Acessibilidade / Reportar erro

Qualificação dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família: análise segundo os ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar os indicadores relacionados à gestão e ao processo de trabalho dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família, nas perspectivas da equipe de Atenção Básica e do próprio Núcleo Ampliado de Saúde da Família no Brasil. Trata-se de estudo transversal com análise de série histórica, com dados secundários da Avaliação Externa do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Os dados foram obtidos dos módulos II e IV do 2º e do 3º ciclos. Foram realizados teste qui-quadrado e Mann-Witney (p<0,05). As notas atribuídas pelas equipes de Atenção Básica aos Núcleos foram acima de 7 e aumentaram 1 ponto no 3º ciclo, constatando-se melhora em quase todos os itens do 2º para o 3º ciclo, referente aos encontros com a gestão municipal e ao processo de trabalho da equipe de Atenção Básica e do Núcleo Ampliado de Saúde da Família no planejamento das ações e da periodicidade. Conclui-se que houve melhora na maioria dos indicadores relacionados à gestão e ao processo de trabalho, nas perspectivas da equipe de Atenção Básica e do Núcleo Ampliado de Saúde da Família no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde; Avaliação em saúde; Qualidade, acesso e avaliação da assistência à saúde; Melhoria de qualidade

ABSTRACT

The aim of the study was to analyze the indicators related to the management and working process of the Family Health Care Expanded Support Centers according to the Primary Health Care and the Centers teams perspectives in Brazil. This is a cross-sectional study with historical series analysis, using secondary data from the External Evaluation of the Program for Improving Access and Quality of Primary Care. The data were obtained from modules II and module IV from the 2nd and 3rd cycles. Chisquare and the Mann-Witney test (p<0.05) were performed. The grades given by the Primary Health Care teams to the Centers were above 7 and increased 1 point in the 3rd cycle, beside, there was an upgrade in almost all items from the 2nd to the 3rd cycles, concerning to the meetings with the municipal management and the working process of the Primary Health Care and Centers teams in the planning of actions and its frequency. We came to the conclusion that there was an increase in most indicators related to management and working process from the perspective of Primary Health Care team and Family Health Care Expanded Support Centers in Brazil.

KEYWORDS
Primary Health Care; Unified Health System; Health evaluation; Health evaluation, access and evaluation; Quality improvement

Introdução

Buscando a implantação de um estado de bem-estar social, a Constituição Federal de 1988 foi promulgada e transformou a saúde em direito de cidadania, criando um sistema público, universal e descentralizado de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS)11 Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.. Os princípios do SUS são equidade, integralidade e universalidade22 Paiva CHA, Teixeira LA. Reforma sanitária e a criação do sistema único de Saúde: Notas sobre contextos e autores. Hist. Cienc. Saúde - Manguinhos. 2014; 21(1):15-35., e, desde a década de 1990, diversas ações e serviços vêm sendo implementados para a conformação de uma rede regionalizada e hierarquizada de saúde33 Evangelista MJO, Guimarães AMDAN, Dourado EMR, et al. O Planejamento e a construção das Redes de Atenção à Saúde no DF, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2019; 24(supl6):2115-2124.

4 Mendes TMC, Oliveira RFS, Mendonça JMN, et al. Planos de cargos, carreiras e salários: perspectivas de profissionais de saúde do Centro-Oeste do Brasil. Saúde debate. 2018; 42(119):849-861.

5 Peiter CC, Santos JLG, Lanzoni GMM, et al. Healthcare networks: trends of knowledge development in Brazil. Esc. Anna Nery. 2019; 23(1):1-10.
-66 Santos L. Healthcare regions and their care networks: an organizational-systemic model for SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(4):1281-1289.
.

A Atenção Primária à Saúde (APS), ou Atenção Básica (AB), precisa ser capaz de resolver a maior parte dos problemas de saúde77 Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, et al. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde debate. 2014; 38(esp):252-264., guiar a organização do sistema de saúde, buscar respostas para as principais necessidades de saúde da população e colaborar para a mudança do modelo assistencial vigente88 Arantes LJ, Shimizu HE, Merchán-Hamann E. Contribuições e desafios da Estratégia Saúde da Família na Atenção Primária à Saúde no Brasil: Revisão da literatura. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1499-1510.. Sendo assim, ao longo do tempo, houve uma construção histórica de programas e políticas com a finalidade de fortalecer a APS e ter, neste nível de atenção, a porta de entrada principal do sistema e a coordenação do cuidado em saúde na perspectiva da configuração das Redes de Atenção à Saúde (RAS)55 Peiter CC, Santos JLG, Lanzoni GMM, et al. Healthcare networks: trends of knowledge development in Brazil. Esc. Anna Nery. 2019; 23(1):1-10.,99 Destéfano JDC, Rocha KB, Oliveira ALI. Avaliação dos resultados no 3º Ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica dos Municípios da Região de Saúde Central. Rev. Cient. Esc. Estadual Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago. 2019; 5(3):2-19.,1010 Evangelista MJO. Planificação da atenção à saúde: Uma proposta de gestão e organização da atenção primária à saúde e da atenção ambulatorial especializada nas redes de atenção à saúde. Consensus. 2016; (20):30..

