Open-access Análise quantitativa de frenectomias realizadas no contexto do SUS após obrigatoriedade do teste da linguinha

Quantitative analysis of frenectomies performed in the context of the SUS after mandatory tongue test

RESUMO

Buscou-se investigar e conhecer a frequência e a distribuição de frenotomias e fenectomias realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) após os dispositivos legais que instituíram o teste da linguinha, bem como entender quais profissionais estão realizando o procedimento cirúrgico. Estudo descritivo analítico, retrospectivo, com dados secundários, disponíveis no Sistema de Informações Ambulatoriais do DataSUS, extraídos por meio do TabWin. Observou-se um aumento considerável no número de procedimentos, porém, com flutuações nos anos seguintes. Das frenectomias registradas no SUS, no período, 33% foram realizadas por dentistas na atenção primária. Os resultados apontaram que houve um aumento substancial no número de procedimentos cirúrgicos em dois momentos, em 2014 e em 2017, possivelmente em decorrência da publicação da Lei nº 13.002/2014 e da Nota Técnica (NT) nº 09/2016. A NT nº 35/2018 deslocou o diagnóstico e o tratamento para a média complexidade, possivelmente resultando em filas, principalmente em se tratando de cirurgias que poderiam ser realizadas na atenção primária. Apesar de não haver unanimidade quanto à correlação anquiloglossia e desmame, não parece haver um monitoramento para evitar cirurgias desnecessárias, uma vez que a ordenha pode não ser afetada e o acompanhamento ser realizado para confirmar ou não essa necessidade.

PALAVRAS-CHAVES Freio lingual; Anquiloglossia; Criança; Desmame; Cirurgia bucal

ABSTRACT

This study sought to investigate and to know the frequency and the distribution of frenotomies and frenectomies performed in the Unified Health System (SUS) after the legal provisions that instituted the tong test, and to understand which professionals are performing the surgical procedure. This is an analytical, descriptive, retrospective study, with secondary data, available in the DATASUS Information System. It was observed that a considerable increase in the number of procedures, but with fluctuations in the following years. Out of the frenectomies registered in the SUS in the period, 33% were performed by dentists in primary care. The results showed that there was a substantial increase in the number of surgical procedures in two moments, in 2014 and in 2017, possibly as a result of the publication of Ordinance nº 13.002/2014 and Technical Note (NT) No. 09/2016. NT No. 35/2018 shifted diagnosis and treatment to medium complexity, possibly resulting in queues, especially in the case of surgeries that could be performed in primary care. Although there is no unanimity regarding the correlation between ankyloglossia and weaning, there seems to be no monitoring to avoid unnecessary surgeries, since milking may not be affected and follow-up is carried out to confirm or not this need.

KEYWORDS Lingual frenum; Ankyloglossia; Child; Weaning; Surgery, oral

Introdução

A anquiloglossia é uma anomalia congênita, caracterizada pela inserção curta do frênulo lingual e que, dependendo da situação, pode ocasionar postura anormal da língua e mobilidade restrita, promovendo deglutição atípica, dificultando a fonação, a mastigação e a amamentação, bem como ocasionando a formação de diastema entre os incisivos centrais inferiores e periodontopatias1,2,3,4.

Ela representa 78% de todas as condições bucais detectadas em estudos envolvendo bebês de até 3 meses5. A frequência dessa alteração, no entanto, é variada e controversa na literatura acadêmica. Baldani et al.6 apontam a incidência de anquiloglossia de 1,49% a 1,59% em crianças de até 1 ano, sendo mais frequente nas meninas. Para Vieira7, a ocorrência dessa anomalia é de cerca de 1 indivíduo a cada 300 nascimentos. Segundo Neville et al.8, a prevalência varia de 1,7% a 4,4%, sendo raros os casos mais acentuados. De acordo com Francis et al.9, essa variação nos dados provavelmente decorre da inconsistência dos métodos diagnósticos e da ausência de critérios universalmente aceitos para a identificação da condição.

No Brasil, a partir de 2014, ainda que não regulamentada, a avaliação do frênulo lingual passou a ser obrigatória com a Lei nº 13.002/201410 que determina a realização do ‘Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês’ (teste da linguinha), sendo incorporada como parte do exame físico de rotina do recém-nascido e, portanto, realizado pelo pediatra assistente antes da alta hospitalar. Contudo, essa lei não contempla detalhamentos como orientações de conduta, apontando somente a obrigatoriedade de realização do exame, não estabelecendo padrões nem formas de registro específico nos sistemas de informações vigentes. Apenas dois anos depois, com a publicação da Nota Técnica (NT) nº 09/201611, passaram a existir orientações quanto aos profissionais indicados para o diagnóstico, bem como o fluxo dos lactentes no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nesse sentido, em resposta à emergente necessidade e em busca de um instrumento de registro, adotou-se, de forma mais ou menos generalizada, o teste da linguinha. Adotado por diversas maternidades brasileiras, tal protocolo se limita aos aspectos físicos da língua e, com esse viés, desconsideram-se outras situações que deveriam ser analisadas antes do encaminhamento para o procedimento cirúrgico, como a qualidade da mamada e até mesmo o choro do bebê12.

