Open-access Programa Saúde na Escola: projeto de intervenção contra a dengue em Matinhos-PR

RESUMO

O Programa Saúde na Escola (PSE) objetiva promover ações de saúde nas escolas por meio de ferramentas pedagógicas desenvolvidas entre a saúde e a educação. Foi realizado um estudo na cidade de Matinhos-PR pelo PSE, na abrangência da escola municipal Luiz Carlos dos Santos, incluindo 60 estudantes dos 5.os anos, no período de março a agosto de 2019. Utilizaram-se características da pesquisaação participativa e metodologia da problematização, sendo um tipo de estudo social e qualitativo. Para o levantamento dos dados, utilizou-se o método do Arco de Charles de Maguerez. Como resultado da pesquisa, desenvolveu-se, na escola e na comunidade, uma ferramenta pedagógica, o projeto de intervenção ‘Escola, saúde, ambiente e comunidade mobilizados contra o Aedes aegypti’. O estudo comprovou que a aplicação de políticas públicas já existentes como o PSE, por intermédio da intersetorialidade, a educação em saúde ambiental e ações de controle vetorial mecânico, sem aplicabilidade de veneno, são medidas apropriadas para prevenção de doenças, como a eliminação de criadouros de vetores; efetivando, assim, o uso da educação em saúde ambiental nas escolas como uma estratégia de promoção da saúde.

PALAVRAS-CHAVES Serviços de saúde escolar; Política pública; Dengue; Saúde pública

ABSTRACT

The School Health Program (PSE) aims to promote health actions in schools through pedagogical tools developed between health and education. A study was carried out in the city of Matinhos, State of Paraná, Brazil, by the PSE within the scope of the Luiz Carlos dos Santos municipal school including 60 students from the 5th grades, from March to August 2019. Characteristics of participatory action-research and problematization methodology were used, being a type of social and qualitative study. For data collection, the method of Charles de Maguerez Arch was used. As research result, a pedagogical tool was developed at school and in the community’, the intervention project ‘School, health, environment, and community mobilized against the Aedes aegypti’. The study proved that the application of existing public policies such as the PSE, through intersectoriality, environmental health education, and mechanical vector control actions, without applicability of poison, are appropriate actions for the disease prevention, such as the elimination of vector breeding sites; thus, making effective the use of environmental health education in schools as a health promotion strategy.

KEYWORDS School health services; Public policy; Dengue; Public health

Introdução

A saúde, sob uma perspectiva ampliada, foi incorporada na educação por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997, aplicando o tema da saúde como transversal às disciplinas e às ações no contexto escolar, com ênfase na atenção integral por meio da promoção da saúde, da prevenção de doenças e agravos e da atenção e cuidados à saúde de crianças e adolescentes1.

A vinculação de saúde e educação como política pública no Brasil se intensificou com a criação do Programa Saúde na Escola (PSE), instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, que tem o principal objetivo de promover ações de saúde nas escolas por meio de estratégias pedagógicas de educação e saúde integral, essencial para produzir autonomia, autocuidado, e participação dos escolares conforme a idade em que se encontram2.

O acesso à saúde é considerado uma das fragilidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, a mortalidade infantil pode ser evitada com investimentos na Estratégia Saúde da Família (ESF), voltados para a atenção básica em saúde. Outrossim, medidas de promoção da saúde e prevenção de doenças enfraquecem as iniquidades sociais em saúde, propiciam a redução de doenças e promovem qualidade de vida3.

A Política Nacional de Educação Ambiental instituída pela Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, estabeleceu a educação ambiental em todos os níveis de ensino, podendo ocorrer por intermédio da produção e divulgação de material educativo e o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais. A educação ambiental trata-se de um campo temático transversal ao ensino, portanto, os professores podem adotar uma formação complementar nesse campo para ampliar suas áreas de atuação4

Mohr e Schall5(200) destacam que, desde 1971, pela Lei nº 5.692/1971, estimulam-se o conhecimento e a prática da saúde básica e higiene nas escolas,

[...] prioritariamente, através de ações e não de explanações [...], a formação do professor nos domínios da educação ambiental e da educação em saúde é muito defciente.

