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Open-access Expressão da dor na criança com câncer: uma compreensão fenomenológica

Pain expression in children with cancer: A phenomenological comprehension

Resumos

A abordagem fenomenológica, descritiva e exploratória, foi utilizada para compreender a experiência de dor em crianças com câncer. Participaram do estudo 17 crianças, tratadas no serviço de oncologia pediátrica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, entre janeiro e dezembro de 2010. Foi aplicada entrevista fenomenológica com o consentimento dos pais ou familiares. A análise e a discussão foram realizadas pelo modelo proposto por Martins e Bicudo e referencial fenomenológico de Merleau-Ponty, respectivamente. A experiência dolorosa mostrou as dimensões: dor e paradoxo da vida e da morte, apegando-se à espiritualidade na vivência da dor, percebendo a dor emocional da família, experimentando a dor na temporalidade da hospitalização e compreendendo a dor corporal positiva e negativamente. As crianças foram capazes de entender a dor multidimensionalmente, comunicando-a de modo sofisticado. Tal compreensão pode ser influenciada pela intersubjetividade, história de vida, aspectos psicossociais e, especialmente, pelo entendimento adquirido durante o adoecimento.

Dor; Criança; Fenomenologia; Neoplasias


A descriptive, exploratory, and phenomenological approach was used to understand pain experience in children with cancer. Seventeen children that were being treated at the pediatric oncology service of the "Clinics Hospital of Ribeirão Preto of the University of São Paulo" (University hospital) participated in this study between January and December 2010. A phenomenological interview was conducted with parental, legal guardian, or responsible relative consent. Analysis and discussion were carried out according to the model proposed by Martins and Bicudo and the Merleau-Ponty's conceptions of phenomenology, respectively. The experience of pain evidenced the dimensions: pain and paradox of life and death, turning to spirituality when dealing with pain, realizing the emotional pain of the family, experiencing pain in the during the hospitalization period, and understanding the body pain positively and negatively. These children were able to understand their pain through a multidimensional approach, communicating their understanding in a sophisticated way. Such understanding can be influenced by intersubjectivity, life history, psychosocial aspects, and, especially, by the understanding achieved while dealing with the disease.

Pain; Children; Phenomenology; Neoplasms


Anualmente, em todo o mundo, milhões de pessoas em diferentes etapas do ciclo vital perdem a vida devido ao câncer. As neoplasias têm afetado crianças tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. No Brasil, estimativa recente do Instituto Nacional de Câncer (INCA) mostrou a incidência de 11.530 casos novos de câncer em pessoas de até 19 anos. Este dado, que se refere ao biênio 2012/2013, não inclui os tumores de pele do tipo não melanoma (INCA, 2012). O câncer infantil repercute também no sistema familiar, podendo desencadear nos membros saudáveis envolvidos nesse contexto o medo da dor, do sofrimento, da mutilação e da iminência da finitude (Cardoso, 2007).

A dor é um dos fenômenos mais temidos no cenário do câncer, devido à possibilidade de seus sinais aparecerem em todo o processo do adoecer, desde o momento do diagnóstico até situações de aplicação de procedimentos terapêuticos altamente invasivos e dolorosos, e em decorrência dos efeitos adversos do tratamento cirúrgico, quimioterápico e radioterápico (Sakiroglu, Wood, & Cunin-Roy, 2009). A dor também é uma experiência que acompanha os casos de recidiva ou metástase à distância, e é proporcionalmente mais intensa na medida da progressão do tumor. Os aspectos psicológicos envolvidos na dor também têm papel de destaque na configuração geral do fenômeno. A característica multidimensional da dor requer uma compreensão integral sobre a fisiologia humana em consonância com a história de vida, antecedentes familiares, processos de aprendizagem, ambiente sociocultural, dentre outros (Frutuoso & Cruz, 2004).

A literatura científica sobre criança e dor tem tido um crescimento significativo (Correia & Linhares, 2008), bem como os estudos que se dedicam a compreender o câncer infantil e seus aspectos psicossociais (Kohlsdorf, 2010; Menezes, Passareli, Drude, Santos, & Valle, 2007). No entanto, apesar do interesse em investigar esses dois fenômenos separadamente, pode-se destacar um menor avanço científico na conjugação entre "câncer infantil" e "dor" (Bueno, Neves, & Rigon, 2011; Menossi, Lima, & Corrêa, 2008; Sakiroglu et al., 2009). Esse fato sugere que essa temática não está saturada e que ainda há um longo caminho a ser trilhado para que se obtenha uma compreensão mais ampla desse campo, tendo em vista a complexidade dos dois fenômenos.

