Open-access O cuidado à criança no contexto prisional: percepções dos profissionais de saúde

Child care in the prison context: perceptions of health professionals

RESUMO

Trata-se de um estudo qualitativo, com abordagem etnográfica realizado com 15 profissionais de saúde do sistema prisional, por meio de entrevistas semi-estruturadas, organizadas e tratadas pelo software Nvivo 12, e efetuada análise de conteúdo na modalidade análise temática. A pesquisa relevou três categorias temáticas: ‘Os cuidados cotidianos à criança na prisão’; ‘Os cuidados de manutenção nas intercorrências infantis’; e ‘Os desafios para prestação dos cuidados à criança no cárcere’. Na prisão, portanto, o cuidado à criança se torna um desafio para o profissional de saúde, devido à falta de estrutura física, à escassez de insumos materiais, ambiente de violência e à tensão que influenciam na prestação do cuidado integral à criança que vive no contexto do cárcere materno. Por isso, faz-se necessária a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança no Sistema Único de Saúde com desenvolvimento de ações que favoreçam a melhoria do cuidado à criança em consonância com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional.

PALAVRAS-CHAVES Cuidado da criança; Prisões; Criança; Vulnerabilidade a desastres; Pessoal de saúde

ABSTRACT

This is a qualitative study, with an ethnographic approach, conducted with 15 health professionals from the prison system, through semi-structured interviews, organized and treated by the software Nvivo 12, and performed content analysis in thematic analysis mode. The research revealed three thematic categories: Daily care for children in prison; Maintenance care in child intercurrences; and Challenges for providing care to children in prison. In prison, child care becomes a challenge for the health professional, due to the lack of physical structure, scarcity of material inputs, an environment of violence and tension that influence the provision of comprehensive care to children living in the context of maternal prison. Therefore, it is necessary to implement the National Policy for Child Health Care in the Unified Health System with the development of actions that favor the improvement of child care in line with the National Policy for Comprehensive Health Care of Persons Deprived of Liberty in the Prison System.

KEYWORDS Child care; Prisons; Child; Disaster vulnerability; Health personnel

Introdução

O cuidado à criança envolve uma série de aspectos. Dentre eles, destacam-se: percepção dos pais acerca das necessidades das crianças, recursos utilizados nesse cuidado, influência do contexto ambiental em que a criança reside, rede de apoio para a família e acesso aos serviços de saúde que influenciam e determinam esse processo de cuidado.

Nesse sentido, quando uma criança nasce no contexto do aprisionamento materno, esta vivenciará os seus primeiros seis meses de vida na unidade prisional com sua mãe e estará exposta a um ambiente totalitário, violento, marcado por violação dos direitos humanos, escassez de insumos, infraestrutura prisional inadequada e isolamento social, aspectos esses que influenciam o processo de cuidado dessa criança nesse ambiente1,2.

Estudos nacionais e internacionais evidenciam que o ambiente da prisão é insalubre e traz repercussões para a vida da criança, tais como exposição a doenças infectocontagiosas, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, agitação no sono, hiperatividade, agitação, privação do contato social e ausência de estímulos sensoriais, fatores esses que interferem diretamente no crescimento e desenvolvimento infantil3,4,5.

Dessa forma, os recém-nascidos e os lactentes que vivenciam com sua mãe o contexto de prisão encontram-se em condições de vulnerabilidade individual, social e programática; considerando que estão expostos a diversos agravos de ordem física, emocional e social, que vão interferir diretamente no seu crescimento e desenvolvimento. Além disso, essa situação dificulta o acesso dessa população aos serviços de saúde, seja para prevenção, assistência ou acompanhamento das condições de saúde, comprometendo em tenra idade o bem-estar e o exercício pleno da cidadania4.

A proteção e o cuidado à criança são garantidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), destacando a necessidade de assegurar a proteção à criança em qualquer contexto, inclusive no ambiente prisional6,7. Entretanto, estudo realizado nos presídios de diferentes capitais brasileiras aponta para a extrema vulnerabilidade vivenciada pelas mulheres e seus filhos, relacionada coa a invisibilidade jurídica e administrativa, revelando as disparidades quanto aos prazos e condições de permanência das crianças no sistema penitenciário, o que se traduz em dupla penalidade às mulheres, arbitrariamente estendida aos seus filhos8.

Pesquisas internacionais ressaltam que o aumento das taxas de encarceramento da justiça criminal afeta uma população altamente vulnerável de mulheres e crianças, revelando que são pouco favorecidas pelas políticas públicas de saúde e que a vivência do encarceramento traz desordens físicas e psíquicas para à criança e sua estrutura familiar, impactando significativamente na saúde mental das crianças expostas a esse ambiente, apontando assim para a necessidade de um cuidado mais humanizado à criança que se encontra no sistema prisional9,10,11.

A legislação brasileira dispõe que a atenção específica à maternidade e à criança intramuros da prisão tem como objetivo reduzir as taxas de morbimortalidade materna e infantil, adotando medidas que assegurem o acesso, a cobertura e a qualidade do acompanhamento no pré-natal de baixo e alto risco e na assistência à criança12. Contudo, o que se observa na prática é o descumprimento da legislação e a exposição da criança a uma situação de extrema vulnerabilidade com repercussões direta para o seu crescimento e desenvolvimento saudável.

Nesse sentido, compreende-se que as práticas de cuidado prestados à criança no ambiente prisional são influenciadas pela infraestrutura da prisão, pelas questões que envolvem as normas disciplinares e condutas dentro do presídio, pelas relações estabelecidas entre os profissionais de saúde, as internas e seus filhos13,14.

Destaca-se, portanto, que é fundamental o engajamento dos profissionais que atuam na Unidade de Saúde Prisional (USP). Estes devem desenvolver ações para promoção e proteção à saúde dessa criança que convive com sua mãe no cárcere e sofre as sanções e as punições do ambiente de confinamento15.

Estudos internacionais sobre encarceramento dos pais e repercussões para os filhos descreveram que as crianças que vivenciam o contexto da prisão dos pais são marcadas pelas condições de invisibilidades como sujeitos de direitos e não recebem assistências adequadas. Isso tem repercussão na saúde infantil evidenciada pelos transtornos de estresse pós-traumáticos, enureses, transtorno de ansiedade, déficit de atenção, transtornos de comportamento16,17,18.

