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O arroz no varejo e os fatores que influenciam o dispêndio das famílias consumidoras

Resumos

Apesar da idéia consagrada de que arroz é uma commodity e, portanto, pouco passível de diferenciação, há um grande número de produtos, com variação de tipo, classe, padrão, embalagem, marca etc. Observa-se significativa variabilidade nos preços, tanto entre diferentes marcas, fabricantes, lojas, como também para um mesmo produto, em um curto intervalo de tempo. Diante dessas constatações, questiona-se qual o efeito da estratégia de compra de arroz por parte dos consumidores sobre seus dispêndios. Este trabalho utiliza modelos matemáticos para simular o processo de decisão de compra dos consumidores com diferentes perfis de preferência, diante dos produtos nas gôndolas dos supermercados em uma cidade no estado do Rio Grande do Sul e outra em São Paulo.

Arroz; marca; varejo; preferência; consumidor


Despite the well-known idea that rice is a commodity and thus it is unlikely to be differentiated, there is a large number of rice products available in the retail market, with different classification, standards, packages, brands etc. It can be observed significant variation in their prices, considering the brands, manufacturers, stores and also when the same product is considered in a short interval of time. Before these findings, we asked what the effects of rice purchasing strategies are over consumers' expenditures. This paper proposes a mathematical model to simulate the decision process of rice purchasing by consumers with different preferences, in front of products available in supermarkets in a city of Sao Paulo state and another in Rio Grande do Sul state (Brazil).

Rice; brand; retail; preference; consumer


O arroz no varejo e os fatores que influenciam o dispêndio das famílias consumidoras1 1 Os autores agradecem a: Eraci Silva Oleiro, João Luís Prietto Gameiro e Marcel Eduardo Bergamasco pelas relevantes contribuições para esta pesquisa.

Augusto Hauber GameiroI; Mariana Bombo Perozzi GameiroII

IDoutor em Economia Aplicada, professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) e pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-LOG), ambos da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: gameiro@usp.br

IIEspecialista em Jornalismo Científico, jornalista do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LABJOR) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Projeto Arroz Brasileiro (www.arroz.agr.br). E-mail: mariana@natural.agr.br

RESUMO

Apesar da idéia consagrada de que arroz é uma commodity e, portanto, pouco passível de diferenciação, há um grande número de produtos, com variação de tipo, classe, padrão, embalagem, marca etc. Observa-se significativa variabilidade nos preços, tanto entre diferentes marcas, fabricantes, lojas, como também para um mesmo produto, em um curto intervalo de tempo. Diante dessas constatações, questiona-se qual o efeito da estratégia de compra de arroz por parte dos consumidores sobre seus dispêndios. Este trabalho utiliza modelos matemáticos para simular o processo de decisão de compra dos consumidores com diferentes perfis de preferência, diante dos produtos nas gôndolas dos supermercados em uma cidade no estado do Rio Grande do Sul e outra em São Paulo.

Palavras-chave: Arroz; marca; varejo; preferência; consumidor.

ABSTRACT

Despite the well-known idea that rice is a commodity and thus it is unlikely to be differentiated, there is a large number of rice products available in the retail market, with different classification, standards, packages, brands etc. It can be observed significant variation in their prices, considering the brands, manufacturers, stores and also when the same product is considered in a short interval of time. Before these findings, we asked what the effects of rice purchasing strategies are over consumers' expenditures. This paper proposes a mathematical model to simulate the decision process of rice purchasing by consumers with different preferences, in front of products available in supermarkets in a city of Sao Paulo state and another in Rio Grande do Sul state (Brazil).

Keywords: Rice; brand; retail; preference; consumer.

Classificação JEL: D12.

