RESUMO
Introdução:
O objetivo deste estudo é analisar a aceitabilidade do autoteste de HIV entre adolescentes Homens que fazem Sexo com Homens e mulheres travestis e transexuais em três capitais brasileiras.
Método:
estudo qualitativo, com 6 Grupos Focais e 37 Entrevistas em profundidade, envolvendo 58 participantes, nas cidades de Belo Horizonte, Salvador e São Paulo, cuja análise temática de conteúdo orientou-se pelo Theoretical Framework of Acceptability.
Resultados:
boa aceitabilidade do autoteste de HIV, ainda que não homogênea entre participantes. Entre os aspectos positivos dos testes estão, por exemplo, a agilidade, a privacidade, a autonomia no monitoramento da própria saúde e a gestão emocional e de estigma. Em outra direção tem-se a preocupação em como lidar com um eventual resultado reagente e o questionamento do autoteste como estratégia de prevenção. O local de dispensação do autoteste é decisivo para potencializar ou não o uso, a depender da competência cultural para acolher a diversidade sexual e de identidade de gênero de adolescentes.
Conclusão:
Este estudo identificou o autoteste de HIV como uma estratégia fundamental para o incremento da autonomia e autocuidado entre adolescentes. Estas devem ser consideradas para maior adequação às culturas juvenis locais e, consequentemente, maior adesão à testagem.
PALAVRAS-CHAVE
Autoteste; Teste de HIV; Adolescentes; Pessoas transgênero; Minorias sexuais e de gênero
ABSTRACT
Introduction:
The objective of this study is to analyze the acceptability of the HIV self-test among male adolescents who have sex with male and transgender women in three Brazilian capitals.
Method:
qualitative study, with 6 focus groups and 37 in-depth interviews with 58 participants, from the cities of Belo Horizonte, Salvador and São Paulo, whose thematic analysis was based on the Theoretical Framework of Acceptability.
Results:
the HIV self-test had good acceptability, although it was not homogeneous among participating adolescents. Positive aspects include, for example, agility, privacy, autonomy, monitoring one’s health, and emotional and stigma management. In another direction are concerns about how to deal with an eventual reactive result and whether self-testing is a prevention strategy. The place where self-tests are given out is decisive to improving their use, which depends on cultural competence to accommodate sexual and gender diversities of adolescents.
Conclusion:
This study has shown that HIV self-testing is a fundamental strategy to increase adolescent autonomy and self-care. These should be considered to better adapt the test to local youth cultures and, consequently, achieve better compliance.
KEYWORDS
Self-testing; HIV testing; Adolescent; Transgender persons; Sexual and gender minorities
Introdução
Estima-se que 26% de todas as pessoas vivendo com HIV no mundo desconhecem seu status sorológico11 Unaids. Folha de Dados. 2021. [acesso em 2022 fev 9]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2021/06/2020_11_19_UNAIDS_Fact-Sheet_PORT_Revisada-Final.pdf.
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. Com intuito de ampliar o acesso à testagem e início oportuno do tratamento, desde 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe o autoteste de HIV (ATHIV) como uma estratégia complementar à testagem realizada por profissionais de saúde, considerando-se diferentes contextos de vulnerabilidade11 Unaids. Folha de Dados. 2021. [acesso em 2022 fev 9]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2021/06/2020_11_19_UNAIDS_Fact-Sheet_PORT_Revisada-Final.pdf.
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. Os custos e poucas ofertas de mercado dificultam sua utilização em larga escala entre países com baixa renda e/ou caracterizados por fortes desigualdades sociais, o que torna a disponibilização gratuita do ATHIV pelo poder público fundamental11 Unaids. Folha de Dados. 2021. [acesso em 2022 fev 9]. Disponível em: https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2021/06/2020_11_19_UNAIDS_Fact-Sheet_PORT_Revisada-Final.pdf.
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.
No Brasil, o componente ‘Testar e Tratar’ integra a estratégia ‘Prevenção Combinada do HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)’, que propõe a oferta de métodos preventivos como Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP), aconselhamento para redução de risco, uso de preservativos e gel lubrificante, testagem e tratamento22 Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção Combinada do HIV. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/previna-se.
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. A estratégia prevê a escolha e combinação dos métodos a partir dos interesses e condições específicas de vulnerabilidade das pessoas, com ênfase no acolhimento de populações-chave: gays e outros Homens que fazem Sexo com Homens (HSH); pessoas travestis e transexuais (TrMT); pessoas que usam álcool e outras drogas; pessoas privadas de liberdade e trabalhadoras(es) sexuais22 Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção Combinada do HIV. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/previna-se.
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.
O ATHIV foi inserido no Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2018, com ampliação em 2020, como uma estratégia a ser ofertada para populações não alcançadas pelos serviços de saúde33 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para a distribuição do autoteste de HIV no Brasil. 2022. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/diretrizes-para-distribuicao-do-autoteste-de-hiv-no-brasil-2022.
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. De acordo com as diretrizes para sua oferta, este tem como vantagens a possibilidade de ampliar o acesso ao status sorológico, apresentar uma opção de testagem para pessoas que não desejam testar diante de outras nos serviços de saúde e o favorecimento da autonomia para decidir onde, quando e como a pessoa quer ser testada33 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para a distribuição do autoteste de HIV no Brasil. 2022. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/diretrizes-para-distribuicao-do-autoteste-de-hiv-no-brasil-2022.
