RESUMO
Objetivo: No Brasil, não há escala que avalie a catastrofização dos pais sobre a dor das crianças. O objetivo deste estudo foi traduzir e adaptar transculturalmente o Pain Catastrophizing Scale-Parents para a língua portuguesa do Brasil e avaliar preliminarmente as propriedades psicométricas de pais/outros parentes de crianças com e sem dor de dente.
Métodos: Foi realizado um estudo transversal com 237 pais/outros parentes de 237 crianças. A adaptação transcultural da escala para o português brasileiro foi feita conforme a abordagem universalista. Para avaliar a confiabilidade e a validade da escala, os pais/outros parentes fizeram um relato sobre a dor de dente da criança e preencheram as versões brasileiras da Escala de Catastrofização da Dor-Pais e o Questionário de Desconforto Dentário.
Resultados: Houve equivalência semântica com a versão original após pequenas modificações. O alfa de Cronbach para os 13 itens da escala foi 0,83 e os respectivos coeficientes de correlação intraclasse do teste-reteste variaram de 0,63 a 0,97. Os escores obtidos na Escala de Catastrofização da Dor-Pais e no Questionário de Desconforto Dentário apresentaram baixa correlação (rho=0,25; p<0,001). O escore total da Escala de Catastrofização da Dor-Pais diferiu significativamente (p<0,001) em crianças com dor de dente à noite (mediana: 30,0; percentil 25-75: 25,0-35,5) quando comparado com o daquelas sem dor de dente (25,5; 20,0-31,0).
Conclusões: A versão brasileira da Escala de Catastrofização da Dor-Pais apresentou características aceitáveis nesta avaliação preliminar e pode ser utilizada no Brasil tanto na prática clínica quanto em pesquisas.
Palavras-chave: Dor; Catastrofização; Comportamento infantil; Estudos de validação
ABSTRACT
Objective: In Brazil, there is no scale to assess parental catastrophizing about their child’s pain. This study aimed to translate and cross-culturally adapt the Pain Catastrophizing Scale-Parents to the Brazilian Portuguese language, as well as to preliminarily evaluate its psychometric properties among parents/guardians of children with and without a toothache.
Methods: A cross-sectional study was conducted with 237 parents/other relatives of 237 children. Across-cultural adaptation of the scale into Brazilian Portuguese was carried out according to the universalistic approach. To assess the reliability and validity of the scale, parents/other relatives reported on the child’s toothache and filled out the Brazilian versions of the Pain Catastrophizing Scale-Parents and the Dental Discomfort Questionnaire.
Results: There was semantic equivalence with the original version after minor modifications. TheCronbach’s alpha for the 13 items of the scale was 0.83, and the respective test-retest intraclass correlation coefficients ranged from 0.63 to 0.97. The scores obtained from the Pain Catastrophizing Scale-Parents and the Dental Discomfort Questionnaire had a low correlation (rho=0.25; p<0.001). Thetotal score of the Pain Catastrophizing Scale-Parents differed significantly (p<0.001) in children with a toothache at night (median: 3.0, 25-75 percentile: 25.0-35.5) compared to those who did not have a toothache at night (25.5; 20.0-31.0).
Conclusions: The Brazilian version of the Pain Catastrophizing Scale-Parents was acceptable in this preliminary evaluation and can be used in Brazilian clinical and research practice.
Keywords: Pain; Catastrophization; Child behavior; Validation studies
INTRODUÇÃO
Pensamentos catastróficos podem ser definidos como processos mentais negativos e exagerados que ocorrem como resposta a uma experiência desagradável.1 Eles aumentam a intensidade da dor,2 a sensação de incapacidade física,3 o estresse 4 e a resposta inadequada ao tratamento.5 Foi demonstrado que um mecanismo psicológico (catastrofização da dor) influencia o fenômeno biológico do aumento da experiência de dor em casos de estímulos imprevisíveis.6 Uma revisão sistemática indicou que a catastrofização da dor está relacionada a áreas do cérebro envolvidas no processamento da dor, na atenção a ela, na redução de sua inibição e em outros aspectos cognitivo-afetivos, como emoções e atividade motora.7
A catastrofização da dor, processamento tendencioso de informações sobre uma ameaça, reflete a propensão de uma pessoa em incorporar fatores cognitivo-afetivos relacionados à dor a uma experiência holística, modulando, por fim, a experiência de dor.8 A maneira que o contexto social influencia a dor e o comportamento do indivíduo diante de uma experiência dolorosa tem sido amplamente ignorada. Assim, é crucial identificar os elementos que contribuem para essa deficiência e fornecer ferramentas para medi-los.9
Há uma associação positiva entre níveis de catastrofização da dor pelos pais e seus filhos. Além disso, a família pode ter um estilo cognitivo específico para lidar com essa experiência associado às respostas da criança quando ela sente dor.10 Nestecenário, a Pain Catastrophizing Scale-Parents (PCS-P) foi desenvolvida em 2006 para avaliar os padrões de resposta de catastrofização dos pais com relação à dor das crianças.