1. Introdução

O arroz é o principal componente da dieta básica da população mundial, sendo responsável por 20% da fonte de energia alimentar, enquanto o trigo fornece 19% e o milho, 5% (Barata, 2005). O Brasil produziu 11.616,2 mil toneladas de arroz em casca na safra 2005/06, em uma área de 2.993,3 mil hectares (Conab, 2006). O País é o maior produtor de arroz do Ocidente - os países asiáticos são os maiores produtores e consumidores mundiais. Méndez del Villar (2002) sistematiza os padrões de consumo de arroz em três grandes modelos. O modelo asiático corresponde a um consumo médio per capita superior a 100 kg ao ano. O modelo subtropical apresenta consumo médio de 35 a 65 kg ao ano. O Brasil inclui-se nesse grupo, com um consumo ao redor de 45 kg/habitante/ano de arroz beneficiado. No chamado modelo ocidental, o consumo per capita médio é baixo, equivalendo a cerca de 10 kg ao ano (Ferreira et al., 2005).

Apesar da importância do arroz como um dos principais alimentos no Brasil, o consumo vem aumentando em um ritmo bem inferior ao crescimento da produção. Segundo Barata (2005), nos últimos anos, o aumento da população brasileira vem sendo compensado por uma redução no consumo per capita do cereal, conseqüência de uma série de modificações nos padrões e hábitos de consumo da população. A quantidade anual de consumo per capita médio de arroz polido no Brasil caiu 46% em 30 anos, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2002-2003), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em comparação com o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef), realizado em 1974 (Lobo, 2004). Diante da queda no consumo, o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) criou a "Campanha de Incentivo ao Consumo do Arroz". Segundo o Instituto, a redução no consumo não tem relação direta com o preço do arroz, dado que, via de regra, o seu preço é inferior ao dos produtos substitutos. Os fatores explicativos seriam: i) migração para produtos de maior valor agregado, na proporção do aumento da renda familiar; ii) concorrência com farináceos, confirmando a tendência de alto consumo de pães; iii) alteração nos hábitos alimentares em função do menor tempo disponível para as refeições; iv) inserção da mulher em outras atividades profissionais; v) desconhecimento das qualidades nutritivas e funcionais do produto na alimentação; vi) ausência de mídia para a divulgação e de incentivo ao consumo do arroz; e vii) mito de que "o arroz engorda" (Irga, 2006). Como uma das principais conseqüências dessa redução no consumo, atrelada ao aumento da oferta do produto, o Irga afirma estar havendo uma depressão nos preços pagos aos orizicultores, ameaçando a sustentabilidade da atividade nos médio e longo prazos. De fato, Viana & Souza (2006) confirmam a tendência de queda de preços ao produtor, concluindo que, entre 1973 e 2005, a taxa média da evolução dos preços pagos aos produtores foi negativa, da ordem de -3,53% ao ano.

Além dos significativos avanços na produtividade agrícola, as empresas processadoras têm evoluído de forma contínua. Elas passam por um processo de reestruturação, buscando novas estratégias e o melhor posicionamento no mercado, o que induz novos padrões de competição (Ludwig, 2004).

Diante dessas constatações, o entendimento do mercado do arroz em todos os elos da cadeia é necessário. Diversos estudos versam sobre o mercado de arroz no Brasil, mas com foco na etapa de produção agrícola, isto é, na comercialização entre agricultor e processador, ou ainda na influência de políticas agrícolas na comercialização (Ferreira et al., 2002, Ferreira et al., 2003, Miranda & Figueiredo, 2003). Ultimamente, também têm surgido trabalhos voltados ao segmento das empresas processadoras. São exemplos recentes Dickow (2002), Ludwig (2004) e Dias & Fensterseifer (2005). Todavia, estudos sobre o consumo de arroz ainda são poucos. A dissertação de Barata (2005) é uma das poucas referências. Trata-se de um completo estudo sobre o comportamento de 402 consumidores da Grande Porto Alegre. O artigo de Martins & Gameiro (2006) é outra referência. Os pesquisadores investigaram as marcas e preços de todos os produtos de arroz em nove supermercados da cidade de Ribeirão Preto (SP). A constatação da grande diversidade de tipos, preços, marcas e embalagens foi um dos motivos que estimulou a presente pesquisa. Este trabalho analisa os diferentes perfis de preferência dos consumidores finais de arroz, diante dos produtos nas gôndolas dos supermercados em uma cidade no estado do Rio Grande do Sul e outra em São Paulo.