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O ATHIV é uma tecnologia pouco conhecida e utilizada por adolescentes no Brasil44 De Boni RB, Lentini N, Santelli AC, et al. Self-testing, communication and information technology to promote HIV diagnosis among young gay and other men who have sex with men (MSM) in Brazil. J Int AIDS Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 21(S5):e25116. Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25116.
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. Em que pesem importantes avanços na disponibilização do ATHIV no País, o público adolescente não está plenamente incluído na estratégia que prevê a oferta apenas vinculada à profissionais de saúde55 Brasil. Ministério da Saúde. O autoteste de HIV no SUS. 2022. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/autoteste/faq.
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. A preocupação com a testagem deste grupo relaciona-se ao aumento das taxas de infecção por HIV entre HSH e TrMT na faixa etária entre 15 e 19 anos, considerada segmento da adolescência, de acordo com critérios OMS66 Organização Mundial da Saúde. Plano de ação para a saúde da mulher, da criança e do adolescente 2018-2030. Brasília, DF: OMS; 2018. 62 p. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/49609/CD56-8-pt.pdf?sequence=16&isAllowed=y.
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. Entre 2009 e 2019, o crescimento dessa infecção entre homens na faixa de 15 a 19 anos, no Brasil, aumentou 64,9%, passando de 1,1 para 6,1 pessoas vivendo com HIV a cada 100 mil habitantes77 Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico. Número Especial. [acesso em 2022 fev 9]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-hivaids-2020.
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. A prevalência estimada de HIV atinge 18,4% entre HSH88 Kerr L, Kendall C, Guimarães MDC, et al. HIV prevalence among men who have sex with men in Brazil. Medicine. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 97(1S). Disponível em: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000010573.
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e entre as TrMT é superior à 25% em várias localidades no País99 Bastos FI, Bastos LS, Coutinho C, et al. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil. Medicine. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 97(1S). Disponível em: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009447.
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Poucos estudos no mundo analisam o ATHIV entre jovens. Estes indicam alta aceitabilidade em países como Congo1010 Tonen-Wolyec S, Batina-Agasa S, Muwonga J, et al. Acceptability, feasibility, and individual preferences of blood-based HIV self-testing in a population-based sample of adolescents in Kisangani, Democratic Republic of the Congo. PLoS One. 2019 [acesso em 2021 dez 15]; 14(7):e0218795. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0218795.
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, Moçambique1111 Hector J, Davies MA, Dekker-Boersema J, et al. Acceptability and performance of a directly assisted oral HIV self-testing intervention in adolescents in rural Mozambique. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(4):e0195391. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195391.
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e Nigéria1212 Mason S, Ezechi OC, Obiezu-Umeh C, et al. Understanding factors that promote uptake of HIV self-testing among young people in Nigeria: Framing youth narratives using the PEN-3 cultural model. PLoS ONE. 2022 [acesso em 2021 dez 15]; 17(6):e0268945. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0268945.
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. Um estudo com HSH do Brasil e Peru, com 18 anos ou mais1313 Volk JE, Lippman SA, Grinsztejn B, et al. Acceptability and feasibility of HIV self-testing among men who have sex with men in Peru and Brazil. Inter. J. STD AIDS. 2016 [acesso em 2022 set 15]; 27(7):531-536. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25971262/.
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e uma divulgação científica envolvendo adolescentes brasileiros indicaram alta adesão ao ATHIV44 De Boni RB, Lentini N, Santelli AC, et al. Self-testing, communication and information technology to promote HIV diagnosis among young gay and other men who have sex with men (MSM) in Brazil. J Int AIDS Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 21(S5):e25116. Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25116.
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. Embora o ATHIV seja apresentado como especialmente interessante para grupos mais vulneráveis55 Brasil. Ministério da Saúde. O autoteste de HIV no SUS. 2022. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/autoteste/faq.
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, persistem lacunas para compreensão da aceitabilidade desta estratégia e até o momento nenhum artigo analisou sua aceitabilidade entre adolescentes HSH e TrMT no Brasil.
O presente artigo tem como objetivo analisar a aceitabilidade do ATHIV entre jovens HSH e TrMT, moradores de três capitais brasileiras.
Material e métodos
Participantes
Os dados foram produzidos durante a Pesquisa Formativa (PF)1414 Denning P, Bowles K, Broz D, et al. National HIV Behavioral Surveillance System: Men Who Have Sex with Men. Formative Research Manual. 2013 [acesso em 2022 jun 14]; Disponível em: https://dph.georgia.gov/sites/dph.georgia.gov/files/related_files/site_page/MSM2-Ongoing%20HIV%20Risk%20Behaviors-082211.pdf.
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do estudo PrEP15-19, um estudo de demonstração da efetividade da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) entre adolescentes HSH e TrMT entre 15 e 19 anos, desenvolvido em Belo Horizonte, São Paulo e Salvador.