Em 1991, houve a criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), e, em 1994, do Programa de Saúde da Família (PSF), que mais tarde tornou-se a Estratégia Saúde da Família (ESF) na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 20061111 Pinto LF, Giovanella L. The family health strategy: Expanding access and reducing hospitalizations due to ambulatory care sensitive conditions (ACSC). Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1903-1913., política atualizada em 2011 e em 20171212 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, et al. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde debate. 2018; 42(esp1):38-51.. O Ministério da Saúde (MS), a partir de experiências municipais e de debates nacionais, criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), por meio da Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008, e, com a Portaria nº 3.124, de 28 de dezembro de 2012, redefiniu os parâmetros de vinculação das modalidades 1 e 2, além de criar a modalidade 31313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2014.. Sendo assim, cada Nasf tipo 1 deve estar vinculado de cinco a nove Equipes de Saúde da Família (eSF) e/ou equipes de Atenção Básica (eAB) para populações específicas (equipe consultório na rua, equipes ribeirinha e fluvial); o Nasf tipo 2, a três ou quatro; e o Nasf tipo 3, de uma a duas eSF1313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2014.

14 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.124, de 28 de dezembro de 2012. Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Família e/ou Equipes de Atenção Básica para populações específicas, cria a Modalidade NASF 3, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 29 Dez 2012.
-1515 Parente AS, Mesquita FOS, Sarmento SS. Análise da distribuição e cobertura do NASF na IV Macrorregião de Saúde do Estado de Pernambuco. Id. on Line Rev. Mult. Psic. 2017; 11(36):435-453.
.

O processo de trabalho do Nasf baseia-se no referencial teórico-metodológico do apoio matricial, inicialmente limitado à ESF, e se materializa no compartilhamento de problemas e na troca de saberes e práticas entre os profissionais, assim como na articulação pactuada de intervenções, levando em consideração a clareza das responsabilizações comuns e específicas da equipe de APS1313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2014.,1616 Santos RABG, Uchôa-Figueiredo LR, Lima LC. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706.. Em 2017, a atualização da PNAB possibilitou o trabalho do Nasf em conjunto com Unidades Básicas de Saúde (UBS), em modelo tradicional, tendo ele recebido o nome de Núcleo Ampliado de Saúde da Família (mantendo a sigla Nasf)1717 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.. A flexibilização do processo de trabalho da nova PNAB pode impactar negativamente no seu formato de funcionamento, pela maior dificuldade de operar na lógica do apoio matricial1212 Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, et al. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde debate. 2018; 42(esp1):38-51..

A melhoria do serviço de saúde ofertado necessita da efetivação e do incentivo de ações e políticas que incluam construção, ampliação e reforma das UBS, garantia da presença de mais profissionais nas equipes, incentivo a boas práticas nos processos de trabalho, continuidade informacional e institucionalização da avaliação contínua para a melhoria da qualidade1818 Almeida PF, Medina MG, Fausto MCR, et al. Coordenação do cuidado e Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde. Saúde debate. 2018; 42(esp1):244-260.. Neste sentido, segundo os princípios de Donabedian1919 Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. QRB Qual. Rev. Bull. 1992; 18(11):356-360., o uso de indicadores relevantes de qualidade e a compreensão da combinação dos resultados podem identificar cuidados abaixo do padrão e ser um sinal de alerta para a necessidade de mais investigações.

Reconhecendo a necessidade de institucionalização da avaliação em saúde, o MS, com a Portaria nº 1.654, de 19 de julho de 2011, estabeleceu o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), que busca garantir um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente, além de fortalecer a APS, inclusive com incentivo financeiro por desempenho. Em 01 de outubro de 2015, a Portaria nº 1.645 revogou a Portaria nº 1.654, com novas informações sobre o Programa99 Destéfano JDC, Rocha KB, Oliveira ALI. Avaliação dos resultados no 3º Ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica dos Municípios da Região de Saúde Central. Rev. Cient. Esc. Estadual Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago. 2019; 5(3):2-19.,2020 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.645, de 2 de outubro 2015. Dispõe sobre o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Diário Oficial da União. 5 Out 2015.,2121 Bezerra MM, Medeiros KR. Limites do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): em foco, a gestão do trabalho e a educação na saúde. Saúde debate. 2018; 42(esp2):188-202.. No 1º ciclo do PMAQ-AB, foram avaliados apenas dois itens relacionados ao Nasf. No 2º ciclo, pela primeira vez, houve um módulo específico do Nasf, além do bloco de itens sobre o apoio deste, dentro do módulo da eAB, que foram mantidos no 3º ciclo2222 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual instrutivo. Brasília, DF: MS; 2012.

