RESUMO
Emergências em Saúde Pública e desastres são eventos que causam impactos sobre a sociedade, afetando a vida e o cotidiano das pessoas, suas condições de saúde e segurança. As ciências sociais têm um papel fundamental na análise de tais eventos ao fornecerem uma perspectiva crítica acerca da dimensão das estruturas sociais, culturais, políticas e econômicas envolvidas. Neste artigo, buscou-se abordar os conceitos intercambiáveis de emergências em saúde pública e desastres, e suas inter-relações com os aspectos sociais, ao analisar como os teóricos sociais consideram o tema sob o enfoque do risco, a fim de melhor compreender os processos de vulnerabilização. Para tanto, foi realizado estudo exploratório que se concentrou nas abordagens sociológicas, conceituais e epistemológicas, buscando fornecer elementos para a construção de ideações, tecnologias e práticas que possam ser agregadas às ações de gestão do risco. Os resultados destacam a necessidade de (re)análises desses fenômenos a partir da ampliação da discussão em busca de uma maior aproximação entre as ciências sociais e as bases interdisciplinares, na direção da estruturação de arcabouço teórico mais consensual e plausível sobre as questões complexas observadas nas situações de emergências e desastres e seus impactos na sociedade contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE
Desastres; Emergências; Saúde pública; Ciências sociais; Risco
ABSTRACT
Public health emergencies and disasters are events that impact society, affecting people’s, live and their health and safety conditions. Social sciences play a fundamental role in the analysis of such events, by providing a critical perspective on the dimension of the social, cultural, political, and economic structures involved. This article seeks to address the interchangeable concepts of public health emergencies and disasters, and their interrelationships with social aspects, by analyzing how social theorists consider the issue from a risk perspective, in order to better understand the processes of vulnerability. To this end, an exploratory study was carried out that focused on sociological, conceptual, and epistemological approaches, seeking to provide elements for the construction of ideas, technologies and practices that can be added to risk management actions. The results highlight the need for (re)analyses of such phenomena from the broadening of the discussion in search of a greater approximation between the social sciences and the interdisciplinary bases, towards the structuring of a more consensual and plausible theoretical framework on the complex issues observed in the emergency and disaster situations and their impacts on contemporary society.
KEYWORDS
Disasters; Emergencies; Public health; Social sciences; Risk
Introdução
Emergências em Saúde Pública (ESP) são reconhecidas como eventos que apresentam riscos significativos para a saúde da população e que exigem respostas coordenadas para prevenir e mitigar seus desdobramentos. Incluem epidemias, contaminações de água, solo e ar, acidentes com materiais químicos, biológicos, radiológicos e nucleares, entre outros11 Carmo EH. Emergências de saúde pública: breve histórico, conceitos e aplicações. Saúde debate. 2020; 44(2):9-19..
Os desastres são compreendidos como eventos adversos que provocam danos, destruição e perturbação a vidas, propriedades, meios de subsistência e ambiente de uma comunidade ou área, ultrapassando sua capacidade de resposta e requerendo a intervenção de recursos externos. São classificados como: de origem natural, a exemplo de inundações, deslizamentos de terra, epidemias e pandemias; de origem tecnológica, como rompimentos de barragem, incêndios, acidentes industriais, entre outros; ou ainda de origem social, como, por exemplo, violência e caos urbano, fome, pobreza estrutural, desassistência, ondas migratórias humanas e conflitos políticos22 Quarantelli EL. A social science research agenda for the disasters of the 21st century: theoretical, methodological and empirical issues and their professional implementation. In: Perry RW, Quarantelli EL, organizadores. What is a disaster? new answers to old questions. Philadelphia: Xlibris; 2005. p. 325-396.,33 Valencio N, Carmo R, organizadores. Segurança humana no contexto dos desastres. São Carlos: RiMa; 2014. [acesso em 2022 abr 12]. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/segurancahumana/segurancahumana.pdf.
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Independentemente de origens ou de magnitudes, impactam de forma distinta os sistemas sociais e os indivíduos, na dependência da estruturação social e sanitária das comunidades afetadas, tendo um efeito maior, especialmente, sobre os mais vulneráveis. As vulnerabilidades socioambientais e econômicas aprofundam as diferenças sociais, assim como potencializam efeitos e desdobramentos das emergências e desastres, ao desequilibrarem os já titubeantes sistemas de saúde, com o aporte de novos problemas, que passam a coexistir com demandas e problemas de saúde cotidianos, potencializando e sobrepondo os riscos nos territórios.
Sob a óptica das ciências sociais, a noção de risco envolve a probabilidade de ocorrência de um evento físico prejudicial, com potencial para gerar perdas e danos de diferentes naturezas44 Narváez L, Ortega GP, Lavell A. La Gestión del Riesgo de Desastres: un enfoque basado en procesos. La Paz: CEBEM; 2009. [acesso em 2022 jul 23]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/des-17733.
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. Tal noção contempla, portanto, uma perspectiva multidimensional na medida em que envolve diversos fatores interconectados (sociais, econômicos, ambientais e de saúde), os quais podem influenciar a ocorrência e o impacto das emergências e dos desastres. Destarte, neste estudo, os dois termos são considerados intercambiáveis.
Progressivamente, a saúde pública vem sofrendo os efeitos diretos e indiretos das situações de emergências e desastres. Os desdobramentos em curto, médio e longo prazo e o empreendimento de estratégias de preparação e resposta adequadas têm sido, ao longo dos anos, um desafio global, a despeito de avanços e esforços de órgãos e entidades locais e mundiais, de governos e países. Com efeito, as estratégias de gestão do risco de emergências e desastres e as inovações tecnológicas desenvolvidas para fazerem frente a esses eventos seguem em constante estudo e (re)estruturação.
No contexto brasileiro, as vulnerabilidades socioambientais e econômicas produzem precárias condições de subsistência e deterioração ambiental, bem como os determinantes sociais e as desigualdades no acesso à assistência à saúde e à atenção psicossocial, que aprofundam diferenças sociais e agravam os efeitos das emergências e desastres. Isso demanda intervenções da comunidade científica em busca de melhorias das ações de prevenção, preparação, resposta e recuperação55 Almeida LS, Cota ALS, Rodrigues DF. Saneamento, Arboviroses e Determinantes Ambientais: impactos na saúde urbana. Ciênc. saúde coletiva. 2020; 25(10):3857-3868.,66 Valencio N, Valencio A, Baptista MS. The interface of disasters, sanitation, and poverty in Brazil: a sociological perspective. Front Sustain Cities. 2023 [acesso em 2023 mar 3]; (5):1-7. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/frsc.2023.1184532/full.