A PF foi realizada com métodos qualitativos, em 2019, antes da inscrição de participantes no estudo, para gerar conhecimento sobre a população alvo. Trata-se de uma estrutura de pesquisa comum a outras pesquisas cujo objetivo é a inclusão de populações de difícil acesso que conta com o mapeamento de espaços sociais, entrevistas individuais e discussões em grupo1414 Denning P, Bowles K, Broz D, et al. National HIV Behavioral Surveillance System: Men Who Have Sex with Men. Formative Research Manual. 2013 [acesso em 2022 jun 14]; Disponível em: https://dph.georgia.gov/sites/dph.georgia.gov/files/related_files/site_page/MSM2-Ongoing%20HIV%20Risk%20Behaviors-082211.pdf.
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Na primeira etapa, a observação participante foi realizada por um/uma pesquisador/a em cada cidade para o mapeamento de espaços com grande concentração de adolescentes HSH e TrTM, de forma presencial – em escolas públicas e privadas, festas, bares – e on-line – em redes sociais e aplicativos. As observações foram sistematizadas em diários de campo, contendo informações e impressões de pesquisadores/as sobre potenciais participantes para a segunda etapa.
Na segunda etapa, foram realizadas Entrevistas (EN) e Grupos Focais (GF) nas três cidades, permitindo análises de narrativas constituídas no contexto individual e em grupo. Para assegurar a diversidade de participantes foram utilizados os seguintes critérios: 1) diversidade de identidades de gênero e orientação sexual autodeclaradas; 2) diversidade socioeconômica e racial. Os critérios para inclusão dos/das participantes foram: ter entre 15 e 19 anos e identificar-se com identidades de gênero e orientação sexual incluídas entre populações-chave para prevenção do HIV. Como critérios de exclusão, considerou-se qualquer impedimento ou recusa para assinar o termo de consentimento/assentimento livre e esclarecido.
A pesquisa atendeu as diretrizes Sex and Gender Equity in Research (Sager) que indicam o uso cuidadoso do sexo e gênero em pesquisas e publicações científicas e a padronização destas definições sempre que forem viáveis ao estudo1515 Heidari S, Babor TF, De Castro P, et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integ. Peer Review. 2016 [acesso em 2022 jun 14]; 1(2). Disponível em: https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6.
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. Neste estudo, descrevemos todas as identidades de gênero e orientações sexuais autodeclaradas pelos/pelas participantes como componente dos resultados. Contudo, optamos por trabalhar com as categorias HSH e TrMT por estas permitirem o agrupamento das identidades de gênero e orientações sexuais e possibilitarem a discussão com demais estudos e políticas públicas.
Construção dos dados
Participaram da PF 58 adolescentes. Foram realizados 6 GF e 37 EN, sendo que 26 adolescentes participaram tanto das EN quanto dos GF.
Das 37 EN realizadas, 8 foram em Belo Horizonte, 16 em Salvador e 13 em São Paulo. Estas foram precedidas por um roteiro semiestruturado que abordava os tópicos: redes e espaços sociais; identidade de gênero, orientação sexual e sexualidade; vulnerabilidade ao HIV, violência e discriminação; conhecimento e motivação para utilizar PrEP e ATHIV e percepções sobre as estratégias de recrutamento do estudo PrEP15-19.
Cada cidade realizou um GF com participantes TrMT e um com HSH. Sendo compostos por 4 TrMT e 6 HSH em Belo Horizonte, 5 TrMT e 10 HSH em Salvador e 3 TrMT e 9 HSH em São Paulo. O GF contou com uma breve explicação sobre a ATHIV seguida da exposição sobre possíveis formas de distribuição da testagem (intervenção entre pares, na internet, em escolas e em locais de sociabilidade), com intuito de gerar discussões sobre facilidades e barreiras que poderíamos encontrar em cada uma delas.
Os roteiros de EN e GF podem ser encontrados em publicação anterior1616 Zucchi EM, Couto MT, Castellanos M, et al. Acceptability of daily pre-exposure prophylaxis among adolescent men who have sex with men, travestis and transgender women in Brazil: A qualitative study. PLoS ONE. [acesso em 2022 jun 14]; 16(5):e0249293. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0249293.
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. Estes foram conduzidos por pesquisadores(as) com experiência na pesquisa qualitativa e sobre HIV, em salas reservadas, tiveram duração média de 63 minutos, foram gravadas com assentimento/consentimento dos/ das participantes, transcritas e armazenadas em arquivo único e digitalizado da pesquisa. A fim de assegurar o anonimato dos participantes, a identificação dos/das adolescentes foi efetuada por meio da codificação numérica (J1, J2) e suas citações caracterizadas por contexto de coleta de dado (EN ou GF), população-alvo (HSH ou TrMT), idade e local do estudo (BH, SSA, SP).
Análises dos dados
A análise temática das EN e GF envolveu seis etapas1717 Maguire M, Delahunt B. Doing a thematic analysis: a practical, step-by-step guide for learning and teaching scholars. AISHE-J. 2017; 9(3):3351-33514.: 1. Familiarização com dados; 2. Geração de codificação inicial; 3. Busca pelos temas; 4. Revisão dos temas; 5. Definição dos temas e 6. Redação. Estas etapas foram realizadas a partir de discussões entre as equipes dos três sítios e a codificação dos temas se embasou na literatura sobre adolescentes e HIV e sobre aceitabilidade de estratégias de saúde.