Nesse sentido, Lima6 apresenta que a escola não é apenas o espaço de ensino.

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) destaca que, entre as responsabilidades sanitárias da equipe de saúde, está a educação em saúde. As práticas educativas em saúde trazem a oportunidade de aproximação da escola com a comunidade e os serviços de saúde com o objetivo de promover a atenção integral para as crianças e para os adolescentes inseridos no contexto escolar, saindo dos muros da escola e vivenciando o seu território3.

O artigo considerou o estudo desenvolvido na cidade de Matinhos-PR, sobre um projeto de intervenção sobre a temática da dengue nas escolas. Esse estudo considerou o trabalho real dos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde, a vigilância em saúde, bem como a vivência da pesquisadora no serviço de saúde pela gestão municipal do PSE, sendo o resultado da pesquisa de mestrado intitulada: ‘Práticas educativas em saúde e ciências ambientais: interface entre atenção primária e escola na promoção da saúde em Matinhos-PR’3.

O objetivo do artigo é demonstrar a aplicabilidade de uma ferramenta pedagógica de intervenção local, estabelecida intersetorialmente entre as equipes de saúde e de educação, a fim de fortalecer o ensino das ciências ambientais e a promoção da saúde no contexto escolar, com o intuito de promover uma transformação social local3.

Para isso, analisou-se a interface entre saúde e educação no contexto escolar estudado, para desenvolver ações de promoção da saúde; avaliou-se a territorialização da escola, considerando os determinantes sociais e ambientais, e como são desenvolvidas as práticas educativas em saúde na escola, por meio da Atenção Primária à Saúde (APS), na aplicabilidade do PSE3.

Este artigo, portanto, inicia-se expondo a metodologia utilizada no estudo, demostra a sua aplicação no método do Arco de Charles Maguerez e descreve cada etapa realizada na investigação das consequências da implantação do PSE. Trata-se de um projeto de intervenção em uma escola no Paraná, na qual se levam em consideração os problemas reais da comunidade, a incidência de dengue. Por fim, destacam-se os resultados e as discussões do estudo de caso, por meio da pesquisa-ação.

Material e métodos

A pesquisa realizada foi exploratória, pois investigou as causas da incidência de dengue na escola, e descritiva7, pois detalhou cada etapa do método utilizado na investigação da aplicação do projeto de intervenção, sobreposto a uma política pública, o PSE. A pesquisa é do tipo de estudo social, qualitativa, com base na pesquisa-ação8, apresentando a metodologia da problematização, utilizando como método para coleta dos dados e obtenção dos resultados o método do Arco de Charles Maguerez9.

Figure 1
Método do Arco de Charles Maguerez9

Esse método se baseia na exposição de um problema que parte da realidade física ou social8 de um território. A primeira etapa chama-se ‘observação da realidade’ e busca uma visão geral do problema. No segundo momento, faz-se o ‘levantamento dos pontoschave’, sendo a ocasião em que os pesquisadores, de acordo com seus conhecimentos, apresentam os motivos do problema observado. No terceiro momento, ocorre a ‘teorização’, sendo o período da discussão teórica, seja de estudos científicos e/ou legislações. No quarto momento, dá-se a ‘hipóteses de solução’, sendo o andamento para formular ações, atividades, projetos para solucionar ou tentar solucionar o problema levantado. A última etapa consiste na ‘aplicação à realidade’, sendo a etapa de colocar em prática, efetivamente, as ‘hipóteses de solução’. Por fim, após a aplicação do método9, busca-se identificar se ocorreram mudanças significativas no território (realidade).

Local de estudo

A escola Luiz Carlos dos Santos está localizada no município de Matinhos-PR, cidade litorânea. O município tem uma área territorial 116,544 km², com população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2018, de 34.207 habitantes. Em 2017, tinha 5.229 estudantes matriculados no ensino fundamental conforme Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Ainda nesse mesmo ano, apresentava 20,75 de taxa de mortalidade em menores de 5 anos (mil nascidos vivos) – Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS)/Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (Sesa-PR)10.

