RESUMO
O objetivo foi conhecer os fatores associados ao tabagismo entre adolescentes do sexo feminino. Pesquisa descritiva, qualitativa, em duas escolas de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Participaram do estudo 75 adolescentes do sexo feminino. A análise de conteúdo foi utilizada com o suporte do software de apoio à análise qualitativa. O uso de tabaco foi associado ao controle do peso corporal, socialização no ambiente escolar, redução da ansiedade e estresse e pouca percepção de risco para a saúde. Ações de prevenção ao uso de tabaco no ambiente escolar devem ser planejadas considerando gênero, faixa etária, linguagem e modos de vida.
PALAVRAS-CHAVE Tabagismo; Adolescente; Mulheres
ABSTRACT
The objective was to learn about the factors associated with smoking among female adolescents. A descriptive, qualitative research, in two schools in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. A total of 75 female teenagers participated in the study. The content analysis was used with the support of the qualitative analysis support software. Tobacco use was associated with body weight control, socialization in the school setting, reduction of anxiety and stress, and poor perception of health risk. Actions to prevent tobacco use in the school environment should be planned considering gender, age, language and lifestyles.
KEYWORDS Tobacco use disorder; Adolescent; Women
Introdução
A adolescência é uma fase de transição de longa duração para a vida adulta permeada por modificações físicas, biológicas, psíquicas e psicossociais e pode se caracterizar como um período de vulnerabilidade e risco para muitos adolescentes devido às mudanças inerentes a essa fase1,2.
Entre as situações que indicam as necessidades, problemas e atenção em relação à saúde do adolescente apontam-se a violência, ferimentos autoinfligidos, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis3.
O uso de drogas entre os adolescentes é um desafio para a saúde pública no Brasil e demanda investimento em recursos nos diferentes níveis da assistência. Minimizar os danos causados pelo uso, abuso e a dependência química entre os adolescentes deve considerar as singularidades dessa fase e a clínica das adições. Nesse contexto, o uso e a experimentação do tabaco são frequentes, em especial, entre as adolescentes4,5.
O uso de tabaco entre mulheres tem merecido atenção dos pesquisadores da área em estudos nacionais, internacionais e nos documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) devido ao aumento do consumo4-8.
O consumo de tabaco entre adolescentes, no Brasil, tem sido acompanhado em séries de pesquisas históricas nos últimos dez anos que apontam que, quando comparado a outros países da América do Norte, tem-se baixa prevalência de experimentação e consumo entre os jovens, mas quando se comparam as séries históricas do país, observa-se que a experimentação e a evolução para o consumo se dão de forma precoce, em especial, entre a população mais pobre, o que aponta para a necessidade de intensificar o investimento em políticas públicas específicas para esse grupo etário4.
O Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), criado em 1989, e com a adesão do Brasil à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) desenvolvida pela OMS em 2005, no que tange às políticas para controle e redução do consumo de tabaco, surtiram efeito e reduziram a prevalência de consumo global da substância4,5,9.
Diante desse cenário, o estudo propôs-se a discutir o uso de tabaco entre adolescentes do sexo feminino, estudantes do Ensino Médio de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Acredita-se que conhecer as vivências e motivações das adolescentes em relação ao uso do tabaco contribui para o planejamento de ações de prevenção e tratamento do tabagismo, assim como direciona intervenções para a promoção da saúde das adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade para o uso do tabaco.
Métodos
Trata-se de um estudo qualitativo e descritivo. Os dados foram coletados em quatro escolas do Ensino Médio, com adolescentes do sexo feminino, e o procedimento de coleta de dados adotado foi a técnica de grupo focal descrita por Barbour10.
O moderador do grupo foi a pesquisadora principal do estudo e participaram duas observadoras, membros da equipe de pesquisa, que registraram suas impressões sobre os grupos em um diário de campo. Os grupos foram gravados em áudio para posterior transcrição e análise. Os critérios de inclusão no estudo foram: o interesse e o aceite em participar da pesquisa; a autorização dos pais das alunas para a participação no estudo e um ou mais critérios para o diagnóstico de dependência à nicotina de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID)11.
O projeto de pesquisa foi apresentado aos diretores, coordenadores e professores das escolas envolvidas no início do primeiro semestre letivo de 2015 e aprovado pelas escolas no mesmo período. A apresentação do projeto às alunas foi realizada em diferentes momentos no decorrer do semestre letivo. As interessadas em colaborar com o estudo deveriam enviar um e-mail à pesquisadora principal indicando seu interesse em participar dos grupos que seriam realizados no ano seguinte e, a partir desse momento, foram agendadas reuniões nas escolas para a distribuição do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) da pesquisa e assinatura pelo responsável legal das adolescentes.