Analisamos a aceitabilidade prospectiva do ATHIV com base no Theoretical Framework of Acceptability (TFA)1818 Sekhon M, Cartwright M, Francis JJ. Acceptability of healthcare interventions: an overview of reviews and development of a theoretical framework. BMC Health Serv. 2017 [acesso em 2021 dez 15]; 17(1). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12913-017-2031-8.
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. No TFA, a aceitabilidade é definida como
um construto multifacetado que reflete até que ponto as pessoas que prestam ou recebem uma intervenção na área de saúde a consideram apropriada, com base em respostas cognitivas e emocionais antecipadas ou experimentadas frente à intervenção1818 Sekhon M, Cartwright M, Francis JJ. Acceptability of healthcare interventions: an overview of reviews and development of a theoretical framework. BMC Health Serv. 2017 [acesso em 2021 dez 15]; 17(1). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12913-017-2031-8.
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A análise de aceitabilidade foi prospectiva já que o ATHIV estava disponibilizado pelo SUS apenas para indivíduos com 18 anos ou mais, e nenhum dos participantes havia utilizado.
As categorias foram selecionadas por observação de sua recorrência e por serem capazes de nos levar a acessar o mundo conceitual dos/das participantes e os significados que eles dão ao tema. A partir dos temas presentes nas narrativas, identificamos categorias temáticas relacionadas à componentes do TFA, adaptados ao presente estudo, a saber: 1. Atitude afetiva, definida como ‘como os/as adolescentes se sentiriam ao realizar o autoteste?’ 2. Efetividade percebida e Coerência da intervenção, definidos como ‘como os jovens compreendem os objetivos do ATHIV? E, o que seria necessário para que o ATHIV atingisse seus objetivos?’ 3. Autoeficácia e Carga de participação, definido como ‘adolescentes confiam na própria capacidade para aplicar o ATHIV? E, quais os esforços necessários para realizar o ATHIV?’ 4. Ética, definido como ‘O ATHIV se ajusta ao sistema de valores dos(das) adolescentes?’ (quadro 1). Para organização dos dados foi utilizado o software NVivo12 Plus.
Dimensões da aceitabilidade de acordo com Theoretical Framework of Acceptability (TFA), traduzidas pelos(as) autores(as) e adaptada à presente pesquisa
Ética em pesquisa
O estudo foi realizado de acordo com as diretrizes da Resolução nº 466/2012 que regulamenta as normas de pesquisa envolvendo seres humanos e segue as determinações da Resolução nº 510/2016 que regulamenta o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos. Foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da OMS, da Universidade Federal de Minas Gerais (protocolo número 17750313.0.0000.5149), da Universidade Federal da Bahia (protocolo número 01691718.1.0000.5030) e da Universidade de São Paulo (protocolo número 70798017.3.0000.0065).
Todas as pessoas foram informadas sobre os objetivos da pesquisa e direitos relacionados à participação. As pessoas com mais de 18 anos assinaram um formulário de consentimento informado e aquelas com idades entre 15 e 17 anos assinaram um formulário de assentimento informado. Com base no princípio da não maleficência, os Comitês de Ética em Pesquisa dispensaram o consentimento de familiares ou responsáveis por compreender que poderia ameaçar a confidencialidade dos/das adolescentes quanto à orientação sexual e/ou identidade de gênero, possibilitando risco de discriminação ou violência. Todos/todas puderam se inscrever para integrar a coorte do estudo de PrEP15-19, por meio do qual teriam amplo acesso à PrEP e demais métodos de prevenção combinada.
Resultados
Participantes
Todas as características dos/das 58 entrevistados(as) foram autodeclaradas. 40% tinham entre 16 e 17 anos e a maioria tinha o ensino médio incompleto (47%) ou completo (38%). Com relação a identidade étnico racial, 55% se identificaram como negros(as) (pardos/ as e pretos/as) e 38% como brancos(as). No que concerne à identidade de gênero, 53% se identificaram como homens cisgênero, 22% como mulheres transexuais e 13% como travestis e gêneros diversos. Quase metade (52%) definiu sua orientação sexual como homossexual ou gay (todos homens), 17% bissexuais, 12% pansexuais e 12% heterossexuais (todas TrMT). De acordo com as identidades de gênero e orientações sexuais autodeclaradas, os/as participantes foram classificados/as como sendo 55% HSH e 35%TrTM.
Dimensões da aceitabilidade
Os resultados, sistematizados abaixo (quadro 2), indicam boa aceitabilidade do ATHIV e particularidades referentes à oferta dessa estratégia para o público adolescente HSH e TrMT.
(1) ATITUDE AFETIVA
A maioria dos/das adolescentes indica que sentiriam satisfação ao realizar o ATHIV:
(a) pela agilidade e a privacidade possibilitada pelo ATHIV;
Tipo, se eu tive uma relação de risco, mas eu não me preveni, eu deixei passar, ajudaria muito. Porque quanto mais cedo você souber, melhor. (J1, EN, TrMT, 19 anos, SP).
Iria me deixar melhor em relação à minha consciência e seria algo privado [...]. Eu primeiramente lidar comigo com essa situação. (J2, EN, HSH, 19 anos, SP).
(b) e pelo ganho de autonomia para o monitoramento da própria saúde.
Pra eu acompanhar minha saúde [...] por mais que eu não abrisse mão de nenhuma prevenção. Isso faria as pessoas sempre estarem acompanhando, se cuidando. (J3, EN, HSH, 17 anos, SSA).