O atendimento de esgoto acontece pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Em 2018, foi de 29.839 unidades econômicas, sejam casa, apartamento, loja etc.; e o abastecimento de água da Sanepar nesse ano foi de 33.365 unidades econômicas11.

A unidade de saúde de referência territorial da escola é a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Mangue Seco – ESF, sendo a distância aproximada de 1 km até a escola. A UBS conta com um médico, uma enfermeira, dois técnicos de enfermagem e sete agentes comunitários de saúde. O pequeno afastamento entre a escola e a UBS apresenta que problemas distanciais não são empecilhos para as ações de saúde na escola pela equipe da ESF.

De acordo com zoneamento municipal, a escola está inserida em uma Zona Residencial (ZR 1) – e a uma quadra de uma Área de Preservação Permanente (APP)12. Nesse território apresenta-se uma Zona de Conservação Ambiental (ZCA 1), a qual possui habitações sem loteamento (invasão). Ao lado da escola, está a colônia de pescadores do município.

Realização da pesquisa

Para a obtenção dos resultados, a metodologia baseou-se na observação de problemas territoriais, considerando não o conhecimento, mas a experiência de cada indivíduo para uma construção coletiva de uma solução, ou possível solução para o problema observado. Para Bordenave e Pereira9(10), “Uma pessoa só conhece bem algo quando o transforma, convertendo-o também no processo”. De acordo com os autores, a pesquisa-ação se apresenta como uma prática que propõe soluções e, quando possível, acompanha suas ações correspondentes.

No ano de 2019, foi desenvolvido um monitoramento por armadilhas ovitrampas13, uma parceria entre a Secretaria Municipal da Saúde de Matinhos-PR, por meio das ações da vigilância em saúde, a Sesa-PR, por intermédio da 1ª regional de saúde, e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), pelo setor de ciências biológicas e o departamento de biologia.

Essa ferramenta faz a identificação de ovos para investigação da infestação do mosquito Aedes aegypti, seguindo os protocolos do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD). O trabalho constituiu-se na instalação de 86 armadilhas mensalmente durante o período de um ano em diferentes imóveis, cobrindo toda a zona urbana do município. As armadilhas mantinham-se no campo durante três dias, sendo, após isso, encaminhadas ao departamento de zoologia da UFPR, para realização da leitura dos ovos.

Na sequência, os territórios eram classificados por grau de risco de infestação, sendo um indicador para as tomadas de decisões e medidas de intervenção. A escola, inserida no Estrato IV, apresentou positividade de 98 ovos, considerado alto risco, alerta (vermelho), para proliferação de mosquitos Aedes aegypti naquele local.

A escolha da escola se deu pela análise da situação de saúde da comunidade escolar, diante do quadro epidemiológico que a cidade vivenciava, com aumento significativo na incidência de casos de dengue e fortalecida pelo resultado do monitoramento das armadilhas ovitrampas no território escolar.

O cenário epidemiológico caracterizou a doença viral e reemergente em saúde pública, dengue, como problema central para o desenvolvimento de uma ferramenta pedagógica de ensino, o ensino por projetos, a ser aplicado pelo tema transversal do PSE – saúde ambiental e saúde coletiva, para aquela comunidade.

Cenário de estudo

O cenário de estudo teve como público-alvo professores, estudantes da rede básica de ensino municipal do Ensino Fundamental II e comunidade escolar, sendo a população fonte 3 professores e 3 profissionais da saúde, 60 estudantes dos três 5.os anos na abrangência da Escola Municipal Luiz Carlos dos Santos, da rede básica de ensino, no município de Matinhos-PR, aplicado por meio do PSE.

