades físicas foram obtidos consentimento e autorização de uma das proponentes do instrumento original, via e-mail.

RESULTADOS

O instrumento em sua versão original, as quatro traduções para o português brasileiro (T1, T2, T3 e T4) e a síntese das traduções são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1:
Instrumento original, traduções para o português brasileiro e síntese das traduções.

Na primeira etapa do processo de adaptação transcultural, obtiveram-se quatro versões do instrumento original traduzidas para o português brasileiro, comparadas e sintetizadas em uma versão. Para estabelecer essa versão, palavras traduzidas igualmente na maioria das versões foram mantidas, enquanto as que apresentaram traduções divergentes foram debatidas entre os pesquisadores para definição da opção que melhor se adequava, conforme os objetivos do instrumento.

Na primeira frase do instrumento, optou-se pela expressão “quando você está praticando”, visando à compreensão de que as questões se referem ao momento da prática de atividades físicas/ esportivas.

Na questão número 1, os pesquisadores preferiram “você já sentiu” a “você sentiu”, mesmo essa última aparecendo em duas das quatro traduções, pois poderia remeter ao adolescente apenas uma ocasião, quando a intenção é pensar em todos os momentos em que já tenha ocorrido. Baseado no mesmo critério, ainda nessa questão, decidiu-se pela expressão “estavam olhando”.

As questões 2 e 3 possuem o mesmo início (“Have people made fun of you/laughed at you”) e ambas apresentaram traduções bastante divergentes. Decidiu-se pela expressão “já fizeram” a fim de se referir a qualquer ocasião vivenciada e a palavra “piada” por ser mais adequada do que as traduções “brincadeira” e “zombaram”.

Na questão 4, também para remeter a todas as situações de provocação experienciadas, manteve-se a palavra “já” na sentença “as pessoas já te chamaram” e, ainda, os pesquisadores julgaram o termo “apelido” mais adequado do que “adjetivos”, além de mais sutil do que “fizeram ofensas” e “xingaram”.

Nas quatro alternativas para o adolescente indicar o(s) responsável(is) pelas provocações, as alternativas “a” e “b” obtiveram quatro traduções diferentes para a primeira palavra. Para melhor compreensão foi definida a palavra “colegas”, em ambas. Na alternativa “c”, preferiu-se “colegas de time” por parecer mais apropriado à prática esportiva. A alternativa “d” foi traduzida igualmente em todas as versões, mantendo-se, portanto, da mesma forma. A alternativa “e” apresentou três traduções idênticas, conservando-se essa versão.

As retrotraduções (R1 e R2) e a versão pré-final em português são apresentadas no Quadro 2. Na etapa de retrotradução, os documentos foram comparados ao instrumento original para checar possíveis divergências de sentido na adaptação. A partir dessa comparação, três sentenças foram alteradas. Na primeira questão foi acrescentada a palavra “fixamente”, enfatizando que não se trata de um olhar rápido apenas, mas de um olhar mais intenso. Na segunda e terceira questões, substituiu-se a expressão “fizeram piada” por “zombaram”, pois na retrotradução foi traduzida como “made jokes”, distanciando-se muito da pretensão do instrumento original.

Quadro 2:
Retrotraduções e versão pré-final do instrumento.

Após ajustado, o instrumento foi encaminhado para um comitê de especialistas com fluência na língua inglesa, formado por um doutor em Educação e quatro doutores em Educação Física. Desses, três possuíam experiência em Educação Física escolar, esporte escolar e educação brasileira. No instrumento original não havia instruções de como as questões deveriam ser respondidas. Portanto, os enunciados foram elaborados pelos pesquisadores e encaminhados nesse documento a fim de que os especialistas os avaliassem quanto à clareza. Anexo ao documento foi disponibilizado também aos especialistas dois relatórios, um da síntese das traduções e outro das alterações feitas após as retrotraduções.

As sugestões realizadas pelos especialistas resultaram em seis alterações. A primeira frase do instrumento foi questionada quanto ao tempo verbal. Segundo os especialistas, a frase em inglês estava no simple present e na versão traduzida estava no present continuous, assim, foi alterada de “quando você está praticando esporte ou fazendo atividade física” para “quando você pratica esporte ou faz atividade física”. Na questão 1, sugeriu-se retirar a palavra “fixamente”, pois os especialistas julgaram que os adolescentes não teriam a compreensão desejada. Além disso, alterou-se a expressão “olhando para você” para uma versão mais usual, “te olhando”. Logo, a questão ficou da seguinte forma: “Você já sentiu que as pessoas estavam te olhando por causa da sua aparência?”.

Na alternativa “c” das opções de responsáveis pelas provocações, adicionou-se o termo “equipe” para melhor compreensão dos adolescentes, alterando para “colegas de ­time/­equipe”. Também nessa seção, de possíveis responsáveis, na alternativa “d” os especialistas atentaram que na Educação Física escolar brasileira ou em escolas de esportes pouco se utiliza o termo “instrutor”, assim sugeriram substituir ou acrescentar o termo “professor”. Visando alcançar todas as situações de prática de atividades físicas e/ou esportivas, ­optou-se por acrescentar esse termo. Portanto, a alternativa ficou “­­técnico/­­instrutor/­professor”.