Você ter autonomia. Acho que eu faria um autoteste todo dia. (J4, EN, TrMT, 19 anos, SP).
(2) EFETIVIDADE PERCEBIDA E COERÊNCIA DA INTERVENÇÃO
De acordo com as narrativas dos/das adolescentes, o ATHIV é:
(a) adequado para o objetivo de diagnóstico e tratamento precoce do HIV;
Porque tipo assim, como eu te falei, eu sou paranoica pra esse negócio de doença. Se eu tivesse me exposto ao risco de contrair o vírus HIV, iria na farmácia e comprava meu autoteste, fazia e se tivesse dado positivo, seria muito mais rápido pra encaminhar, começar os procedimentos para tratamento. (J5, GF, TrMT, 19 anos, SSA).
(b) pouco adequado quando o objetivo é prevenir sendo, neste caso, mais compatível entre parcerias fixas.
O pensamento [...] não é tipo ‘eu vou fazer o exame para prevenir’. É: ‘Ah, eu vou fazer o exame porque eu acho que eu estou’. (J6, EN, HSH, 17 anos, SSA).
Se for um parceiro fixo sim, porque dá pra fazer essa checagem casualmente. (J7, EN, HSH, 17 anos, BH).
Para que o ATHIV atingisse seus objetivos, os/as adolescentes consideram que:
(a) a disponibilização do ATHIV via punção digital seja ‘mais confiável’ que o ATHIV via fluido oral;
Não é o fato de não confiar na saliva, porque existem várias coisas aqui, mas o fato de eu pegar um cotonetezinho e passar na minha boca e sei lá... talvez eu não levasse tão a sério. (J8, GF, HSH,19 anos, SSA).
Eu acredito que os dois são, porém eu acho que é esperado, até psicologicamente falando a gente se sente mais seguro com o teste do dedinho, de sangue né. (J9, GF, HSH,17 anos, SSA).
(b) o ATHIV seja oportuno quando dispensado em locais LGBTQIA+ amigáveis, como no Projeto PrEP15-19, onde atuam educadores pares.
Saber que quem tá na mesa é uma mulher trans, uma travesti que tá trabalhando. São pessoas iguais a mim. São pessoas que não vão encarar aquilo como um tabu e… ‘aí, meu Deus, tá infectado, socorro, tira essa pessoa daqui. Não toca nela que ela vai pegar Aids’. A gente não ouviria coisas desse tipo, por exemplo. Que a gente sabe que no Sistema Único de Saúde a gente ouviria com certeza, inclusive de profissionais. (J10, GF, HSH, 19 anos, SSA).
(3) AUTOEFICÁCIA E CARGA DE PARTICIPAÇÃO
Neste estudo, os/as adolescentes demonstram: (a) confiar na própria capacidade de realizar o ATHIV, com ganhos em termos de privacidade;
Sim, eu me sentiria mais à vontade sozinho do que com outras pessoas. Óbvio que com um profissional e tudo não teria problema [...], mas sozinho acredito que seja sempre mais à vontade. (J11, GF, HSH, 17 anos, SSA).
Você não fica constrangida com outra pessoa. E, se o resultado [...] for positivo, você vai sofrer, claro, mas vai ser uma coisa que vai ser só você. (J12, GF, TrMT, 19 anos, SSA).
A maioria identifica como possíveis barreiras para realização do ATHIV:
(b) ‘Vergonha’ ou ‘medo de sofrer estigma’ em locais de dispensação do ATHIV, sobretudo se dispensados em serviços públicos de saúde;
As pessoas têm medo de se testar, em lugares públicos [...], jovens mesmo não vão até os locais públicos até por medo de alguém ver eles entrando e achar que eles estão indo porque tem [HIV]. (J13, GF, HSH,19 anos, SSA).
[Receber o ATHIV] em casa melhor, por correio ou internet, para superar o estigma de aparecer em lugares da saúde pública. (J14, GF, HSH,19 anos, BH).
Poucos identificam como esforços para realização do ATHIV:
(c) medo da dor e sangue, relacionado à da punção digital;
Melhor o de furar o dedo. Mas eu como eu tenho medo de furar, que machuca, então eu preferia o do fluido [oral]… (J16, GF, MT, 16 anos, BH).
(d) apreensão em receber o resultado sozinho/a, em caso de resultado reagente. Situação amenizada quando ATHIV é considerado uma primeira fase do processo de testagem, a ser complementada pelo teste convencional, aplicado por um/uma profissional.
Receber em casa o resultado positivo vai ser um pouco mais difícil. Porque no CTA [Centro de Testagem e Aconselhamento] tem um assistente social. Eu faço sozinho e dá positivo. Como que eu vou procurar ajuda? [...] No CTA te indica caminhos, conversa com você [...] deve te indicar pra fazer tratamento. (J17, GF, HSH, 18 anos, BH).
Tem que fazer os dois, o autoteste em casa e, no posto faz o teste do sangue. (J18, GF, HSH, 19 anos, SSA).
(4) ÉTICA
As narrativas evidenciam que o ATHIV:
(a) coincide com a prevenção e autocuidado, reconhecidos como valores de grupo, embora sejam ponderadas dificuldades estruturais e culturais para que este valor seja colocado em prática;
Primeiro que eu teria mais segurança acerca da minha saúde, saber se eu tenho algum problema ou não. (J19, EN, HSH, 19 anos, BH).