23 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Manual Instrutivo para as Equipes de Atenção Básica e NASF. Brasília, DF: MS; 2017.
-2424 Uchôa SAC, Martiniano CS, Queiroz AAR, et al. Inovação e utilidade: Avaliação Externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Saúde debate. 2018; 42(esp1):100-113.
.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi analisar os indicadores relacionados à gestão e ao processo de trabalho dos Nasf nas perspectivas da eAB e do próprio Nasf no Brasil.

Material e métodos

Desenho do estudo e aspectos éticos

O estudo transversal com análise da série histórica foi realizado com dados secundários dos módulos II e IV do 2º (2013-2014) e do 3º (2015-2018) ciclos do instrumento de Avaliação Externa do PMAQ-AB.

Todos os ciclos do PMAQ-AB foram coordenados de forma tripartite, pelo Departamento de Atenção Básica (DAB) do MS, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), tendo a colaboração de Instituições de Ensino Superior (IES) como centros coordenadores para a Avaliação Externa2222 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual instrutivo. Brasília, DF: MS; 2012.,2323 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Manual Instrutivo para as Equipes de Atenção Básica e NASF. Brasília, DF: MS; 2017.. Os dados eram de domínio público e foram disponibilizados pelo MS.

Universo do estudo e amostra

O universo amostral foram as eAB (módulo II) e os Nasf (módulo IV) da APS que aderiram e receberam Avaliação Externa do 2º ciclo (2013-2014) ou 3º ciclo (2015-2018) do PMAQ-AB, sendo esta adesão voluntária e não obrigatória.

A totalidade das eAB e das equipes Nasf foi elegível, independentemente da categoria profissional do respondente do módulo II do 2º ou 3º ciclo (enfermeiro, médico ou outro profissional de nível superior da eAB), ou do módulo IV do 3º ciclo (assistente social, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, médico acupunturista, médico clínico, médico do trabalho, médico geriatra, médico ginecologista e obstetra, médico homeopata, médico pediatra, médico psiquiatra, médico veterinário, nutricionista, psicólogo, professor de educação física na saúde, terapeuta ocupacional, sanitarista ou educador social). O módulo IV do 2º ciclo não tinha variável que demonstrasse qual profissional do Nasf teria respondido o questionário.

Coleta de dados

A Avaliação Externa do PMAQ-AB foi realizada por ciclos, de forma multicêntrica, sob a responsabilidade de IES dos estados brasileiros, divididas por regiões de responsabilidade, tendo treinado e coordenado equipes de entrevistadores independentes, selecionados previamente. Os entrevistadores, in loco, coletavam os dados junto aos profissionais das equipes, utilizando formulários validados, registrados em tablets, e analisavam os documentos comprobatórios, quando necessário. Os profissionais participantes eram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O 2º ciclo teve a participação de 30.523 eAB (85,4% das eAB cadastradas no Brasil); já o 3º ciclo contou com 38.865 eAB (93,9% das eAB cadastrados no Brasil). Em relação ao Nasf, no 2º ciclo houve um total de 1.813 Núcleos (78,5% dos Nasf cadastrados no Brasil), e no 3º ciclo, um total de 4.110 Núcleos (91,2% dos Nasf cadastrados no Brasil).

Variáveis

Para o presente estudo foram inicialmente consideradas todas as questões relacionadas ao Nasf, direcionadas tanto às eAB quanto ao próprio Nasf. Após essa seleção, foram mantidas na análise apenas as perguntas que poderiam ser comparadas entre os ciclos, considerando o seu conteúdo ou o formato de resposta. Ajustes foram necessários para que houvesse comparabilidade, como se pode ver no quadro 1.

Quadro 1
Variáveis, códigos das questões e categorias de resposta do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e categorias do estudo, por eixo, entre o 2º e o 3º ciclo do Programa. Brasil, 2013-2018

As variáveis dependentes investigadas foram agrupadas em três blocos: Gestão; Processo de trabalho do Nasf na perspectiva da eAB; e Processo de trabalho na perspectiva do próprio Nasf.

A variável independente foi o ciclo do PMAQ-AB: 2º (2013-2014) ou 3º (2015-2018) ciclo.

Análise dos dados

Os dados obtidos foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 20.0 e apresentados em frequências absolutas (n) e relativas (%). A presença de dados faltantes no banco de dados não excluiu as eAB ou as equipes Nasf da análise global, mas houve exclusão por variável avaliada. Sendo assim, nenhuma variável teve o número total de equipes avaliadas por módulo e por ciclo.

As associações das variáveis estudadas (desfechos) e da variável independente (ciclos) foram realizadas através do teste qui-quadrado (p<0,05). Entre as variáveis cujas opções de resposta eram ‘Sim’ ou ‘Não’, apesar de as tabelas apresentarem apenas a categoria ‘Sim’, a categoria ‘Não’ também foi considerada na análise. Para as avaliações referentes às notas atribuídas pelas eAB houve o uso do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, mostrando distribuição não normal (p<0,001), e, por isso, houve a comparação pelo teste de Mann-Witney, com nível de significância de 5%.