Os estudantes não foram participantes focais desta pesquisa, porém os dados levantados relativos a eles foram utilizados para investigar o contexto no qual as intervenções colaborativas foram desenvolvidas. Com a finalidade de conhecer os problemas territoriais, elaborar e desenvolver um projeto de intervenção colaborativa, e verificar o contexto das práticas educativas na escola, utilizaram-se os recursos metodológicos de caráter coletivo, como seminários e roda de conversa. Nesses eventos, eram colocadas questões organizativas sobre as práticas educativas em saúde nas escolas usadas pelos professores e profissionais da saúde, que concordaram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados e discussão

Na primeira etapa da ‘observação da realidade’, foi verificado no diagnóstico territorial e exposto pelos pesquisadores (saúde) que a questão da dengue era um problema que precisava ser ressaltado nas ações de práticas educativas em saúde na escola, principalmente naquele território, já que o resultado das armadilhas ovitrampas apresentava a escola como ambiente de risco epidemiológico para dengue.

A equipe escolar apresentou, na segunda etapa da ‘observação da realidade’, que a escola e o bairro são de vulnerabilidade social e com alto índice de violência, com influência de tráfico de drogas. Assim, no ‘levantamento dos pontos-chave’, os professores destacaram que as ações intersetoriais que envolvem setores como a saúde contribuem para o processo de aplicação de ações pedagógicas na escola, tirando dos professores o ‘peso’ de mais trabalho. Eles desejavam essas ações, mais do que capacitações.

Os professores destacaram se sentir sobrecarregados de funções. Os agentes de saúde evidenciaram que faz parte do trabalho de rotina deles realizar ações de educação em saúde ambiental; além disso, demonstraram-se favoráveis à aplicação de atividades na escola e na comunidade. Apontou-se ainda, pelos profissionais da educação, que a maioria dos pais e responsáveis dos estudantes são participativos na escola quando ‘recebem’ algo; assim, analisaram-se estratégias que viessem ao encontro à da realidade local do território, para aproximar o vínculo entre a comunidade, a saúde e a educação.

Após o ‘levantamento dos pontos-chave’, iniciou-se a etapa de ‘teorização’. Assim, os pesquisadores tiveram troca de saberes sobre termos como promoção da saúde, visão ampliada da saúde, interferência das questões ambientais no processo saúde-doença; destacou-se a escola como o espaço no desenvolvimento de práticas educativas em saúde e apropriado para integrar a comunidade e desenvolver ações de educação em saúde, considerando os problemas territoriais, e promover acesso aos serviços de saúde, tais como vacinação, verificação de pressão arterial, testes rápidos para Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), bem como orientações sobre pediculoses e comunicação em saúde e ambiente.

A partir disso, os pesquisadores planejaram ações que pudessem contribuir para a transformação local envolvendo as questões ambientais e de controle vetorial. Como ‘hipóteses de solução’, sugeriu-se a elaboração de projetos, pensando no desenvolvimento de uma ferramenta pedagógica, aplicada por meio das diretrizes do PSE. Ademais, propôs-se a oportunidade de realizar um projeto com os estudantes dos 5.os anos de forma intersetorial (saúde, ambiente, educação e comunidade), seguida de uma atividade com os pais e responsáveis com ênfase em questões sociais e após uma intervenção na comunidade.

A intervenção, na etapa ‘aplicação à realidade’, foi desenvolvida pelo projeto ‘Escola, saúde, ambiente e comunidade mobilizados contra o Aedes aegypti’. Após esse momento, verificaram-se mudanças provocadas no território, pelos indicadores do monitoramento por ovitrampas, que expuseram, no mês de julho de 2019, a armadilha nº 58, referente à escola, sem nenhum ovo de infestação do mosquito Aedes aegypti (figura 2).

Figura 2
Monitoramento da armadilha nº 58, antes e após a intervenção. Indicador da infestação do mosquito Aedes aegypti. Círculo demostra o local da escola no território.

De acordo com os parâmetros do monitoramento das armadilhas ovitrampas, da secretaria de saúde, a pesquisa apresentou que, antes da intervenção, existia um alto risco para incidência de dengue naquele território (área com fio branco). Após a intervenção, destacou-se a eliminação dos ovos de Aedes aegypti, pela eliminação dos criadouros de mosquitos na comunidade e na escola (círculo) de forma mecânica, sem a necessidade de intervenção com venenos.