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Em busca de oportunizar elementos para abordagem dos fenômenos de emergências e desastres, à luz dos estudos desenvolvidos no campo das ciências sociais, partiu-se da premissa de serem traçadas potenciais interlocuções com teóricos que vêm se aproximando desse debate. Sob tal perspectiva, tem-se a compreensão de que o enfoque das questões e dos problemas do mundo real, que envolvem esses eventos, pode vir a potencializar ideias que sustentem o desenvolvimento de ações de gestão de risco alinhadas às necessidades específicas de cada local/país/região.
Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório de base teórica, desenvolvido a partir de fontes secundárias. Evidenciaram-se as perspectivas e as abordagens de teóricos sociais sobre aspectos conceituais e epistemológicos relacionados com os estudos das ESP e desastres.
Para análise crítica das obras, foram utilizadas ferramentas das ciências sociais, como a teoria crítica, buscando nexos com estudos sobre sociologia dos desastres. Além disso, concentrou-se em abordagens sociológicas e conceituais, buscando fornecer elementos para construção de ideações, tecnologias e práticas que se articulem a ações de gestão de risco.
Os dados foram classificados, concatenados, complementados e discutidos com o propósito de expor ideias e pontos de vista sem, contudo, explorar o assunto de forma exaustiva. Estruturou-se a abordagem teórica em um único eixo temático: ESP, desastres e risco na perspectiva das ciências sociais.
Resultados e discussão
Na agenda de debates acadêmicos, ainda está ausente um consenso definidor do que é ou não desastre. Há quem o compreenda como evento físico e quem o entenda como construção social. O aprofundamento da discussão não traz convergências para a solução dessa questão; no entanto, existe o entendimento de desastre como fenômeno social, que leva à disrupção de estruturas ou de sistemas77 Valencio N. Desastres, ordem social e planejamento em defesa civil: o contexto brasileiro. Saúde soc. 2010; 19(4):748-62.. Na dinâmica dos desastres de origem natural, a percepção das mudanças do juízo de natureza transpõe, para o interior da sociedade, eventos que outrora eram considerados exteriores a ela e que, assim, passam a ter geração social88 Mattedi M. Dilemas e perspectivas da abordagem sociológica dos desastres naturais. Tempo Soc. 2017; 29(3):261.. Os desastres passaram a ser compreendidos, nessa perspectiva, como eventos advindos da ação humana22 Quarantelli EL. A social science research agenda for the disasters of the 21st century: theoretical, methodological and empirical issues and their professional implementation. In: Perry RW, Quarantelli EL, organizadores. What is a disaster? new answers to old questions. Philadelphia: Xlibris; 2005. p. 325-396., reforçando a compreensão de que a construção do risco decorre do arbítrio humano, de tal maneira que os desastres não são naturais, mas antropogênicos99 Oliver-Smith A, Alcántara-Ayala I, Burton I, et al. A construção social do risco de desastres: em busca das causas básicas. In: Marchezini V, Wisner B, Londe LR, et al., organizadores. Redução de vulnerabilidade a desastres do conhecimento à ação. São Carlos: RiMa; 2017. p. 97-114..
O risco resulta de exposição a ameaças ou perigos, associados a vulnerabilidades e a condições de resiliência. Dessa maneira, explicações tradicionais sobre desastres e suas causas são ainda insuficientes, e precisam ser aprofundadas e abordadas de forma inovadora por acadêmicos, organizações e instâncias governamentais66 Valencio N, Valencio A, Baptista MS. The interface of disasters, sanitation, and poverty in Brazil: a sociological perspective. Front Sustain Cities. 2023 [acesso em 2023 mar 3]; (5):1-7. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/frsc.2023.1184532/full.
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Maskrey et al.1010 Maskrey A, Allan Lavell, Jain G. The social construction of systemic risk: towards an actionable framework for risk governance. Washington, DC: United Nations Office for Disaster Risk Reduction; 2022. 1-28. [acesso em 2023 mar 20]. Disponível em: https://www.undrr.org/publication/social-construction-systemic-risk-towards-actionable-framework-risk-governance-0.
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apresentaram o conceito de ‘risco sistêmico’, que diz respeito a fenômenos ocasionais, físicos, biológicos, socioambientais ou tecnológicos, que, além de perdas e danos diretos, impactam os diversos sistemas interconectados e interdependentes com efeitos sistêmicos em cascata, sequenciais, síncronos ou simultâneos, de curto, médio e longo prazos. O termo não diz respeito a múltiplos riscos desencadeantes de determinado evento, e sim ao desdobramento de seus efeitos associados a diversos outros fatores de risco, de exposição e de vulnerabilidade, independentemente do que os desencadeiam.
No contexto mundial, o papel preponderante dos cientistas sociais, ao estudar o tema, foi entender ‘desastres’ como resultado de relações sociais, e não como eventos proeminentemente naturais. Ao longo do tempo, diferentes campos e disciplinas têm analisado desastres, dando ênfase especial a dois temas: análise de risco e ameaças naturais1111 Marchezini V. As ciências sociais nos desastres: um campo de pesquisa em construção. BIB. 2018; 83(1):43-72..
A construção do conceito desastre resta controversa, não consensual e ainda em debate. É assunto heterogêneo e multi/inter/transdisciplinar, levando a ambivalências no campo das ciências sociais. Apesar da institucionalização do conhecimento do tema no âmbito das agendas governamentais e institucionais, tais como a Organização das Nações Unidas, e do avanço de sua abordagem por revistas especializadas, nos comitês e associações científicas, as controvérsias sobre a sua abordagem só vêm aumentando88 Mattedi M. Dilemas e perspectivas da abordagem sociológica dos desastres naturais. Tempo Soc. 2017; 29(3):261..
Apesar das ciências sociais estudarem desastres desde a década de 1950, novos conhecimentos são necessários, notavelmente aqueles que busquem abordagens diversas daquelas elaboradas até agora, avançando para entender e (re)elaborar práticas sustentáveis e novos conhecimentos sobre o tema22 Quarantelli EL. A social science research agenda for the disasters of the 21st century: theoretical, methodological and empirical issues and their professional implementation. In: Perry RW, Quarantelli EL, organizadores. What is a disaster? new answers to old questions. Philadelphia: Xlibris; 2005. p. 325-396..