Os filhos das mães encarceradas, portanto, vivenciam as mesmas condições desfavoráveis delas, o que certamente impactará nas condições físicas e psíquicas dessas crianças. Logo, o aumento do número de crianças no sistema prisional gera consequências de várias ordens, tais como a fragilização do vínculo do binômio mãe-filho13.

Destarte, a relevância desta pesquisa se apresenta na medida em que desvela como é realizado o cuidado à criança no contexto prisional pelos profissionais de saúde, descrevendo, assim, as práticas de saúde adotadas nesse cenário que podem estar influenciando na morbimortalidade infantil, indicador este que repercute no nível de desenvolvimento humano que, por sinal, precisa ser melhorado no Brasil.

Diante da experiência vivenciada no contexto prisional, foi possível identificar o distanciamento da efetivação das políticas públicas de saúde, em especial, da saúde da criança, bem como lacunas na produção científica acerca dessa temática. Tal fato direcionou o olhar no intuito de desvelar o cuidado prestado pelos profissionais de saúde à criança no contexto da prisão.

Assim, este estudo buscou responder à seguinte questão: quais são os cuidados prestados pelos profissionais de saúde à criança no contexto prisional? Outrossim, teve como objetivo analisar os cuidados prestados pelos profissionais de saúde à criança no contexto prisional.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva, com abordagem qualitativa, que buscou explorar e conhecer melhor o cuidado à criança no contexto prisional. A análise qualitativa se inspirou na etnografia19. Esse tipo de abordagem em pesquisa tem o objetivo de entender uma cultura. Portanto, a etnografia possibilitará a compreensão das relações socioculturais, dos comportamentos, ritos, técnicas, saberes e práticas das sociedades. Na etnografia, o ser social constrói e, muitas vezes, mantém em seu modus vivendi seus costumes, tradições e crenças, de modo a perpetuá-los a cada geração19.

Este estudo foi ancorado nos fundamentos teóricos de Marie-Françoise Collière. Segundo Collière, existem dois tipos de cuidados: os cuidados cotidianos e habituais, que asseguram a continuidade da vida, sendo fundados em hábitos de vida, costumes e crenças, relacionados com alimentação, hidratação, eliminação, aquecimento, energia, deslocamento e afeto; e os cuidados de reparação ou tratamento da doença, com a finalidade de limitar a doença, lutar contra ela e atacar as suas causas20. Esses distintos tipos de cuidado nortearam as formas diferentes de cuidar.

O lócus de pesquisa constituiu-se de dois estabelecimentos prisionais: o Conjunto Penal Feminino de Salvador e a Unidade Prisional Feminina do Conjunto Penal de Feira de Santana no estado da Bahia. A escolha por essas unidades se deu por possuírem berçário para acolher mãe e filho no estado da Bahia. A aproximação inicial com o campo de estudo e com os participantes se deu a partir do Projeto de Extensão Universitária que desenvolve ações de educação e saúde com as mulheres na unidade prisional, por meio de oficinas mensais.

Os participantes da pesquisa foram 15 profissionais de saúde, entre eles, assistente social, enfermeiras, médica, nutricionista, psicólogo e técnico de enfermagem. Os critérios de inclusão delineados foram: profissional que tinha mais de um ano no serviço e que haviam prestado cuidado à criança na prisão. Os de exclusão foram: profissionais que se encontravam de férias ou que estavam afastadas do serviço no período de coleta de dados.

O convite para os participantes foi realizado por uma das autoras, durante as atividades de extensão do projeto na unidade prisional. Após o aceite, foram agendados data, local e horário das entrevistas conforme disponibilidade dos participantes.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de fevereiro e junho de 2019 por meio de entrevistas semiestruturadas que foram realizadas individualmente no consultório da USP. As entrevistas foram gravadas e tiveram uma duração média de 40 minutos. Além disso, elas foram estimuladas pelas seguintes questões: quais os cuidados prestados por você à criança no contexto prisional? Quais os desafios enfrentados por você para a realização desse cuidado à criança? As falas dos participantes foram transcritas na íntegra e lidas para os colaboradores para obter a validação do conteúdo.

A organização do material transcrito foi realizada por meio do software NVivo versão 12, ferramentas de codificação e armazenamento de textos em categorias específicas21. Em seguida, foi realizada a categorização dos núcleos temáticos conforme análise de conteúdo proposto por Bardin22 na modalidade análise temática, a qual se estrutura na ordenação das informações, na classificação das informações e na análise final.

Esta pesquisa respeitou as exigências nacionais e internacionais regulamentadas pelas normas de pesquisa que envolve seres humanos, sendo submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia sob o registro CAAE nº 96336318.5.0000.5531. Foi autorizada pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia (Seap).

Em posse da aprovação pelo CEP, a pesquisadora se aproximou dos campos e dos participantes, de forma delicada e respeitosa, para convidá-los a participar, dando-lhes todas as informações fundamentais e esclarecimentos sobre a pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios e danos previstos, formalizando tudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Durante a pesquisa, foram preservadas a autonomia, a beneficência, a não maleficência, a justiça e a equidade dos participantes. Foram mantidos o respeito e o anonimato das participantes, não havendo qualquer associação entre os dados obtidos e o seu nome. Para garantir o anonimato e omitir os nomes verdadeiros dos entrevistados, estes foram identificados pelas iniciais (PS) para profissionais, seguidas de sequência numérica em algarismos arábicos.

Aos participantes desta pesquisa, foi assegurado o direito de desistir de sua participação, a qualquer momento, sem nenhum ônus, por meio do contato com quaisquer das pesquisadoras, por telefone ou e-mail disponibilizado previamente no TCLE.

Como riscos, este estudo apresentou a possibilidade de oferecer aos participantes algum grau de constrangimento relacionado com os dados fornecidos, bem como a possibilidade de vazamento das informações ofertadas. Contudo, todas as medidas possíveis foram adotadas para que tais riscos não viessem a se concretizar. Ademais, asseguraram-se a confiabilidade, o anonimato e a privacidade das informações coletadas, de forma que os dados obtidos não pudessem ser associados à sua pessoa no momento da leitura do trabalho, visto que foram atribuídos codinomes aos envolvidos.