Uma vez que o teste da linguinha objetiva a identificação precoce de alterações na inserção do freio lingual e possíveis complicações no aleitamento, este deve ser feito por equipe multidisciplinar3,13,14. Além disso, uma vez definido o diagnóstico, faz-se necessário envolver a família na decisão de conduta, seja ela o procedimento cirúrgico (frenotomia, nos primeiros meses de vida, ou frenectomias, após 1 ano de idade), seja no acompanhamento e na orientação da mamada14,15. Pelo fato de a lei10 ser omissa quanto à conduta a ser realizada ante os diferentes diagnósticos possíveis, ela dá margem a diversos desfechos, incluindo, em potencial, cirurgias desnecessárias.

Considerando a hipótese de a obrigatoriedade do teste da linguinha gerar impacto no número de cirurgias realizadas em bebês de até 1 ano de idade, esta pesquisa procurou descrever, por meio de um estudo exploratório de dados secundários, o quantitativo desses procedimentos realizados no SUS, em um período que contempla um ano antes da promulgação da lei10 e um ano após a publicação da NT nº 09/201611.

Assim, o objetivo da presente pesquisa foi investigar e conhecer a frequência e a distribuição de frenotomias realizadas no SUS, antes e após a publicação da lei que tornou obrigatório o teste da linguinha, assim como o período após a NT do Ministério da Saúde (MS) – período de 2013 a 2017 –, considerando a faixa etária, bem como o profissional responsável pela execução da cirurgia.

A pesquisa se justifica pelo impacto gerado em razão da obrigatoriedade e da indicação de cirurgias em bebês, muitas vezes desnecessárias, visto que a anquiloglossia raramente é apontada como fator de desmame nas pesquisas desenvolvidas com a temática, levando à falta de evidência científica que contribua para essa afirmação.

Material e métodos

Estudo descritivo analítico e retrospectivo com dados secundários, disponíveis no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) do DataSUS, que é o sistema oficial do MS, com extração por meio do programa TabWin, no período de 2013 a 2017.

Considerando que, dentro do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (Sigtap), frenectomia e frenotomia são registradas sob o mesmo código – código 0401010082 –, esta pesquisa buscou levantar essa ocorrência relacionando-a com a idade do paciente, excluindo procedimentos realizados em pacientes maiores de 10 anos. Os dados foram extraídos considerando, além da frequência de procedimentos, o nível de atenção em que foi realizado e o código da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do profissional responsável.

Os resultados foram organizados em planilhas do Microsoft Excel® e analisados mediante estatística descritiva por meio do software Jamovi® versão 1.2.27. Além disso, por se tratar de um estudo com base em dados secundários públicos, a pesquisa não necessitou de aprovação ética conforme preconizado na Resolução nº 510/16 do CNS/Conep.

Resultados

A partir da análise dos dados obtidos por meio do Boletim de Produção Ambulatorial Consolidado (BPA-C), com exclusão dos não informados/ não exigidos, observa-se que o quantitativo sem informação da faixa etária do paciente é de 99,7% do total de frenectomias aprovadas no SUS, sendo uma limitação para esta pesquisa.

Ainda assim, em relação ao proposto, ou seja, identificar o impacto, a evolução da realização de frenectomias/frenotomias antes e depois dos regramentos publicados pode ser observada pelo aumento no número desses procedimentos, tanto entre 2013 e 2014 como entre 2016 e 2017. Considerando, portanto, o efeito indutor das portarias e das notas da gestão federal do SUS, repercutindo em estados e municípios, é possível afirmar que esse aumento é resultado da vigência da Lei nº 13.002/2014 e da NT nº09/2016, conforme ilustrado com o gráfico 1.