2. Metodologia

A teoria econômica do consumidor parte da premissa de que os consumidores são racionais e buscam sempre maximizar o seu grau de satisfação ou de utilidade, através da aquisição de uma determinada combinação de produtos. Vários fatores são considerados nessa busca pela maximização da função de utilidade: quantidade de produto, renda do consumidor, preço do produto consumido, preços dos produtos complementares e substitutos, "gostos" e expectativas. Assim, a teoria possibilita explicar como os consumidores tomam as decisões de consumo; de que forma a demanda por produtos é determinada pelas preferências e restrições orçamentárias dos consumidores e por que diferentes produtos apresentam características de demanda distintas. Sob o ponto de vista microeconômico, uma das etapas da análise do comportamento do consumidor é a comparação entre diferentes combinações de mercadorias (cestas de mercado), que permite descrever suas preferências. Uma outra etapa considera as restrições orçamentárias. As preferências são confrontadas com as restrições orçamentárias, sendo possível definir economicamente o processo de escolha do consumidor (Barata, 2005).

Nesta pesquisa, são simuladas diversas decisões possíveis de serem tomadas pelos consumidores, aqui considerados como "famílias hipotéticas". Suas preferências serão modeladas pelo seu comportamento ao exigirem uma marca específica ou um grupo de marcas líderes, ou ao adquirir os produtos em um mercado preferido ou, ainda, ao fazer estoque quando os preços se mostram mais atrativos. Adota-se como hipótese que todas as famílias hipotéticas são minimizadoras do seu dispêndio (custo) total anual da compra de arroz. A função custo total anual de cada família estará sujeita às restrições impostas por suas preferências, mencionadas anteriormente.

Desde abril de 2005, no contexto do Projeto Arroz Brasileiro (Rossmann et al., 2003; Perozzi & Rossmann, 2005), o arroz no varejo vem sendo estudado em seis supermercados, sendo três na cidade de Pelotas (RS) e três na cidade de Piracicaba (SP). Mensalmente, por meio de visitas pessoais de pesquisadores devidamente treinados, são coletados os preços de todos os produtos relacionados ao arroz em grão (branco, parboilizado, integral, semipronto, risoto, carreteiro etc.). Para a realização desta pesquisa, foram consideradas as informações mensais no período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2006 (12 meses), relativas ao arroz longo fino, polido, tipo 1 em embalagem plástica de 5 kg. Segundo Barata (2005), esse produto tem a preferência de 75% dos consumidores amostrados na Grande Porto Alegre. Assim, por ser considerado a especificação mais consumida, foi eleita para esta pesquisa.

Com os dados de preços mensais das diferentes marcas nas diferentes lojas, simulou-se o comportamento de famílias hipotéticas consumidoras de arroz, cuja preferência poderia variar de acordo com os seguintes fatores: marca, local de compra e formação ou não de estoque. Fixou-se o consumo de arroz da família em 120 kg por ano. Para uma família de três pessoas, por exemplo, equivaleria a um consumo de 40 kg/ano, o que está ao redor do consumo per capita nacional. As famílias, quando não optam por fazer estoques, adquirem, por hipótese, a mesma quantidade mensal, no caso, 10 kg (ou dois pacotes de 5 kg de arroz) todos os meses. Quando à família é dada a possibilidade de fazer estoque, a mesma - também por hipótese - só pode adquirir, no máximo a cada compra, o equivalente ao consumo de três meses (30 kg ou 6 pacotes de arroz). Essa restrição foi proposta porque, na realidade, as famílias nunca sabem quando os preços serão os mais baratos. Assim, ainda que o modelo matemático possa considerar, não seria correto imaginar que elas possam adivinhar o momento de ocorrência dos preços mais baixos para poder se suprir para o ano inteiro.

Outra hipótese do modelo é que não se considera o custo do tempo. Em termos financeiros, os fluxos mensais de dispêndio deveriam ser capitalizados para um mesmo período, para que possam ser somados. Todavia, esse procedimento não seria possível em um modelo linear tal como proposto. Como o período é relativamente curto (12 meses), o efeito do tempo não é tão significativo, de modo que se espera que esta limitação não prejudique os resultados obtidos.