Resultados

Caracterização dos participantes do estudo

O estudo contou com a participação de 15 profissionais de saúde. Majoritariamente, eram mulheres; apenas um homem. As idades variaram de 28 a 53 anos; 11 eram negros, e apenas 4 eram brancas; 7 referiram ser solteiras, 7, casadas, e 1, em união estável. Com relação à profissão: 3 assistentes sociais, 5 enfermeiras, 1 médica, 2 nutricionistas, 3 psicólogos e 1 técnica de enfermagem.

Em relação à equipe de profissionais de saúde na unidade prisional, os dados deste estudo estão em conformidade com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP)23, que prevê a implantação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) nos estabelecimentos penais, com a inserção de uma equipe multiprofissional composta minimamente por cinco profissionais de nível superior: médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e cirurgião-dentista; e um profissional de nível médio: técnico de enfermagem23.

Três unidades temáticas emergiram neste estudo: Cuidados cotidianos à criança na prisão; Cuidados de recuperação nas intercorrências infantis e Desafios para prestação dos cuidados à criança no cárcere.

Cuidados cotidianos à criança na prisão

Segundo o Ministério da Saúde, a criança com maior risco ao nascer ou aquela que adquire algum risco à saúde ao longo da vida, ou as crianças que vivenciam situação de vulnerabilidade devem ser acompanhadas com maior frequência pelos serviços de saúde, principalmente no primeiro ano de vida, e devem ser consideradas como prioritárias para ações de vigilância em saúde.

Nesse sentido, quando analisamos a rotina de cuidados prestados pelos profissionais de saúde à criança no contexto do cárcere, destacam-se os cuidados com a higiene da criança, que incluem a limpeza do coto umbilical e a prevenção de dermatites e doenças infectocontagiosas de pele. Esses cuidados foram descritos nos depoimentos a seguir:

Os principais cuidados prestados a uma criança que fica com a mãe em privação de liberdade é o cuidado de higiene, oriento as mães sobre a limpeza com o coto umbilical e prevenção de assaduras [...]. (PS 5).

[...] Orientamos quanto à higiene íntima da interna e os cuidados de higiene com a criança, incluindo a limpeza do coto umbilical e a prevenção das dermatites muito comuns aqui. (PS 8).

Dentre os cuidados delimitados no período neonatal, destaca-se a preocupação dos profissionais com a limpeza do coto umbilical até a sua queda, pela possibilidade inerente de infecção quando a limpeza não for realizada adequadamente e com a frequência necessária. Vale ressaltar que as questões higiênicas da cela são precárias e predispõem a propagação de infecção.

A gente acompanha a queda do coto para vê se não vai ter nenhuma complicação, tipo assim, onfalite, ou algum outro processo infeccioso; porque o próprio ambiente daqui é insalubre, as celas são totalmente insalubres. Mas as internas são muito cuidadosas com seus bebês, mesmo não tendo recursos, elas tentam deixar o ambiente limpo na medida do possível. (PS 6).

O Ministério da Saúde recomenda a limpeza do coto umbilical com o álcool a 70% devido às suas propriedades bactericidas na eliminação dos micro-organismos presentes no coto e na região periumbilical. O álcool a 70% promove a desidratação efetiva e a queda, prevenindo, assim, as complicações tais como a onfalite. Os relatos a seguir descrevem o uso do álcool a 70%:

A equipe de enfermagem acompanha a criança na unidade prisional [...] é a técnica de enfermagem que faz a limpeza do coto umbilical nos primeiros dias, depois a gente orienta a interna, entrega a ela o álcool a 70% e ela faz no seu bebê à medida que ia evoluindo a desidratação do coto umbilical. (PS 3).

A gente também faz o curativo do coto umbilical quando a criança volta da maternidade e orientamos as mães para que elas também façam a limpeza do coto com álcool a 70%. (PS 14).

Os profissionais abordam a necessidade de articulação com outros serviços de saúde para obtenção do álcool a 70% na unidade prisional; a puérpera recebe o álcool na própria maternidade ou este é disponibilizado pelo profissional de saúde do conjunto penal.

Com relação aos cuidados especiais com os recém-nascidos, tento negociar com o hospital e administrar as vacinas iniciais no hospital [BCG e Hepatite B], negocio também o álcool a 70% que usamos no coto umbilical. (PS 9).

Outro cuidado à criança abordado pelos profissionais foi o incentivo à amamentação. O aleitamento materno é recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde para os bebês, pois fornece nutrientes, fatores de proteção contra infecções, além de fortalecer as relações afetivas entre a mãe e o filho. O leite materno é recomendado até os 2 anos de idade, devendo ser o alimento exclusivo da criança nos 6 primeiros meses de vida. As entrevistas a seguir relatam o incentivo à amamentação:

Aqui nós incentivamos o aleitamento materno exclusivo das crianças até os 6 meses, devido aos benefícios do leite materno tanto para mãe quanto para a criança. (PS 3).

Um dos cuidados é dar toda orientação concernente à amamentação e à importância do aleitamento materno se essa mãe não for soropositiva. (PS 13).

Durante a coleta de dados, foi observado que algumas crianças permaneceram com as mães até o 9° mês; e, nessa situação, um dos cuidados realizados foi a orientação quanto à alimentação complementar da criança na prisão dos 6 aos 9 meses.

Bem, algumas crianças por ordem judicial ficaram com as mães até os 9 meses e por isso tivemos que fornecer alimentação complementar. Pois até os 6 meses orientamos amamentação exclusiva. Assim, a partir dos 7 meses, o refeitório [terceirizado] fornece a alimentação para a criança [...]. (PS 9).

A alimentação é essencial pra saúde desse bebê, né? Então a gente teve bastante dificuldade pra que os alimentos entrassem para a criança. Até para liberar para os parentes trazerem, é alimentos saudáveis foi muito difícil, se a pessoa era do interior mais distância e tal foi muito difícil [...]. (PS12).

Dentre os cuidados com a nutrição da criança, destaca-se também a suplementação com Protovit® que foi descrito no depoimento a seguir:

Com relação à suplementação da criança, o uso do Protovit é administrado pelas técnicas de enfermagem à criança. (PS 10).

A imunização das crianças foi um dos cuidados descritos por vários profissionais devido à importância de a criança estar imunizada e fortalecer seu sistema imunológico já que ela conviverá os 6 primeiros meses de vida com sua mãe no ambiente insalubre da prisão:

Assim, a vacina BCG e a Hepatite B a criança já tomava na maternidade, e quando chegava à unidade prisional, a gente aprazava no cartão e marcava a ida das crianças para unidade próxima para tomar as demais vacinas. (PS 2).

