Open-access Estudo de avaliabilidade da segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde

Patient safety assessment study in Primary Health Care

RESUMO

A segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde (APS) preocupa-se em reduzir erros e eventos adversos relacionados a assistência à saúde, porém há poucos estudos elaborados com aplicação de modelos avaliativos sobre a temática neste contexto. Este trabalho objetivou desenvolver e propor um modelo avaliativo da segurança do paciente na APS. Realizou-se um estudo de avaliabilidade por meio da análise documental, revisão de literatura, proposição dos modelos e validação dos modelos por meio da conferência de consenso. Idealmente, a teoria do programa, apresentada no Modelo Teórico, evidencia que os recursos, a cultura de segurança, os processos assistenciais e a educação permanente são componentes que viabilizam a implantação do programa, que precisam ser discutidos e aprimorados com envolvimento da gestão, dos profissionais e dos próprios pacientes/familiares e cuidadores, sendo, portanto, explorados no Modelo Lógico e assumidos como fundamentais para a oferta de cuidados mais seguros na APS quando interagem articuladamente. Na Matriz de Análise e Julgamento, esses quatro componentes assumem o mesmo peso no cálculo que determinará o grau de implantação da segurança do paciente na APS. A modelização apresentada pode ser utilizada por diversos atores, de diferentes contextos, para explorar e aprimorar a segurança do paciente na APS.

PALAVRAS-CHAVES Segurança do paciente; Atenção Primária à Saúde; Avaliação em saúde

ABSTRACT

Patient safety in Primary Health Care (PHC) is concerned with reducing errors and adverse events related to health care, but there are few studies developed with the application of evaluative models on the subject in this context. This study aimed to develop and propose an evaluation model of patient safety in PHC. An evaluability study was carried out through document analysis, literature review, proposition of models and validation of models through consensus conference. Ideally, the theory of the program, presented in the Theoretical Model, shows that resources, safety culture, care processes and permanent education are components that enable the implementation of the program, which need to be discussed and improved with the involvement of management, professionals and the patients/family members and caregivers themselves, being, therefore, explored in the Logical Model and assumed as fundamental for the provision of safer care in PHC when they interact articulately. In the Analysis and Judgment Matrix, these four components assume the same weight in the calculation that will determine the degree of implementation of patient safety in PHC. The modeling presented can be used by different actors, from different contexts, to explore and improve patient safety in PHC.

KEYWORDS Patient safety; Primary Health Care; Health evaluation

Introdução

A segurança do paciente preocupa-se em reduzir riscos, erros e danos evitáveis relacionados ao cuidado em saúde1 e tornou-se fonte de preocupação a partir da publicação do relatório ‘To Err is Human’, que expôs à sociedade os erros que envolvem o cuidado em saúde e os danos que podem causar aos pacientes2.

Na tentativa de promover a segurança do paciente e reduzir as consequências físicas e sociais relacionadas aos erros vinculados à assistência à saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus países membros lançaram, em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente3. No Brasil, a Política Nacional de Segurança do Paciente foi instituída em 1º de abril de 2013, como parte da agenda de comprometimento global com a temática4.

A implantação de uma política ou programa demonstra o quanto essa intervenção se encontra adequadamente operacionalizada, enquanto a avaliação possibilita identificar o nível de adequação dessa operacionalização, validando a execução das intervenções e os possíveis fatores que distanciam o planejamento da execução5.

As pesquisas que avaliam a segurança do paciente no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) têm seu escopo direcionado aos aspectos relacionados à cultura de segurança do paciente. Recentemente, no Brasil, foi produzido um estudo metodológico que elaborou e validou um instrumento autoavaliativo da segurança do paciente na APS por meio das seguintes etapas: elaboração do instrumento, validação de conteúdo, validação de conteúdo de consistência e coerência e análise fatorial6. Todavia, diferentemente do presente estudo, não desenvolveu os modelos avaliativos.

Antes de iniciar a avaliação de uma política ou programa, recomenda-se desenvolver o estudo de avaliabilidade que, por meio da modelização, permite conhecer a teoria que fundamenta sua elaboração, a lógica que o estrutura, sua operacionalização e os aspectos envolvidos, evidenciando as justificativas e recomendações para a avaliação propriamente dita7.

Na APS, apontam-se estimativas de incidentes de segurança em 12,6%, sendo 55,6% destes evitáveis8. No entanto, o enfoque das discussões segue direcionado ao contexto hospitalar9, com poucos estudos que elaboraram e aplicaram modelos avaliativos sobre a segurança do paciente na APS.