Para facilitar a análise, as famílias hipotéticas foram organizadas em quatro grupos: i) Grupo A: famílias fiéis às marcas; ii) Grupo B: famílias exigentes em qualidade; iii) Grupo C: famílias fiéis aos supermercados; e iv) Grupo D: famílias "econômicas" (adquirem sempre o produto com preço mais baixo em qualquer supermercado). Portanto, quando o texto se referir a um determinado número de famílias componentes de determinado grupo e subgrupo, entende-se que são números de famílias hipotéticas que têm diferentes padrões de comportamentos distintos; comportamento este, simulado pelo modelo.

O custo de aquisição (dispêndio) da quantidade anual necessária para cada família - que pode ser representado por uma equação linear do somatório das quantidades adquiridas mensalmente multiplicadas pelos respectivos preços mensais - deve, portanto, ser minimizado. O modelo geral é assim representado:

Sujeito a:

Sendo Pplt o preço do arroz da marca p, no local l, no período t. Xplt é a quantidade de arroz equivalente, adquirida durante o mês t. O valor a ser assumido pelo somatório de Xplt em um período de 12 meses foi fixado em 24 pacotes de 5 kg (equivalentes a um consumo de 120 kg por família/ano). Os demais parâmetros foram assim definidos: i) Marcas (p): são consideradas 12 marcas de arroz, sendo quatro "líderes": Tio João, Blue Ville, Prato Fino e Camil (o critério para a eleição das marcas disse respeito à sua freqüência de ocorrência nos supermercados pesquisados, conforme será mencionado mais detalhadamente nos resultados); ii) Locais (l): são considerados seis supermercados, sendo três na cidade de Pelotas - RS (Big, Guanabara e Pois-Pois) e três na cidade de Piracicaba - SP (Big, Carrefour e Pão de Açúcar). Para as duas cidades, tem-se, portanto, os três maiores supermercados existentes. Nas situações em que a família pode optar por locais diferentes, sua opção fica restrita aos três supermercados da sua localidade; e iii) Período (t): são considerados os 12 meses do ano, sendo o período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2006.

A partir da definição do modelo geral, o padrão de consumo de cada família - que são organizadas também em subgrupos - passa a ser definido seguindo suas especificações:

i) Grupo A: famílias fiéis às marcas: Subgrupo 1A: são famílias que consomem sempre a mesma marca, adquirida no mesmo supermercado e na mesma quantidade todos os meses. Assim, o conjunto formado por essas famílias pode ser composto por, no máximo: 12 marcas vezes 6 supermercados, resultando em 72 famílias (Quadro 1). Subgrupo 2A: são famílias que consomem sempre a mesma marca, mas pesquisam os preços nos supermercados da sua cidade, adquirindo o produto com preço inferior encontrado nas lojas. Também adquirem a mesma quantidade todos os meses. Assim, o conjunto formado por essas famílias pode ser composto por, no máximo: 12 marcas vezes 1 supermercado no RS, mais 12 marcas vezes 1 supermercado em SP, portanto 24 famílias (Quadro 1). Subgrupo 3A: são famílias que consomem a mesma marca, mas, além de pesquisarem os preços nos supermercados, adotam a estratégia de fazer estoques (de, no máximo, três meses). O conjunto formado por essas famílias pode ser de, no máximo, 24 famílias. Este modelo é equivalente ao do subgrupo 2A, porém, com diferença na restrição da quantidade adquirida mensalmente (Quadro 1).


ii) Grupo B: famílias exigentes em marcas líderes: Subgrupo 1B: são famílias que consomem qualquer marca dentre as quatro líderes, adquirida no mesmo supermercado e na mesma quantidade todos os meses. Assim, o conjunto formado por essas famílias pode ser composto por, no máximo, 6 famílias (uma para cada um dos supermercados) (Quadro 2). Subgrupo 2B: são famílias que consomem qualquer marca dentre as líderes, mas pesquisam os preços nos supermercados da sua cidade, adquirindo a de cotação inferior encontrado. Também compram a mesma quantidade todos os meses. Assim, o conjunto formado por essas famílias pode, no máximo, ser composto por: 1 supermercado no RS, mais 1 supermercado em SP, portanto 2 famílias (Quadro 2). Subgrupo 3B: são famílias que consomem qualquer marca dentre as líderes, mas, além de pesquisarem os preços nos supermercados, adotam a estratégia de fazer estoques (de, no máximo, três meses). O conjunto formado por essas famílias pode ser de, no máximo, 2 famílias. Este modelo é equivalente ao do subgrupo 2B, porém, com diferença na restrição da quantidade adquirida mensalmente (Quadro 2).