As alunas interessadas em participar do estudo foram previamente entrevistadas para responder a um instrumento elaborado pelas pesquisadoras a partir dos critérios diagnósticos para o uso de substâncias do Código Internacional de Doenças (CID-10). Diante da resposta positiva para a presença de um ou mais critérios de dependência, sua participação era confirmada.
A coleta de dados foi realizada nos meses de abril, maio e junho de 2016 nas escolas cenários da pesquisa. O encerramento da realização dos grupos nas escolas obedeceu ao critério de saturação dos dados, a partir do momento em que os temas se apresentavam de forma repetida e sem novas contribuições para sua análise e compreensão.
As fontes de informação para a pesquisa foram as transcrições das gravações dos grupos focais realizados com as adolescentes na própria escola em que elas estudavam e os diários de campo dos observadores dos grupos. Foram realizadas dez sessões de grupos focais, com duração de uma hora e meia para cada grupo de adolescentes (sete grupos de nove participantes e um grupo de 12). A questão norteadora do grupo focal foi: 'O uso de tabaco e a motivação para o uso entre adolescentes'.
A gravação em áudio dos grupos foi transcrita e analisada por meio da Análise de Conteúdo e se constituiu de: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na fase de pré-análise, foi realizada a organização e a leitura flutuante do material transcrito. Nas fases seguintes, empreenderam-se a exploração do material com mais perspicácia e o tratamento dos resultados de maneira a serem significativos e válidos11,12.
Os dados foram tabulados com o uso do software de análise de textos, vídeos, áudios e imagens WebQualitative Data Analysis (WebQDA). O sistema do WebQDA é organizado em três áreas: 1. Fontes - onde o sistema é alimentado com os dados da pesquisa e organizados de acordo com a necessidade do investigador; 2. Criação de codificação ou categorias - interpretativas ou descritivas e 3. Questionamento - o investigador cria as dimensões, os indicadores ou as categorias, sejam elas interpretativas ou descritivas, que serão analisadas de acordos com modelos de análise previamente elaborados para cada uma delas13.
Desta forma, as categorias de análise identificadas foram: 1. Uso de tabaco para emagrecer; 2. Uso de tabaco para fazer parte de um grupo; 3. Uso de tabaco para reduzir a ansiedade e o estresse e 4. Outras questões identificadas.
Concluídas as etapas acima, os autores realizaram as inferências e interpretações dos dados, correlacionando-as com o objetivo do estudo e a literatura sobre o tema.
Os possíveis riscos provenientes de eventual constrangimento no momento da realização dos grupos foram minimizados, uma vez que os participantes da pesquisa tiveram acesso às gravações em áudio, aos registros no diário de campo, às transcrições e o direito à revisão (leitura, revisão, supressão e aprovação) da transcrição de suas falas no grupo. As participantes da pesquisa não realizaram modificações no material coletado.
O projeto de pesquisa foi aprovado sob o número 0482.0.203.000-09 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Para a realização do estudo, o responsável legal das escolas e das adolescentes colaboradoras assinou o TCLE e as adolescentes menores de 18 anos assinaram o Termo de Assentimento.
Resultados
A fim de discutir o uso de tabaco entre adolescentes do sexo feminino, estudantes do Ensino Médio de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, as autoras, a partir das estratégias metodológicas descritas, apresentarão, em subcategorias, os resultados da pesquisa.
Foram ouvidas 75 adolescentes entre 14 e 17 anos, matriculadas no Ensino Médio de escolas públicas (40 participantes) e privadas (35 participantes), no município de Belo Horizonte - Minas Gerais, usuárias de tabaco há mais de um ano. As adolescentes residiam na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, e se autodeclararam brancas (55), negras (cinco) e pardas (15), moravam com os pais (58), com os avós (13) e com outros membros da família (quatro). Em relação ao uso de tabaco pelos pais, 47 informaram que ambos ou um dos pais (28) usava (m) tabaco no período da coleta de dados, sendo o uso de tabaco pelos pais (38 homens) maior do que o uso entre as mães (nove mulheres). Em relação ao tempo de uso de tabaco: 12 fumavam há mais de quatro anos; 23, há três anos; nove, há dois anos e as demais, há um ano. A frequência de uso foi, em 36, de cinco a dez cigarros por dia, quatro a seis cigarros por dia e as demais de dois a três cigarros por dia. O uso de outras drogas associadas ao tabaco foi: 27 utilizavam álcool, nove utilizavam maconha e as demais, apenas o tabaco.