Com relação aos cuidados dos filhos das internas, as vacinas são feitas na UBS, a gente agenda a escolta, e a técnica de enfermagem acompanha a interna e seu filho na vacinação. (PS 9).

O acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento adequado consiste na vigilância e no estímulo do pleno crescimento e desenvolvimento da criança. No ambiente prisional, esse acompanhamento é realizado pela equipe de saúde da UBS da área de abrangência do conjunto penal.

Assim, sobre ao cuidado com o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, a criança é acompanhada pela equipe de saúde da UBS bairro próximo ao conjunto penal, e é a Secretaria Municipal de Saúde que regula o atendimento. (PS 8).

Um dos cuidados prestados à criança no sistema prisional, a partir do momento que a mãe retorna ao presídio após o parto, é a consulta de puericultura por meio da avaliação antropométrica e nutricional. (PS 13).

Cuidados de recuperação nas intercorrências infantis

Nas situações de intercorrências apresentadas pelas crianças no sistema prisional, foi descrito pelos entrevistados que a interna comunica o ocorrido para a agente penitenciária que está de plantão no pátio e esta entra em contato com os profissionais da USP. Após isso, a agente penitenciária encaminha a mãe e a criança para atendimento inicialmente com o médico clínico da unidade; e após avaliação, a depender da situação, a criança é encaminhada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou emergência hospitalar, pois a USP não possui pediatra.

Com relação à doença, aqui no conjunto penal é muito quente na cela e as mães têm dificuldade para adquirirem as fraldas [...] aí as crianças terminam tendo assadura. Todas as crianças tiveram algum problema na pele, tipo assim, brotoeja, coceira e assadura. Nessa situação, quem atende inicialmente a criança é a ginecologista ou o médico clínico, eles avaliam e passam a medicação. Quando é preciso, eles encaminham para UPA. (PS 1).

Assim, se a criança fica doente lá dentro então elas avisam ao agente penitenciário, que abre o portão e traz a interna com o filho para atendimento aqui na unidade de saúde do presídio. Se não resolver aqui, entramos em contato com a UPA ou com a emergência do hospital para regular essa criança para lá. Mas para a criança sair do conjunto penal, precisa da escolta policial [...]. (PS 2).

As intercorrências relacionadas com a primeira infância são comuns nos menores de 1 ano por causa da suscetibilidade anatômica e imunológica. Contudo, no contexto prisional, destacam-se os problemas dermatológicos descritos nas falas a seguir:

Das crianças que atendi, a maioria das crianças tinham problemas de pele, tais como: dermatite, escabiose, brotoeja devido ao calor. Era marcada a consulta com a pediatra na UBS de referência, e a criança ia junta com a mãe e a escolta policial para o atendimento. (PS 5).

[...] A principal causa era problemas de pele, pois aqui no conjunto penal dissemina rápidos os problemas de pele devido ao confinamento e ao calor intenso [...]. As crianças tiveram brotoeja e assadura, aí acionava o agente penitenciário que comunicava ao serviço médico. Aí era agendada a consulta com a equipe de saúde do posto, e quando conseguia a escolta, a criança ia junto com a mãe para a consulta médica e um agente penitenciário. (PS 7).

Outro problema de saúde citado pelos profissionais foi em relação aos problemas respiratórios apresentados pelas crianças expostas à fumaça constante produzida pelo consumo de cigarro entre as internas. O hábito de fumar é comum entre as mulheres em situação de prisão, e a fumaça termina deixando impregnado o pavilhão inteiro.

O segundo problema dos filhos das internas é o problema respiratório, as presas e as agentes penitenciárias fumam muito. Aqui é permitido entrar ‘pacaia’, uma espécie de erva mascada e fumada que tem um odor horrível e deixa tudo fedendo. Algo horrível também é o cheiro de mofo daquele lugar é algo que mal dar para respirar. (PS 6).

A filha de uma interna tinha problema respiratório, [...] ela apresentava asma e teve que ser levada várias vezes para atendimento na emergência devido ao desconforto respiratório e sibilância. (PS 11).

Um dos profissionais citou a necessidade de preencher a ficha de referência e contrarreferência na situação de encaminhamento da criança para outra unidade.

Essa criança ao adoecer é encaminhada através de um documento chamado contrarreferência para a unidade e urgência emergência mais próxima do presídio em companhia de sua genitora. Mesmo porque o sistema não dispõe de especialidade para pediatria. (PS13).

Desafos para prestação dos cuidados à criança no cárcere

Inúmeros são os desafios enfrentados para a prestação dos cuidados à criança no contexto prisional, desde a falta de insumo materiais até a própria infraestrutura da prisão que dificulta a realização do cuidado. A mulher em situação de prisão, seu filho e o profissional convivem ao mesmo tempo no contexto de tensão, violência e agitação característico de uma unidade prisional.

Dentre os desafios para a realização do cuidado, foi citada a ausência de serviço de emergência na unidade prisional, ou seja, de um serviço que atue 24 horas, já que a USP atende como uma unidade básica em horário administrativo, e situações fora desse horário são encaminhadas para a Central Médica do conjunto penal ou reguladas para atendimento na UPA.

Na verdade, para mim, o maior desafio dessa unidade de saúde no presídio é não ter emergência, ou seja, um pronto atendimento para atender essas crianças numa situação de emergência. Pois somos atenção básica e não atendemos urgência e emergência, e se acontece uma situação grave ou outra coisa com essa criança e necessitarmos de atendimento rápido não temos como agir, será necessário transferir a criança. (PS1).

Outro problema citado que interfere no cuidado à criança foi a infraestrutura precária tanto da unidade prisional feminina quanto da USP, que termina sendo barreira que dificulta a assistência.

O maior desafio é a própria estrutura física do presídio que não tem condições estruturais e físicas para receber a criança. (PS 6).

Com certeza, a estrutura penal não contempla as necessidades da criança. Muito pelo contrário, ela abarca uma série de vulnerabilidade que coloca essa criança em risco social em seu processo de crescimento e desenvolvimento. (PS 9).

A falta de insumo dentro da unidade penal também foi destacada como desafio para a realização do cuidado integral à criança.