No Brasil, percebe-se a necessidade de análise aprofundada, por meio das pesquisas das ciências sociais, tanto do conceito de ‘desastres’ quanto do de ‘vulnerabilidades’, que partam da realidade da ocorrência dos desastres nacionais1111 Marchezini V. As ciências sociais nos desastres: um campo de pesquisa em construção. BIB. 2018; 83(1):43-72.. Tal ideia é clara e sistematicamente observada durante o enfrentamento de ameaças biológicas no País. Como exemplo recente, o enfrentamento da Covid-19 demonstrou dificuldades em termos de interoperabilidade entre os diferentes agentes, setores e instituições nas esferas de governo que não adotaram ações contundentes e efetivas para resposta emergencial em função de questões políticas ou ideológicas. Isso gerou maior grau de vulnerabilidade nas comunidades mais empobrecidas e mesmo de solapamento de ações de vigilância e atenção à saúde.
Nesses processos, a compreensão aprofundada e a apropriação de concepções e de teorias que desvelem os riscos (de emergências e desastres) têm potencial para embasar o desenvolvimento de políticas públicas e planos estratégicos, que possam fazer frente a tais situações.
Para contextualizar adequadamente e entender as situações epidêmicas/pandêmicas e outras tipologias de emergências e desastres, sob seus variados e complexos aspectos, é preciso demarcar territórios teóricos/filosóficos para utilização em perspectiva orientada para os problemas e as especificidades locais/nacionais1212 Almeida Filho ND. Modelagem da pandemia Covid-19 como objeto complexo (notas samajianas). Estud. Av. 2020; 34(99):97-118..
Assim, a realidade brasileira não foi ainda contemplada por um mergulho epistemológico sobre os eventos que assolam o País, permitindo que algumas ciências interpretem cientificamente e divulguem suas impressões por vezes descontextualizadas, enviesadas, preconceituosas e até mesmo antidemocráticas. No mundo contemporâneo, é papel das ciências sociais contribuir criticamente para o fortalecimento dos movimentos sociais e das políticas públicas, colocando o Estado na dimensão da sua responsabilidade de transformação social e de protagonista das ações de gestão do risco33 Valencio N, Carmo R, organizadores. Segurança humana no contexto dos desastres. São Carlos: RiMa; 2014. [acesso em 2022 abr 12]. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/segurancahumana/segurancahumana.pdf.
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No contexto dos desastres, existem autores das ciências sociais que consideram o tema dentro da realidade social contemporânea, por meio da abordagem sociológica do conceito de ‘risco’ e da análise de seus desdobramentos sociais. No ponto de vista sociológico, pode-se tomar por referência três teóricos contemporâneos, com obras transpostas para o espanhol e para o português, podendo trazer potenciais contribuições sobre a discussão de risco para a realidade da América Latina: Anthony Giddens, nascido em 1938, cujas publicações sobre a modernidade e seus desdobramentos sociais se iniciaram em 1990; Ulrich Beck, nascido em 1944, que desenvolveu estudos sobre sociedade de risco e modernização a partir de 1986; e Niklas Luhmann, nascido em 1927, que, a partir de 1984, iniciou a publicação de estudos sobre a teoria dos sistemas sociais e, a partir de 1991, de estudos sobre a sociologia do risco.
O britânico Giddens discute risco a partir de particularidades singulares do que ele considera modernidade. Para o autor, a modernidade diz respeito ‘ao mundo industrializado’, que não é só fruto da industrialização, mas também das relações sociais inseridas no processo de produção, sendo essa uma das dimensões da modernidade1313 Giddens A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 1999..
Desse modo, os riscos são oriundos da modernização. Esses riscos são novos e desconhecidos, e as premissas conhecidas não servem para enfrentá-los. Seu enfrentamento parte de premissas incertas e trabalha com a precaução, em que medidas protetivas são instituídas sem se saber ao certo se haverá ou não dano. A discussão de Giddens gira em torno das consequências da modernidade, que representa um tempo de descontinuidade no qual todos os setores da sociedade sofreram intervenções, que são sinalizadas pelo ritmo e pelo propósito das mudanças sociais, bem como pela natureza de suas instituições1414 David ML. Sobre os conceitos de risco em Luhmann e Giddens. Em Tese. 2011; 8(1):30-45., no entendimento de que a modernidade é um modo de viver que se tornou globalizado, a partir de seu surgimento na Europa, no século XVIII1313 Giddens A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 1999..
Diante das condições da modernidade, o futuro é esboçado no presente por meio da reflexão ordenada dos campos de conhecimento. Giddens compreende a modernidade como uma ordem pós-tradicional, apontando a necessidade de não a confundir com marco social, em que segurança e atitudes tradicionais foram substituídas pela certeza do conhecimento racional1313 Giddens A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 1999..
De forma geral, ao mesmo tempo que traz uma nova parametrização dos riscos, diferentes ou desconhecidos em comparação às épocas anteriores, a modernidade tende a diminuir alguns riscos; sendo assim, ela é apocalíptica por introduzir riscos que eram desconhecidos de gerações anteriores. O autor usa o termo ‘alta modernidade’ para designar o mundo moderno tardio (modernidade tardia), em que os indivíduos são cada vez mais afetados por eventos distantes deles, principalmente pela influência dos meios de comunicação e dos efeitos da globalização1313 Giddens A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 1999..