Gráfico 1
Quantidade de frenectomias/frenotomias aprovadas po procedimento e por ano no SUS (código Sgtap 040100082) de acordo com ano de registro

Ao analisar o quantitativo de procedimentos quando é registrada a idade do paciente, atenta-se a um aumento de frenectomias no período de 2013 a 2017, nas faixas etárias de zero a 4 anos, de 5 a 9 anos, de 10 a 19 anos, com flutuação em adultos de 20 a 59 anos, e redução em idosos acima de 60 anos (gráfico 2). A faixa etária de zero a 4 anos é a que mais se destaca pelo crescimento do número de procedimentos, sendo verificado um aumento de 26 procedimentos registrados para 333 procedimentos em 2017.

Gráfico 2
Quantitativo de frenectomias/frenotomias aprovadas no SUS (código Sigtap 040100082), de acordo a faixa etária e ano, excluindo os casos não informados/não exigidos

Quanto ao diagnóstico de anquiloglossia, observa-se que ele está centrado nos hospitais, em parte nas maternidades, bem como em estruturas de média complexidade como Centros Especializados em Reabilitação e Centros de Especialidades Odontológicas (CER e CEO). No entanto, para o procedimento cirúrgico, verifica-se que o nível de atenção mais procurado é a atenção primária. Outrossim, em relação à categoria profissional que executou o procedimento no período estudado, dos 886.517, 53,6% foram realizadas por cirurgiões-dentistas (gráfico 3).

Gráfico 3
Quantitativo de frenectomias/frenotomias realizadas na atenção básica de acordo com categoria profissional e ano

Embora os profissionais que mais realizam o procedimento cirúrgico sejam os cirurgiões-dentistas, uma vez que a língua está dentro do seu escopo de práticas, observa-se que as NT do MS não os priorizam, muito menos essa categoria está elencada para o diagnóstico de anquiloglossia nas maternidades e nos hospitais.

A maioria dos profissionais que realizaram procedimentos de frenectomia no período deste estudo foram médicos clínico geral ou de saúde da família (33%), cirurgiões-dentistas generalistas (28%), médicos especializados em cirurgia (13%) e especialistas em periodontia (12%), conforme pode ser analisado no gráfico 4.

Gráfico 4
Frequências relativas de frenectomias/frenotomias realizadas de acordo com especialidade profissional no período de 2013 a 2017

Discussão

A Lei nº 13.00210, de 20 de junho de 2014, determina a obrigatoriedade de aplicação do teste da linguinha em bebês recém-nascidos de todas as maternidades e hospitais do Brasil. A lei se fundamenta na justificativa de que há necessidade de realizar a avaliação do frênulo lingual do bebê para que prováveis alterações sejam diagnosticadas precocemente e, assim, seja possível prevenir o desmame precoce, a perda de peso e os prejuízos na fala15,17.

Devido à falta de maiores informações, no sentido de complementar e esclarecer fluxos, dois anos depois, em março de 2016, o MS publicou a primeira NT11 sobre o assunto, mas deixou a desejar no sentido de orientar sobre a quem caberia o diagnóstico de anquiloglossia, reportar profissional de saúde integrante da equipe neonatal, limitando-se na preferência, que deveria ser pediatra/neonatologista, enfermeiro, fonoaudiólogo ou profissional do Banco de Leite Humano, excluindo o cirurgião-dentista lotado em hospitais e maternidades, muitos dos quais atuando em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).

Além de indicar a cirurgia imediata nos casos diagnosticados como anquiloglossia grave, e orientar as equipes de saúde quanto ao monitoramento do processo de amamentação nos casos de anquiloglossia moderada ou sem diagnóstico definido, esse documento também procurou estabelecer o fluxo de acompanhamento dos lactentes diagnosticados com anquiloglossia na Rede de Atenção à Saúde (RAS) no âmbito do SUS, de acordo com a gravidade (moderada ou severa). Dessa forma, entende-se que há uma sugestão de que o freio lingual curto teria incondicional determinação sobre o desmame precoce e que seria fator necessariamente relacionado com as dificuldades enfrentadas para o aleitamento exclusivo, devendo entrar de imediato na rede de diagnóstico11.

Os achados da presente pesquisa, apesar de serem produto de uma investigação descritiva, levantam a indagação se haveria uma relação entre o aumento da frequência de procedimentos e a legislação vigente que, em 2014, instituiu a obrigatoriedade do teste da linguinha; e, em 2016, quando o MS estabeleceu um fluxo de acompanhamento dos lactentes diagnosticados com anquiloglossia na RAS no âmbito do SUS, orientando, inclusive, a cirurgia imediata nos casos de anquiloglossia grave.