Um dos desafios foram os insumos materiais, tínhamos que sempre buscar as doações de pomada de assadura, pomadas para coceira, brotoeja, carocinhos, esses probleminhas de pele, porque o ambiente é insalubre, né, a quentura fazia com que essas crianças tivessem esses problemas. (PS 7).

Sobre a ausência de insumos materiais para as crianças, entramos em contato com a família para saber se eles têm condições de trazerem algum insumo material para essa criança, porque assim, o Estado ele não provê tudo, muito pelo contrário. Pedimos ajuda para pastoral carcerária e para os evangelizadores para que doem fraldas. (PS 15).

Entre os desafios do cuidado, em relação à especificidade da infância, foi relatada a ausência de brinquedo para estimulação precoce na unidade prisional, evidenciando a ausência de estímulos vivenciada pela criança no contexto prisional e as repercussões para o desenvolvimento neuropsicomotor dessa criança.

Para mim, o maior desafio de ter uma criança em privação de liberdade são os danos psíquicos que essa criança irá ter, é impossível sair desse inferno sem nenhuma sequela. Por isso acho que não é legal a criança está aqui, ela fica privada de contato social da interação com outras crianças. Não temos brinquedos no presídio, malmente a segurança deixa entrar alguma coisa, é terrível saber que tem criança nesse ambiente. (PS 2).

Outro desafio era a entrada de brinquedos no presídio para estimulação precoce, foi um suplício explicar ao setor de segurança a importância da entrada do mordedor para aliviar a criança nesse nascimento dos dentes, tivemos que enviar diversos ofícios para direção liberar a entrada do mordedor de borracha e mesmo assim inicialmente não foi permitido, só após a intervenção junto à coordenação de segurança foi permitido a entrada do mordedor. (PS 7).

Os entrevistados ressaltaram que o cárcere é um ambiente de risco para o adoecimento da criança que inicia sua vida em um contexto de confinamento e exposto a doenças infectocontagiosas.

O maior desafio para cuidar da criança é que não existe um ambiente salubre para cuidar da criança, esse ambiente é insalubre e predispõe a processos infecciosos interferindo na qualidade de vida de uma criança que vivencia privação de liberdade junto com sua mãe. Essa criança é exposta a diversos riscos, dentre eles está predisposta a se contaminar por doenças respiratórias. (PS12).

A unidade prisional é um ambiente de exposição de risco para a criança, por exemplo, a situação da tuberculose é grave no presídio, sempre temos comunicantes bacilíferos que convivem com outros internos até a gente descobrir e colocar na cela isolada. (PS 13).

Outro desafio apresentado foi o sofrimento psíquico vivenciado pela criança que convive no ambiente de confinamento e as repercussões para sua saúde mental.

Para mim, o maior desafio aqui para a criança e para a mãe que vivencia momento intenso de maternidade é o sofrimento psíquico. Pois prisão não é local de criança, prisão não é local de gente, é um equipamento de aprisionamento que adoece o próprio ser humano [...] Tem repercussões psíquicas, transtornos do sono, as crianças ficam agitadas para dormir, não consegue manter sono tranquilo devido a agitação do presídio. (PS 4).

O desafio é a exposição ao sofrimento psíquico vivenciado pela criança, ela se apega à mãe e depois com 6 meses deixa a única fonte de cuidado que ela conhece. (PS 7).

Vale ressaltar que foi destacado entre as entrevistadas que, entre os inúmeros desafios enfrentados pelos profissionais de saúde da unidade prisional para prestar o cuidado à criança, incluem ainda a situação de tensão, medo, perigo de acontecer uma rebelião e a criança estar como refém na unidade prisional.

Mas o desafio maior é o perigo que as crianças sofrem. Pode ter uma rebelião ou coisa parecida e elas estão expostas à violência. O presídio é assim, pode está tudo calmo e depois fica agitado, pois é um ambiente de tensão. (PS 4).

Assim, aqui é um barril de pólvoras, você está dando os cuidados à criança e acontece uma rebelião, um grande perigo expor essas crianças à situação de medo e tensão que permeia a unidade prisional. (PS 11).

Discussão

A criança que convive com sua mãe em privação de liberdade está exposta à situação de vulnerabilidade e necessita de atenção integral à sua saúde, pelos impactos potenciais no presente e no futuro com implicações no seu crescimento e desenvolvimento.

Nesse sentido, no Brasil, o cuidado prestado à criança no contexto prisional está ancorado na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Criança (PNAISC)24, que orienta e qualifica as ações e serviços de saúde da criança no território nacional, considerando os determinantes e os condicionantes sociais24; e na PNAISP23, que dispõe que a equipe de saúde deverá desenvolver ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento e recuperação de doenças e agravos em todos os ciclos de vida, em especial, das mães privadas de liberdade e de suas crianças.

Contudo, as unidades prisionais femininas não oferecem condições mínimas para atender as detentas e seus filhos. Pode-se perceber que o presídio não possui uma estrutura física compatível com as particularidades da mulher e da criança, demonstrando as reais dificuldades enfrentadas pelo binômio no atendimento de suas necessidades específicas9,25.

A carência na estrutura e nos recursos materiais tem proporcionado desconforto; o cárcere é marcado por celas superlotadas, sujas, escuras, nas quais as gestantes, as puérperas e os recém-nascidos compartilham do mesmo ambiente que as demais encarceradas, incluindo aquelas que possuem doenças infectocontagiosas14,18.

Nesta pesquisa, pode-se perceber que os cuidados cotidianos e os cuidados de recuperação durante as situações de intercorrências são dificultados pelo ambiente prisional, desprovido de condições de higiene, expondo as crianças a uma situação de risco para o adoecimento em potencial.

A carência de insumos e materiais faz com que o cuidado seja dependente da caridade de pessoas e de instituições religiosas, assim como do improviso e do discernimento dos profissionais que prestam assistência a essa população.

Dessa forma, um estudo revelou que a higiene da cadeia é ruim, favorecendo o aparecimento de percevejos nos colchões. Muitas detentas estavam infestadas com piolhos, o que contribuiu para o aparecimento de doenças como escabiose, dificultando a preservação da saúde das mulheres e de seus filhos26.