Resultados

Entre as eAB avaliadas, foi analisado um total de 29.649 (97,1% das eAB avaliadas) no 2º ciclo e um total de 37.350 (96,1% das eAB avaliadas) no 3º ciclo. Em relação aos Nasf, houve a participação de 1.774 (97,8% dos Nasf avaliados) no 2º ciclo e de 4.031 (98,1% dos Nasf avaliados) no 3º ciclo do PMAQ-AB.

Em relação às atividades de gestão, percebeu-se que houve uma melhor proporção em relação ao ‘debate entre a gestão e as eAB sobre os profissionais que devem compor o Nasf’ entre o 2º (61,5%) e o 3º ciclo (68,6%) (p<0,001). A ‘presença de responsável pelo Nasf na gestão municipal’ foi de 93,2% no último ciclo, sem haver diferença significativa em relação ao ciclo anterior (p=0,415). Além disso, houve uma melhora na proporção de ‘Nasf que têm encontros com a coordenação do município’ (82,2% para 9q4,8%) (p<0,001) (tabela 1).

Tabela 1
Comparação entre o 2º e o 3º ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) para as variáveis de gestão. Brasil, 2013-2018

Destaca-se que no 3º ciclo houve maior proporção de ‘eAB atendidas em casos complexos por apoio matricial’, com 97,9%, dos quais 74,5% são ‘realizados pelo Nasf’. Em relação ao processo de trabalho do Nasf na perspectiva da eAB, houve melhora em quase todos os itens. Destes, os mais realizados são: ‘discussão de casos’ (93,4%) e ‘acontece organização da demanda para atendimentos individuais a serem realizados pelos profissionais do Nasf’ (89,7%) (p<0,001). E os menos realizados são: ‘a eAB realiza agendamento de consulta diretamente na agenda do profissional do Nasf’ (72,9%) e ‘gestão de encaminhamentos e/ou de listas de espera para especialistas entre a eAB e o Nasf’ (67,7%) (p<0,001). Houve redução apenas em três itens, sendo dois dicotômicos: ‘o cronograma de ações do Nasf é realizado com sua eAB’ (85% para 80,9%) e ‘nas situações imprevistas, sua eAB consegue apoio do Nasf’ (99% para 96,7%) (p<0,001) (tabela 2).

Em ambos os ciclos, o ‘tempo médio de atendimento da solicitação da eAB pelo Nasf’ é de ‘dois a sete dias’ (53,2% e 59,4%), com aumento de proporção também em ‘um dia’ (10,1% para 12,1%) (p<0,001). E a maioria das eAB afirmou ‘sempre’ ser ‘atendida pelo Nasf em tempo adequado’, com aumento de 43,2% para 52% (p<0,001). Em relação à ‘periodicidade dos encontros entre os profissionais do Nasf com a eAB’, houve redução da proporção das eAB que afirmaram ser ‘semanal’ (38,9% para 32,5%) e aumento para periodicidade ‘mensal’ (24,5% para 34,9%) entre o 2º e o 3º ciclo (p<0,001) (tabela 2).

Tabela 2
Comparação entre o 2º e o 3º ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) para as variáveis de processo do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf) na perspectiva da equipe de Atenção Básica (eAB). Brasil, 2013-2018

Em relação às notas dadas pela eAB para as atividades realizadas pelo Nasf, foram verificadas notas altas - média e mediana acima de 7 para todos os itens avaliados -, tanto no 2º como no 3º ciclo. Os itens com maiores notas em ambos os ciclos foram: ‘o apoio que sua equipe recebe do Nasf’, ‘melhoria dos indicadores de saúde dos casos compartilhados entre sua equipe e o Nasf’ e ‘contribuição do Nasf para lidar com problemas com os quais tinha dificuldade’. Os itens com menor nota no 2º e no 3º ciclos foram: ‘a contribuição do Nasf para a redução de encaminhamentos desnecessários para a atenção especializada’ e ‘melhoria dos indicadores de saúde da população do território’. Além disso, houve uma melhoria de nota para todos os itens avaliados pela equipe, em relação ao trabalho do Nasf (p<0,001) (tabela 3).

Tabela 3
Média, desvio-padrão, mediana e intervalo interquartílico entre as notas atribuídas pelas equipes de Atenção Básica (eAB) ao processo de trabalho do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf) no 2º e no 3º ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Brasil, 2013-2018

Em relação ao processo de trabalho na perspectiva do próprio Nasf, no 3º ciclo verificou-se que as atividades mais realizadas foram: ‘ações do Nasf articuladas ao planejamento das eAB’ (98,7%) e ‘identificação das principais demandas de apoio das equipes’ (98,1%). Houve melhoria na proporção de realização das ações para a maioria dos itens, com exceção daqueles em que havia uma proporção alta no 2º ciclo e próxima dos percentuais no 3º ciclo, que buscavam saber se o Nasf ‘realiza grupos terapêuticos’ (p=0,126) e ‘atividades de educação em saúde’ (p=0,160) (tabela 4).