Compreender a dor no câncer e sua multidimensionalidade apresenta-se como um imenso desafio, pois não basta conhecer sua etiologia, mas é preciso estar atento ao sofrimento humano a partir da percepção e expressão de quem vivencia a experiência dolorosa (Sasdelli & Miranda, 2001). Por isso, para abordar a dor, o pesquisador e o profissional de saúde necessitam desenvolver uma atitude empática, sensível e apropriada à capacidade cognitiva e emocional da criança para, assim, compreender o ser "sofre-dor" em sua totalidade. No entanto, a literatura ainda é escassa no que tange à compreensão da interface dor e sua expressão subjetiva no câncer infantil. Para investigar esse binômio na perspectiva da criança que o vivencia, foram propostas as seguintes perguntas de pesquisa: Como a criança percebe essa experiência? Que tipo de dor expressa e como compreende essa dor?

Considerando o exposto, o objetivo deste estudo foi compreender como crianças com câncer expressam a experiência dolorosa no decorrer do processo da doença. Propõe-se desvelar a dor do câncer na experiência da criança a partir da leitura fenomenológica fundamentada em Merleau-Ponty (1945/2011), a fim de abrir possibilidades para incorporar diferentes modos de ser e de fazer na atuação multiprofissional e interdisciplinar da Psicologia, Enfermagem, Medicina e áreas afins, para que se possa alcançar a meta de melhoria do manejo clínico da dor.

Método

Trata-se de um estudo exploratório descritivo qualitativo, fundamentado na perspectiva fenomenológica. A Fenomenologia é uma abordagem descritiva e compreensiva dos fenômenos vividos; configura um campo do saber constituído por várias perspectivas filosóficas, que são marcadas por divergências teóricas, metodológicas e, principalmente, por desafios à pesquisa. Entre as perspectivas mais conhecidas figuram a proposta de Husserl, considerado o introdutor da Fenomenologia, e de Merleau-Ponty. A primeira proposta parte da consciência como intencionalidade e concerne a uma fenomenologia transcendental, de compreensão mais idealista e busca da essência, ao passo que a segunda, apesar de influenciada pelo pensamento do mestre Husserl, propõe uma releitura dessas bases filosóficas e defende uma Fenomenologia Existencial, de compreensão mundana, no quadro de um pensamento eminentemente crítico. Esse aspecto diferencia a abordagem de Merleau-Ponty, o qual considera que a busca das essências não pode se desvincular da existência ou da facticidade do mundo vivido (Moreira, 2004).

Trata-se, portanto, de uma Fenomenologia compreensiva que, ao recolocar a essência na existência do homem em um mundo pré-dado, possibilita explorar alguns temas existenciais, como percepção, temporalidade, corpo e intersubjetividade (Merleau-Ponty, 1945/2011). Dessa maneira, abre-se a possibilidade de convidar essa abordagem a emergir no mundo vida relacionado ao processo de adoecimento-tratamento, em particular na vivência da dor na criança com câncer. Na Fenomenologia Existencial de Merleau-Ponty a metodologia é traduzida pela tríade: descrição - redução - interpretação. Esta tríade aparece, ora como inspiração teórica para análise dos dados, ora como inspiração técnica estrita para a condução das análises (DeCastro & Gomes, 2011).

Merleau-Ponty considera que a criança compartilha o mesmo mundo do adulto no sentido de ver, perceber, viver e conviver, em sua própria perspectiva, sem recusa de seu mundo infantil (Merleau-Ponty, 2006). Nesse mundo compartilhado, o ser e sua expressividade - palavra, linguagem, movimento, gesto, presença e corporeidade -, são dimensões valorizadas a partir da ideia de ser presença ativa no mundo, com capacidade de sentir, comunicar e criar. Ao privilegiar todas as formas de expressão, o método fenomenológico possibilita compreender, por meio de entrevista fenomenológica, a expressão da dor na criança com câncer, não podendo fragmentar a soma de palavras e estruturas gramaticais descritas. Esse tipo de linguagem busca novos sentidos a partir do movimento paradoxal e criativo de retomá-la e deformá-la incessantemente (Merleau-Ponty, 1945/2011).

Para Martins e Bicudo (2011), a descrição tem o significado de des excrivere, isto é, de algo que é escrito para fora. A descrição de um fenômeno requer uma diferenciação de outro, apontando seus atributos, elencando suas especificidades. Para isso, o momento da descrição não pode ser compreendido como um procedimento mecânico, mas como um encontro social, uma relação efetiva entre o pesquisador e o pesquisado, caracterizada pelo conhecimento, empatia, intuição e imaginação. Neste estudo, o método descritivo fenomenológico foi privilegiado não na busca de uma suposta essência das patologias, mas na tentativa de desvelar o significado, compreender a experiência por quem a vivencia. Os significados se tornam inteligíveis apenas na relação com o mundo do ser humano, sua história, trajetória existencial e a cultura a qual pertence (Merleau-Ponty, 1945/ 2011). Acredita-se, assim, que esse é um modo adequado de compreender o significado da experiência dolorosa da criança com câncer.