Tipo, se eu tive uma relação de risco, assim, mas eu não me preveni, por exemplo. E eu deixei passar. Já se foi um mês disso. Eu acho que isso ajudaria muito. Porque quanto mais cedo você saber, melhor, né? (J20, EN, TrMT, 19 anos, SP).
(b) conflitua com a espontaneidade nas práticas sexuais quando pensado como estratégia preventiva, já que introduz um elemento racional de planejamento, alheio à cultura sexual desses adolescentes.
Tem pessoas que diriam que isso brocharia o clima e tudo [fazer o ATHIV antes de ter relação]. (J21, EN, HSH, 17 anos, SSA).
Discussão
Os resultados indicam boa aceitabilidade prospectiva ao ATHIV entre adolescentes HSH e TrMT, à semelhança daquela já identificada em estudo no Brasil44 De Boni RB, Lentini N, Santelli AC, et al. Self-testing, communication and information technology to promote HIV diagnosis among young gay and other men who have sex with men (MSM) in Brazil. J Int AIDS Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 21(S5):e25116. Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25116.
https://doi.org/10.1002/jia2.25116...
e em outros países1010 Tonen-Wolyec S, Batina-Agasa S, Muwonga J, et al. Acceptability, feasibility, and individual preferences of blood-based HIV self-testing in a population-based sample of adolescents in Kisangani, Democratic Republic of the Congo. PLoS One. 2019 [acesso em 2021 dez 15]; 14(7):e0218795. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0218795.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
1111 Hector J, Davies MA, Dekker-Boersema J, et al. Acceptability and performance of a directly assisted oral HIV self-testing intervention in adolescents in rural Mozambique. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(4):e0195391. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195391.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
1212 Mason S, Ezechi OC, Obiezu-Umeh C, et al. Understanding factors that promote uptake of HIV self-testing among young people in Nigeria: Framing youth narratives using the PEN-3 cultural model. PLoS ONE. 2022 [acesso em 2021 dez 15]; 17(6):e0268945. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0268945.
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. Porém, para a promoção do ATHIV, devem ser considerados os componentes específicos da aceitabilidade que emergem nas narrativas desses adolescentes1515 Heidari S, Babor TF, De Castro P, et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integ. Peer Review. 2016 [acesso em 2022 jun 14]; 1(2). Disponível em: https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6.
https://researchintegrityjournal.biomedc...
.
A satisfação com o ATHIV está relacionada à agilidade da tecnologia para a “dissipação da incerteza”1919 Ribeiro FB, Sacramento O. A despistagem do VIH/ sida: Saúde pública e motivações dos utentes do teste rápido no Nordeste de Portugal. Saúde e Soc. 2014; 23(2):510-22. [acesso em 2021 dez 15]. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200012.
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(517) após situação de risco de infecção por HIV. Também se destaca sua conveniência em reduzir a ansiedade gerada pela espera ou pela possível quebra da privacidade enfrentada nos métodos de testagem convencional, semelhante a achados de outros estudos1212 Mason S, Ezechi OC, Obiezu-Umeh C, et al. Understanding factors that promote uptake of HIV self-testing among young people in Nigeria: Framing youth narratives using the PEN-3 cultural model. PLoS ONE. 2022 [acesso em 2021 dez 15]; 17(6):e0268945. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0268945.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.026...
, 2020 Qin Y, Han L, Babbitt A, et al. Experiences using and organizing HIV self-testing. AIDS. 2018; 32(3):371-381., 2121 Harichund C, Moshabela M. Acceptability of HIV Self-Testing in Sub-Saharan Africa: Scoping Study. AIDS Behav. 2018; 22(2):560-568..
O ganho na autonomia para monitoramento da saúde com privacidade, remete ao uso do ATHIV como ferramenta de gestão do estigma, observado também entre trabalhadoras do sexo no Brasil2222 Santana EP. Conhecimento do autoteste de HIV por mulheres trabalhadoras do sexo no Brasil. [dissertação]. [Salvador]: Universidade Federal da Bahia; 2019. 106 p.. O estigma, principalmente aqueles enfrentados nos serviços de saúde, representa uma barreira para testagem de adolescentes deste e de outros estudos1010 Tonen-Wolyec S, Batina-Agasa S, Muwonga J, et al. Acceptability, feasibility, and individual preferences of blood-based HIV self-testing in a population-based sample of adolescents in Kisangani, Democratic Republic of the Congo. PLoS One. 2019 [acesso em 2021 dez 15]; 14(7):e0218795. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0218795.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
, 1111 Hector J, Davies MA, Dekker-Boersema J, et al. Acceptability and performance of a directly assisted oral HIV self-testing intervention in adolescents in rural Mozambique. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(4):e0195391. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195391.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
, 1212 Mason S, Ezechi OC, Obiezu-Umeh C, et al. Understanding factors that promote uptake of HIV self-testing among young people in Nigeria: Framing youth narratives using the PEN-3 cultural model. PLoS ONE. 2022 [acesso em 2021 dez 15]; 17(6):e0268945. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0268945.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.026...