A PCS-P é reconhecida internacionalmente, mas, até onde sabemos, não foi adaptada para uso no Brasil. Vários estudos confirmam a utilidade clínica e as propriedades psicométricas desta escala. No entanto, até o momento, o Brasil não tem qualquer instrumento culturalmente sensível para avaliar o comportamento das crianças em situações de dor crônica ou que se concentre no papel da família no reforço da percepção da dor. Outra versão da Pain Catastrophizing Scale (PCS) foi validada no Brasil,11,12 mas ela é voltada a pacientes adultos com condições de dor crônica específicas, não a pais/outros parentes de crianças com dor, o que justifica nosso estudo. Assim, o objetivo deste estudo foi traduzir e adaptar transculturalmente a PCS-P para a língua portuguesa do Brasil e avaliar preliminarmente as propriedades psicométricas de pais/outros parentes de crianças com e sem dor de dente.
MÉTODO
Este estudo seguiu os princípios da Declaração de Helsinque,13 as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde brasileiro14 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, Goiânia (GO), Brasil (protocolo n° 363/2010). Todosos participantes (profissionais envolvidos na fase de adaptação e pais/outros parentes das crianças) foram individualmente informados sobre a investigação e convidados a assinar um termo de consentimento, caso concordassem. O estudo foi baseado na abordagem universalista para adaptações transculturais de instrumentos,15 que determina que o significado de seus itens deva ser ajustado para cada cultura, ainda que haja um conceito universal intrínseco. Ele foi realizado em múltiplas fases padronizadas (Figura 1)16-18 que podem ser condensadas em duas etapas:
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tradução e adaptação transcultural;
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avaliação preliminar de propriedades psicométricas.
Fluxograma que ilustra o processo de adaptação transcultural e avaliação das propriedades psicométricas da versão brasileira da Pain Catastrophizing Scale-Parents.
A PCS-P é um questionário auto-administrado que avalia a extensão da catastrofização dos pensamentos, sentimentos e comportamentos dos pais quando as crianças estão com dor.9 Ela foi desenvolvida dada a necessidade de se relacionar o quanto os pais catastrofizam a dor das crianças com o seu impacto no bem-estar dos pais e no comportamento da criança. Dessa forma, o estudo investiga se o pensamento catastrófico dos pais sobre a dor explica a dificuldade das crianças em lidar com uma situação dolorosa, a ansiedade delas e a intensidade da dor que elas sentem.9 Além disso, a PCS-P avalia se existe uma correlação positiva significativa entre o comportamento dos pais e como as crianças sentem e expressam a dor.10 Ela é composta por 13 itens com cinco respostas possíveis, classificadas em uma escala Likert de cinco níveis: nenhum sentimento (0), brando (1), moderado (2), severo (3) e extremo (4). Os itens foram agrupados em três subescalas: impotência (itens 1, 2, 3, 4, 5 e 12), ampliação (itens 6, 7 e 13) e ruminação (itens 8, 9, 10 e 11). O escore total da escala pode variar de 0 (zero) a 52 (correspondente à multiplicação de 13 itens pela pontuação 4).
O desenvolvedor da PCS-P autorizou a sua tradução e adaptação transcultural para o português brasileiro, que foram realizadas em conformidade às orientações publicadas anteriormente.16,17,18 Dois tradutores bilíngues (T1 e T2), cuja língua nativa é o português brasileiro, traduziram a PCS-P separadamente e produziram duas escalas escritas independentes. T1estava ciente dos conceitos que estavam sendo examinados no questionário para poder fornecer uma equivalência a partir de uma perspectiva clínica. T2 não recebeu informações sobre os conceitos a serem investigados, a fim de oferecer uma tradução que melhor refletisse a linguagem utilizada pela maioria da população (tradutor leigo). T2 destacou significados ambíguos do questionário original. As traduções foram comparadas e as discrepâncias resolvidas depois de uma discussão entre T1, T2 e um observador. Finalmente, uma tradução comum foi obtida.