Barreto14, em um estudo sobre o uso de armadilha de oviposição, destaca ser um método apropriado para percepção da presença e da variação da densidade populacional de Aedes aegypti e que a ovitrampa é uma ferramenta com alta sensibilidade para o acompanhamento da infestação do gênero Aedes, apresentando-se, assim, apropriado para o monitoramento de dados em pequenos intervalos e de forma contínua.

Por fim, mediante uma roda de conversa entre os pesquisadores, concluiu-se que os objetivos para solucionar o problema (infestação do mosquito Aedes aegypti – causador da doença viral dengue) foram alcançados, apresentou-se que as ações intersetoriais contribuem para o desenvolvimento das práticas educativas em saúde nas escolas e mostraram--se favoráveis à realidade territorial. Foi destacado que, durante as práticas educativas, os estudantes demonstraram interesse nas atividades e apresentaram, de forma lúdica, a sensibilização pelo combate às arboviroses de forma crítica.

Donalísio15 ressalta a necessidade de pensar novas tecnologias e estratégias de prevenção à dengue, além de um envolvimento articulado na integração das ações de combate à doença. Costa16 prepondera que o trabalho de combate à dengue deve ser na perspectiva intersetorial, com ações de educação em saúde.

Considera, ainda, que as condições do território (habitação e saneamento básico), como medidas importantes no controle da dengue, exibe também que o monitoramento dos vetores se torna ferramenta importante para o progresso dos programas de controle, uma vez que o controle vetorial é o único método de prevenir epidemias da dengue16.

Estudos sobre o mapeamento de mosquitos Aedes spp. e detecção do vírus dengue em zona urbana do município de Picos, Piauí, exibiram o mês de abril como o de maior número de casos no ano de 2017. Além disso, ressaltaram como resultado que quanto maior a infestação do mosquito, maior potencial de risco de transmissão de dengue. Demostraram, ainda, que, com temperaturas elevadas, mas escassez de chuvas, os ovos entram em diapausa à espera da ocorrência de contato com a água para que as larvas eclodam. Isso demostra a necessidade da remoção mecânica de possíveis criadouros de mosquitos, mesmo sem larvas17.

Maia e colaboradores17(10) concluem que:

O monitoramento entomológico e da circulação viral são importantes ferramentas para indicar áreas de maior infestação de mosquitos vetores e prevenir futuros surtos, fornecendo subsídios para o planejamento de ações voltadas ao controle e a prevenção de arboviroses através da secretária de saúde e órgãos competentes da região.

Além do monitoramento, a efetividade da educação em saúde nas escolas só se justifica se implementada. Figueiredo18 evidencia que as pesquisas científicas devem aproximar o PSE com os valores da promoção da saúde e fortalecer a necessidade de práticas em saúde que promovam às crianças e aos adolescentes a participação nas decisões que afetam suas vidas e saúde. Divulga-se, ainda, que o PSE é o campo adequado para experiências inovadoras e de aprendizados, na amplitude de ações intersetoriais e de abordagens complexas voltadas para a coletividade.

Estudos sobre educação ambiental nas escolas apresentam mudanças significativas quando existem parcerias, ações intersetoriais e sensibilização da comunidade no entorno da escola; porém, reforçam a necessidade da interação entre a comunidade e o poder público. Ressalta-se, ainda, que a escola precisa aproximar a comunidade para que unidos possam lutar para minimizar os problemas ambientais que estão em seu território19.

Práticas educativas em saúde, como materiais educativos e projetos de intervenções, que consideram o território, bem como sua dinâmica, demostram sua efetivação e reprodução. Estudos de Poletto e colaboradores20 sobre o uso de ferramentas pedagógicas para desenvolvimento da educação não formal por profissionais da vigilância em saúde de Matinhos-PR apresentam que os profissionais têm dificuldades no desenvolvimento da educação em saúde, como uma educação não formal, pela falta de materiais educativos territoriais, pois, em sua maioria, possuem materiais de nível federal, que não estão de acordo com os problemas locais, destacando-se a necessidade de sua elaboração colaborativa.