Na perspectiva de Giddens, a modernidade se caracteriza pela descontinuidade devido às mudanças sociais e características das instituições. Para a sua compreensão, é necessário romper com perspectivas sociológicas existentes, conseguir entender o caráter globalizante das instituições modernas e explicar como se deu a interrupção da relação com suas culturas tradicionais1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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Os contextos sociais locais são capazes de conectar o local e o global, como não imaginavam as sociedades mais convencionais. Assim, o que acontece em determinado local, ao se tornar global, pode afetar, a distância, a vida de milhões de pessoas1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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. O autor caracteriza a globalização como ‘desencaixe’ e, as influências globais na vida cotidiana ocorrem e têm origem em qualquer lugar, desde localizações pequenas e próximas a outras grandes e distantes, ou seja, para além do tempo e do espaço1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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O autor faz distinção de dois mecanismos de desencaixe. O primeiro ele chama de ‘ficha simbólica’, representado pelo dinheiro e suas mais diversas possibilidades de troca, assumindo valor de mercadoria. O segundo, ‘sistema perito’, refere-se a “[...] sistemas de excelência técnica ou competência profissional, que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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(37). Continuamente, peritos estão presentes influenciando tudo o que se faz. Quando se mora em um local de risco, existe o perito que projetou as sirenes para tocarem de acordo com um determinado volume de chuva e dentro de um determinado padrão de segurança. Além disso, tem-se ‘fé’ no que foi projetado, mesmo quando não se consegue personalizar o perito, a fim de que seja possível conferir o que foi projetado. Assim, os sistemas peritos, juntamente com as fichas simbólicas, são considerados ‘sistemas de desencaixe’ por retirarem do contexto social a proximidade das relações (inter)sociais. A fé diz respeito àquilo que se espera que um perito realize, acrescido das associações e das organizações que o controlam. Nesse sentido, “qualquer mecanismo de desencaixe está relacionado à confiança, na esperança de não haver motivos para dúvidas”1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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(40).
Para o autor, confiança e fé não são palavras sinônimas, ou seja, confiança não é a fé na credibilidade de alguém, ela é justamente derivada da fé, ela é “a crença na credibilidade de uma pessoa no sistema”1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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(44). Ele refere ainda que perigo e risco estão intimamente relacionados, mas guardam distinções entre si. Perigo é circunstancial ao risco. Já o risco pressupõe o perigo sem que, no entanto, queira dizer que existe a consciência do perigo, pois, quando se arrisca, considera-se o perigo, sendo que perigo deve ser compreendido como uma ameaça ao resultado que se deseja. Comumente, os indivíduos não têm consciência do perigo que correm, estando inconscientes do quanto estão se arriscando. Existem situações em que risco e confiança se inter-relacionam, notadamente aquelas em que a confiança minimiza os perigos, como é o caso dos riscos institucionalizados em estruturas de confiança. Por seu turno, segurança configura-se na situação onde os perigos são mínimos ou foram neutralizados, é a relação equilibrada entre confiança e risco aceitável1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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O alemão Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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enxerga a segurança não como uma opção possível, uma vez que nem sempre, quando se opta por não correr risco, consegue-se estar fora de perigo. Sua abordagem está ancorada na teoria dos sistemas. O autor elabora o risco partindo do que ele denomina ‘sociologia do risco’, enfatizando que os sistemas vivos, sociais e psíquicos são autopoiéticos, em especial, os sistemas sociais. Com isso, ele intenciona elaborar uma teoria geral da sociedade. Para ele, os sistemas sociais, além de autopoiéticos, são também similares, e denominados autorreferenciais e fechados. Os sistemas autopoiéticos são considerados por só se constituírem em si mesmos, utilizando seus próprios elementos e incapazes de se autoextinguir; assim, inseridos em um sistema operacionalmente fechado.
De acordo com Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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, em relação ao risco, a sociologia crítica não se limita unicamente a descrever o que ocorre na sociedade, mas sim ampliar o conhecimento sobre o que já é conhecido, desvelando o que está latente. Desse modo, uma série de questões envolve os eventos improváveis e a maneira de explicá-los, abordá-los e evitá-los. Do ponto de vista sociológico, a comunicação pode dar explicações na medida em que o futuro depende das decisões tomadas no presente, e uma vez que as ações sejam desencadeadas, elas são irreversíveis. Enquanto a investigação do risco continua se esforçando para calculá-lo racionalmente, a realidade se mostra diferente. Por essa via, a noção de perigo atribuída a um fator externo e não controlável é substituída pelo conceito de risco, no qual os danos são oriundos da tomada de decisão. Ou seja, por mais que existam cálculos estatísticos e equações matemáticas confiáveis, o risco não pode ser afastado por não estar atrelado à falta de segurança, e sim às escolhas do presente.
Diante de uma mesma situação de risco, indivíduos estão ou não dispostos a correr riscos. Tudo depende do que se tem a perder, pois cálculos de risco não são consensuais. Sob o ponto de vista de futuro, o termo ‘risco’ determina uma forma de problematizar o tempo vindouro, ou seja, uma forma de lidar com o tempo1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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A análise social, nesse sentido, deve ater-se à comunicação, que é a base da produção e da reprodução autopoiética da sociedade como sistema social. Existe uma lacuna na comunicação, principalmente no que tange aos sistemas políticos, em que os excluídos do processo decisional sofrem as consequências das decisões tomadas por outrem, levando a relações assimétricas de poder, o que é algo bastante comum nas situações de emergências e desastres. Desloca-se o limiar do risco de um lado a outro, na dependência do indivíduo ser ou não tomador de decisão, ou se ele é ou não o afetado por ela1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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. A comunicação é que abre o sistema para que ocorram as irritações internas, promotoras da evolução dos sistemas. Apesar de hermeticamente fechados, os sistemas são cognitivamente abertos, permitindo que haja evolução à medida que há mudança dos elementos do sistema, sendo a comunicação a permeadora da autopoiese dos sistemas1717 Moraes EPF, Ferreira GA. Risco e contingência: a evolução dos sistemas da teoria de Niklas Luhmann. RVMD. 2018; 12(2):198-217..
Um aspecto que se agrega à percepção da avaliação e da aceitação do risco é o conceito de ‘seleção do risco’. Existem fatores sociais que guiam esses processos, e todo o esforço está voltado para o entendimento do que interfere nessa eleição do que é risco, e que parte de um ponto de vista individual, no qual os indivíduos tendem a subestimar mais o risco do que outros, principalmente nas situações cotidianas de risco1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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pontua ainda que, se forem comparados risco com segurança e risco com perigo, é possível dizer que não existe conduta que não seja arriscada e, por conseguinte, livre de risco. Assim, não existe segurança absoluta. Riscos são inevitáveis quando se toma decisões, cabendo apontar que não decidir é também uma decisão arriscada. O fato de não existirem decisões isentas de risco não significa que, com mais estudos e conhecimentos, passaremos do risco para a segurança; ao contrário, quanto mais conhecimento, maior é a consciência que se tem do risco, e quanto mais se aprofunda na racionalidade do cálculo e na abrangência das questões envolvidas, maior a percepção do risco que se tem; e, a reboque, vem mais incerteza quanto ao risco e, assim, mais risco.