iii) Grupo C: famílias fiéis aos supermercados: Subgrupo 1C: são famílias que consomem o produto de preço inferior, desde que adquirido no mesmo supermercado e na mesma quantidade todos os meses. Assim, o conjunto formado por essas famílias pode, no máximo, ser composto por: 1 marca vezes 6 supermercados, resultando em 6 famílias (Quadro 3). Subgrupo 2C: são famílias que consomem o produto de preço inferior, adquirido no mesmo supermercado; mas adotam a estratégia de fazer estoques (de, no máximo, três meses). O conjunto formado por essas famílias pode ser de, no máximo, 6 famílias. Este modelo é equivalente ao do subgrupo 1C, porém com diferença na restrição da quantidade adquirida mensalmente (Quadro 3).


iv) Grupo D: famílias "econômicas": Subgrupo 1D: são famílias que consomem o produto de preço inferior, adquirido no supermercado onde o mesmo pode ser encontrado com menor cotação e na mesma quantidade todos os meses. O conjunto formado por essas famílias pode ser de 2 famílias (uma no RS e outra em SP) (Quadro 3). Subgrupo 2D: são famílias que consomem o produto de preço inferior, adquirido no supermercado de menor cotação, e adotam a estratégia de fazer estoques (de, no máximo, 3 meses). O conjunto formado por essas famílias pode ser de 2 famílias (uma no RS e outra em SP). Este modelo é equivalente ao do subgrupo 1D, porém, com diferença na restrição da quantidade adquirida mensalmente (Quadro 3).

O processamento dos modelos foi realizado utilizando-se o software GAMS (Sistema Geral de Modelagem Algébrica).

3. Resultados e discussão

A Tabela 1 apresenta a lista de todas as marcas encontradas nos seis supermercados incluídos nesta pesquisa, realizada mensalmente entre julho de 2005 e junho de 2006.

O "Índice de Freqüência" refere-se à porcentagem das ocasiões nas quais uma dada marca foi encontrada em um determinado supermercado em um certo mês. Assim, o índice de 100% significaria que a marca foi encontrada em todos os 12 meses em todos os seis supermercados visitados. Observa-se que nenhuma marca atingiu esse índice. As 12 marcas eleitas para compor as cestas das famílias da pesquisa apresentaram índices superiores a 30%.

Das 146 famílias hipotéticas idealizadas com seus padrões de consumo distintos, apenas 75 poderiam ter sido estritamente verificadas na realidade. Tais informações são apresentadas na Tabela 2.

A análise das Tabelas 1 e 2 sugere que há uma grande variabilidade na oferta da maioria das marcas de arroz existentes no varejo. As famílias do subgrupo 1A são aquelas que sempre consumiriam a mesma marca adquirida na mesma loja. Das 72 possibilidades, apenas 13 sempre encontrariam a sua marca preferida no seu supermercado preferido. Mesmo flexibilizando a exigência de ter que comprar em um mesmo supermercado, mas mantendo sua fidelidade às marcas preferidas, algumas famílias do subgrupo 2A teriam dificuldade de se suprir, dependendo do mês: apenas 14 famílias foram verificadas na prática, dentre um total teórico de 24 possibilidades. Ainda no Grupo A, a possibilidade de adquirir a marca exclusiva em quantidade suficiente para três meses de consumo (estoque) facilitaria o suprimento das famílias do subgrupo 3A, sendo que 22 das 24 famílias poderiam adotar tal estratégia.