Estudos de avaliabilidade da segurança do paciente na APS oportunizam o desenvolvimento de avaliações na temática e a produção de novos e importantes conhecimentos que permitam indicar ações e mudanças que tornem os cuidados prestados na APS mais seguros. Nesta perspectiva, este estudo tem o objetivo de desenvolver e propor um modelo avaliativo da segurança do paciente na APS.

Material e métodos

Trata-se de um estudo de avaliabilidade, desenvolvido no período de janeiro a agosto de 2022, de abordagem exploratória e qualitativa, segundo os elementos recomendados por Thurston e Ramaliu10, quais sejam: (1) análise documental; (2) revisão de literatura; (3) proposição dos modelos; (4) conferência de consenso; e (5) recomendações para a avaliação. A análise documental explorou 26 produções técnicas e normativas (inter)nacionais envolvendo a temática da segurança do paciente na APS, que serviram como fonte de evidência para definir os elementos fundamentais para segurança do paciente na APS (quadro 1).

Quadro 1
Fontes de evidências para modelização da segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde, Florianópolis, 2023

A revisão integrativa da literatura foi realizada nas bases de dados BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Cinahl, SciELO, Scopus, PubMed, e Web of Science, sem restrição temporal, utilizando os descritores: Segurança do Paciente, Atenção Primária à Saúde e Avaliação em Saúde. Resultaram 32 estudos que atenderam a seguinte questão norteadora: Quais os aspectos fundamentais para garantir a segurança do paciente na APS11?

A partir dos resultados teóricos encontrados, foi realizada a proposta inicial para avaliação da segurança do paciente na APS – Modelo Teórico (MT), Modelo Lógico (ML) e Matriz de Análise e Julgamento (MAJ) – que foi submetida à validação por meio da técnica mista denominada de conferência de consenso12.

A conferência de consenso contou com dez especialistas vinculados aos serviços de saúde e/ou academia, selecionados a partir da expertise relacionada à temática, análise de publicações e currículo lattes, que consentiram em participar.

O consenso aconteceu em três etapas virtuais assíncronas, sendo que a cada rodada os participantes tiveram a oportunidade de se posicionarem em concordância total, parcial ou nula aos itens apresentados, contribuindo descritivamente com as discordâncias identificadas.

A cada rodada da conferência de consenso, os retornos recebidos foram consolidados e os ajustes foram feitos conforme as recomendações dos participantes e as questões teóricas vinculadas. Nova apreciação e manifestação dos especialistas era solicitada e os itens eventualmente não acatados nas sucessivas versões dos modelos, eram justificados nos retornos e apreciados novamente, até que não houvesse mais contestações. O consenso entre os especialistas foi alcançado na terceira rodada da conferência de consenso.

As recomendações para as futuras avaliações foram evidenciadas a partir da construção do MT, ML e MAJ consensualizados neste estudo.

O projeto de pesquisa obedeceu à Resolução nº 422/2016 do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa com Seres Humanos13, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob o parecer 5.172.176/2021.

Resultados

A análise documental e a revisão da literatura apontaram como componentes fundamentais para a segurança do paciente os aspectos estruturais, processos assistenciais, treinamento e cultura, que precisam ser discutidos e aprimorados envolvendo a gestão, os profissionais e os próprios pacientes/ familiares e cuidadores11.

O MT (figura 1) construído e validado evidencia os fatores contextuais externos e internos que podem atuar sobre a segurança do paciente na APS. A magnitude dos eventos adversos acarreta impactos de ordem econômica e social14, que exigem dos sistemas de saúde, influenciados pelo cenário econômico que os cerceiam, organização de políticas públicas que estabeleçam ações direcionadas à segurança do paciente, inclusive na APS15.

Figura 1
Modelo Teórico da segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde, Florianópolis/SC, 2021

A APS é porta de entrada preferencial do sistema de saúde, executa a maioria dos cuidados prestados à população, e enfrenta os impactos relacionados à transição demográfica e perfil epidemiológico. Uma população mais envelhecida e com multimorbidades exige cuidados mais complexos e sujeitos a riscos de segurança16,17,18.