Em relação à amamentação, uma pesquisa com 27 nutrizes e 3 gestantes em 6 penitenciárias do estado de São Paulo evidenciou que a amamentação é um dos cuidados fundamentais que a mulher privada de liberdade pode oferecer ao filho; e, ainda, experiência alentadora que propicia o bem-estar infantil e materno e que ela vivencia em meio a um contexto de rupturas, conflitos e preocupações com suas perdas pessoais e a condição penal27.

Corroborando ainda os autores citados, estudo desenvolvido na penitenciária feminina da Irlanda, a fim de conhecer sobre a percepção das enfermeiras a respeito da amamentação no ambiente prisional, revelou que a amamentação não era uma prática comum na prisão irlandesa e que muitas mulheres encarceradas, segundo esse estudo, não estão disponíveis para amamentar. Contudo, foi ressaltada a importância da enfermeira como promotora dos preceitos da amamentação para a saúde pública, oferecendo suporte às mulheres que querem amamentar28.

Contrapondo as afirmativas anteriores, um estudo sobre a promoção do aleitamento materno no cárcere revelou que a amamentação é impositiva e nega a autonomia da nutriz para a tomada de decisão consciente. A organização prisional possui condições peculiares que interferem tanto na prática da amamentação como na assistência à nutriz, o que leva a uma interação ineficiente entre mulheres e profissionais de saúde, dificultando, dessa forma, o alcance da meta do cuidado de enfermagem efetivo e da satisfação com a assistência prestada29.

Entre os cuidados profissionais à criança no contexto prisional, têm-se a orientação e a disponibilização de alimentação complementar saudável e a suplementação de micronutrientes (ferro e vitamina A). De acordo com o Ministério da Saúde, a nutrição adequada e o acesso a alimentos seguros e nutritivos são componentes cruciais e universalmente reconhecidos como direito da criança24.

Vale ressaltar que a articulação das ações de promoção do aleitamento materno com as ações de promoção da alimentação complementar saudável podem contribuir para reduzir a morbimortalidade infantil especialmente em crianças em situação de vulnerabilidade do cárcere.

Um estudo revelou que a alimentação das crianças na prisão é uma problemática. A reclamação é constante, e há relatos de presas que já passaram mal com a comida servida. As reclusas que possuem ajuda financeira da família conseguem obter os alimentos e oferecer para sua criança26. Entretanto, é responsabilidade da instituição prisional fornecer alimento adequado para a criança durante o período que ela permanecer com sua mãe no cárcere.

Em relação aos cuidados com o crescimento e o desenvolvimento, pesquisas internacionais revelaram que mais de 250 milhões de crianças menores de 5 cinco anos estão em risco para atraso do desenvolvimento infantil relacionado com a pobreza materna. As crianças não atingem seu pleno desenvolvimento devido à exposição a fatores de risco ambientais, biológicos e psicossociais, como desnutrição crônica, deficiências de ferro e iodo, estimulação cognitiva e socioemocional inadequadas, maus-tratos, depressão materna, baixa escolaridade materna, família/comunidade em situação de violência. Esses fatores de risco frequentemente ocorrem de forma concomitante, contribuindo para uma trajetória que inclui problemas de saúde, desempenho escolar ruim, perda de oportunidades profissionais e perpetuação da pobreza entre as gerações30,31.

A exposição aos riscos apresentados no contexto prisional foi evidenciada em uma pesquisa que buscou analisar o atual panorama da tuberculose no Brasil, com ênfase no sistema prisional. Foi revelado que, na prisão, o desenvolvimento dessa doença é favorecido por superlotação, nutrição precária, más condições higienicossanitárias, além de altas taxas de comorbidades32. Ou seja, é a ambiente que a criança tem sido exposta nos primeiros meses de sua vida.

Publicações sobre a influência do ambiente no desenvolvimento infantil revelam que a criança precisa de um ambiente favorável ao crescimento e ao amadurecimento, alinhado ao seu potencial genético, para que seja permitido o desenvolvimento pleno de suas capacidades físicas, mentais e emocionais16,17.

Estudo acerca da maternidade realizada em 4 estados brasileiros, com 22 mulheres, gestantes e mães com filhos na prisão, e 19 profissionais que atuam nesse ambiente, revelou que os mecanismos disciplinares característicos do penitenciário, ao se integrar às práticas de controle de si que as mulheres-mães realizam em função do cuidado e proteção dos filhos, vulnerabilizam concretamente essas mulheres, expondo tanto elas quanto seus filhos a sofrimentos psíquicos e morais33.

Nesse sentido, a unidade onde ficam mães e filhos convoca a refletir sobre o presente e o futuro de todos os envolvidos, o desenvolvimento e a manutenção de vínculos e a condição de encarceramento da criança com a mãe, bem como os impactos que esse ambiente totalitário promove na vida dessa criança. Portanto, faz-se necessário refletir sobre o papel do profissional de saúde na prestação dos cuidados a essa criança que permanece com a mãe na unidade prisional sujeita às normas e às sanções importas ao transgressor da lei.

Em relação à promoção do cuidado da criança que convive no contexto de prisão com sua mãe, a PNAISC tem uma seção voltada à Atenção à Saúde de Crianças de Famílias Privadas de Liberdade que destaca a responsabilização dos serviços, o envolvimento do profissional em uma cadeia de produção do cuidado em saúde e de proteção social da criança no território que ela é assistida24. Contudo, nas prisões brasileiras, há dificuldades para implementação das ações de promoção à saúde devido principalmente às condições de infraestrutura.

A criança no contexto prisional, portanto, está exposta às condições de risco/vulnerabilidade para um pleno crescimento e desenvolvimento, o que a torna uma população prioritária para um acompanhamento mais cuidadoso e intensivo por parte da equipe de saúde que atua no sistema prisional.

Nas falas dos profissionais de saúde sobre os desafios para a prestação de cuidados a essa criança, percebe-se uma preocupação com o que pode ser feito em cada situação, como identificam os problemas e com as condições de trabalho em cada demanda de cuidado. O campo de atuação acaba se concentrando nas orientações para minimizar os efeitos do ambiente sobre a condição de saúde das crianças.

Nesse sentido, os profissionais também estão expostos ao adoecimento pela exposição aos riscos psicossociais e aos riscos biológicos pelo contato com doenças transmissíveis. As condições de trabalho não são boas, pois a infraestrutura é precária, o ambiente é insalubre e os equipamentos e materiais são escassos, o que dificulta o desenvolvimento do trabalho de forma eficaz e segura34.