Quanto aos enunciados das questões, foram sugeridas alterações para ambos. No primeiro, recomendou-se acrescentar uma legenda para cada número da escala de resposta, já que na versão encaminhada só havia legenda no primeiro e no último número e os adolescentes poderiam não compreender as opções intermediárias. Dessa forma, modificou-se a legenda de “1 (nunca), 2, 3, 4, 5 (frequentemente)” para “1 (nunca), 2 (quase nunca), 3 (às vezes), 4 (quase sempre), 5 (sempre)”.

O segundo enunciado teve como sugestão uma simplificação textual, alterando-se de “Caso você tenha respondido alguma opção diferente de ‘1 (nunca)’ nas questões acima, assinale abaixo quem foi o responsável por este comentário/experiência (obs.: se existirem, você pode assinalar mais de uma opção)” para “Caso você tenha respondido, em alguma das questões acima, as opções de 2 (quase nunca) a 5 (sempre), indique quem foi o responsável por este comentário/experiência. Obs.: se o comentário ou experiência teve a participação de mais de uma pessoa, você pode assinalar mais de uma opção”. As questões com as alterações sugeridas pelos especialistas foram aplicadas na versão pré-final para teste.

Os adolescentes compreenderam a primeira sentença do questionário como uma pergunta adicional e propuseram que seu local fosse alterado - a maioria sugeriu colocá-la junto ao enunciado. Portanto, o enunciado foi reformulado em “Responda as questões abaixo, pensando em quando você pratica esporte ou faz atividade física, assinalando uma das opções da escala, e considerando a seguinte legenda”.

Nas questões 1 e 2, a palavra “aparência” foi interpretada de maneira ampla. Os adolescentes consideraram “aparência” a maneira de se vestir, de arrumar o cabelo, o jeito de andar, entre outros. A intenção do questionário original era se referir apenas à aparência física (forma, tipo e dimensões corporais). Os participantes sugeriram que o termo adequado seria “aparência física”, em vez de “aparência”, apenas. Assim, modificou-se o termo em ambas as questões.

Na questão 3, a maioria dos adolescentes teve dificuldade para compreender o termo “descoordenado”. Para facilitar o entendimento, recomendaram incluir junto ao termo exemplos ou explicações. Dessa forma, alterou-se a questão para “As pessoas já zombaram ou riram por você ser descoordenado (por exemplo: ter dificuldade para realizar as atividades físicas, ou realizá-las de maneira desajeitada)?”.

À alternativa “c”, das possibilidades de responsáveis pelas provocações, foi acrescentada a palavra “turma”, pois a maioria dos indivíduos referiu-se apenas ao time que fazia parte, e o intuito do questionário é que se pense também no grande grupo. Na alternativa “e” foi adicionada uma exemplificação de membros da família, porque alguns adolescentes consideram apenas pai, mãe e irmãos(ãs). Essa alternativa foi alterada para “Membros da família (por exemplo: pai, mãe, irmãos, tios, avós, primos...)”.

A versão final do questionário, após as sugestões dos adolescentes, é apresentada no Quadro 3.

Quadro 3:
Versão final do questionário para avaliação de provocações durante a prática de atividade física.

DISCUSSÃO

O processo de adaptação transcultural para o português brasileiro foi realizado sistemática e rigorosamente,22 apresentando resultados satisfatórios. O método proposto por Beaton et al.23 apresenta etapas de adaptação muito importantes, visando à equivalência do significado das palavras, dos coloquialismos, da compreensão da população do país a que se destina e das possíveis vivências dessa sociedade. Seguir as etapas conforme o método definido é de suma importância para que a versão final do instrumento esteja realmente adequada à população em questão.24

Nas etapas de tradução e retrotradução, Beaton et al.23 apontam a necessidade de mais de um tradutor. Essa pluralidade viabilizou amplos debates sobre algumas divergências entre as sugestões de mudança, a fim de obter a palavra ou expressão mais apropriada à cultura brasileira e que ainda mantivesse o intuito do instrumento original.

Feito isto, encaminhou-se um documento ao comitê de especialistas, reforçando a adaptação quanto às equivalências. Os conhecimentos específicos do comitê possibilitaram ajustes aos termos que representariam os termos originais, para então o questionário ser aplicado à população-alvo.

O teste da versão pré-final pretendeu verificar se o instrumento estava compreensível para a população a que se destinava. Destaca-se essa fase, pois percebeu-se que, ainda que o questionário aparentasse estar pronto, existiam termos de difícil compreensão para os adolescentes, e sutis sugestões de mudanças feitas por eles deixaram o instrumento mais claro, desenvolvendo-se a versão final.

Notou-se, ainda nessa etapa, que indivíduos mais jovens (11 a 12 anos) apresentaram maiores dificuldades de compreensão das questões e no contexto da prática de atividade física ­e/­ou esportiva, relatando situações ocorridas em outros contextos, como em casa, em encontro com amigos e/ou na sala de aula. Assim, mesmo o instrumento estando adaptado, o processo de validação é de extrema importância para verificar sua validade para faixas etárias menores.

A adaptação transcultural é o primeiro passo para a validação de um instrumento.23 Ainda são necessários estudos que investiguem as propriedades psicométricas (reprodutibilidade, consistência interna, validade externa) para que o Questionário para Avaliação de Provocações Durante a Prática de Atividade Física possa ser utilizado em pesquisas com a população adolescente no Brasil.

O questionário foi traduzido para o português e adaptado para o contexto brasileiro conforme a realidade e a cultura de adolescentes de 11 a 18 anos, apresentando dificuldades de compreensão para faixas etárias menores.

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  • Financiamento: O estudo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2017
  • Aceito
    30 Jul 2017
  • Publicado
    12 Set 2018
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