Tabela 4
Comparação entre o 2º e o 3º ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) para as variáveis de processo de trabalho na perspectiva do próprio Nasf. Brasil, 2013-2018

Discussão

O presente estudo foi o primeiro a analisar dois módulos e dois ciclos do PMAQ-AB para qualificar o apoio matricial do Nasf na APS brasileira. Nesse sentido, houve um aumento do número absoluto de eAB e de equipes Nasf implantadas e com adesão ao PMAQ-AB, e, ainda, uma melhoria na gestão e no processo de trabalho, tanto na avaliação da eAB quanto na do Nasf. Considerando que a lógica de trabalho do Nasf foge à lógica fundamental da clínica e do cuidado em saúde de formato tradicional1313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2014.,1616 Santos RABG, Uchôa-Figueiredo LR, Lima LC. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706., o resultado pode evidenciar um processo construtivo dos atores envolvidos, eAB e equipes Nasf, ao longo do tempo, sobre as atribuições do Nasf e, mais do que isso, sobre o seu papel no fortalecimento da APS, além da maturidade do processo de trabalho do Nasf.

A proporção de eAB que debatem com a gestão sobre as categorias profissionais que devem compor o Nasf, de acordo com a necessidade da população adscrita, foi relatada como semelhante a observada em outros estudos transversais2525 Araújo RE. Análise exploratória dos indicadores de resultados dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): a experiência de Belo Horizonte. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2014. 121 p.,2626 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231., sendo que apenas o presente estudo analisou e verificou dados de melhoria. Volponi, Garanhani e Carvalho2626 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231. observaram 8 horas de encontro mensal entre gestores e coordenação da UBS, e 20 horas de ambos com o Nasf, em um município de grande porte do estado do Paraná. No entanto, apesar de positiva a reserva de tempo para os encontros com a gestão, deve-se considerar a qualidade do debate em busca de soluções, aspecto não avaliado no presente estudo.

Um estudo apontou que, independentemente da forma de gestão, se permissiva ou autoritária demais, as discussões precisam abordar o processo de trabalho com objetivos e metas claras a serem cumpridas, de acordo com os planos de saúde2727 Schimith MD, Brêtas ACP, Budó MLD, et al. Gestão do trabalho: implicações para o cuidado na Atenção Primária à Saúde. Enfermería Glob. 2015; 14(38):205-219.. Sabe-se que a baixa interlocução entre gestores e trabalhadores da eAB se constitui como dificuldade adicional para a implementação de políticas e programas na área da saúde2828 Bertusso FR, Rizzotto MLF. PMAQ na visão de trabalhadores que participaram do programa em Região de Saúde do Paraná. Saúde debate. 2018; 42(117):408-419..

Outro estudo apontou que, mesmo havendo encontro mensal entre gestão municipal e coordenação do Nasf, ainda existem gestores não abertos à discussão2626 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.. A gestão democrática e participativa entre profissionais e gestores apresenta impacto positivo no fortalecimento de vínculos, bem como coparticipação e corresponsabilização2626 Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.. Os achados do presente estudo mostraram alta proporção da presença de responsável pelo Nasf no âmbito da gestão municipal, o que pode favorecer debates mais produtivos. No entanto, faltam dados mais precisos para avaliar a participação efetiva desses profissionais na gestão.

Em relação ao processo de trabalho do Nasf, sob a perspectiva de avaliação da eAB, verificou-se aumento de quase todos os itens analisados, com desempenho melhor do que o descrito na literatura2525 Araújo RE. Análise exploratória dos indicadores de resultados dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): a experiência de Belo Horizonte. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2014. 121 p.,2828 Bertusso FR, Rizzotto MLF. PMAQ na visão de trabalhadores que participaram do programa em Região de Saúde do Paraná. Saúde debate. 2018; 42(117):408-419., onde as ações do Nasf devem refletir na melhoria das condições de saúde individual e coletiva2525 Araújo RE. Análise exploratória dos indicadores de resultados dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): a experiência de Belo Horizonte. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2014. 121 p.. No presente estudo, o maior percentual de apoio do Nasf se deu na ‘discussão de casos’, e pode ser explicado pela periodicidade2929 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), São Paulo, Brasil. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.. Os itens ‘eAB realiza agendamento de consulta diretamente na agenda do profissional do Nasf’ e ‘gestão de encaminhamentos e/ou de listas de espera para especialistas entre a eAB e o Nasf’ tiveram aumentos menos expressivos e, portanto, mostram ainda necessidade de melhorias.