, 2323 Frye V, Wilton L, Hirshfield S, et al. Preferences for HIV test characteristics among young, Black Men Who Have Sex With Men (MSM) and transgender women: Implications for consistent HIV testing. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(2). Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0192936.
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, 2424 Cota VL, Cruz Marques M. Access barriers for Men who have Sex with Men for HIV testing and treatment in Curitiba (PR). Saúde debate. 2021 [acesso em 2021 dez 15]. (129):393-405. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/cwRy3WsXjkcn6WsyPLggjgw/?lang=en&format=pdf.
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, de modo que sua gestão pode ser benéfica para ampliação da testagem. Contudo, este dado precisa ser analisado criticamente, observando-se que a disponibilização do ATHIV nos programas de HIV/Aids não pode estar descolada de ações que visem o enfrentamento do estigma2525 Souza VS, Czeresnia D. Demandas e expectativas de usuários de centro de testagem e aconselhamento anti-HIV. Rev Saúde Pública. 2010 [acesso em 2022 jun 17]; 44(3):441-447. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102010005000010.
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.
É importante que os locais de dispensação do ATHIV sejam cuidadosamente pensados e os/as adolescentes deste estudo indicam que o ATHIV é oportuno quando dispensado em serviços voltados para a população LGBTQIA+ ou LGBTQIA+ amigáveis, semelhante ao encontrado na literatura44 De Boni RB, Lentini N, Santelli AC, et al. Self-testing, communication and information technology to promote HIV diagnosis among young gay and other men who have sex with men (MSM) in Brazil. J Int AIDS Soc. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 21(S5):e25116. Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25116.
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, 2323 Frye V, Wilton L, Hirshfield S, et al. Preferences for HIV test characteristics among young, Black Men Who Have Sex With Men (MSM) and transgender women: Implications for consistent HIV testing. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(2). Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0192936.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
, 2626 Okoboi S, Twimukye A, Lazarus O, et al. Acceptability, perceived reliability and challenges associated with distributing HIV self-test kits to young MSM in Uganda: a qualitative study. J Int AIDS Soc. 2019 [acesso em 2021 dez 15]; 22(3). Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25269.
https://doi.org/10.1002/jia2.25269...
, 2727 Phanuphak N, Jantarapakde J, Himmad L, et al. Linkages to HIV confirmatory testing and antiretroviral therapy after online, supervised, HIV self testing among Thai men who have sex with men and transgender women. J Int AIDS Soc. 2020 [acesso em 2022 jan 5]; 23(1). Disponível em: https://doi.org/10.1002/jia2.25448.
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, 2828 Ritchwood TD, Selin A, Pettifor A, et al. HIV self-testing: South African young adults’ recommendations for ease of use, test kit contents, accessibility, and supportive resources. BMC Public Health. 2019 [acesso em 2022 jan 5]; 19(1). Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12889-019-6402-4.
https://doi.org/10.1186/s12889-019-6402-...
. O Protocolo de ATHIV brasileiro, voltado para adultos/ as, prevê a distribuição em locais de dispensação de PrEP e em locais de sociabilidade para as populações-chave33 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para a distribuição do autoteste de HIV no Brasil. 2022. [acesso em 2022 jun 13]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/diretrizes-para-distribuicao-do-autoteste-de-hiv-no-brasil-2022.
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/di...
. Estudos anteriores tiveram sucesso com cabines de autotestagem/ dispensação dispostas em locais comunitários frequentados por adolescentes2929 Trabwongwitaya P, Songtaweesin WN, Paiboon N, et al. Preference and Ability to Perform Blood-versus Oral-Fluid-Based HIV Self-Testing in Adolescents and Young Adults in Bangkok. Int J STD AIDS. 2022 [acesso em 2023 jan 13]; 33(5):492-498. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/09564624221076955.
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e alertam para a importância de avisos instrucionais adaptados aos diversos níveis de escolaridade, línguas e linguagens1111 Hector J, Davies MA, Dekker-Boersema J, et al. Acceptability and performance of a directly assisted oral HIV self-testing intervention in adolescents in rural Mozambique. PLoS ONE. 2018 [acesso em 2021 dez 15]; 13(4):e0195391. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0195391.
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.
Os/as adolescentes deste estudo demonstram sentirem-se capazes de realizar o ATHIV sozinhos, com ganhos de privacidade, semelhante a outras pesquisas1313 Volk JE, Lippman SA, Grinsztejn B, et al. Acceptability and feasibility of HIV self-testing among men who have sex with men in Peru and Brazil. Inter. J. STD AIDS. 2016 [acesso em 2022 set 15]; 27(7):531-536. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25971262/.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25971262...
, 1515 Heidari S, Babor TF, De Castro P, et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integ. Peer Review. 2016 [acesso em 2022 jun 14]; 1(2). Disponível em: https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6.
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. À medida que o ATHIV evita ameaças de confidencialidade, jovens podem se testar com mais frequência e consequentemente estarem mais capacitados/ as para testar1515 Heidari S, Babor TF, De Castro P, et al. Sex and Gender Equity in Research: rationale for the SAGER guidelines and recommended use. Research Integ. Peer Review. 2016 [acesso em 2022 jun 14]; 1(2). Disponível em: https://researchintegrityjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41073-016-0007-6.