Em seguida, dois tradutores que nasceram e foram alfabetizados em um país de língua inglesa realizaram uma tradução reversa da versão em português da PCS-P para o inglês. Os dois tradutores não tinham formação em ciências da saúde e desconheciam os conceitos do instrumento. A tradução reversa foi realizada para garantir que a versão brasileira refletisse o mesmo conteúdo do item original. A versão resultante desta etapa foi discutida por um grupo de especialistas. O comitê de especialistas foi composto por um professor com experiência em questionários de pesquisa, três profissionais de saúde (um pediatra e dois dentistas pediátricos), um profissional com formação em língua portuguesa, um tradutor e um tradutor reverso, com o objetivo de consolidar todas as versões do questionário e desenvolver o pré-teste da PCS-P em português brasileiro. Osespecialistas tomaram decisões referentes à equivalência entre a versão original e de destino da PCS-P em quatro áreas: semântica, idiomática, experimental e conceitual.16
O pré-teste do questionário foi aplicado a um grupo de 30 pessoas que o responderam com a orientação do pesquisador. Elas foram, então, entrevistadas para verificar se haviam entendido o significado das perguntas e respondido de forma adequada, a fim de garantir que a versão adaptada manteve a sua equivalência na condição aplicada. Os pesquisadores analisaram qualitativamente o pré-teste e enviaram um relatório ao desenvolvedor da PCS-P, que aprovou o processo de tradução e adaptação transcultural e a versão em português brasileiro da escala depois de algumas sugestões.
As propriedades psicométricas da PCS-P em português do Brasil foram testadas em uma amostra de 237 pais/outros parentes de crianças de seis anos de idade ou menos. A amostra foi não-probabilística e seu tamanho foi baseado no estudo que desenvolveu a escala original.9 Os pais/outros parentes foram recrutados na recepção de cinco clínicas odontológicas públicas e privadas em duas grandes cidades da região central do Brasil. Os critérios de inclusão foram: crianças com seis anos de idade ou menos acompanhadas da mãe, pai ou outro parente com disponibilidade para responder aos questionários. Os participantes que não responderam aos instrumentos por completo foram excluídos.
Na recepção dos consultórios dentários, um dos dois pesquisadores treinados entrevistou individualmente cada mãe/pai/outro parente utilizando a versão em português brasileiro da PCS-P e o Questionário de Desconforto Dentário-Brasil (DDQ-B).18,19 O DDQ-B foi utilizado como medida observacional da dor de dente da criança, analisando as propriedades das validades concorrente e de construto da PCS-P, já que buscávamos verificar se a escala poderia ser usada na avaliação de pacientes com dor de dente/desconforto dentário. O DDQ-B é composto de duas partes: a primeira pergunta diretamente aos responsáveis se eles acham que a criança tem dor de dente, inclusive à noite (durante o sono); a segunda consiste em 12 itens sobre o comportamento da criança relacionado à dor de dente, com pontuação variando de 0 (semdor) a 24 (a pior dor possível). Para analisar a estabilidade teste-reteste, 20 pais/outros parentes responderam a PCS-P novamente após 14 dias.
A confiabilidade foi avaliada pela estabilidade (teste-reteste) e por testes de consistência interna (homogeneidade). Aconfiabilidade do teste-reteste foi determinada pelo cálculo do coeficiente de correlação intraclasse (CCI). O grau de confiabilidade foi estimado com base nos seguintes valores de CCI: ≤0,40=baixo, 0,41 a 0,60=moderado, 0,61 a 0,80=bom e 0,81 a 1,00=excelente.20
A homogeneidade da PCS-P, como um todo e relacionada aos fatores, foi medida através do alfa de Cronbach, uma análise que capta a extensão de concordância entre todos os possíveis conjuntos de respostas. Valores ≥0,70 foram considerados aceitáveis.21
As validades concorrente e de construto foram analisadas através de investigação da associação entre os escores obtidos na PCS-P e no QDD-B, a fim de verificar se a PCS-P mediria diferentes aspectos relacionados a dor de dente/desconforto dentário. Esperava-se uma correlação positiva pelo teste de correlação de Spearman.