De fato, os profissionais do Nasf, eSF e eAB não vivenciaram uma formação adequada sobre apoio matricial e precisaram aprender a aprender durante o próprio processo de trabalho3030 Bispo Júnior JP, Moreira DC. Educação permanente e apoio matricial: Formação, vivências e práticas dos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes apoiadas. Cad. Saúde Pública. 2017 [acesso em 2021 jul 22]; 33(9):e00108116. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2017000905010&script=sci_abstract&tlng=pt
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
. Apesar disto, os resultados encontrados neste estudo indicam mesmo um melhor processo de trabalho da eAB com o apoio do Nasf, em relação aos bons resultados descritos no estado da Paraíba3131 Silva ICB, Silva LAB, Lima RSA, et al. Processo de trabalho entre a Equipe de Atenção Básica e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade. 2017; 12(39):1-10., que, como os próprios autores definem, é o quarto estado com maior cobertura de equipes Nasf, com dados do 2º ciclo do PMAQ-AB. Levanta-se a hipótese de que, ao longo do tempo, possa ter havido uma qualificação e/ou um entendimento do processo do Nasf pelas eAB, ou ainda, de que o interesse na melhoria do desempenho no próprio PMAQ-AB possa interferir nas respostas dadas pelas eAB e equipes Nasf.

O aumento verificado na proporção da ‘organização da demanda para atendimentos individuais a serem realizados pelos profissionais do Nasf’ pode aparentemente ir contra a ação técnico-pedagógica do Nasf, no intuito de produzir apoio educativo com e para a equipe3232 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2009., no entanto, também houve aumento na proporção das ‘consultas compartilhadas’, o que pode indicar aprimoramento e diversificação do processo de trabalho do Nasf, por não reduzir atributos fundamentais de seu trabalho. Isto demonstra compreensão do que é conhecimento nuclear do especialista e do que é conhecimento comum e compartilhável entre a eAB e o Nasf3232 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2009..

Ainda sobre o processo de trabalho na perspectiva da eAB, a redução do ‘cronograma de ações do Nasf realizado com a eAB’ e a redução de ‘encontros semanais com aumento dos mensais’ podem ser explicadas por Santos, Uchôa-Figueiredo e Lima1616 Santos RABG, Uchôa-Figueiredo LR, Lima LC. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706., que afirmam que, pela agenda de consultas e reuniões bastante carregada, resta pouco tempo disponível para atividades não previstas, assim, os resultados mostraram que esses pontos precisam ser reforçados, sem uma agenda sobrecarregada para os profissionais do Nasf. Apesar disso, neste estudo verificou-se um aumento de ‘atendimentos de solicitação da eAB’ em ‘até uma semana’, o que explicaria mais eAB afirmarem ‘sempre’ serem ‘atendidas em tempo adequado’. Também divergindo dos autores, este estudo encontrou alta frequência de ‘apoio do Nasf às eAB nas situações imprevistas’. A redução no 3º ciclo pode ser explicada por uma maior adesão e/ou ampliação das equipes avaliadas, uma alta frequência no 2º ciclo, ou ainda, por qualificação e/ou entendimento do processo do Nasf pelas eAB.

As notas altas dadas pela eAB para as atividades realizadas pelo Nasf nos dois ciclos e, ainda, a melhoria significativa no 3º ciclo, estão em consonância com o estudo de Destéfano, Rocha e Oliveira99 Destéfano JDC, Rocha KB, Oliveira ALI. Avaliação dos resultados no 3º Ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica dos Municípios da Região de Saúde Central. Rev. Cient. Esc. Estadual Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago. 2019; 5(3):2-19., mostrando que, entre 24 Nasf de 21 municípios da Região Centro-Oeste, 54% receberam nota máxima na classificação quanto ao desempenho no 3º ciclo de avaliação do PMAQ-AB. Neste estudo, as maiores notas se referem ao ‘apoio que a eAB recebe do Nasf’, à ‘melhoria dos indicadores de saúde dos casos compartilhados entre sua equipe e o Nasf’ e à ‘contribuição do Nasf para lidar com problemas com os quais tinha dificuldade’, pontos positivos que podem ser explicados pela dimensão sinérgica do apoio matricial ao conceito de educação permanente3232 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2009.. Apesar das notas altas e da melhoria encontrada no 3º ciclo, as menores notas na ‘contribuição do Nasf para a redução de encaminhamentos desnecessários para a atenção especializada’ e na ‘melhoria dos indicadores de saúde da população do território’ demonstram que estes pontos precisam de maior atenção. Isto porque é sabido que a APS tem a potencialidade de resolver a maior parte dos problemas de saúde77 Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, et al. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde debate. 2014; 38(esp):252-264..

Em relação ao processo de trabalho na perspectiva de avaliação do próprio Nasf, quase todos os itens tiveram melhora no 3º ciclo. O percentual alto pode ser explicado por essas atividades terem uma periodicidade definida2929 Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), São Paulo, Brasil. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.. O estudo de Brocardo et al.3333 Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde debate. 2018; 42(esp1):130-144., que também utilizou dados de entrevista com profissional do Nasf do 2º ciclo, traz a distribuição por região brasileira, e o bom desempenho nas regiões com maior número de equipes avaliadas - Sudeste e Nordeste - pode explicar a não melhoria em alguns itens do 2º para o 3º ciclo. Além disto, estão entre as primeiras ações que o Nasf realizou3232 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2009., e, em decorrência de sua alta frequência desde o ciclo avaliativo anterior, não houve melhora.