No que diz respeito à prevenção, ela se interpõe entre decisão e risco de alguma forma que ainda precisa ser especificada, considerando que a prevenção é a preparação em relação a danos que possam ocorrer, buscando-se que, caso ocorram, sejam de pequena monta, ou que possam ter suas dimensões reduzidas1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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. Já no que diz respeito a riscos, a situação muda; a prevenção diz respeito à disposição ao risco e, assim, considera-se a ocorrência do dano, ou seja, o fato de o indivíduo se prevenir diante do risco já se configura como o preparo para o dano que pode ocorrer. Ademais, a avaliação do risco é diretamente dependente do contexto1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Mesmo quando há prevenção para ambas as situações, é preciso saber se a questão diz respeito a dano ou a risco. Às vezes, interfere-se no dano, mesmo com a possibilidade do risco de ocorrência de determinado evento ser maior do que o dano que a intervenção proposta pode acarretar. Por exemplo, a evacuação de uma área de risco de deslizamentos quando ocorre um determinado volume excessivo de chuva. Intervir evacuando a área pode envolver danos que se opta por correr. A questão deve ser avaliada também sob o aspecto político da tomada de decisão, quando a possibilidade do dano pode ser maior do que a possibilidade que o risco traz1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Ainda sobre potenciais distinções entre risco e perigo, o primeiro é produto da decisão quanto a eventuais danos que porventura possam vir a ocorrer. Não é a decisão tomada nem o dano que importam no campo das consequências prováveis-improváveis, uma vez que, geralmente, não se deixa de tomar um remédio ou vacina pela possibilidade dos seus efeitos colaterais e das suas reações adversas. As consequências incertas e desvantajosas, que se podem atribuir às decisões, são consideradas como risco da própria decisão1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Na ideação desenvolvida por Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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, a diferença entre risco e perigo nada mais é do que a forma do risco, bem como as várias formas de solidariedade social que surgem conforme seja o futuro, de risco ou de perigo. O que é risco para determinado indivíduo pode ser perigo para outro. Fumar é risco para quem fuma e pode vir a ser um perigo para quem convive com quem fuma. Fumar pode deixar de ser risco ao parar de fumar, mas não deixa de ser um perigo futuro para quem convive com quem fuma. No caso do perigo, os danos futuros não são consequência de uma decisão/opção, mas sim consequência de uma ação/condição externa, ao contrário do que ocorre com o risco, que está atrelado às decisões/opção por possíveis danos futuros1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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. Pode-se deixar de correr risco, mas, em geral, não se pode optar por deixar de correr perigo.
A solidariedade social, no caso do perigo, aponta para a necessidade óbvia de proteção do indivíduo quanto ao dano que ele possa vir a sofrer por ação de um agente externo. No caso do risco, essa solidariedade social vai entender que o dano ocorreu dentro do campo da concepção das liberdades individuais, das opções pessoais. Em nenhum dos dois casos, as vantagens ou as desvantagens têm distribuição equânime, um mesmo dano leva a resultados diferentes: ricos têm mais a perder; e os pobres têm menos a perder - em contrapartida, sofrerão mais com a fome e a desassistência1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Os riscos fazem parte da decisão, inclusive da decisão do decisor. São milhares de indivíduos decidindo ao mesmo tempo no mundo, mas nem todos participam efetivamente das decisões, por isso existem decisores e afetados. Ser afetado é o oposto de decidir. No campo das decisões e da condição de afetado, quem decide irá correr riscos que podem se constituir em perigos para aqueles que são afetados. Nesse sentido, toda decisão tem uma consequência, que são os danos futuros, que podem ser aceitos como risco caso não sejam registrados como custo. Sendo assim, o afetado sofre as ameaças de decisões que ele não pode controlar.
Há aqui o paradoxo de que riscos são perigos e que perigos são riscos. Por exemplo, uma indústria nuclear construída em uma determinada cidade tem seus trabalhadores que correm o risco de lá trabalharem e tem os moradores da cidade que correm o perigo da ocorrência de algum evento na planta industrial. Ao mesmo tempo, os moradores da cidade, pelos benefícios indiretos que a indústria lhes trouxe, resolvem correr o risco de tê-la na vizinhança, assim, os trabalhadores da indústria passam a estar expostos aos perigos que a indústria nuclear traz. Nem sempre são os decisores quem se aproveitam das decisões. Do mesmo modo que nem sempre é possível saber quem será afetado. Afinal, daqui a alguns anos, quem será afetado pelos efeitos das mudanças climáticas? A única segurança, em suma, é que ninguém pode oferecer algum tipo de segurança1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Com relação à ideia de confiança, a opinião pública se voltou contra a questão da perda de confiança, e assim surge a esperança de comunicação, diálogo e desejo de chegar a um acordo. Desse modo, o tema da comunicação de risco chega ao campo da ciência1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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Para Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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, a confiança deve ser interligada ao risco para ser entendida, já que resultados inesperados podem ser consequências das decisões individuais ao invés de resultarem de ações da natureza ou sobrenaturais. Confiar significa estar consciente dos riscos, é saber que as decepções acompanham as expectativas. Quem não avalia mais alternativas e tenta calcular os riscos apenas acredita que nada vai acontecer, permanecendo em uma situação de crença, e não de confiança. Destarte, só se confia quando se avalia a situação e se consideram os riscos1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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Quanto à noção de ‘contingência’, no sentido de algo que pode acontecer ou não, a atenção dada mostra que a contingência funciona como o inverso de qualquer busca de necessidade. A questão é: o que ela proporciona ao não permitir a organização ou o seu uso para conduzir a evolução da sociedade a outras direções? Para o autor, essa é uma especificidade da sociedade moderna, que penetra suas estruturas sociais dentro do que chama de ‘lógica modal’, ou seja, dentro das modalidades de possibilidade e necessidade, contingência pode ser compreendida como tudo que não é necessário nem impossível. Assim, conceitua-se contingência a partir da negação da necessidade e da impossibilidade1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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. As possibilidades podem ser diferentes daquelas esperadas a partir da contingência. A sociedade é, então, dependente de suas próprias decisões, não havendo futuro seguro nem livre de adversidades1818 Costa JR ES. Constituição, contingência e abertura para o futuro: considerações acerca da relação entre tempo, sociedade e direito à luz da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Publica direito. 2021 [acesso em 2021 nov 10]. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=18a4e1366eb78af2.