A despeito das orientações e dos procedimentos que foram crescentes nesses dois momentos, não existem evidências científicas suficientes para sustentar a afirmação de que a anquiloglossia interfere, incondicionalmente, no aleitamento materno exclusivo, ou de que a cirurgia de freio seria essencial para a amamentação. Sobre a análise dos dados, identificou-se um aumento do número de registros de frenectomias em crianças ao longo do período estudado, principalmente na faixa etária de zero a 4 anos, em que o aumento foi o mais expressivo quando se compara o ano de 2013 com o de 2017 (gráfico 2). Esse ponto, a princípio, considerado uma limitação do dado, tendo em conta que o BPA-C não permite comparar esse aumento quando se dispõe em avaliar o quantitativo percentual entre os 14.682.289 nascidos vivos no período.

Reporta-se que, apesar de encontrar publicações que expõem prejuízos futuros na fala e na alimentação, entende-se que a anquiloglossia deve ser bem diagnosticada e ponderada por uma equipe multiprofissional, considerando o contexto familiar do bebê18,19,20. Sob esse aspecto, revisões sistemáticas publicada por Francis et al.9, Fraga21 e Visconti22 reforçam a carência de evidências que apontem uma relação estreita entre a anquiloglossia e a dificuldade para o aleitamento materno exclusivo. Os autores identificaram que os estudos publicados até aquele momento sobre o assunto não apontaram resultados confiáveis. Não contemplada pelas pesquisas levantadas foi a não comparação da frenotomia com outras técnicas não cirúrgicas ou ainda não realizando um acompanhamento longo, por exemplo, para averiguar se a anquiloglossia interfere no aleitamento ou se a frenectomia realmente melhora a sucção do bebê.

Em outra pesquisa publicada no mesmo ano, Power e Murphy23 procuraram identificar uma possível relação entre a anquiloglossia e a dificuldade no aleitamento materno por meio de uma revisão estruturada e integrativa da literatura. Os autores concluíram que um diagnóstico preciso é essencial para que a indicação de cirurgia seja feita de forma correta, uma vez que, segundo os autores, 50% dos bebês com anquiloglossia não desenvolvem problemas futuros na amamentação. O estudo sugere ainda que, para um encaminhamento acertado, é necessário que seja feito um acompanhamento de duas a três semanas antes de intervir.

Outro dado coletado nesta pesquisa e apresentado graficamente diz respeito ao profissional responsável pelos procedimentos. Apesar de a legislação vigente nos anos de registro dos dados não definir especificamente quais os profissionais seriam os responsáveis pela execução do teste da linguinha ou pela realização da frenectomias/frenotomia, ela apenas orienta o trabalho em equipe multidisciplinar e que o profissional passe por treinamento específico. Os resultados obtidos indicam que o cirurgião-dentista foi o profissional que mais realizou as cirurgias, contudo, não foi possível precisar se este participou também do processo de diagnóstico de anquiloglossia nas maternidades, uma vez que é muito frequente o encaminhamento de outro profissional, como fonoaudiólogo, médico ou enfermeiro.

Dos cirurgiões-dentistas que realizaram o procedimento, os clínicos gerais, ou da equipe de Saúde da Família, são a maioria dos responsáveis pelos procedimentos, indicando que grande parte das cirurgias de frênulo lingual são realizadas na atenção primária, que é a porta prioritária de entrada dos usuários do SUS. É possível que as frenotomias também sejam realizadas nos CEO, considerando os especialistas que registraram os procedimentos – periodontistas, traumatologistas bucomaxilofacial e odontopediatras.

Destaca-se que, em 2018, a NT nº 3524 do MS trouxe novas especificidades, com informações complementares às publicadas em 2016, atribuindo baixa/insuficiente força de evidência à relação entre a anquiloglossia e a dificuldade de amamentação, assim como não se verifica melhoria na amamentação e redução da dor nos mamilos após procedimento cirúrgico. O documento traz diversas orientações aos profissionais para acolhimento do binômio mãe-bebê, bem como diretrizes mais humanizadas para o diagnóstico mais adequado por equipe multiprofissional.

Contudo, assim como a anterior, essa NT não trouxe orientações sobre quais profissionais seriam responsáveis pelas cirurgias, apenas direcionando os usuários para a rede de serviços disponível em cada região, preferencialmente às equipes multidisciplinares com experiência em amamentação, como Núcleos de Apoio à Saúde da Família, Bancos de Leite Humano, ambulatórios dos Hospitais credenciados como ‘Amigo da Criança’, Hospitais de referência para Método Canguru ou nos CER.