Participantes

Participaram do estudo crianças de ambos os sexos que atenderam aos critérios de inclusão: ter idade entre 7 e 11 anos e estar em tratamento oncológico, independentemente da fase do mesmo e do tipo de neoplasia. Foram excluídos aqueles que não apresentavam condições físicas e de compreensão para executar as tarefas solicitadas. O número de participantes do estudo foi determinado pelo critério da saturação dos dados (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008). O estudo foi desenvolvido no período de janeiro a dezembro de 2010 junto ao ambulatório e à Enfermaria de Oncopediatria do Departamento de Puericultura e Pediatria de um hospital universitário de um município de médio porte do interior paulista.

Procedimentos

Primeiramente, foi solicitada autorização dos pais ou responsáveis legais por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram obtidos mediante entrevista aberta, audiogravada, realizada individualmente, em ambiente reservado da instituição, com duração média de 1h30m. Após o consentimento dos pais, conversava-se com a criança informalmente para o estabelecimento do rapport. Esse contato inicial foi realizado no Ambulatório, em local mais reservado. Quando se percebia que a criança estava mais à vontade, era feito o convite para participar do estudo, fornecendo-lhe as explicações necessárias. Caso consentisse, dava-se continuidade à coleta com a entrevista pautada na questão norteadora: "Gostaria que me contasse se você sente algum tipo de dor e como você compreende essa dor". A partir desses questionamentos buscou-se esclarecer, junto aos participantes, os significados descritos a fim de possibilitar a compreensão do fenômeno sob investigação. As crianças, no contexto ambulatorial, mostraram-se participativas e sem dificuldades para responder à tarefa solicitada.

O material obtido foi, posteriormente, transcrito na íntegra e literalmente. Os resultados foram analisados segundo o modelo de análise de pesquisa qualitativa proposto por Martins e Bicudo (2011), cujas características podem ser sintetizadas da seguinte maneira: (1) Descrição: leitura completa e exaustiva do material com vistas a delinear a descrição da experiência dolorosa das crianças com câncer com maior aproximação da vivência dos participantes; (2) Redução e identificação das unidades de significadoretomada da leitura das descrições de forma mais cuidadosa e atenta, identificando as "unidades compreensivas de significado" desveladas nas peculiaridades da experiência álgica relatadas pela criança frente à situação oncológica; (3) Interpretação e síntese das unidades de significado: construção das categorias de significado pelo pesquisador, na qual se desvelou a leitura compreensiva associada aos fenômenos dor e câncer.

Fundamentado na Resolução n° 196/96 para pesquisa com seres humanos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Processo nº 3926/ 2009. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na pesquisa. É importante ressaltar que os nomes dos participantes foram identificados com codinomes referentes a pedras preciosas, a fim de garantir o anonimato.

Resultados e Discussão

Participaram deste estudo 17 crianças em tratamento oncológico, com idade entre 7 e 11 anos. Destas, 11 eram do sexo feminino e de nível escolar fundamental incompleto; as seis restantes eram do sexo masculino e com o mesmo nível de escolaridade.

Ao conhecer o universo das experiências álgicas de crianças com câncer, percebeu-se que a dor foi associada a fatos vivenciais que emergiram em cinco temáticas: (1) vivenciando a dor como paradoxo vida-morte; (2) apegando-se à espiritualidade na dor; (3) percebendo a dor emocional da família; (4) vivenciando a dor na temporalidade da hospitalização; (5) expressando o corpo dolorido de forma positiva e negativa.

Vivenciando a dor como paradoxo vida-morte

Nesta categoria de análise fenomenológica, a dor foi associada à possibilidade de finitude da vida, de encontro antecipado com a morte. A morte constitui o fato mais assustador da vida, tendo em vista a falta de previsibilidade ou controle sobre esse evento. Na infância, esse fenômeno, além de carregar o estigma socialmente construído de fatalidade, é revestido de especial crueldade, pois o ser em pleno processo inicial de desenvolvimento é sinônimo de alegria, crescimento e futuro (Santos & Gonçalves, 2008). Essa condição infantil remete ao ser-no-mundo da criança, no início do seu desenvolvimento humano, que quando afetado pode trazer instabilidades e gerar incoerências no vivido. Assim, a criança debita ao mundo suas percepções. Nesse momento, essa percepção implica em organização e projeção ativa de um campo sobre os estímulos percebidos, ou seja, sobre o mundo que captura todas as experiências (Merleau-Ponty, 1945/ 2011).

As crianças expressaram sentimentos de terror em relação à dor. Esse terror inominado se mostrou intimamente associado ao sentimento de iminência da morte. Tal sentimento aciona a imaginação infantil, associando à ideia do fenômeno doloroso com algo monstruoso, capaz de deixá-la paralisada, entorpecida ou desmaiada.

Quando penso na dor, penso que eu vou morrer e sinto tanto medo [pausa], aí eu penso em um monstro, parece que eu vou desmaiar ... (Topázio, 7 anos, masculino).

Para mim dor é tipo morrer, entendeu? Quando vem a dor, eu sinto que me dá vontade de [pausa], assim [pausa], sinto sufocada, acho que vai doer muito e eu vou morrer, então fico quieta, sem reação (Rubi, 11 anos, feminino).