No contexto interno da segurança do paciente na APS, a implantação de políticas públicas, como a Política Nacional da Atenção Básica (PNAB)19 e o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP)4, normatizam ações que viabilizam a organização, qualificação e melhoria da segurança na APS. As políticas públicas reforçam a participação da APS na Rede de Atenção à Saúde e promovem a articulação dos envolvidos – gestão, profissionais e pacientes – com consequente redução de riscos e de eventos adversos4,19.

Os elementos fundamentais para a implantação da Segurança do Paciente na APS são: os recursos (financeiro, físico, humano, material, tecnológico e de apoio aos processos); a cultura de segurança; os processos assistenciais; e a educação permanente. A articulação desses elementos deve viabilizar o alcance de cuidados mais seguros na APS.

O ensino e a pesquisa são influenciados e são influenciadores da APS, uma vez que compõem a formação dos profissionais que atuam na APS, além de produzir conhecimento que estimula a percepção de risco e a oferta de cuidados de saúde seguros e de qualidade20,21.

O processo de formação dos profissionais estimula o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes diante da segurança do paciente, estabelecendo a importância de uma força de trabalho que promova os cuidados centrados no paciente22.

Quando as ações de segurança do paciente na APS não ocorrem de forma efetiva para reduzir as falhas e tornar o cuidado prestado mais seguro, os eventos adversos seguem acontecendo e produzindo impacto para além da APS, atingindo o nível secundário e terciário14,22,23,24.

O ML (quadro 2) apresenta a organização e o funcionamento da segurança do paciente na APS, identificando as atividades necessárias para que os resultados sejam alcançados. Neste modelo, as questões de ensino e pesquisa não foram investigadas.

Quadro 2
Modelo Lógico da segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde. Florianópolis (SC), 2022

O ML é composto por quatro componentes (recursos, cultura de segurança, processos assistenciais e educação permanente) com atividades, produtos e resultados específicos, assumidos como fundamentais para a redução dos eventos adversos e cuidados mais seguros na APS.

  • O provimento de recursos financeiro, físico, humano, material, tecnológico e de apoio aos processos remetem para a estrutura necessária ao desenvolvimento de cuidados seguros na APS24,25;

  • A cultura de segurança trata do “conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimento da instituição diante da segurança do paciente, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde”4, evidenciando o comportamento dos profissionais e da gestão em relação à segurança do paciente;

  • Os processos assistenciais exploram como os profissionais seguem os aspectos prescritivos para organizar o seu trabalho e sua prática com vistas a segurança do paciente26, bem como a maneira como inserem o paciente/familiar/cuidador nos cuidados prestados;

  • A educação permanente surge como uma oportunidade de desenvolver continuamente os profissionais da APS por meio do treinamento em serviço22, uma vez que os profissionais necessitam de formação adequada para fortalecer a consciência situacional, a percepção de riscos e a oferta de cuidados de saúde seguros e de qualidade20,21. Da mesma forma, os pacientes, familiares e cuidadores precisam estar capacitados para poderem desenvolver uma postura de liderança em sua segurança27.

De maneira articulada, estes componentes interagem por meio de suas atividades na busca por cuidados mais seguros na APS, como prevê a meta estabelecida pelo programa.

A MAJ consensualizada determina o grau de implantação da segurança do paciente na APS. É composta por quatro componentes de análise de igual peso no cálculo: recursos (nove indicadores), cultura de segurança (cinco indicadores), processos assistenciais (quatro indicadores) e educação permanente (quatro indicadores) (quadro 3).

Quadro 3
Matriz de Análise e Julgamento da segurança do paciente na atenção primária. Florianópolis (SC), 2023

A MAJ estabelece que, o serviço terá um grau de implantação satisfatório quando obtiver 75% ou mais de respostas positivas no instrumento que avalia a segurança do paciente na APS, implantação parcial quando receber entre 25% e 75% das respostas positivas, implantação incipiente quando auferir 25% ou menos de respostas positivas.

As medidas são aferidas em um checklist da segurança do paciente na APS, com itens específicos para cada dimensão, aplicado a informantes chaves das unidades de saúde que compõem o contexto a ser avaliado.

A elaboração do MT, ML e MAJ deixou algumas recomendações para a avaliação e conduziu a algumas perguntas para futuros estudos avaliativos, que viabilizarão discussões e alinhamentos permanentes das ações de segurança do paciente na APS, quais sejam: Qual o grau de implantação da segurança do paciente na APS? Quais os elementos facilitadores e barreiras interferem no processo de implementação da segurança do paciente na APS?