A análise dos custos mínimos anuais de suprimento das famílias apresenta resultados bastante interessantes. As Tabelas 1A e 2A do Anexo apresentam dados de custos do consumo anual das famílias para cada um dos modelos propostos, no Rio Grande do Sul e em São Paulo, respectivamente. Além da informação de custo mínimo do consumo anual, foi calculada a variação entre esse custo e um custo de referência representado pelo custo mínimo do subgrupo 1D (das famílias "econômicas", que compram o produto de menor preço encontrado em um dos três supermercados da sua cidade).

No escopo temporal e regional considerado na pesquisa, tem-se que uma família poderia se suprir a partir de um dispêndio anual mínimo de R$ 89,52 até um dispêndio máximo de R$ 235,14 por ano no Rio Grande do Sul. Trata-se de uma amplitude significativa de 163%. Para São Paulo, essa amplitude seria de 54%.

As Tabelas 3 e 4 apresentam as médias dos custos anuais mínimos para cada subgrupo. Essa agregação facilita a compreensão dos resultados.

As famílias do subgrupo 2D foram aquelas com as cestas de menor custo, para as duas localidades consideradas. Essas seriam famílias que consumiriam o produto de preço mais baixo encontrado em um dos três supermercados da sua cidade, independentemente de marca ou loja. Além disso, essas famílias optariam por fazer estoques - suficientes para o abastecimento de até três meses -, quando os produtos estivessem em promoção. O custo dessas famílias, no Sul, seria 16,7% menor que a referência, e, em São Paulo, 17,4% inferior. As famílias que optassem por formar estoque, desde que a escolha fosse sempre pelo produto com menor preço, poderiam se dar o direito de realizar suas compras em um mesmo supermercado de sua preferência (famílias do subgrupo 2C) que, ainda assim, teriam um custo inferior à referência, nas duas localidades (-11,9% e -4%, respectivamente).

À exceção desses dois subgrupos de famílias, as demais teriam de desembolsar mais por ano caso quisessem fazer valer suas preferências, seja por uma marca líder, seja por uma marca específica ou, ainda, por um determinado supermercado. As famílias que desejassem adquirir uma dentre as quatro marcas líderes do mercado, desde que realizassem estoques e pesquisassem no supermercado mais barato (subgrupo 3B), teriam um custo levemente superior ao da referência (+6,6% no RS e +3,2% em SP). Tais famílias ficaram na quarta posição no ranking de menores custos, para as duas localidades. Em quinto lugar, também nas duas localidades, aparecem aquelas famílias estritamente fiéis aos supermercados, mas não fazem estoques, adquirindo o necessário para o consumo de um mês (famílias do subgrupo 1C). Na média, essas famílias teriam um custo 6,8% maior que a referência no RS, e 12,4% superior em SP. Em outras palavras, em média, esse é o adicional que as famílias pagariam por escolher comprar sempre em uma mesma loja, mesmo que comprassem os produtos mais baratos disponíveis. Da sexta posição a oitava surgiram diferenças ordinais entre os custos nos dois estados. No RS, uma família que fosse fiel a uma marca específica, mas que fizesse estoques e procurasse sua marca no supermercado de preço inferior (subgrupo 3A) teria um custo médio 23,5% maior que o referencial. Esse é o adicional médio pago pela sua fidelidade à marca, ainda que precisasse ser acompanhado por um esforço de manutenção de estoque e constante pesquisa nos supermercados concorrentes. Em SP, o adicional seria de 29,1%. A família que optasse por uma entre as quatro marcas líderes, realizando compras sem fazer estoque, em qualquer supermercado (subgrupo 2B), teria de pagar um adicional médio de 23,8% no RS e de 13,5% em SP. Caso a família, além de desejar uma das marcas líderes, optasse por adquirir sempre no mesmo supermercado, os desembolsos médios aumentam para 35,9% no RS e 27,9% em SP. A nona e décima posições são equivalentes para as duas localidades. As famílias gaúchas que mantêm suas preferências por consumir sempre a mesma marca, sem fazer estoque (subgrupo 2A), arcariam com um adicional de 36,8% e as paulistas, de 32,5%. Finalmente, às famílias que mantêm sua fidelidade às marcas e às lojas freqüentadas (1A), os adicionais passariam para 55,4% no RS e 38,6% em SP.

Os comentários foram feitos tomando-se as variações percentuais (custos adicionais) a serem incorridos pelas famílias consumidoras.