Assim, a partir de 2018, os procedimentos deixaram de ser realizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e passaram a ser acolhidos em unidades especializadas para a saúde da mulher e do bebê, principalmente para os CEO ou serviços semelhantes ainda no campo da odontologia. É possível que os fluxos sejam atualmente para a média complexidade e para os hospitais; no tocante ao CEO, podem ser feitos em razão de o procedimento constar do seu monitoramento quanto ao volume de procedimentos mínimos para cirurgias orais no rol de Procedimentos de Cirurgia Oral, o que possivelmente provoca filas de espera e reduz o quantitativo total esperado de cirurgias ao ano.

A principal limitação deste estudo reside no fato de ter utilizado dados que não mensuram diretamente a quantidade de testes da linguinha e procedimentos cirúrgicos indicados a partir do diagnóstico de anquiloglossia, impossibilitando uma análise mais aprofundada. Ademais, outra limitação foi a ausência de dados relacionados com o procedimento de frenotomia, que é o mais adequado para bebês e objeto da lei, e que não faz parte do cadastro de procedimentos do Sigtap, sendo, portanto, adotada para todos a frenectomia, dificultando uma possível investigação sobre a sua relação com diagnóstico de anquiloglossia nas maternidades e nas UBS.

Na sequência, a não comparação percentual entre frenectomias e nascidos vivos no período, em razão da ausência da informação de grande parte dos pacientes que se submeteram ao procedimento (99,7%). Por fim, pelo fato de que, no Sigtap, o registro ao qual é condicionado o procedimento está à escolha do gestor, podendo ser realizado tanto no BPA-C quanto no BPA Individualizado (BPA-I) e ainda, na Autorização de Internação Hospitalar (AIH).

Os resultados encontrados se somam aos da comunidade acadêmica, a qual se debruça sobre a saúde da criança e a saúde bucal, contribuindo para a construção de uma base teórica robusta destinada a embasar um protocolo de conduta seguro e eficaz para a execução do teste da linguinha e a cirurgia de frenotomia em lactentes.

Outrossim, em razão do monitoramento do CEO, a frenectomia parece estar condicionada ao fluxo para a média complexidade, o que pode acarretar filas para o atendimento, fato este que poderia explicar a redução do seu quantitativo ao ano.

Ressalta-se que, embora a avaliação do frênulo lingual em neonatos tenha se tornado obrigatória, na literatura, inexiste consenso sobre quais instrumentos ou protocolos deveriam ser adotados para o diagnóstico, ou ainda quais profissionais seriam responsáveis pela realização do procedimento cirúrgico. Assim, colocamos sob questão como seriam feitos os diagnósticos na rotina dos serviços e quais seriam os desfechos das condutas terapêuticas. Entendemos que, para além de marcos regulatórios legais, cabe ao MS se responsabilizar por um maior aprofundamento técnico, para que os procedimentos diagnósticos e os tratamentos sejam realizados de forma integrada e minimamente padronizada pelas equipes multiprofissionais da RAS do SUS, com ênfase no desenvolvimento integral das crianças brasileiras.

Conclusões

Esta pesquisa se propôs a investigar as possíveis influências da lei e das orientações do MS quanto ao diagnóstico de anquiloglossia e a frequência de frenotomias realizadas no SUS. Foi também estudado o nível de atenção do registro, bem como o profissional responsável pela execução da cirurgia. Todavia, não foi possível separar a frenotomia da frenectomia em face do que foi definido no Sigtap, sendo, portanto, necessário adotar o termo único para este trabalho.

Assim, os achados provenientes de dados secundários e tratados de forma descritiva e com análise inspiram sobre a necessidade de deixar claro quais idades e faixas etárias estão sendo submetidas ao tratamento, haja vista que quase a totalidade do procedimento parece ter sido registrada como consolidada no BPA-C, sendo este um limitador para o aprofundamento da pesquisa. Ademais, o termo unificado dificulta a compreensão do tipo de cirurgia realizada e a possibilidade de gerar novos estudos que analisem, com maior detalhamento, todo o processo desde o diagnóstico até os desfechos funcionais relacionados com a anquiloglossia. Sobre esse ponto, um perfil de sucesso ou fracasso, bem como a condução do seu tratamento no âmbito do SUS. Para tanto, criam-se duas propostas de alterações no Sigtap: no registro, deixando apenas para o BPA-I, e a criação de um código específico para frenotomias, sendo definida a faixa etária para menores de 1 ano.

A ampliação do local para diagnóstico e a mudança do procedimento cirúrgico da média complexidade para a atenção primária podem contribuir para uma análise mais criteriosa; e, ao mesmo tempo, pelo retardo da primeira consulta especializada, o encontrado ou sugerido como anquiloglossia pode não mais estar presente em razão do estímulo provocado pela ordenha.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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