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. Embora o ATHIV via punção digital tenha sido identificado como mais confiável que fluido oral, alguns adolescentes relatam medo de dor ou contato com sangue. Estudo transversal com TrMT e HSH de 18 e 24 anos também constatou a preferência do ATHIV baseado em sangue e não encontrou problemas para a realização desta estratégia na população2929 Trabwongwitaya P, Songtaweesin WN, Paiboon N, et al. Preference and Ability to Perform Blood-versus Oral-Fluid-Based HIV Self-Testing in Adolescents and Young Adults in Bangkok. Int J STD AIDS. 2022 [acesso em 2023 jan 13]; 33(5):492-498. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/09564624221076955.
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.
A maioria dos jovens deste estudo valorizou a capacidade de testagem não supervisionada, semelhante ao encontrado por uma revisão sistemática e meta-análise de literatura que reúne 25 estudos3030 Figueroa C, Johnson C, Ford N, et al. Reliability of HIV rapid diagnostic tests for self-testing compared with testing by health-care workers: a systematic review and meta-analysis. The Lancet. HIV. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 5(6). Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2352-3018(18)30044-4.
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, alguns(as) consideram a necessidade de complementação do ATHIV com a testagem convencional supervisionada e demonstram apreensão diante de um possível resultado reagente. Destaca-se, portanto, a necessidade de intensificar os esforços para oferecer aconselhamento e acompanhamento de qualidade1212 Mason S, Ezechi OC, Obiezu-Umeh C, et al. Understanding factors that promote uptake of HIV self-testing among young people in Nigeria: Framing youth narratives using the PEN-3 cultural model. PLoS ONE. 2022 [acesso em 2021 dez 15]; 17(6):e0268945. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0268945.
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, 2929 Trabwongwitaya P, Songtaweesin WN, Paiboon N, et al. Preference and Ability to Perform Blood-versus Oral-Fluid-Based HIV Self-Testing in Adolescents and Young Adults in Bangkok. Int J STD AIDS. 2022 [acesso em 2023 jan 13]; 33(5):492-498. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/09564624221076955.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
. Semelhante ao estudo anterior, apesar do receio da estigmatização nas Unidades de Saúde, demonstram manter expectativas positivas quanto ao aconselhamento pós testagem, o que pode estar relacionado ao prestígio do programa brasileiro de combate à Aids3030 Figueroa C, Johnson C, Ford N, et al. Reliability of HIV rapid diagnostic tests for self-testing compared with testing by health-care workers: a systematic review and meta-analysis. The Lancet. HIV. 2018 [acesso em 2022 jan 6]; 5(6). Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2352-3018(18)30044-4.
https://doi.org/10.1016/S2352-3018(18)30...
.
O ATHIV é percebido pelos/pelas adolescentes como um método que contribuiria para o autocuidado. É importante notar que, neste caso, o autocuidado pode estar relacionado à busca por minimizar riscos sem necessariamente estar associado à alteração nas práticas sexuais, de modo que muitas vezes o incremento do autocuidado pode não ser percebido pelo/a profissional de saúde1616 Zucchi EM, Couto MT, Castellanos M, et al. Acceptability of daily pre-exposure prophylaxis among adolescent men who have sex with men, travestis and transgender women in Brazil: A qualitative study. PLoS ONE. [acesso em 2022 jun 14]; 16(5):e0249293. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0249293.
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, orientado/a por perspectivas menos particularizadas. A testagem, como estratégia preventiva, também foi contestada por alguns por introduzir um elemento racional de planejamento às práticas sexuais, alheio à cultura sexual de alguns jovens. Isso nos leva a refletir sobre a importância da discussão sobre ‘testagem e cultura juvenil’, tema central para diálogos entre educadores pares e adolescentes e para aprofundamento em novos estudos.
Conclusões
Este estudo identificou o ATHIV como uma estratégia fundamental para o incremento da autonomia e autocuidado entre adolescentes. Evidencia elementos da aceitabilidade do ATHIV e particularidades dos/das adolescentes HSH e TrMT. Descreve o temor à estigmatização vivenciada nos serviços de saúde como fator a ser enfrentado na disponibilização do ATHIV, considerando que o ATHIV não prescinde do apoio de profissionais de saúde. E destaca elementos da aceitabilidade como ‘tipo de teste: teste oral ou punção digital’, ‘objetivo do teste: diagnóstico ou prevenção’ como sendo centrais para diálogos com vistas à maior adequação do ATHIV às culturas juvenis e, consequentemente, maior ampliação e adesão à testagem.
Consideramos que os resultados corroboram com a literatura vigente sobre prevenção do HIV e fortalece as perspectivas de adolescentes de países de baixa e média renda nesta literatura. Como possível limitação do estudo, indicamos o fato dos/das participantes não terem conhecimento prévio sobre ATHIV, sendo necessário ponderar o impacto de receber uma nova informação no momento da pesquisa.
A boa aceitabilidade ao ATHIV reforça a relevância de sua dispensação no SUS, acompanhada de estratégias culturalmente sensíveis e adequadas a essa população, bem como à continuidade das políticas públicas voltadas ao enfrentamento do estigma vivenciado por esses grupos sociais.
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Suporte financeiro: Unitaid
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Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
14 Abr 2023 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2023
Histórico
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Recebido
20 Jul 2022 -
Aceito
29 Nov 2022