Discussão

A ausência de uma articulação explícita que apresente claramente as mediações necessárias para a oferta de cuidados primários mais seguros e o fortalecimento da segurança do paciente na APS orientou e justificou o desenvolvimento deste modelo avaliativo.

A APS provê o maior volume de cuidados de saúde à população e possui uma estimativa de incidentes de segurança do paciente – eventos que podem ou não causar danos aos pacientes – de 2 a 3% nas consultas realizadas28. O Brasil executou 78 milhões de consultas médicas em 201929. Conforme a estimativa de incidente de 2 a 3%, acarretou cerca de 1,5 milhões de incidentes de segurança apenas naquele ano. Neste sentido, é necessário ampliar as discussões sobre a segurança do paciente na APS, qualificando o cuidado ofertado.

O processo de imersão e revisão dos documentos subsidiou a definição do objetivo do programa, que envolve a redução de eventos adversos por meio de cuidados primários mais seguros, bem como dos fundamentos que norteiam o desenvolvimento da teoria do programa e da sua operacionalização lógica, neste estudo validada pelos especialistas, por meio da conferência de consenso.

O MT busca expor o problema que demandou a criação da intervenção, o contexto/cenário em que a política se desenvolve e os atores envolvidos no seu planejamento e execução, evidenciando as etapas que motivaram o debate sobre a problemática da segurança do paciente na APS anteriormente a sua operacionalização5.

O ML deve possibilitar que a plausibilidade no alcance de determinados resultados relacionados a um programa sejam verificadas30. Portanto, o ML elaborado apresenta a operacionalização das conexões necessárias para que os componentes – recursos, cultura de segurança, processos assistenciais e educação permanente – que estruturam a segurança do paciente na APS se desmembrem em atividades, produtos e alcancem os resultados idealmente esperados.

Referente à dimensão recursos, que trata de todo o arcabouço estrutural necessário para a efetivação da segurança do paciente na APS, a literatura evidencia que a infraestrutura das unidades de saúde31, disponibilidade de insumos31, composição das equipes32, inclusive com a presença do Núcleo de Segurança4, uso de tecnologias31, incluindo sistemas de notificações de incidentes17 e normativas que norteiam o trabalho desenvolvido na APS como o Plano de Segurança do Paciente4, diretrizes clínicas e protocolos institucionais27, são condições sine qua non para o alcance de cuidados primários mais seguros, sendo, portanto, os indicadores utilizados nesta dimensão.

A cultura de segurança é uma dimensão bem consolidada dentro da temática da segurança do paciente, sendo recentemente também explorada no contexto da APS. Instrumentos já validados, como o Medical Office Survey on Patient Safety Culture – MOSPSC (Pesquisa de Consultório Médico sobre Cultura de Segurança na Atenção Primária)17,32 e o Hospital Survey on Patient Safety Culture – HSOPSC (Pesquisa Hospitalar sobre a Cultura de Segurança do Paciente)33, avaliam por meio de escala Likert a cultura de segurança, explorando dimensões como trabalho em equipe, seguimento da assistência ao paciente, aprendizagem organizacional, treinamento de equipe, apoio da gestão para a segurança do paciente, abertura de comunicação, padronização de processos de trabalho, dentre outras17,32,33.

Como a própria literatura já sinaliza, o fortalecimento da cultura de segurança se inicia com a avaliação da cultura presente na instituição32,33, oportunizando a identificação de fortalezas e fragilidades que viabilizem intervenções no contexto explorado. Dentre as características presentes na cultura de segurança, destaca-se a necessidade de reduzir os gradientes de hierarquia, por meio de uma comunicação respeitosa e confiante, o trabalho em equipe, a liderança, e a promoção da cultura justa, na qual a culpa e a punição oportunizam o aprendizado e as melhorias na atenção à saúde17,34.

Para além da cultura de segurança, a segurança do paciente recebe influência dos fatores organizacionais e dos fatores humanos34. Por isso, a dimensão processos assistenciais, buscou na literatura e transpôs para seus indicadores a premissa de que a segurança apenas será implantada se os profissionais estiverem envolvidos com a causa, seguindo as normativas que conduzem as questões clínicas e de segurança, os conhecidos protocolos assistenciais, institucionais ou de segurança27, notificando os incidentes de segurança35, envolvendo e empoderando o paciente, familiar e/ou cuidador no processo de cuidado27, qualificando a coordenação16 e a continuidade do cuidado16 na rede de atenção à saúde.