Uso de tabaco para emagrecer
Entre as 75 adolescentes participantes do estudo, 27 afirmaram ter iniciado o uso do tabaco para emagrecer ou manter o peso. Segundo elas, ao atingir o peso ideal, o uso pode ser revisto, pois o cheiro do tabaco as incomoda.
A questão da autoimagem e o uso do tabaco para as adolescentes, que iniciaram o uso de tabaco para emagrecer ou manter o peso, foi um ponto abordado nos grupos. Para elas, o tabaco 'tira a fome'. O tabaco, nesse caso, foi utilizado como um inibidor do apetite. Em geral, ele é utilizado perto ou no horário do almoço, pois a primeira tragada e a sensação de saciedade proveniente dos níveis de nicotina no sangue contribuem para que a adolescente permaneça em jejum por boa parte do dia ou se alimente o mínimo possível, o que significa 'não passar mal' devido às horas de jejum prolongadas. Algumas adolescentes com sobrepeso informaram que, mesmo utilizando tabaco, não perderam nem ganharam peso, o que as estimula a continuar o uso.
Aos finais de semana, em casa, essa prática merece cuidado e atenção. Nesse período, quando não conseguem fumar, as participantes percebem maior ingestão de alimentos. Para compensar, na semana subsequente, consomem mais tabaco para perder 'o peso' adquirido no final de semana.
Em geral, as adolescentes utilizam o dinheiro da mesada ou do lanche para a compra de tabaco e nunca compram um maço, pois temem serem descobertas pelos pais, evitando, assim, serem pegas pela posse do tabaco. Essa estratégia também é utilizada para controlar o consumo diário. A compra do maço de cigarros é realizada em associação com amigas e amigos que fumam.
Algumas participantes foram 'descobertas fumando' por um ou ambos os pais, irmãos ou parentes nos períodos de férias escolares, quando o consumo se torna mais difícil devido à permanência em casa com os familiares. Quando descobertas, afirmam que fumaram apenas para experimentar e, na avaliação delas, a questão é resolvida. Entre as adolescentes, 15 foram vítimas de violência física pelos pais (apanharam) quando foram descobertas, sete receberam algum castigo como estratégia de correção, e uma foi obrigada a comer o cigarro pelo pai.
As adolescentes vítimas de violência, ao ser descobertas, tiveram, como primeira reação, confrontar o agressor, pois os mesmos, segundo elas, geralmente fazem uso de tabaco. Para elas, a reação dos pais foi inadequada, em especial, aqueles que fazem uso de tabaco, o que denota a necessidade de ações de esclarecimentos junto aos pais em relação à prevenção ao uso de tabaco e manejo da situação.
Uso de tabaco para fazer parte de um grupo
O uso de tabaco entre 45 adolescentes foi associado ao desejo de serem identificadas como parte de um grupo diferenciado, extrovertido e adulto. As adolescentes afirmam que apenas os alunos 'legais' da escola utilizam tabaco e, geralmente, são os que têm liberdade para sair de casa com os amigos, ir às festas sem a vigilância dos pais e namorar em relacionamentos hétero ou homoafetivos.
Para as participantes, pertencer a um grupo 'diferenciado' é importante. Também apontam o fato como uma forma de se proteger de outros grupos que não compartilham o mesmo estilo de vida.
As adolescentes acreditam que as meninas que fumam têm mais liberdade para ter amigos do sexo masculino sem, necessariamente, serem consideradas 'fáceis' ou masculinizadas. Segundo elas, o tabaco permite que se aproximem do sexo oposto e possam conviver, sob a proteção do grupo de 'fumantes', com maior vínculo de amizade, confidência e companheirismo.
As participantes deste estudo acreditam que o tabaco contribuiu para uma aparência madura, o que também as motiva ao uso. Dentre elas, 37 afirmam que o fumar atrai pessoas mais velhas para as suas relações afetivas. Quando isso acontece, elas se sentem parte do grupo dos 'adultos'. Em contrapartida, as expõe a riscos de violência afetiva nas relações com pessoas que, em geral, não fariam parte de seu círculo de amizades.