Este estudo apresentou a limitação de utilizar dados secundários e, por isto, apresenta algumas dificuldades, como, por exemplo: a variação de mensuração e a comparação entre os ciclos. Na tentativa de melhorar a compreensão dos achados, apenas itens adaptáveis para comparação foram mantidos na análise. Além disto, pode existir uma superestimação do resultado, uma vez que a maior parte das equipes que participaram do PMAQ-AB, ao saberem dos itens que seriam avaliados, podem ter se preparado com antecedência, assim apresentando melhores resultados. Apesar de o PMAQ-AB ser de adesão voluntária, no presente estudo, verificou-se a participação de quase todas as eAB e equipes Nasf, o que pode permitir uma melhor compreensão e generalização dos resultados.

A maioria dos estudos na literatura sobre avaliação do Nasf são primordialmente qualitativos, assim, o PMAQ-AB foi uma ferramenta fundamental para o estudo quantitativo em âmbito nacional, seja por repensar as práticas, seja pelo incentivo ao financiamento por desempenho incutido no programa99 Destéfano JDC, Rocha KB, Oliveira ALI. Avaliação dos resultados no 3º Ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica dos Municípios da Região de Saúde Central. Rev. Cient. Esc. Estadual Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago. 2019; 5(3):2-19.. Apesar dos resultados positivos demonstrados, o PMAQ-AB foi substituído, em 2019, pelo Previne Brasil3434 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial da União. 13 Nov 2019., em execução desde 2020. Este novo programa vem recebendo duras críticas3535 Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no Sistema de Saúde Brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciênc. Saúde Colet. 2020; 25:1181-1188. por sua avaliação simplista do desempenho por resultado, e ao desconsiderar os indicadores de avaliação da estrutura e do processo, em relação a como tal tarefa era desenvolvida no PMAQ-AB.

A PNAB de 2017 não afeta os resultados do 2º e 3º ciclos do PMAQ-AB3333 Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde debate. 2018; 42(esp1):130-144., por não ter havido reestruturação ou reformulação do instrumento de coleta de dados que tivesse interferido nas respostas das eAB e equipes Nasf avaliadas2323 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Manual Instrutivo para as Equipes de Atenção Básica e NASF. Brasília, DF: MS; 2017.. Assim, com os resultados ainda se referindo ao antigo nome do programa, e utilizando o novo por questão de atualização, este estudo ressalta o caminho de resultados positivos do Nasf e espera que ele continue no mesmo caminho. Entretanto, levanta a possibilidade de que tais conquistas possam ser perdidas, pois, por mais que a nova PNAB também traga benefícios com flexibilização, esta pode ser prejudicial também por conta do MS renunciar à sua responsabilidade de coordenação, fato bastante arriscado em um país com realidades locorregionais tão distintas e com um processo de descentralização que ainda carece de aprimoramentos3636 Morosini MVGC, Fonseca AF, Lima LD. Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde debate. 2018; 42(116):11-24..

Conclusões

Houve maior implantação e adesão de eAB e equipes Nasf no Brasil entre os anos avaliados, além de melhoria no desempenho dos itens verificados, sobre a gestão e o processo de trabalho do Nasf, tanto na perspectiva da eAB como também na do próprio Nasf. Os dados reforçam a possibilidade de um amadurecimento do trabalho multidisciplinar e do apoio matricial, com maior compreensão do processo de trabalho, responsabilização e divisão de tarefas entre o Nasf e as eAB, além do comprometimento com o desempenho e a resolutividade, assim qualificando e fortalecendo os processos da APS no Brasil.