4. Conclusões

A primeira conclusão que, inclusive, refere-se a uma das motivações para a realização desta pesquisa, é que há uma significativa variabilidade local e temporal de marcas, preços e disponibilidade na oferta de arroz longo-fino tipo 1 em embalagem de 5 kg no varejo. As donas-de-casa conhecem bem essa característica do mercado varejista de arroz nos grandes supermercados. Todavia, devem ser explorados os porquês dessa variabilidade. A amplitude de custos (diferença percentual do menor custo de consumo anual para o maior custo) encontrada em Pelotas foi de 163% e, em Piracicaba, de 54%, indicando que, apesar de se tratar de um mesmo produto, a marca e a estratégia do supermercado (que se reflete na política de preços e promoções) acabam tendo influência significativa sobre os custos das famílias consumidoras de baixa renda. À medida que a família passa a ser mais exigente para escolher entre algumas lojas específicas (1C), ou entre um grupo de marcas (2B e 3B) ou uma marca específica (1A e 2A), os adicionais a serem pagos vão aumentando. As promoções são estratégias importantes para os ofertantes terem suas demandas incrementadas pela queda do custo anual de consumo das famílias, permitindo às mesmas, por exemplo, acesso mais fácil às marcas de ponta, denominadas "líderes" nesta pesquisa (3B). Não foi o propósito deste trabalho analisar detalhadamente a economicidade dos estoques, uma vez que os modelos são lineares e não consideram o custo de oportunidade (o valor do dinheiro ao longo do tempo). De qualquer forma, algumas inferências são possíveis. Quando há uma promoção em determinada marca, as famílias podem incluí-las em sua função de custo a ser minimizada. Além disso, para as famílias fiéis estritas a uma marca, a oportunidade de comprar quantidades maiores para a formação de estoques reduz significativamente a variação com o custo de referência. Esse fato foi particularmente mais significativo no Sul. No que se refere ao efeito da procura por produtos de cotações inferiores nas diferentes lojas, há de se considerar os custos dessas pesquisas, tanto em termos logísticos para mudar de loja voltar para o mesmo se for necessário como em relação à oportunidade do tempo disponível para tal. Devido à escassez de tempo da maior parte das famílias, bem como as distâncias geralmente existentes entre as lojas de cidades de médio e grande portes, os ganhos de preço podem ser anulados e até sobrepostos pelos custos da pesquisa, o que significaria não ser uma estratégia adequada. Observa-se que a fidelidade aos supermercados (ou a não-pesquisa em diferentes lojas) gerou adicionais relativamente pequenos. Portanto, adquirir em uma mesma loja parece ser vantajoso para as famílias de renda superior a dois salários mínimos, mesmo porque geralmente há uma ou mais de uma marca em promoção; daí compreende-se os objetivos dos supermercados em quase sempre manterem alguma promoção de arroz. Como os custos logísticos e de oportunidade do tempo das famílias não foram considerados na pesquisa, fica a sugestão para trabalhos futuros, que possam melhor elucidar tal questão. Do ponto de vista dos ofertantes, ainda não é perfeitamente clara a política de formação de preços no varejo, a partir da relação entre beneficiador e supermercado. Apesar da importância das estratégias promocionais mencionadas, tamanha instabilidade na oferta pode dificultar a fidelização dos consumidores às marcas, o que, no longo prazo, pode não ser a melhor estratégia. Ou ainda, talvez seja uma boa estratégia para o varejista, mas não para o proprietário da marca exatamente. Finalmente, deve-se considerar que, apesar das variações observadas nesta pesquisa, o fato é que as despesas com arroz - em que pese sua importância nutricional - são relativamente modestas e decrescentes nos últimos anos. Portanto, como já reconhecido pela literatura, níveis mais elevados de renda fazem com que as preferências das famílias por marcas específicas e/ou supermercados possam ser manifestadas sem muito esforço financeiro.

5. Referências bibliográficas

ANEXO

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    Os autores agradecem a: Eraci Silva Oleiro, João Luís Prietto Gameiro e Marcel Eduardo Bergamasco pelas relevantes contribuições para esta pesquisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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