Tanto os profissionais de saúde, como os pacientes/familiares/cuidadores precisam estar capacitados para guiar sua segurança22. Por isso, a dimensão educação permanente destaca o potencial da educação continuada e permanente envolvendo a participação do paciente/familiar/cuidador e dos profissionais, desenvolvendo inclusive as ações que abordem a saúde dos próprios trabalhadores, uma vez que possui relação direta com a segurança do paciente1,22.

O ML não é um produto estanque, mas sujeito a ajustes a cada nova necessidade identificada. Por isso, aspectos não previstos na proposta apresentada ou que surjam no processo de implementação do programa devem ser acrescentados, ajustando e aperfeiçoando o modelo inicial5. O ML exposto é composto por itens fundamentais para segurança do paciente na APS, foi validado por especialistas e, portanto, é um instrumento importante para explorar e discutir o objeto em questão. Ele não tem o intuito de negligenciar as questões que envolvem a pesquisa, mas sim dar ênfase ao trabalho desenvolvido no âmbito da APS, orientando a condução de ações assertivas para o fortalecimento da segurança do paciente.

A MAJ apresenta uma possibilidade metodológica para condução de futuros estudos avaliativos, estabelecendo critérios/indicadores com parâmetros e juízo de valor para parametrização dos resultados encontrados. Diferente dos parâmetros utilizados neste estudo, a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) estabelece em seu julgamento que as “áreas forte da segurança do paciente” são aquelas que recebem 75% ou mais de respostas positivas no contexto explorado, sendo as “áreas frágeis para a segurança do paciente” aquelas que recebem na avaliação até 50% de respostas positivas36.

Já Togashi6, construiu e validou um instrumento de autoavaliação da segurança do paciente na APS composto por uma escala Likert que avalia cinco domínios da segurança do paciente na APS: estrutura (6 itens), equipe e treinamento (6 itens), gestão e liderança (6 itens), processo assistencial (12 itens) e cultura (4 itens), mas não apresentou parâmetros de julgamento para a avaliação, mencionando, apenas, que o propósito avaliativo do instrumento é que quanto mais respostas se aproximarem da opção ‘concordo totalmente’, mais adequado está o serviço em relação à segurança do paciente.

A proposta avaliativa apresentada é inovadora e visa colaborar com o desenvolvimento de ações que fortaleçam a segurança do paciente na APS, no entanto, dependendo da necessidade e do interesse de informação, outros métodos avaliativos podem ser utilizados considerando as condições existentes para sua execução, como recursos, tempo e oportunidade5.

Considerações finais

O estudo construiu e apresentou a teoria da segurança do paciente na APS, estabelecendo as conexões necessárias entre atividades, produtos e resultados para alcance das metas estabelecidas pelo programa, qual seja, alcançar cuidados mais seguros neste contexto de atenção à saúde.

Para solidificar a construção da modelização, os especialistas foram envolvidos em todas as etapas, sendo fonte de informações e contribuições para o desenvolvimento do estudo de avaliabilidade. Apesar de tratar-se de uma forte recomendação para os futuros estudos, envolvê-los e mantê-los ativos com as suas participações nos diferentes momentos do estudo é um desafio.

As estratégias utilizadas para oportunizar e potencializar a participação dos especialistas foram a construção das etapas da conferência de consenso de modo virtual e assíncronas, tentando adequar-se às disponibilidades individuais dos participantes e a flexibilidade dos prazos de retorno conforme a necessidade apresentada.

Como potencialidade destaca-se o uso de diferentes técnicas para validação e confiabilidade dos resultados: análise documental, revisão de literatura e a conferência de consenso, com a participação dos especialistas na temática. Por isso, a modelização da segurança do paciente na APS apresentada pode ser utilizada por diversos atores, de diferentes contextos, para explorar e aprimorar a segurança do paciente na APS.

O estudo originou-se de uma demanda acadêmica, constituindo uma produção teórica e a sua utilização extensiva pode estar limitada por não ter sido uma necessidade sentida pelo próprio serviço. Outra limitação foi a dificuldade em incluir um número maior de especialistas e trabalhadores dos serviços nas etapas da conferência de consenso.

Sugere-se que novos estudos avaliativos sejam desenvolvidos, explorando a implantação da segurança do paciente na APS, contextos e elementos facilitadores e dificultadores do processo de implantação e implementação da segurança do paciente na APS.

  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2022
  • Aceito
    03 Maio 2023
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