A validade discriminante da PCS-P foi determinada pela comparação de seus escores com a ocorrência de dor de dente à noite (durante o sono). O teste de Mann-Whitney foi utilizado para averiguar se os pais/outros parentes de crianças com dor de dente à noite teriam mais pensamentos catastróficos que os responsáveis por crianças sem esse sintoma, visto que a dor à noite pode afetar negativamente toda a família. Análises estatísticas foram realizadas usando o IBM SPSS Statistics v.19, com nível de significância fixado em p-valor<0,05.
RESULTADOS
Quanto à tradução e adaptação transcultural, alguns problemas foram encontrados e resolvidos durante as diversas etapas do processo (Tabela 1). Algumas alterações foram necessárias na sequência da fase de pré-teste, uma vez que os participantes da pesquisa questionaram se deviam responder apenas sobre dores de dente ou sobre qualquer sintoma de dor. Além disso, eles tendiam a interpretar as opções de resposta como frequência (sempre, às vezes, raramente, nunca) e não intensidade. Apósconsiderar as observações de todos os envolvidos neste processo de adaptação e realizar as mudanças adequadas, a versão da PCS-P em português brasileiro foi proposta. A seguir, ela passou a ser referida como a Escala de Catastrofização da Dor-Pais (ECD-P) (Figura 2).
Versão em português brasileiro da Pain Catastrophizing Scale-Parents (“Escala de Catastrofização da Dor-Pais”).
Os participantes incluíam 175 mães (73,8%), 28 pais (11,8%) e 34 outros parentes (14,3%) que acompanhavam 237 crianças com idade entre 1,1 e 6,0 anos (média=4,1, desvio padrão=1,3). Entre as crianças, 51,9% eram meninos. Os pais/outros parentes relataram que 79 crianças (33,3%) não tinham dor de dente, 109 (46,0%) tinham às vezes, 40 (16,9%) tinham frequentemente e 9 (3,8%) não sabiam informar; 29,1% declararam que a criança tinha dor de dente à noite.
O escore total da ECD-P seguiu uma distribuição anormal (Kolmogorov-Smirnov, p=0,03), apresentou uma mediana de 26,0 (percentil 25-75: 21,0-32,0) e a frequência de respostas variou ao longo dos itens do instrumento (Tabela 2). Considerando cada item da escala, os CCIs de teste-reteste variaram de 0,63 a 0,97 (Tabela 2). O valor da consistência interna (alfa de Cronbach) para os 13 itens da ECD-P foi 0,83. A análise da correlação item-total indicou que não haveria nenhuma melhora neste valor caso algum item fosse removido. Analisando os fatores isoladamente, verificou-se que o alfa de Cronbach foi 0,76 (impotência), 0,70 (ruminação) e 0,62 (ampliação).
Houve baixa correlação positiva entre os escores obtidos na ECD-P total e no QDD-B (rho=0,25, p<0,001), assim como nos fatores da ECD-P e no DDQ-B: ruminação (rho=0,26, p<0,001), impotência (rho=0,17, p=0,01) e ampliação (rho=0,15, p=0,03). Crianças com dor de dente à noite tiveram um escore global superior da ECD-P (mediana: 30,0, percentil 25-75: 25,0-35,5) do que aquelas sem dor de dente à noite (25,5; 20,0-31,0) (p<0,001, teste de Mann-Whitney).