As adolescentes avaliam que, após o início do uso de tabaco, suas vidas e relações pessoais com os amigos melhoraram no que concerne ao vínculo, comparativamente a períodos em que não usavam tabaco. Dentre elas, dez afirmam que, no momento da coleta de dados, possuíam menos amigos em comparação à época em que não utilizavam tabaco, mas, em contrapartida, a qualidade dos vínculos de amizade melhorou.
As participantes acreditam que, se um dia, decidirem parar o uso de tabaco, não seria fácil, mas é possível. Destas, 28 afirmaram não visualizar o futuro sem o tabaco; seis alegaram ter ficado dois a três meses sem usar e afirmaram que apenas, nos primeiros 15 dias, apresentaram sintomas físicos e psíquicos que atribuíram à falta da substância. Os sintomas indicados foram: aumento do apetite, ansiedade, irritação, dificuldade para resolver problemas e uma adolescente referiu se sentir triste sem a substância. Elas acreditam que o desejo real de cessar o uso torna a abstinência mais 'tranquila'. As demais não pensam a respeito.
Uso de tabaco para reduzir a ansiedade e o estresse
A ansiedade e o estresse foram citados como desencadeadores do aumento do consumo de tabaco, principalmente quando provêm das pressões familiares, relações sociais na escola, relacionamentos afetivos e indefinição do futuro.
As pressões familiares foram percebidas de diferentes formas: pressão para escolher uma profissão, arrumar um emprego, deixar o namorado ou amigos que os pais ou família não aceitam, pressão para emagrecer ou para engordar, estudar, trabalhar ou destacar-se em algo.
O convívio com pais fumantes foi citado como algo que facilita o consumo, mas elas não acreditam que isso determine o uso de tabaco dos filhos. Elas citam exemplos de amigos que usam tabaco, embora seus pais não façam uso da substância.
Diversos foram os elementos citados como motivacionais para o consumo de tabaco, entre eles, a sensação de relaxamento desencadeada após o consumo. O consumo de tabaco foi citado como uma forma de transgredir as normas da casa ou apenas como uma vingança velada contra os pais. Os motivos para a vingança vão desde o excesso de controle até a falta do mesmo.
Para as adolescentes, a escola não é uma instituição que pressiona, mas o ambiente escolar sim. As questões de ensino e aprendizagem não as incomodam, mas as relações sociais que nelas se estabelecem são valorizadas, visto que todas as participantes querem se destacar de alguma forma e o tabaco é identificado como uma forma de alcançar esse objetivo, mesmo que momentaneamente.
Para as participantes, as relações afetivas, em especial, de namoro e amizade, quando percebidas como estressantes, influenciam o aumento da quantidade e a frequência do uso de tabaco. Neste sentido, 38 adolescentes informaram aumentar a frequência do consumo quando têm problemas no relacionamento com as pessoas com as quais convivem. Elas percebem que os adultos se comportam da mesma forma e, portanto, observam esse fato como uma questão inerente à relação da pessoa com a substância.
O futuro as aflige gerando ansiedade. Elas têm medo de não conseguir um bom emprego; de não ingressar na universidade; de não ter um companheiro ou companheira no futuro; de não ter acesso aos bens de consumo que desejam. Essas são questões compartilhadas com os amigos que, em geral, usam tabaco.
Uma adolescente denominou o momento de 'fumar junto' como um espaço onde assuntos 'pesados' e que a incomodavam e geravam dúvidas e incertezas podem ser discutidos. O tabaco, nesse momento, trazia a sensação de relaxamento para pensar melhor acerca dos problemas ou para não pensar a respeito.
Outras questões identificadas
O início do uso do tabaco esteve associado à curiosidade, à influência dos amigos, ao fato de compreenderem o consumo como algo normal, achar 'legal' ou por terem lido em algum lugar que emagrece.
A aquisição do produto é realizada em bancas de comércio próximas à escola ou no trajeto de casa para a escola ou vice-versa. A compra é realizada em unidades no varejo. Algumas adolescentes afirmam que subtraíam unidades ou maços de cigarros dos pais ou de outros familiares que fumam.