Ao associarem a dor ao medo da morte, as crianças relatam suas experiências configuradas pelas fantasias criadas pelo pensamento mágico ou imaginário, próprios da fase do desenvolvimento infantil. Dor e morte também foram apresentadas como sinônimos, sendo representadas pela sensação corporal de sufocamento e de intensidade da dor. Consequentemente, essa sensação realça a questão da finitude, deixando a criança sem reação e, portanto, sem condição de articular uma resposta frente à experiência dolorosa. Por outro lado, observou-se que a criança maior consegue conceituar a dor vinculada à morte, esboçando uma melhor compreensão do fenômeno álgico como resultante da resposta sensitiva à dor.

A construção do conceito de morte nas crianças é influenciada pela idade, pelas diferentes percepções provenientes de seu meio social e pela cognição, modificando-se conforme o desenvolvimento do pensamento e da linguagem (Borges et al., 2011). Nesta investigação, a dor foi concebida de forma ambivalente, paradoxal, ora como um incômodo gerador de uma sensação de profundo desconforto psicológico, ora como um sinal vital que pode levar a criança a cuidar melhor de si mesma e da vida.

Eu penso assim: "Hoje eu não vou aguentar" e fica parecendo que eu vou falecer, assim, tipo morrer (Água Marinha, 7 anos, feminino).

A dor me incomoda, mas ela cuida. ... Quando dói não fico só com medo de morrer, tento falar, dá vontade de dizer logo onde tá ruim, aí [pausa] falo pra minha mãe, pro doutor, pra meu pai. Aí, no lugar de morrer, eu acho que vou ficar boa e viver muito (Rubi, 11 anos, feminino).

No que concerne ao fenômeno doloroso, percebeu-se que houve uma alteração nas formas de pensar da criança e de considerar determinados aspectos, como suportar a dor ou desfalecer e sucumbir diante dela. Nessa vivência ambivalente os sentimentos simultâneos de luta e fuga puderam ser desvelados, assumindo muitas vezes a sensação de desânimo e fadiga, o que contrasta com a atitude de buscar readquirir a almejada saúde e preservar a linha de continuidade da vida.

Apegando-se à espiritualidade na dor

Esta categoria fenomenológica menciona a espiritualidade como fonte de esperança e de força para a criança suportar a vivência da dor e as inúmeras restrições impostas pelo tratamento oncológico. A mesma permite pensar na possibilidade de experienciar a dor por meio do cultivo da espiritualidade.

Derivada do latim spiritus, a palavra espiritualidade pode denotar a parte essencial da pessoa que controla a mente e o corpo; o que pode ser entendido como sendo tudo aquilo que traz significado e propósito para a vida das pessoas. A espiritualidade tem seu papel reconhecido na saúde e na manutenção da qualidade de vida das pessoas (Rizzadi, Teixeira, & Siqueira, 2010) e pode (ou não) ser associada à prática religiosa.

A gente frequentava uma igreja, tínhamos uma religião, era bom, mas a gente nunca mais foi lá... . Eu sentia tão bem! Ficava com vontade de viver (Ágata, 11 anos, feminino).

É, hoje eu não vou aguentar. E fica parecendo, assim, que não vou suportar. Quando dói, dói muito, aí eu não consigo respirar. Aí eu só digo assim: "Oh, Jesus, faça alguma coisa". Eu penso nisso. Foi num dia que eu fiquei internada por 10 dias, aí aconteceu isso: fiquei forte e parei de gritar (Água Marinha, 7 anos, feminino).

A espiritualidade se mostrou marcante na vida das crianças com experiência dolorosa. Em decorrência das graves alterações biopsicossociais a que foram expostas as questões espirituais, emocionais e culturais se entrelaçam, formando um todo, uma unidade indissolúvel. Desse modo, segundo os relatos, a dor intensa, expressa como desgastante e limitante, muitas vezes levou a criança a perder o fôlego e as forças e a pensar em uma possibilidade para aliviá-la.

Em uma revisão integrativa, investigou-se a produção científica no período de 1990 a 2011 sobre espiritualidade de crianças/adolescentes com câncer. A partir da seleção de 21 estudos foram categorizadas temáticas relacionando dimensão espiritual à: qualidade de vida, recurso terapêutico, enfrentamento e transformações existenciais. Constatou-se que a espiritualidade está presente nas diversas fases da doença, de acordo com a idade e desenvolvimento cognitivo (Espinha & Lima, 2012). Tal revisão corrobora com o relato das crianças do presente estudo, o qual desvelou que, nos momentos de desespero, a espiritualidade ou busca por auxílio divino emergiu como fator importante permitindo recuperar as forças e o equilíbrio emocional, necessários ao enfrentamento do sofrimento no período de internação devido ao tratamento oncológico.