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. Dessa maneira, a contingência refere-se à imprevisibilidade e às possibilidades no campo dos acontecimentos, e não é incomum confundir contingência com acaso e imprevisto e, por conseguinte, elaborar planos de contingência para resposta a qualquer vicissitude1919 Brüseke FJ. Risco e contingência. Rev bras Ci Soc. 2007; 22(63):69-80..
Outro teórico, o alemão Beck, trabalha risco sob o aspecto da ‘sociedade de risco’, associando-o à modernidade tardia. Os riscos transpõem fronteiras e classes, eles mudam de alvo, de caráter, à medida que se globalizam. Com isso, vai-se perdendo a possibilidade de calculá-los com apuro. Não há como determinar suas causas, como o início da modernidade permitia; assim, não se tem como aquilatar o valor da seguridade como compensação1414 David ML. Sobre os conceitos de risco em Luhmann e Giddens. Em Tese. 2011; 8(1):30-45..
Beck traz a questão da sociedade de risco a partir do acidente nuclear de Chernobyl. Ele pondera que, antes, violência, miséria e sofrimento aconteciam com os outros, com pobres, negros, judeus, mulheres e dissidentes. Havia campos, cercas, paredes, fronteiras. Após Chernobyl, apesar das fronteiras ainda existirem, ao mesmo tempo não existem mais, não existem mais os outros, não há mais aquilo que tanto se cultivou com relação ao distanciamento, não se distancia dos perigos nucleares; uma vez que a sociedade se desamparou diante do perigo, ela se transformou na sociedade industrial de risco2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. As usinas nucleares se transformaram em “símbolos de uma moderna Idade Média do perigo”2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(88 Mattedi M. Dilemas e perspectivas da abordagem sociológica dos desastres naturais. Tempo Soc. 2017; 29(3):261.). O perigo vem com o consumo, vai e vem com o vento e com a água, vai a todo lugar e está em todo o lugar, espalha-se atravessando todas as barreiras. Ao contrário da natureza socializada absorvida pelo sistema industrial, o que se tem hoje são os danos socializados da natureza, que se transformam em ameaças sociais, econômicas e políticas2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011..
A produção do risco ofusca o poder tecnológico e econômico acumulado; a produção do risco domina a produção de riqueza, enquanto as sociedades desenvolvidas dão origem ao impacto da indústria sobre a degradação ambiental e todos os seus efeitos sobre a sociedade, sem que, no entanto, exista um pensamento social, nem mesmo por parte dos sociólogos2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. Para o autor:
[...] nas definições de risco, quebra-se o monopólio de racionalidade das ciências. [...] Constatações de risco baseiam-se em possibilidades matemáticas e interesses sociais, mesmo e justamente quando se revestem de certeza técnica. Ao ocuparem-se com riscos civilizacionais, as ciências sempre acabaram por abandonar sua base de lógica experimental, contraindo um casamento polígamo com a economia, a política e a ética - ou mais precisamente: elas convivem numa espécie de ‘concubinato não declarado’2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(35).
Os riscos fazem parte da atualidade. Na medida em que estão intimamente relacionados com o futuro e com o que ainda está por vir, eles antecipam o que há de vir. Eles são realidade ao mesmo tempo que não são, já que a força argumentativa sobre os riscos está naquilo que ainda está para acontecer. A distribuição de risco é diferente da distribuição da riqueza, reforçando o sistema de classes, em que a riqueza se acumula no topo, e os riscos, na base - assim também ocorre com as possibilidades de lidar com o risco, já que os ricos têm mais possibilidades do que os pobres. Ao mesmo tempo, à medida que os riscos se multiplicam, esses mecanismos individualistas de proteção e a possibilidade de contorná-los vão diminuindo2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011..
Assim, ao se reduzir a fórmula: “‘a miséria é hierárquica, o smog democrático’. [...], relativizam-se as diferenças e fronteiras sociais”2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(43). Nesse sentido, dentro da dinâmica social, os riscos perdem a generalização de distribuição por classes e se transformam em classes, não de afetados e não afetados, mas sim em classes de afetados e de ainda não afetados. As causas do risco são proporcionais à velocidade do progresso e do lucro e se relacionam às ameaças e à preparação2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. A sociedade de risco tem por base a segurança, em que a sociedade desigual da sociedade de classes é ocupada pela sociedade insegura da sociedade de risco2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011..
A uniformização da ameaça não significa que não existem mais desigualdades sociais no que diz respeito a ser ou não suscetível ao risco. Os países com a mão de obra mais barata recebem as indústrias de risco, assim, a “pobreza extrema atrai riscos extremos”2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(49), e “[...] o diabo da fome é combatido com o belzebu da potenciação do risco”2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(51).
Há, todavia, o efeito bumerangue: os países ricos que se sentiam livres da ameaça das indústrias de risco, transferindo-as a outros países, passam a sofrer com os efeitos da importação da produção dos países pobres e, com ela, os pesticidas de volta2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. A carência apenas embaça a percepção do risco, não afasta o risco, são justamente os riscos não percebidos que se concretizam de forma mais competente e rápida2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011..
Os riscos prováveis, contudo, vão sendo apontados, e aqueles que os apontam são ditos produtores de risco, de desmedidos e exagerados. A ciência é criticada, sendo chamada de irracional, e o risco é minimizado como consequência do progresso e considerado altamente improvável devido a toda a tecnologia de segurança empregada. Essas atitudes produzem mais perigo à sociedade de risco, atenuam o risco aumentando o perigo2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. Tal situação foi emblematicamente observada no enfrentamento da pandemia da Covid-19, em que foi experienciado o surgimento de um perigo global, com o risco ultrapassando todas as fronteiras, deixando o perigo à espreita. Segundo o autor:
[...] é precisamente com o avanço da sociedade de risco que se desenvolvem, como decorrência, as oposições entre aqueles que são afetados pelos riscos e aqueles que lucram com eles. Da mesma forma, aumenta a importância social e política do conhecimento, e consequentemente do acesso aos meios de forjar o conhecimento (ciência e pesquisa) e disseminá-lo (meios de comunicação de massa). A sociedade do risco é, nesse sentido, também a sociedade da ciência da mídia e da informação, nela escancaram-se, assim, novas oposições entre aqueles que produzem definições de risco e aqueles que as consomem2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(56).