A relação entre tabaco e adoecimento, pelo uso do mesmo, não se mostrou como algo que preocupa as adolescentes. Assim, exemplos de familiares, modelos, atores e músicos que fumam e se mantêm saudáveis foram citados como forma de justificar o uso e a certeza de que o tabaco não prejudica a saúde. Exemplos de pessoas que não fumam e morreram de câncer de pulmão também foram citados. Elas afirmam que têm informação a respeito dos prejuízos à saúde provenientes do tabaco, mas isso não as preocupa, pois avaliam que seu consumo é pequeno e que, quando desejarem cessar o uso, não terão dificuldade. Afirmam, de forma geral, que a mídia pode exagerar nas informações sobre o risco do uso de tabaco.
O que as incomoda, em relação ao consumo, é o odor da fumaça do tabaco quando apontado por terceiros e a dificuldade em consumir em locais e horários desejados. Por fim, citam o aspecto do cabelo, sem brilho e com um cheiro desagradável. Dessa forma, apontam questões associadas à autoimagem, aparência e estética que as incomodam em relação ao consumo.
Discussão
O uso de tabaco entre as adolescentes com o objetivo de perder ou controlar o peso corporal é uma evidência estabelecida pela literatura científica13-16. Os adolescentes, em geral, se alimentam de forma não saudável; utilizam inibidores de apetite com e sem prescrição médica; seguem dietas da moda preconizadas por personalidades públicas de apelo midiático, que lhes chegam por meio das mídias sociais, o que influencia o seu modo de vida em relação à autoimagem.
A busca pela imagem corporal perfeita dentro de padrões rígidos; a dificuldade de autorregulação emocional e estratégias de coping em relação às situações em que se sentem excluídas ou estigmatizadas por obesidade ou por sua autoimagem estão associadas ao maior uso de tabaco em comparação às adolescentes que apresentam peso dentro de parâmetros normais e saudáveis17,18.
Segundo pesquisa realizada com estudantes do Ensino Médio nos Estados Unidos da América, os adolescentes com sobrepeso são considerados vulneráveis para o uso do tabaco, álcool e outras drogas, comportamentos sexuais de risco e suicídio. O estudo sinalizou maior risco para o uso de tabaco antes dos 13 anos entre as adolescentes obesas17.
A adolescência é um período em que as habilidades sociais, entre outras, se desenvolvem ou se consolidam. Nesse momento de transição, é natural que os adolescentes, por meio de suas interações sociais, busquem se ajustar e aprender a conviver com as mudanças, desafios e possibilidades da vida adulta. A vida em grupo suaviza habilidades sociais frágeis19. Pesquisa realizada na Colômbia, com adolescentes estudantes e não estudantes, mostrou que o uso de tabaco foi maior entre os meninos. Para as meninas, a possibilidade de socialização foi um dos motivos para o uso de tabaco20.
O aumento do consumo de tabaco entre meninas foi observado em 29 países europeus. Estudo naquele continente, com 50.338 adolescentes de 15 anos de idade, apontou que as meninas relataram uso semanal associado a eventos da vida social e do convívio com outros adolescentes21.
Estudo realizado no Reino Unido mostrou que o sentimento de pertencer a um grupo pode ser um fator protetor ou de risco para o adolescente. Sendo assim, pertencer a um grupo em que o vínculo é determinado pelo uso compartilhado de substâncias psicoativas é considerado fator de risco22.
O aparecimento de comportamentos, tais como o uso de tabaco, comportamento antissocial, consumo de álcool e relação sexual desprotegida, aumenta o risco de morbidade e mortalidade prematura. A interação grupal, nesses casos, pode ser positiva quando ela protege os adolescentes dessas práticas, embora este grupo etário nem sempre tenha clareza acerca do que pode ser considerada uma relação saudável22.
A adolescência, enquanto uma fase de transição e formação da personalidade, expõe a adolescente às questões relacionadas à autoconfiança, autoestima, ansiedade, depressão e estresse. Na tentativa de se tornar mais sociável, a adolescente experimenta o tabaco com o propósito de melhorar sua autoimagem, tornando-se mais sociável e atraente23.
Vários aspectos contribuem para a susceptibilidade e vulnerabilidade feminina em relação ao uso de tabaco. Evidências sugerem que, por serem mais susceptíveis aos transtornos de ansiedade e apresentarem dificuldade em gerenciar o estresse, as mulheres são mais propensas ao uso de tabaco, tanto em estudos comportamentais, quanto em ensaios clínicos24.
O relacionamento parental, suas experiências e habilidades sociais também contribuem para o início do uso de tabaco, assim como dificultam a manutenção da abstinência e, por conseguinte, dificultam o tratamento25. Em geral, a síndrome de abstinência na mulher tem peculiaridades que se manifestam por meio de: irritação; labilidade emocional; depressão; ansiedade; insônia; aumento do apetite e dificuldade de concentração23.