Nessa busca da espiritualidade, frequentar uma igreja e ter uma religião foram percebidos como experiências favorecedoras do sentimento de bem estar e vontade de viver da criança com câncer. Permeando o caminho fenomenológico, entende-se que a busca da espiritualidade ou do vínculo religioso, pode estar estreitamente relacionada à necessidade ontológica ou ao modo de compreender o mundo que é inerente ao ser. Estudos revelam que o recurso da espiritualidade desencadeia efeitos positivos ao lidar com a dor (Rizzadi et al., 2010). Alguns estudiosos entendem que os efeitos da religiosidade e da espiritualidade influenciam na melhora clínica dos pacientes com dor crônica, promovendo bem estar físico, mental e social (Peres, Arantes, Lessa, & Caous, 2007). A busca pela espiritualidade das crianças com câncer tem um papel relevante no presente estudo, pois vem à tona como modo de alívio de suas dores.

Minha fé é grande, eu penso em Deus... [pausa] não vejo, né! Mas eu sei que vencerei, eu já venci [pausa] (Rubi, 11 anos, feminino).

Gosto quando escuto músicas de Deus, elas me acalmam e tiram a minha dor. Peço às enfermeiras, mas elas dizem que posso escutar outras músicas que acontece a mesma coisa. Já tentei... tentei outro dia e só diminui e passa quando escuto no meu rádio aquelas músicas de Deus, dá um negócio no meu coração... não sei explicar (Peridoto, 11 anos, masculino).

Do ponto de vista etimológico, espiritualidade pode ser entendida como imaterialidade, o que pode ser aproximado da noção de invisível em Merleau-Ponty. Ele se refere a um "algo mais" percebido, mas não quantificável. Um "vento", um movimento que transcende o objeto em si quando mergulhado na relação com o sujeito (Merleau-Ponty, 1964/2003). Assim, essa imaterialidade e a noção de invisibilidade e de movimento transcendente descrita por Merleau-Ponty (1964/2003), confluem na fala ou modo de pensar sobre a espiritualidade da criança com câncer; e não se esgota no ruído material, mas alcança o silêncio que brota na expressão vivencial autêntica de ser tocado pela presença alentadora da fé, da música sacra e da oração. Isso proporciona um encontro com o Divino transcendente, cuja experiência traz esperança e alento para a criança que, ao contrário dos adultos, não tenta explicar em termos racionais, mas tão somente sobreviver à dolorosa vivência suscitada pelo câncer e seus tratamentos. Como descrevem Espinha e Lima (2012), "a trajetória do câncer gera importantes repercussões na dimensão espiritual de crianças e adolescentes, e suas formas de expressão podem variar de acordo com a idade e o desenvolvimento cognitivo" (p.164).

Expressando a dor emocional da família

Esta categoria compreende as falas que desvelam que a criança tem uma compreensão sutil da dor desencadeada pelo sofrimento e pela repercussão de sua doença na família. Diversas e imprevisíveis são as reações das famílias frente à doença e à hospitalização de seus filhos. Medo, insegurança, culpa, ansiedade pelo diagnóstico, pela cura. Por outro lado, a criança necessita de apoio para minimizar os possíveis danos irreversíveis e a desorganização emocional (Dias & Mota, 2004). Esses danos podem se refletir na relação mãe-filho, conforme transparece no relato que se segue: "Ah! Eu penso em sofrimento [pausa]. Tipo, quando eu soube que eu estava com leucemia, eu vi minha mãe chorando muito e eu senti um aperto no coração [chora]" (Safira, 11 anos, feminino).

Na expressão da criança, seu sofrimento é evidenciado não diretamente pela consciência de sua doença, mas de forma indireta, ao perceber o estado de fragilidade da mãe ocasionado pelo diagnóstico do câncer. Nesse sentido, a expressão da dor advém do fato de a criança sofrer ao se perceber provocando, inadvertidamente, sofrimento nos outros, sobretudo em seus entes queridos como a mãe.

Frequentemente, a mãe é a figura parental que mais compartilha um conjunto de ocorrências no processo de hospitalização, sofrendo junto com o filho com câncer em todas as etapas do adoecer, do diagnóstico ao tratamento. Em consequência dessa exposição maciça aos eventos estressores, também padece mais com esse adoecer, ao ponto de afetar-se emocionalmente com reações depressivas ou de ansiedade. Por sua vez, essas reações repercutem na vida emocional do filho acometido pelo câncer (Silveira, Ângelo, & Martins, 2008).

Na facticidade do mundo vivencial, a criança com câncer parece ter consciência de que a dor percebida toca a outros e toca a si mesma. Toca o mundo-vida do outro quando sua dor altera o estado emocional de sua mãe ou repercute na dinâmica das relações familiares. Toca a si mesma no momento em que percebe o sofrimento materno ou quando vivencia a ausência de familiares e entes queridos, e se sente solitária em sua experiência de dor. Isso lembra os postulados filosóficos de Merleau-Ponty, quando afirma que o corpo doente da criança é alinhado à expressão e linguagem, o que permite resgatar a dimensão do vivido, do mundo intersubjetivo (a relação com a mãe, por exemplo) e do universo privado na interseção com o coletivo (Moreira, Nogueira, & Rocha, 2007).