Os profissionais vivenciam um ambiente insalubre, marcado pela negligência das instituições governamentais na prestação do cuidado integral a esse grupo de crianças tuteladas pelo Estado e invisibilizadas por ele.

Considerações finais

A pesquisa revela o impacto do ambiente prisional na prestação de cuidados dos profissionais de saúde à criança que convive os primeiros meses de sua vida em companhia da sua mãe na prisão. Portanto, os cuidados cotidianos e de recuperação prestados à criança se tornam um grande desafio para o profissional de saúde.

É responsabilidade do Estado fornecer a assistência às crianças que convivem com suas mães custodiadas no ambiente prisional. Contudo, as instituições prisionais devem passar por adaptações para que haja mais espaços destinados às puérperas e às crianças, onde o cuidado é prestado, desde a gestação até o nascimento e o crescimento da criança.

Nesse contexto, os profissionais de saúde podem estabelecer parcerias com organizações de justiça criminal para que possam ser desenvolvidas ações de promoção à saúde e implementados todos os direitos voltados para as questões de saúde da criança.

Destaca-se a obrigação moral e ética do Estado para promover a proteção a essas crianças, dando visibilidade às condições de prestação de cuidados no ambiente prisional, para que a temática possa ser discutida e colocada na agenda de prioridades governamental dada à condição de vulneração das crianças e do trabalho desses profissionais.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se a realização desta pesquisa em um único estado. Entretanto, tal fato não impossibilita que o estudo seja replicado em outros cenários, pois os cuidados prestados à criança no contexto prisional podem ser diferentes a depender das características da população estudada.

O estudo contribui para a formação dos profissionais de saúde que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que esses profissionais poderão reestruturar suas estratégias e ações com um cuidado mais adequado e humanizado para a saúde da criança no contexto do cárcere, na tentativa de consolidar a PNAISC e a PNAISP, visto que essas crianças estão expostas a situações de riscos e danos à saúde tornando-as mais vulneráveis ao adoecimento, o que favorece a elevação dos índices de morbimortalidade infantil no País e no mundo.