Ações comunicativas em saúde são fontes de promoção da saúde e colaboram para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, visto que, ao identificarem seus problemas de saúde, buscam, juntos, melhorar essas condições. A metodologia da problematização, caracteriza essa ação “não apenas voltada para o ‘saber’, mas para o ‘saber fazer’, partindo da observação das necessidades do real”20(12) para desenvolver uma solução dos problemas naquela realidade observada. Considerar o território e envolver a comunidade nessa construção fortalecem os saberes da população e profissionais, bem como estimulam a popularização da ciência em seu ambiente20.

As escolas e seus programas contribuem para o desenvolvimento das crianças e influenciam sua saúde. É parte da atenção integral à saúde das crianças, manutenção de vínculo com a família e os serviços de saúde, com oportunidades de enfoque para a promoção da saúde, o que inclui os ambientes favoráveis à saúde, o ambiente construído, a alimentação complementar, de hábitos e vida saudável, a amamentação, a vacinação, a prevenção de doenças e agravos, promovendo o cuidado em tempo oportuno e desenvolvendo atenção integral à saúde das crianças.

Considerar estudos de conhecimento técnico e aplicado em torno do ambiente construído, dos fatores de risco e no impacto na saúde humana é definido como habitação saudável, uma discussão iniciada antes do movimento de promoção da saúde, no ano de 1982, em Buffalo, Nova York. Em 1992, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alinhou uma política de habitação saudável como ferramenta de promoção da saúde21.

A habitação saudável é um campo de potencialidade em conhecimento e práticas para aplicação nas estratégias de promoção da saúde, sendo um instrumento de abordagem ampliada da discussão dos problemas relativos à saúde e a qualidade de vida, e traz a escola como uma habitação temporária, sendo esse espaço um contexto habitacional que acompanha o indivíduo em seu desenvolvimento, podendo promover, ou não, um ambiente favorável à saúde21,22.

O primeiro princípio da OMS sobre habitação saudável está relacionado com a proteção contra a exposição aos agentes etiológicos e vetores de doenças infectocontagiosas. Referese ao ambiente como um espaço adequado ao número de habitantes, ao acesso de água potável, esgotamento sanitário e o sistema de descarte de resíduos sólidos, para diminuição da transmissão de doenças, principalmente as gastrointestinais e de doenças por vetores como a dengue, a chikungunya e a zika, além de reduzir a proliferação de insetos e roedores22.

Ações como as apresentadas neste artigo vem ao encontro da finalidade da Escola Promotora de Saúde, da OMS, que busca o desenvolvimento da saúde e da educação para a saúde da comunidade escolar, para fazer a escola um local saudável, por meio de ações e serviços de saúde, bem como a elaboração de projetos entre escola e comunidade, estabelecendo políticas e práticas que respeitam o bem-estar do indivíduo e a sua dignidade, promovendo um ambiente favorável à saúde23. Esta pesquisa destaca a prevenção de doenças na comunidade escolar, aplicada por meio da iniciativa de ações de promoção da saúde, como, por exemplo, a educação em saúde; e apresenta, assim, um ambiente saudável, a escola e seu entorno, para os estudantes.

Ações de saúde em âmbito escolar são necessárias para promover saúde aos escolares e comunidade seja por meio de ações de promoção da saúde, criação de ambientes favoráveis à saúde, prevenção de doenças ou/e acesso aos serviços de saúde. De acordo com relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), sobre impactos ambientais sobre a saúde de crianças, por grupo de doenças, em 2015, morreram 5,9 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade, sendo as doenças transmitidas por vetores, como a malária, uma das principais causas de morte de crianças em todo o mundo24.

O relatório apresentado pela Opas destaca, ainda, que “a redução dos riscos ambientais pode prevenir um quarto das mortes e doenças na infância”24(22), sendo que ações intersetoriais de intervenções preventivas com foco na prevenção primária por meio da diminuição dos riscos ambientais melhoram a saúde das crianças, como também geram economias com cuidados de saúde – para cada US$ 1 investido em saneamento básico, foram poupados entre US$ 2 e US$ 4 nos custos com cuidados de saúde e perdas de produtividade.Além de serem muito benéficas para a saúde, as intervenções que diminuem os riscos ambientais contribuem para os objetivos de desenvolvimento sustentável, o clima, o meio ambiente e o desenvolvimento geral24.