Nada do que se vivencia deixa de repercutir no outro, pois o ser humano é ser de relação, ou seja, interrelação, que afeta e é afetado pelo outro com o qual interage e que, portanto, necessita aprender os caminhos da expressão de sua subjetividade pela via da intersubjetividade. A expressão coloca em comunicação o si mesmo, os outros, o mundo, pois "é dentro do mundo que a comunicação se efetua, através daquilo que a vida tem de articulado" (Merleau-Ponty, 1942/2012).

Dessa forma, para adquirir o significado que permite dar contorno simbólico à dor, a linguagem é o meio privilegiado que permite à criança com câncer expressar-se como relacional, ou seja, um ser-no-mundo capaz de perceber melhor a presença de sua vida, ou experimentar vividamente os detalhes da mesma ao vê-la contrastada com a possibilidade da morte. A vivência da dor pela criança com câncer também envolveu o sentido de vazio e solidão devido à ruptura representada pelo distanciamento do contexto familiar no processo da doença. O relato a seguir revela essa vivência de desamparo:

Penso no nada... um lugar vazio, sem família, sem ninguém (Citrino, 11 anos, feminino).

O que vem na minha cabeça quando penso na dor? Tristeza e solidão... eu, em um lugar terrível... sem meus pais e irmãos (Esmeralda, 9 anos, feminino).

Esses excertos sugerem o esforço dos participantes em atribuir um significado à dor persistente que acompanha o processo de tratamento. Na complexidade de ser-no-mundo e de ser-com-o-outro, a criança maneja sua dor de ser/existir-com-câncer por meio da concepção sobre o vazio, a solidão, o desterro, e o lugar figurado como "um lugar terrível", "um lugar vazio, sem família, sem ninguém", dominado pela paralisante sensação de estar só e não poder contar nem mesmo com os pais e irmãos. Esse sentimento de desamparo e orfandade se exacerba no contexto de se ver lançado sozinho e doente no mundo.

Souza et al. (2012) buscaram compreender, em estudo qualitativo, os sentimentos vivenciados por seis crianças com câncer. Por meio do Brinquedo Terapêutico, as experiências vividas foram expressas associadas ao adoecimento, hospitalização, dor, medo da morte, tristeza, angústia, incertezas, dentre outras repercussões emocionais. De maneira análoga, ao compreenderem os fenômenos existenciais como sinônimos de sua dor, as crianças participantes da presente investigação depararam-se com uma forma de dor mundana, expressão que se movimenta em direção àqueles entes próximos a si, como mãe, pai e irmãos, a fim de alterar sua condição emocional (tristeza, solidão, desamparo), o que evoca a expressão multidimensional da própria dor.

Nessa direção, um estudo descritivo abordou a atuação psicológica frente à complexidade dos problemas do tratamento oncológico e a importância de não se direcionar a atenção somente aos aspectos clínicos. Destacou que é importante incluir, também, fatores sociais, psicológicos, espirituais e econômicos no cuidado e na reabilitação integral (Scannavino et al., 2013).

Vivenciando a dor na temporalidade da hospitalização

Esta categoria concerne às lembranças penosas do tempo despendido com hospitalizações e procedimentos invasivos, como o tratamento quimioterápico e a radioterapia. As expressões de dor acompanharam a criança em outras situações ou momentos idealizados. Segundo Santos et al. (2011), a hospitalização em crianças com doença crônica, como o câncer, remete às questões existenciais da temporalidade. Devido ao impacto advindo do diagnóstico e do tratamento, que gera consequente invasão e dor, além do prognóstico, todas essas experiências tornam-se estressantes e potencialmente disruptivas para quem as vivencia.

Dor é a lembrança de que vou ficar internado aqui, eu queria era ter alta... voltar pra minha casa... ufa! não poder voltar é muuuuito doído (Peridoto, 10 anos, masculino).

Vou ficar internado aqui [hospital], eu queria era ter alta e voltar pra casa (Turquesa, 8 anos, feminino).

O que vem na minha mente quando penso na dor? Penso em ficar no hospital, mas depois que eu melhorar não quero mais passar em frente (Opala, 11 anos, feminino).

As experiências vividas no cenário do câncer infantil interceptam a história da criança e de sua família, e envolvem sobrecarga que se reflete em um excesso temporal, que se sobrepõe ao tempo da hospitalização. O tempo adquire, assim, um sentido encarnado. Dolorosamente encarnado em cada instante, o corpo exprime a existência e o pulsar do tempo. Merleau-Ponty propõe o conceito de temporalidade inerente aos fenômenos vivenciais e à totalidade das partes, sejam espaciais ou temporais, campo das experiências e das facticidades humanas (Merleau-Ponty, 1945/2011). Temporalidade de crianças que se encarnam na (con)vivência com o processo saúde-doença atravessado pelo tratamento oncológico (Souza et al., 2012).