Estudos indicam que relacionamentos conflituosos com um ou ambos os pais ausentes, negligentes, permissivos, superprotetores, autoritários, indulgentes, indiferentes e que fazem uso de álcool, tabaco ou outra droga são variáveis que estão associadas à experimentação e ao uso de tabaco24.
Em relação à facilidade encontrada pelas adolescentes para comprar tabaco nas proximidades da escola e no trajeto até a mesma, cabe pensar no descumprimento das políticas públicas adotadas pelo Brasil, no sentido de controlar o uso do tabaco, entre elas: a proibição de venda de tabaco a menores de 18 anos; de fumo em lugares fechados; da propaganda; o estabelecimento de cláusulas e imagens de advertência nos maços; o aumento do imposto mínimo cobrado em relação ao preço do cigarro; a restrição de aditivos que possam intensificar, realçar e modificar o sabor e aroma dos produtos e o uso de embalagens genéricas, para torná-las menos atrativas, em especial, aos jovens8.
As medidas citadas para o controle do uso de tabaco têm impacto significativo na redução do consumo e estão alinhadas à CQCT estabelecida pela OMS, em 201026. Há a necessidade de fiscalização sistemática para que não ocorra a venda de tabaco no varejo a menores de 18 anos.
Estudo escocês, que avaliou a densidade da presença de pontos de venda de tabaco, no varejo, próximos às escolas e residências de escolares, mostrou que não houve diferença significativa em relação ao consumo. O mapeamento sinalizou a necessidade de se reduzirem os pontos de venda em ambos os locais, como alternativa à fiscalização em espaços considerados de maior fluxo infantil, como a escola, por exemplo27.
Os dados da pesquisa corroboram a produção científica na área, embora apresentem os limites do contexto cultural no qual foi desenvolvida. O estudo não permite generalizações, mas as autoras inferem que os discursos das participantes da pesquisa se entrelaçam e refletem questões vivenciadas por adolescentes do gênero feminino em relação ao consumo de tabaco e que podem ser verificados em outros contextos.
As limitações do estudo estão relacionadas ao tamanho da amostra e a características locais dos cenários da pesquisa. Alguns avanços e recuos podem ser identificados, entre eles, a necessidade de pesquisas com grupos maiores em contextos diversos que considerem o componente qualitativo do tema em discussão e a necessidade de criar e validar instrumentos para mensurar o consumo de tabaco entre adolescentes do sexo feminino.
Conclusões
Sabe-se que o sobrepeso e a ansiedade são dois componentes presentes na vida da maioria das mulheres e que estes se retroalimentam, e o uso do tabaco tem sido associado ao controle dos dois, pois as adolescentes acreditam nessa associação, fazendo uso do mesmo para inibir o apetite e reduzir a ansiedade.
A necessidade de pertencer a um grupo, característica da adolescência, também incentivou as adolescentes a iniciarem o uso do tabaco como facilitador para o engajamento em grupos da mesma faixa etária, principalmente aqueles em que predominava o gênero masculino. Para as adolescentes, o engajamento nesses grupos não seria possível sem o uso de tabaco.
O controle do peso, a ansiedade e as dificuldades das relações sociais fazem parte do universo adolescente. Nesse sentido, é importante promover ações que esclareçam essa população sobre o risco da associação do uso do tabaco com o controle de peso, a sociabilidade e a redução da ansiedade comum entre os jovens.
Nesse sentido, as autoras apontam a necessidade de estratégias problematizadoras, para a prevenção ao uso de tabaco, destinadas ao público adolescente feminino, em que sejam levadas em consideração as especificidades da faixa etária, como a linguagem e os modos de vida, e ações educativas junto aos pais em relação ao manejo do uso de drogas.
Destaca-se a necessidade de pesquisar e discutir como e o que fazer para sensibilizar as adolescentes em relação aos agravos provenientes do consumo de tabaco; as questões relacionadas ao consumo consciente, apesar da informação sobre o risco do uso de tabaco para a saúde apontada no estudo; o comportamento expresso de que parar o consumo de tabaco é algo simples e sem implicações para a saúde e, por fim, como lidar com as tensões envolvidas na relação adolescente/consumo.
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Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Dez 2018
Histórico
-
Recebido
23 Maio 2018 -
Aceito
19 Nov 2018