A escola tem competência legal para atuar em temas transversais por meio de parcerias com setores como saúde, por exemplo. Para isso, é necessário compreender como professores e profissionais da saúde se integram para o desenvolvimento das práticas educativas em saúde nas escolas, educação em saúde, tendo como objetivo a promoção da saúde envolvendo os determinantes sociais3.

Trabalhar com projetos e considerar a metodologia da problematização para diagnóstico de um problema territorial para o levantamento das necessidades locais promovem planejamento intersetorial, afetividade, cooperação com o trabalho prestado pelo outro, ativam e socializam o ensino, produzem propósito de ensino e aprendizagem. Poder desenvolver as práticas educativas em saúde e aplicá-las como ensino na escola produzem aos estudantes e, consequentemente, à comunidade transformações sociais que irão colaborar com sua qualidade de vida.

Essa avaliação do pertencimento local e da efetividade do projeto de intervenção se apresentou na diminuição e na eliminação de ovos de Aedes aegypti no território trabalhado, demonstrado, assim, que as ações de controle vetorial se apresentam com resultados favoráveis nas atividades de remoção mecânica sem utilização de produtos químicos, tão prejudiciais à saúde e ao ambiente, sendo as ações intersetoriais e, principalmente, a educação em saúde ambiental uma ferramenta para eliminação de criadouros de mosquitos, tendo como consequência a prevenção de doenças transmitidas por vetores, como a dengue, que causam epidemias e mortes.

Avalia-se, assim, que as ações intersetoriais na aplicação de políticas públicas já existentes, como o PSE, são favoráveis ao desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde e ao ensino das ciências ambientais, fortalecendo a relação saúde e ambiente. Tem-se como resultado as transformações de um território, e traz-se a escola como o local apropriado para aplicação dessas ações.

Dessa forma, a pesquisa difundida neste artigo demostrou a eficácia na aplicação do PSE na articulação saúde, ambiente e educação, aproximando a comunidade a realizar mudanças significativas em seu entorno. Promoveram-se, dessa forma, ações de saúde pela visão da saúde coletiva, pelo modelo biopsicossocial, para promoção da qualidade de vida na escola e na comunidade, avaliando seus fatores de risco (dengue); e originou-se um ambiente saudável na escola.

Considerações finais

A escola é o espaço adequado para realização de atividades e ações de promoção da saúde, uma vez que os estudantes ali inseridos identifiquem seus problemas reais e tenham contato com os temas transversais, articulados com diversos setores como o da saúde, por exemplo, inserido às políticas públicas já existentes, como o PSE. Além disso, a escola deve ser um ambiente favorável à saúde, para propiciar promoção da saúde e qualidade de vida à comunidade escolar.

As práticas educativas em saúde nas escolas devem ocorrer por meio de ações intersetoriais na APS, sendo a vigilância em saúde um potente mecanismo de ações de promoção da saúde e aplicação de políticas públicas. Predominou ainda que é necessário sair dos muros da UBS e da escola e ir à comunidade – o PSE se apresenta favorável para esse fim.

A ferramenta pedagógica desenvolvida nesta pesquisa para o ensino das ciências ambientais foi o projeto ‘Escola, saúde, ambiente e comunidade mobilizados contra o Aedes aegypti’, o qual poderá ser replicado em qualquer território nacional. Essa metodologia aproxima os estudantes da realidade local e realiza a troca de saberes e pensamento crítico por meio da visita à associação de recicláveis, desenvolvendo o pertencimento local ao promover ações à comunidade que demonstram a necessidade de colaboração da população em ações de prevenção ambiental, como a eliminação de criadouros de mosquitos.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

  • Suporte financeiro: o presente trabalho foi realizado com apoio da coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível superior – Brasil (capes) – Código de Financiamento 001

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
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