A restrição concreta da liberdade e do pensamento também foi apontada pela criança quando se queixa da repetição daquilo que não lhe dá satisfação, dilatando sua percepção subjetiva de insegurança no mundo, isto é, de estar lançado no mundo sem nenhuma garantia.

Eu penso quando eu estava aqui dentro [referindo-se ao hospital], lembro das quimioterapias (Citrino, 11 anos, masculino).

Já sofri bastante. Ah, lembrei, já senti dor de cabeça e, principalmente, ânsia de vômito. Foi na quimio, eu ficava vomitando nos lugares e sentia vergonha das pessoas, sabe? (Zircão, 10 anos, masculino).

Lembro-me do sofrimento por causa das minhas cirurgias, pois desde 2005 venho sofrendo com essa doença. Quantos anos...? [pausa] Cinco, não é, mãe? Fiquei muitos dias internada, mas eu ficava feliz quando vinham os palhaços aqui no hospital [pausa] (Jade, 10 anos, feminino).

Souza et al. (2012), apontam que, entre os fatores vinculados à hospitalização e ao tratamento oncológico, estão as restrições e limitações impostas pela doença. Inserida nesse mundo, a criança vivencia alguns movimentos em uma cadência espaço-temporal, o que faz lembrar os postulados merleau-pontianos (Merleau-Ponty, 1945/2011). Assim, a expressividade da criança (palavra, linguagem, gesto, presença e corporeidade) movimenta-se na internação, no processo da hospitalização, no fato de se submeter a procedimentos invasivos e dolorosos e, às vezes, ser compelida a seguir regras severas.

Esse movimento é que pode levar a criança a apresentar uma presença do vivido, capacitando-a a sentir, comunicar e criar, além de remetê-la a experiências de incerteza e insegurança, que acentuam o temor da morte. No transitar, que se dá por via de mão dupla, há uma troca do mundo com a criança e da criança com o mundo. Entende-se que é no espaço-tempo (Merleau-Ponty, 1945/2011) que essas trocas possibilitam à criança doente, paulatinamente, conseguir perceber a amplitude de sua enfermidade, devido ao convívio diário com a doença, o adoecer e a hospitalização. Conforme as palavras de uma participante, as fichas caem aos poucos.

Dessa maneira, os aspectos, antes não identificados, passaram a ser incorporados ao seu viver, com possibilidade de simbolização e elaboração que levam à apropriação subjetiva do vivido.

Expressando dor no corpo de forma positiva e negativa

Esta categoria mostrou que, para as crianças que participaram do estudo, a dor pode ser expressa tanto positiva quanto negativamente. A experiência da dor afetou profundamente o modo das crianças relacionarem-se com seu próprio mundo e com o seu corpo. Recordaram, emocionadas, momentos em que a dor foi intensa, mas que foi seguida de alívio.

Quando a dor vem em mim, às vezes, eu penso que não vai melhorar muito rápido porque é forte, mas tem algumas dores que eu sinto que passam rápido mesmo e aliviam meu corpo[chora] (Turmalina, 7 anos, feminino).

A dor me incomoda, mas ela cuida [pausa], faz eu cuidar direito em mim (Rubi, 11 anos, feminino).

Fazendo um paralelo entre esses dois relatos, percebeu-se que a dor foi compreendida como um fenômeno que surge ou desaparece no corpo, de modo rápido ou lentamente. O incômodo gerado no corpo pelo quadro álgico pode ser visto como um sinal vital, cujo propósito natural é facilitar para que se possa cuidar melhor de si mesmo. Ao compreenderem a dor como algo efêmero, passageiro, os participantes puderam, segundo os relatos, enfrentar a dor no corpo com mais tolerância. Distinguir entre dor física e emocional também foi um dado encontrado; no entanto, essa distinção é tênue e não implica uma real compreensão das razões da experiência dolorosa nem dos efeitos provocados.

Na perspectiva merleau-pontiana, o corpo é expressão da experiência de estar no mundo como ser encarnado. O corpo reflete a subjetividade e é por meio dele que o sujeito existe e a historicidade do sujeito é perpassada por sua condição corpórea. Nessa mesma lente fenomenológica, pesquisadoras alertam para a necessidade de valorizar a comunicação e as demais expressões corpóreas das crianças em estudos futuros, já que as mesmas refletem o mundo da infância e a concepção de corpo como condição de aprendizagem e de vivência do mundo próprio (Merleau-Ponty, 1942/2012; Souza & Rojas, 2010).

O corpo dolorido, segundo os relatos, provocou desconforto e desânimo, podendo levar a criança ao isolamento e à falta de vontade de realizar até mesmo atividades que lhes são prazerosas.

... o meu corpo logo sente e eu logo fico amoadinha, calada, sem querer ver ninguém (Ágata, 9 anos, feminino).

Eu penso na parte do corpo doendo e na sensação ruim que dá, não sinto vontade de fazer nada do que gosto (Jade, 10 anos, feminino).