Referências

  • 1
    Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.
  • 2
    Paiva CHA, Teixeira LA. Reforma sanitária e a criação do sistema único de Saúde: Notas sobre contextos e autores. Hist. Cienc. Saúde - Manguinhos. 2014; 21(1):15-35.
  • 3
    Evangelista MJO, Guimarães AMDAN, Dourado EMR, et al. O Planejamento e a construção das Redes de Atenção à Saúde no DF, Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2019; 24(supl6):2115-2124.
  • 4
    Mendes TMC, Oliveira RFS, Mendonça JMN, et al. Planos de cargos, carreiras e salários: perspectivas de profissionais de saúde do Centro-Oeste do Brasil. Saúde debate. 2018; 42(119):849-861.
  • 5
    Peiter CC, Santos JLG, Lanzoni GMM, et al. Healthcare networks: trends of knowledge development in Brazil. Esc. Anna Nery. 2019; 23(1):1-10.
  • 6
    Santos L. Healthcare regions and their care networks: an organizational-systemic model for SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2017; 22(4):1281-1289.
  • 7
    Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, et al. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde debate. 2014; 38(esp):252-264.
  • 8
    Arantes LJ, Shimizu HE, Merchán-Hamann E. Contribuições e desafios da Estratégia Saúde da Família na Atenção Primária à Saúde no Brasil: Revisão da literatura. Ciênc. Saúde Colet. 2016; 21(5):1499-1510.
  • 9
    Destéfano JDC, Rocha KB, Oliveira ALI. Avaliação dos resultados no 3º Ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica dos Municípios da Região de Saúde Central. Rev. Cient. Esc. Estadual Saúde Pública de Goiás Cândido Santiago. 2019; 5(3):2-19.
  • 10
    Evangelista MJO. Planificação da atenção à saúde: Uma proposta de gestão e organização da atenção primária à saúde e da atenção ambulatorial especializada nas redes de atenção à saúde. Consensus. 2016; (20):30.
  • 11
    Pinto LF, Giovanella L. The family health strategy: Expanding access and reducing hospitalizations due to ambulatory care sensitive conditions (ACSC). Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1903-1913.
  • 12
    Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, et al. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde debate. 2018; 42(esp1):38-51.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2014.
  • 14
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.124, de 28 de dezembro de 2012. Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Família e/ou Equipes de Atenção Básica para populações específicas, cria a Modalidade NASF 3, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 29 Dez 2012.
  • 15
    Parente AS, Mesquita FOS, Sarmento SS. Análise da distribuição e cobertura do NASF na IV Macrorregião de Saúde do Estado de Pernambuco. Id. on Line Rev. Mult. Psic. 2017; 11(36):435-453.
  • 16
    Santos RABG, Uchôa-Figueiredo LR, Lima LC. Apoio matricial e ações na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde debate. 2017; 41(114):694-706.
  • 17
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 22 Set 2017.
  • 18
    Almeida PF, Medina MG, Fausto MCR, et al. Coordenação do cuidado e Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde. Saúde debate. 2018; 42(esp1):244-260.
  • 19
    Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. QRB Qual. Rev. Bull. 1992; 18(11):356-360.
  • 20
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.645, de 2 de outubro 2015. Dispõe sobre o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Diário Oficial da União. 5 Out 2015.
  • 21
    Bezerra MM, Medeiros KR. Limites do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB): em foco, a gestão do trabalho e a educação na saúde. Saúde debate. 2018; 42(esp2):188-202.
  • 22
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você - acesso e qualidade. Programa Nacional de melhoria do acesso e da qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual instrutivo. Brasília, DF: MS; 2012.
  • 23
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Manual Instrutivo para as Equipes de Atenção Básica e NASF. Brasília, DF: MS; 2017.
  • 24
    Uchôa SAC, Martiniano CS, Queiroz AAR, et al. Inovação e utilidade: Avaliação Externa do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Saúde debate. 2018; 42(esp1):100-113.
  • 25
    Araújo RE. Análise exploratória dos indicadores de resultados dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): a experiência de Belo Horizonte. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2014. 121 p.
  • 26
    Volponi PRR, Garanhani ML, Carvalho BG. Núcleo de Apoio à Saúde da Família: potencialidades como dispositivo de mudança na Atenção Básica em saúde. Saúde debate. 2015; 39(esp):221-231.
  • 27
    Schimith MD, Brêtas ACP, Budó MLD, et al. Gestão do trabalho: implicações para o cuidado na Atenção Primária à Saúde. Enfermería Glob. 2015; 14(38):205-219.
  • 28
    Bertusso FR, Rizzotto MLF. PMAQ na visão de trabalhadores que participaram do programa em Região de Saúde do Paraná. Saúde debate. 2018; 42(117):408-419.
  • 29
    Gonçalves RMA, Lancman S, Sznelwar LI, et al. Estudo do trabalho em Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), São Paulo, Brasil. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2015; 40(131):59-74.
  • 30
    Bispo Júnior JP, Moreira DC. Educação permanente e apoio matricial: Formação, vivências e práticas dos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes apoiadas. Cad. Saúde Pública. 2017 [acesso em 2021 jul 22]; 33(9):e00108116. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2017000905010&script=sci_abstract&tlng=pt
    » https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2017000905010&script=sci_abstract&tlng=pt
  • 31
    Silva ICB, Silva LAB, Lima RSA, et al. Processo de trabalho entre a Equipe de Atenção Básica e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev. Bras. Med. Fam. Comunidade. 2017; 12(39):1-10.
  • 32
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: MS; 2009.
  • 33
    Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, et al. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde debate. 2018; 42(esp1):130-144.
  • 34
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial da União. 13 Nov 2019.
  • 35
    Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no Sistema de Saúde Brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciênc. Saúde Colet. 2020; 25:1181-1188.
  • 36
    Morosini MVGC, Fonseca AF, Lima LD. Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde debate. 2018; 42(116):11-24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2020
  • Aceito
    21 Maio 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Av. Brasil, 4036, sala 802, 21040-361 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel. 55 21-3882-9140, Fax.55 21-2260-3782 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br