Esse movimento de risco e não risco vai até o limite em que a ameaça se concretiza; e as vantagens possíveis de correr determinado risco, que não se concretizará, dão lugar à organização de entidades públicas e privadas para conter o avanço das ameaças. Portanto, as sociedades de risco contêm em si:
[...] uma dinâmica evolutiva de base democrática que ultrapassa fronteiras, através da qual a humanidade é forçada a se congregar na situação unitária das auto ameaças civilizacionais. [...] O potencial de auto ameaça civilizacional desenvolvido no processo de modernização faz, assim, com que também a utopia de uma sociedade global se torne um pouco mais real, ou ao menos mais premente2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(57).
Todo esse arcabouço social, no entanto, não faz com que haja, como produto, medidas de prevenção que possam mitigar o risco, surgindo um vácuo político/institucional em que o que pode ser manejado politicamente não está pari passu com as demandas por ações institucionais2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.. O autor diz ainda que:
[...] ao sujeito político da sociedade de classe, o proletariado corresponde, de nossa sociedade de risco, à mera susceptibilidade de todos em razão de imensos perigos mais ou menos palpáveis, algo assim sempre pode ser facilmente reprimido. Competentes para tanto são todos e ninguém2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.(59).
Ao buscar potenciais interlocuções entre os pontos de vista desses três autores, existem alguns aspectos em comum e outros antagônicos a serem considerados.
Para Giddens, existe o risco provocado, que está relacionado com o impacto das inovações tecnológicas sobre o meio, e o risco exterior, desencadeado pelas forças da natureza. Em função da intervenção humana no meio ambiente, na família e nas instituições, o risco provocado passa a ser o de maior protagonismo social2121 Ferreira FB. O risco nas teorias sociológicas contemporâneas: Beck, Giddens e Luhmann. Raízes Juríd. 2011; 7(2):135-44.. Porém, por outro lado, existem também os riscos que são inerentes aos indivíduos, quer eles queiram, quer não, como é o caso da guerra nuclear, em que não se pode decidir se vai ou não correr riscos1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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Ao trabalhar no contexto da era nuclear, Beck2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011. pondera que a questão dos danos é o meio do caminho entre segurança e destruição; quem constrói o presente é o futuro, e não o passado, uma vez que, no contexto nuclear, ele perde o poder de determinar o presente. Ele aponta também para a impossibilidade de evitar danos, já que são os próprios sistemas que promovem a transformação da humanidade, no sentido de construírem forças extremamente destrutivas.
Para Luhmann1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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, não existe a possibilidade de estar em segurança, o futuro é um lugar de incertezas que podem ser alteradas, e não necessariamente o serão, na direção da segurança; não existem decisões seguras, já que não se conhecem seus desdobramentos.
Giddens tem um olhar social coletivo e individualizado quando insere os indivíduos na decisão dos riscos que querem correr ou evitar, coletivizando o risco somente na possibilidade de uma guerra nuclear. Já Beck coletiviza o risco e a impossibilidade coletiva de evitar danos ao trabalhar no contexto da era nuclear e da modernidade reflexiva, que produz seus riscos. Luhmann, por sua vez, coletiviza o risco dentro do contexto da sociedade de risco, mas o individualiza ao cindir decisores e afetados e ao trabalhar os contrapontos entre risco, perigo e segurança1515 Giddens A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP; 1991. [acesso em 2023 fev 6]. Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Giddens,%20Anthony/ANTHONY%20GIDDENS%20-%20As%20Consequencias%20da%20Modernidade.pdf.
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,1616 Luhmann N. Sociología del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana. Universidad de Guadalajara, Dirección de Publicaciones; 1992. [acesso em 2023 fev 3]. Disponível em: https://analisisinstitucionaluba.files.wordpress.com/2013/08/sociologia-del-riesgo-niklas-luhmann.pdf.
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,2020 Beck U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34; 2011.
21 Ferreira FB. O risco nas teorias sociológicas contemporâneas: Beck, Giddens e Luhmann. Raízes Juríd. 2011; 7(2):135-44.-2222 Mendes JM. Sociologia do risco: uma breve introdução e algumas lições. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra; 2015. [acesso em 2022 ago 9]. Disponível em: https://ucdigitalis.uc.pt/pombalina/item/54535.
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Dentro do contexto dos desastres, na realidade social contemporânea, por meio da discussão do risco como um construto social e dos desastres como fenômeno social, Mattedi44 Narváez L, Ortega GP, Lavell A. La Gestión del Riesgo de Desastres: un enfoque basado en procesos. La Paz: CEBEM; 2009. [acesso em 2022 jul 23]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/des-17733.
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(263) refere que alguns eixos temáticos ainda são controversos, como aqueles relacionados com: “agentes do desastre, unidades sociais impactadas e padrões de resposta”. Considera ainda que existem três paradoxos a serem considerados ao elaborar disciplinarmente a questão dos desastres:
(1) Paradoxo da informação: desastres são produzidos socialmente, mas são pouco conhecidos pela sociedade; (2) Paradoxo da intensificação: quanto maior o número de pesquisadores, menos produtiva a área de estudo; (3) Paradoxo da gestão: quanto mais sofisticados os dispositivos de gestão, mais destrutivos os desastres88 Mattedi M. Dilemas e perspectivas da abordagem sociológica dos desastres naturais. Tempo Soc. 2017; 29(3):261.(263).
Para dar conta desses paradoxos, faz-se necessário entender o papel que a ciência e a tecnologia têm nesse contexto, a fim de ser buscado novo norte científico/tecnológico para a abordagem dos desastres. Assim, para além do risco, e contextualizando desastre no âmbito das ciências sociais, Quarantelli22 Quarantelli EL. A social science research agenda for the disasters of the 21st century: theoretical, methodological and empirical issues and their professional implementation. In: Perry RW, Quarantelli EL, organizadores. What is a disaster? new answers to old questions. Philadelphia: Xlibris; 2005. p. 325-396.(329) traz que:
Em nosso ver, preocupações práticas nunca foram os ‘motores principais’ dos avanços científicos em nenhuma área. [...] Precisamos de mais teoria e pensamento abstrato e menos rodeios em torno de questões práticas e detalhes concretos. O cerne de qualquer atividade científica é o conhecimento básico e a curiosidade dirigida, sem preocupação com resultados imediatos ou produtos finais. [tradução nossa].