Nos relatos que se seguem, a criança associa a dor a uma experiência negativa, ruim, chata, descrevendo o fenômeno como um problema que provoca mal-estar e prejudica o cotidiano de sua vida.

É uma coisa muito ruim (Espinélio, 9 anos, masculino).

É tão ruim sentir dor, sabia? ... Não quero nem assistir televisão (Ágata, 9 anos, feminino).

Dor é muito ruim, chata. Teve uma vez que eu passei a noite inteira com dor... . Não conseguia dormi, deve ser algum problema (Fluorita, 9 anos, feminino).

A dor não é só ruim, eu consigo, às vezes aguentar, pois ela me ensina também (Ágata, 9 anos, feminino).

Seja simplesmente tolerando ou percebendo a dor como experiência que mescla componentes positivos e negativos, é importante que as crianças sejam acolhidas e respeitadas em seu direito de receber informações. Isso pode amenizar sua ansiedade e atenuar suas dúvidas relacionadas à doença e à dor (Borges et al., 2006). Nesse cenário, a linguagem de dor expressa por essas criança pode ser associada à descrição de Merleau-Ponty (1945/ 2011, p.351): "A carne do corpo nos faz compreender a carne do mundo", pois a manifestação da doença neoplásica apresenta uma operacionalidade de interação sensível gerada no corpo doído das crianças. Essa interação com a interioridade corporal, em primeira instância não visível, permite capturar a percepção sobre o contexto vivido.

Para compreender a experiência de dor na criança com câncer é preciso compreender o movimento que se dá na relação corpo-mundo. É nessa inter-relação que a existência pessoal toca uma existência fisiológica e essa fluidez representa o princípio de inserção no mundo (Furlan & Bocchi, 2003).

A vida de uma criança que enfrenta a dramática realidade de um câncer tem muito a expressar e a revelar. Este estudo mostrou que essa criança consegue falar sobre a dor que sente, sinalizando aspectos sofisticados envolvidos nesse fenômeno que extrapolam uma simples lesão física ou corporal. Seu modo de estar doente no mundo leva-a a refletir sobre a questão da dor e a movimentar-se amplamente nas dimensões cognitiva e afetiva do fenômeno álgico. Compreende-se que a expressão de dor nas crianças é consistente com a leitura merleau-pontiana, que a entende como um modo de linguagem, que se desenvolve por meio do movimento corpo-mundo. Essa compreensão possibilitou capturar vivências singulares, bem como a criação de significados atribuídos à experiência.

Observou-se que ao relatarem suas experiências, as crianças compartilharam com a pesquisadora suas dores e desvelaram a dor associada às dimensões existenciais, como vida, morte, espiritualidade, família, temporalidade, entre outras, trazendo à luz o mundo singular e doloroso que mobiliza forças poderosas, no afã de preservar sua integridade e continuidade no contínuo tempo-espaço. No corpo, na consciência emocional ou como ações reflexivas, a dor expressa pela criança com câncer é compreendida não apenas como um sinal vital, ou de natureza sensitiva, corporal e unidimensional, mas de modo abrangente, revestindo-se de significados negativos, mas também de conotações positivas, que envolvem outras dimensões além da materialidade física. Esta expressão de dor pode também receber influência da intersubjetividade, da história vivida em sua breve trajetória de vida e, evidentemente, do tipo e grau de estadiamento da doença.

Acrescenta-se que a sofisticação da expressão e da subjetividade das crianças com câncer em relação à dor pode ser associada, principalmente, ao fato delas e de seus pais inserirem-se no mundo da doença e do adoecer. Essa inserção exige um contato diário com informações, estímulos dolorosos e, consequentemente, captura e aprendizagem precoce durante o enfrentamento da doença.

Espera-se que esta investigação científica possa trazer reflexões, que permitam problematizar questões como: a expressão de dor da criança com câncer está sendo considerada ou tem sido subestimada? Os profissionais de saúde fazem uso de suas próprias concepções do mundo-vida adulto? Eles conseguem avaliar e manejar adequadamente a experiência álgica oncopediátrica em suas múltiplas dimensões?

Em suma, entendemos que os resultados deste estudo podem contribuir para desmistificação de uma série de pressuposições da capacidade de compreensão, percepção e expressão das crianças com câncer em relação à sua dor, fortalecendo a implementação de estratégias de avaliação álgica por meio do autorrelato. Essas estratégias, quando combinadas com outros manejos inovadores (medicamentoso, nutricional, fisioterápico, psicológico), possibilitam uma aproximação da real dimensão de dor que a criança com câncer vivencia, podendo direcionar a intervenção para o melhor manejo possível em cada caso, minimizando a tendência de subestimação da dor oncopediátrica, evitando assim custos desnecessários e facilitando o trabalho dos profissionais de saúde.

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  • Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo nº 2010/52584-8)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2013
  • Revisado
    05 Ago 2013
  • Aceito
    04 Set 2013
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