DISCUSSÃO
Este estudo concluiu que a ECD-P demonstrou equivalência semântica com a versão original, após pequenos ajustes serem feitos ao longo de todo o processo sistemático e universalista de adaptação transcultural. Além disso, a ECD-P apresentou propriedades psicométricas aceitáveis, permitindo que ela seja utilizada em futuras investigações com foco na saúde da criança. Afinal, intervenções com o objetivo de mudar a atitude dos pais em relação aos comportamentos de dor de seus filhos devem avaliar os pensamentos catastróficos deles sobre a dor da criança.22
A ECD-P mostrou consistência interna aceitável, o que significa que houve coerência entre as respostas dos itens. Vale ressaltar que o alfa de Cronbach global da ECD-P foi maior que 0,80, valor geralmente recomendado para escalas psicométricas.23 Assim, a partir desta perspectiva, a ECD-P é adequada tanto para análises de grupo quanto para interpretação de escores individuais. Pode-se argumentar que este resultado deve ser visto com cautela, dado que a determinação de um único alfa de Cronbach para uma escala de 13 itens como um todo não é teoricamente correta, já que, por definição, o alfa de Cronbach indica a correlação entre itens que medem um único construto e a ECD-P é uma escala tridimensional. No entanto, ao considerar o alfa de Cronbach para as subescalas, os valores ficavam em torno de 0,70 e os coeficientes de ampliação (alfa=0,62) e impotência (alfa=0,76) eram próximos aos observados no estudo que desenvolveu a PCS original focada na catastrofização do adulto (alfa=0,60 e 0,79, respectivamente).1
Optamos por avaliar as propriedades psicométricas da ECD-P com base em um modelo de dor de dente principalmente porque a prevalência de pré-escolares brasileiros com dor de dente é alta (22,0%),24 a dor de dente em pré-escolares tem um impacto negativo na qualidade de vida das famílias 25,26 e está associada com o absenteísmo no trabalho por parte dos pais.27 Assim, os pais podem ter pensamentos catastróficos sobre a dor de dente das crianças devido aos efeitos prejudiciais que ela tem em suas vidas. Além disso, alguns relatórios da área de odontologia destacam a influência do pensamento catastrófico na dor de dente em adultos.6,8,28
O DDQ-B e a ECD-P tiveram validade de construto satisfatória neste estudo, o que era esperado. Na verdade, o baixo coeficiente de correlação indica que os escores da ECD-P explicam 25% da variância no DDQ-B. Embora o DDQ-B e a ECD-P avaliem conceitos diferentes, ou seja, dor de dente e catastrofização dos pais sobre a dor da criança, é possível supor que eles tenham ligeira correlação, considerando que o sofrimento da criança com dor de dente pode despertar pensamentos catastróficos em seus pais. Assim, a ECD-P seria um componente apropriado em um conjunto de instrumentos destinados a avaliar pacientes com dor causada por cáries. Igualmente, em estudo anterior, a versão brasileira da PCS apresentou correlações positivas e significativas com outros aspectos relacionados à dor, como intensidade, interferência e humor do paciente.11
Da mesma forma, a ECD-P demonstrou conseguir identificar crianças com dentes cariados, isto é, um escore total maior de pensamentos catastróficos foi encontrado entre os pais/outros familiares de crianças com um ou mais dentes cariados. Isso provavelmente ocorre porque crianças com cáries podem sofrer de dor de dente devido ao dano tecidual,19,25 então, pais/outros parentes catastrofizam essa dor. É importante mencionar que a relação entre cáries e dor de dente também foi evidenciada no presente estudo.
Este estudo tem algumas limitações. Primeiro, embora tenhamos tentado incluir um tamanho de amostra significativo, ela foi não-probabilística. Consequentemente, ela não foi representativa para a população brasileira e não permitiu uma análise fatorial confirmatória. Segundo, não adotamos outras medidas de estresse familiar que pudessem ajudar a validade de construto da ECD-P. Terceiro, as características sociais dos entrevistados (por exemplo, educação formal e renda familiar) não foram levantadas e esses dados poderiam ter influenciado os resultados. No entanto, este estudo contribui para a literatura e nossos resultados corroboram a utilização da ECD-P em pesquisas de diferentes contextos de saúde. Ao compreendermos as reações dos pais diante da dor das crianças, temos uma perspectiva das experiências de dor da família, melhorando o diagnóstico e tratamento.29
Em suma, a ECD-P (versão brasileira da PCS-P) demonstrou equivalência conceitual de itens e semântica com a escala original e também apresentou boa confiabilidade, reprodutibilidade e propriedades discriminante e de construto. Futuros estudos poderiam investigar extensivamente a estrutura fatorial da ECD-P em diferentes populações brasileiras, verificar os efeitos que podem ocorrer com a mudança das respostas para frequência (nunca, sempre) ou concordância (concordo parcialmente, concordo totalmente etc.) e buscar relações entre a dor em crianças e os pensamentos catastróficos dos responsáveis.
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Financiamento
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JAC recebeu uma Bolsa de Mestrado em Ciências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil. KAV recebeu uma Bolsa de Doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), Brasil. PSSC e LRC receberam bolsas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Os financiadores não tiveram papel direto no estudo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018
Histórico
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Recebido
06 Jul 2017 -
Aceito
08 Out 2017 -
Publicado
27 Nov 2018