Se o risco é uma construção social, a gestão do risco é um processo também social, no qual a sociedade pode intervir para sua redução, controle ou previsão2323 Silva EL, Gurgel H, Freitas CM. Saúde e desastres no Brasil: uma reflexão sobre os aspectos envolvidos em eventos hidrológicos e rompimento de barragens. Confins. 2019 [acesso em 2022 ago 5]; (42):1-20. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/23114.
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. A gestão do risco de emergências e desastres, como constructo social, é um processo que vincula o controle dos fatores de risco e está “integrado ao alcance de diretrizes de desenvolvimento humano, econômico, ambiental e territorial sustentável”44 Narváez L, Ortega GP, Lavell A. La Gestión del Riesgo de Desastres: un enfoque basado en procesos. La Paz: CEBEM; 2009. [acesso em 2022 jul 23]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/des-17733.
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(33).
Ademais, “a gestão do risco não pode prescindir da participação dos protagonistas do risco em seu dimensionamento e nas decisões sobre sua redução e controle”2424 Lavell A, organizador. La gestión local del riesgo: Nociones y precisiones en torno al concepto y la práctica. Panamá: CEPREDENAC; PNUD; 2003. [acesso em 2022 fev 3]. Disponível em: https://www.preventionweb.net/files/8039_8093gestionlocal1.pdf.
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(36). Outrossim, como processo, e não como um produto, não deve ser fragmentada nem sofrer sobreposição de atribuições e ações das organizações envolvidas2323 Silva EL, Gurgel H, Freitas CM. Saúde e desastres no Brasil: uma reflexão sobre os aspectos envolvidos em eventos hidrológicos e rompimento de barragens. Confins. 2019 [acesso em 2022 ago 5]; (42):1-20. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/23114.
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Por último, mas não por fim, a compreensão holística do risco de emergências e desastres na sua natureza de origem social leva a uma abordagem distinta, por cunho na compreensão da existência de um ‘continuum de risco’ que, por essa característica, necessita de respostas, de avaliação contínua, ordenada e evolutiva. Assim, torna a gestão do risco como oposição à redução de risco ao considerar valores outros do contexto da ética, moralidade e equidade - além da necessidade de governança do risco sistêmico e seus efeitos a montante, sobretudo sobre os sistemas sociais, econômicos e ambientais44 Narváez L, Ortega GP, Lavell A. La Gestión del Riesgo de Desastres: un enfoque basado en procesos. La Paz: CEBEM; 2009. [acesso em 2022 jul 23]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/des-17733.
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,1010 Maskrey A, Allan Lavell, Jain G. The social construction of systemic risk: towards an actionable framework for risk governance. Washington, DC: United Nations Office for Disaster Risk Reduction; 2022. 1-28. [acesso em 2023 mar 20]. Disponível em: https://www.undrr.org/publication/social-construction-systemic-risk-towards-actionable-framework-risk-governance-0.
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Considerações finais
Neste estudo, foram abordados aspectos teóricos voltados a ESP, desastres e risco na perspectiva das ciências sociais.
As emergências e desastres, enquanto fenômenos sociais, têm efeitos sobre as estruturas societais na mesma medida em que estas colaboram para a sua ocorrência. As questões das desigualdades sociais e da alteridade dos espaços de poder e decisão tendem a influenciar diretamente a forma com que a sociedade, seus agentes e espaços sociais diferenciados vão responder às emergências e desastres.
Os desdobramentos das emergências e desastres sobre a sociedade são assimétricos e se decompõem em mais desigualdades e vulnerabilidades. É essa assimetria que gera o jogo social entre afetados e não afetados. Os efeitos são distintos, de acordo com as vulnerabilidades e suas diversas expressões sociais, econômicas e ambientais. É o que Luhmann desmembra em decisores e afetados pelas decisões. Por outro lado, nas abordagens de Giddens e Beck, essa assimetria sucumbe na era das possíveis emergências nucleares.
Há que se perpetrar outras interpretações, transformações e inovações sociais que interfiram nas vulnerabilidades, que sejam baseadas no entendimento das forças que constroem socialmente os riscos e que tragam para o debate os afetados, lidando, assim, com o que Mattedi chama de ‘paradoxo dos desastres’, em que a sociedade (produtora dos desastres) pouco conhece sobre o processo de produção.
Por derradeiro, há ainda a necessidade de um mergulho epistemológico a partir de proposições teóricas de autores do Sul, na análise desses fenômenos de emergências e desastres, em uma perspectiva mais abrangente e contextualizada, que possibilite desenvolver uma crítica própria latino-americana. Não existindo consenso do que é risco, ou do que seja desastre, além da origem social deste último, nem um conceito que dê conta de atender aos anseios sociais e científicos, desafios existem a serem transpostos.
No campo das ciências sociais e das outras ciências, há que se operacionalizar ideações que viabilizem pesquisas e estudos com abordagens teóricas e metodológicas inéditas, plausíveis e consensuais entre todas as ciências, que possam funcionar como referenciais teóricos potentes no campo das ESP e dos desastres, em perspectiva inter/transdisciplinar, o que poderá instruir a construção de políticas públicas mais efetivas e autônomas. Esse é o desafio que está lançado.
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Suporte financeiro: não houve
Referências
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4Narváez L, Ortega GP, Lavell A. La Gestión del Riesgo de Desastres: un enfoque basado en procesos. La Paz: CEBEM; 2009. [acesso em 2022 jul 23]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/des-17733
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7Valencio N. Desastres, ordem social e planejamento em defesa civil: o contexto brasileiro. Saúde soc. 2010; 19(4):748-62.
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8Mattedi M. Dilemas e perspectivas da abordagem sociológica dos desastres naturais. Tempo Soc. 2017; 29(3):261.
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10Maskrey A, Allan Lavell, Jain G. The social construction of systemic risk: towards an actionable framework for risk governance. Washington, DC: United Nations Office for Disaster Risk Reduction; 2022. 1-28. [acesso em 2023 mar 20]. Disponível em: https://www.undrr.org/publication/social-construction-systemic-risk-towards-actionable-framework-risk-governance-0
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12Almeida Filho ND. Modelagem da pandemia Covid-19 como objeto complexo (notas samajianas). Estud. Av. 2020; 34(99):97-118.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Nov 2023 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2023
Histórico
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Recebido
01 Abr 2023 -
Aceito
28 Ago 2023