Por conseguinte, na prisão, o cuidado à criança se torna um desafio para o profissional de saúde, devido à falta de estrutura física, escassez de insumos materiais, ambiente de violência e tensão que influenciam na prestação do cuidado integral à criança que vive no contexto do cárcere materno. Por isso, faz-se necessária a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança no SUS com desenvolvimento de ações que favoreçam a melhoria do cuidado à criança em consonância com a PNAISP.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • 1 Miranda DB, Matão MEL, Malaquias A, et al. Maternidade atrás das grades: particularidades do binômio mãe-filho. Rev Enferm Centro-Oeste Min. 2016 [acesso em 2022 dez 3]; 6(2):2235-46. Disponível em: http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/984
    » http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/984
  • 2 Santos DSS, Bispo TCF. Mãe e filho no cárcere: uma revisão sistemática. Rev. baiana enferm 2018 [acesso em 2022 dez 3]; 32:e22130. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/22130
    » https://periodicos.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/22130
  • 3 Andrade ABCA, Gonçalves MJF. Maternidade em regime prisional: desfechos maternos e neonatais. Rev enferm UFPE on line. 2018 [acesso em 2022 dez 3]; 12(6):1763-71. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234396
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/234396
  • 4 Amaral MF, Bispo TCF. Mães e filhos atrás das grades: um olhar sobre o drama do cuidar de filhos na prisão. Rev. Enferm Contemporânea. 2016 [acesso em 2022 fev 14]; 5(1):51-8. Disponível em: https://www5.bahiana.edu.br/index.php/enfermagem/article/view/836/647
    » https://www5.bahiana.edu.br/index.php/enfermagem/article/view/836/647
  • 5 Condon MC. Early Relational Health: Infants’ Experiences Living with Their Incarcerated Mothers. Smith College Studies in Social Work. 2017 [acesso em 2022 dez 3]; 87(1):5-25. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00377317.2017.1246218?journalCode=wscs20
    » https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00377317.2017.1246218?journalCode=wscs20
  • 6 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [acesso em 2019 jan 18]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
  • 7 Brasil. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial União. 13 Jul 1990. [acesso em 2022 jan 15]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
  • 8 Ventura M, Simas L, Larouzé B. Maternidade atrás das grades: em busca da cidadania e da saúde. Um estudo sobre a legislação brasileira. Cad. Saúde Pública. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 31(3):607-19. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/ggQbpCvkNZCTZ59RTNxsVrw/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/csp/a/ggQbpCvkNZCTZ59RTNxsVrw/?lang=pt
  • 9 Goshin LS, Arditti JA, Dallaire DH, et al. An international human rights perspective on maternal criminal justice involvement in the United States. Psychology, Public Policy, and Law. 2017 [acesso em 2022 dez 3]; 23(1):53-67. Disponível em: https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2Flaw0000101
    » https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2Flaw0000101
  • 10 Goshin LS. Ethnographic assessment of an alternative to incarceration for women with minor children. Am J Orthopsychiatry. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 85(5):469-482. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26460706/
    » https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26460706/
  • 11 Arinde EL, Mendonça MH. Política prisional e garantia de atenção integral à saúde da criança que coabita com mãe privada de liberdade, Moçambique. Saúde debate. 2019 [acesso em 2022 dez 3]; 43(120):43-53. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/RLmZdwGpHP3TrTqcZXCsswK/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/sdeb/a/RLmZdwGpHP3TrTqcZXCsswK/?lang=pt
  • 12 Brasil. Portaria Ministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014. Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de liberdade e Egressos do Sistema Prisional, e dá outras providências. Brasília, DF; 2014. [acesso em 2021 jan 18]. Disponível em: http://www.lex.com.br/legis_25232895_portaria_interministerial_n_210_de_16_de_janeiro_de_2014.aspx
    » http://www.lex.com.br/legis_25232895_portaria_interministerial_n_210_de_16_de_janeiro_de_2014.aspx
  • 13 Leal MC, Ayres BVS, Pereira APE, et al. Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2016 [acesso em 2022 dez 3]; 21(7):2061-70. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/PpqmzBJWf5KMTfzT37nt5Bk/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/csc/a/PpqmzBJWf5KMTfzT37nt5Bk/?lang=pt
  • 14 França AMB, Silva JMO. A mulher em situação de prisão e a vivência da maternidade. Rev enferm UFPE on line. 2016; 10(5):1891-4.
  • 15 Souza GC, Cabral KDS, Leite-Salgueiro CDB. Reflexões sobre a assistência em enfermagem à mulher encarcerada: um estudo de revisão integrativa. Arq. Cienc. Saúde UNIPAR, Umuarama. 2018 [acesso em 2022 dez 3]; 22(1)55-62. Disponível em: https://revistas.unipar.br/index.php/saude/article/view/6240
    » https://revistas.unipar.br/index.php/saude/article/view/6240
  • 16 Shehadeh A, Loots G, Vanderfaeillie J, Derluyn I. The impact of parental on the psychological wellbeing of Palestinian children. PLOSONE. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 10(7):e0133347. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0133347
    » https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0133347
  • 17 Mares S, Zwi K. Sadness and fear: The experiences of children and families in remote Australian immigration detention. J Paediatr Child Health. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 51(7):663-9. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jpc.12954
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jpc.12954
  • 18 Gaté J. Le droit d’être mèreen prison. Soins Pediatr Pueric. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 36(287):20-23. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26573400/
    » https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26573400/
  • 19 Geertz C. A interpretação das culturas. In: Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. 13. ed. Rio de Janeiro: LTC; 2008.
  • 20 Collière MF. Cuidar… A primeira arte da vida. 2. ed. Lisboa: Lusociência; 2003.
  • 21 Alves da Silva DP, Figueiredo Filho DB, Silva AH. O poderoso NVivo: Uma introdução a partir da análise de conteúdo. Revista Política Hoje. 2015 [acesso em 2021 mar 22]; 24(2):119-134. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/3723/3025
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/politicahoje/article/view/3723/3025
  • 22 Bardin L. Análise de conteúdo. 5. ed. Lisboa: Edições 70; 2011.
  • 23 Brasil. Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 3 Jan 2014. [acesso em 2021 fev 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html
  • 24 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2021 abr 22]. Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Politica_Nacional_de_Atencao_Integral_a_Saude_da_Crianca_PNAISC.pdf
    » http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Politica_Nacional_de_Atencao_Integral_a_Saude_da_Crianca_PNAISC.pdf
  • 25 Audi CAF, Santiago SM, Andrade MGG, et al. Inquérito sobre condições de saúde de mulheres encarceradas. Saúde debate. 2016 [acesso em 2022 dez 3]; 40(109):112-124. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/VZnbxqFQ45ckyT6Sr4gMjbR/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/sdeb/a/VZnbxqFQ45ckyT6Sr4gMjbR/?lang=pt
  • 26 Brasil. Ministério da Justiça. Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão. Brasília, DF: Ministério da Justiça; 2015. [acesso em 2021 mar 10]. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/201clugar-de-crianca-nao-e-na-prisao-nem-longe-de-sua-mae201d-diz-pesquisa/pesquisa-dar-a-luz-na-sombra-1.pdf
    » http://www.justica.gov.br/news/201clugar-de-crianca-nao-e-na-prisao-nem-longe-de-sua-mae201d-diz-pesquisa/pesquisa-dar-a-luz-na-sombra-1.pdf
  • 27 Mariano GJS, Silva IA. Significando o amamentar na prisão. Texto Contexto Enferm. 2018 [acesso em 2022 dez 3]; 27(4):e0590017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/4Lv7XCkjXNpWWtsJ5mfFTKh/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/tce/a/4Lv7XCkjXNpWWtsJ5mfFTKh/?lang=pt
  • 28 Mariano GJS, Silva IAS, Andrews T. Amamentação em ambiente prisional: perspectivas das enfermeiras de uma penitenciária feminina Irlandesa. Rev Ibero-am. Educ. Invest. Enfermería. 2015 [acesso em 2021 fev 12]; 5(3):15-24,2015. Disponível em: https://www.enfermeria21.com/revistas/aladefe/articulo/169/
    » https://www.enfermeria21.com/revistas/aladefe/articulo/169/
  • 29 Guimarães ML, Guedes TG, Lima LS, et al. Promoção do aleitamento materno no sistema prisional a partir da percepção de nutrizes encarceradas. Texto Contexto Enferm. 2018 [acesso em 2022 dez 3]; 27(4):e3030017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/4LX5y7HVKbhFskh65z7J6mp/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/tce/a/4LX5y7HVKbhFskh65z7J6mp/?lang=pt
  • 30 Lu C, Black MM, Richter LM. Risk of poor development in young children in low-income and middle-income countries: an estimation and analysis at the global, regional, and country level. The Lancet Global Health. 2016 [acesso em 2022 dez 3]; 4(12)e916--e922. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(16)30266-2/fulltext
    » https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(16)30266-2/fulltext
  • 31 Richter LM, Daelmans B, Lombardi J, et al. Investing in the foundation of sustainable development: pathways to scale up for early childhood development. Lancet. 2017 [acesso em 2022 dez 3]; 7;389(10064):103-118. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27717610/
    » https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27717610/
  • 32 Winter BCA, Garrido RG. Tuberculose na prisão: um retrato das adversidades do sistema prisional brasileiro. Med. Leg. Costa Rica. 2017 [acesso em 2021 fev 22]; 34(2):20-31. Disponível em: http://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409--00152017000200020&lng=en
    » http://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409--00152017000200020&lng=en
  • 33 Diuana V, Corrêa MCDV, Ventura M. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis Rev Saúde Colet. 2017 [acesso em 2021 fev 22]; 27(3):727-747. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/Fv4tBshHJ3Dx8gRwM6yqrss/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/physis/a/Fv4tBshHJ3Dx8gRwM6yqrss/?lang=pt
  • 34 Jaskowiak CR, Fontana RT. O trabalho no cárcere: reflexões acerca da saúde do agente penitenciário. Rev. Bras. Enferm. 2015 [acesso em 2022 dez 3]; 68(2):235-243. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reben/a/HkVgkzm3m3W3LSxhxYrTrVy/?lang=pt
    » https://www.scielo.br/j/reben/a/HkVgkzm3m3W3LSxhxYrTrVy/?lang=pt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2022
  • Aceito
    22 Set 2022
location_on
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Av. Brasil, 4036, sala 802, 21040-361 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel. 55 21-3882-9140, Fax.55 21-2260-3782 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro