Open-access Decomposição espacial do crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) da agropecuária brasileira

Spatial decomposition of the Brazilian agriculture Total Factor Productivity (TFP)

Resumo:

Nesse trabalho foi realizada uma decomposição espacial do crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) do setor agropecuário brasileiro, incluindo componentes diretos (próprios) e indiretos (spillover), no contexto de uma análise de fronteira de produção espacial autorregressiva (SAR) para dados em painel, utilizando os dados censitários de 1995/96, 2006 e 2017 a partir de unidades produtivas referentes a 510 Regiões Geográficas Imediatas (RGI). Os resultados obtidos mostram que o crescimento da PTF foi de 3,87% a.a. na média do período completo, considerando-se apenas os efeitos diretos, e de 6,96% a.a., considerando-se os efeitos totais. Constatou-se também um maior crescimento da PTF no período mais recente e isso está relacionado à expansão da fronteira agrícola para as regiões com baixa produtividade anteriormente. Variáveis como financiamento da agricultura e pecuária, aptidão agrícola, malha rodoviária, plantio direto, correção de solo, escolaridade superior e assistência técnica, mostraram-se estatisticamente significativas na determinação da PTF. Os resultados sugerem que o crescimento da PTF é correlacionado espacialmente e temporalmente, e que spillovers espaciais e seus efeitos locais e globais impactaram a PTF nos três períodos censitários analisados.

Palavras-chave:  decomposição PTF; dependência espacial autorregressiva; efeito spillovers; agropecuária brasileira

Abstract:

The main objective of this research was to implement a spatial decomposition of Brazilian agriculture Total Factor Productivity (TFP), which includes direct (own) and indirect (spillover) components, in the context of an autoregressive spatial production (SAR) frontier analysis for a panel data for the censuses years 1995/96, 2006 and 2017, published by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The SAR boundary is estimated using maximum likelihood methods considering the endogenous spatial lag term. An empirical analysis was conducted using data referent to 510 immediate geographic regions (IGR) as references for the production units. The results demonstrate that the TFP growth was 3.87% per year on average, considering the entire period. The variables rural credit, agricultural suitability, highway road, no-till, soil correction, higher education and technical assistance, were statistically significant to determine the TFP growth. The results suggest that the TFP growth is spatially and temporally correlated, and the inclusion of spatial spillover and its local and global effects influenced TFP in the censuses periods analyzed.

Keywords:  TFP decomposition; autoregressive spatial dependence; spillovers effect; Brazilian agriculture

1. INTRODUÇÃO

As estimativas de Gasques et al. (2014, 2016) mostraram que a PTF da agricultura brasileira cresceu 3,53% a.a. entre 1975 e 2014, e 4,03% a.a. entre 2010 e 2014. As causas para esse desempenho foram os investimentos em P&D e de instrumentos de política agrícola como o crédito rural, por exemplo. De forma complementar, os trabalhos de Helfand & Levine (2004) e Helfand et al. (2015) avançaram na análise e contribuíram para a mensuração dos ganhos de produtividade do setor e seus determinantes ao longo das últimas décadas.

A abordagem de decomposição do crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) com a inclusão da dependência espacial tem sido utilizada com maior frequência, pois sem a avaliação das relações de dependência espacial pode-se incorrer em erros de medida ou viés de variável omitida. Assim, novos métodos de decomposição espacial do crescimento da produtividade total dos fatores e de análise de fronteira estocástica têm surgido na literatura, entre os quais destacam-se: Glass et al. (2013, 2014, 2016), Kutlu (2018), Adetutu et al. (2015) e Tsukamoto (2019).

No Brasil, a estimativa da decomposição do crescimento da PTF, sob o enfoque da dependência espacial, não foi aplicada para o setor agropecuário. Ao acrescentar a dependência espacial à modelagem de fronteira estocástica no crescimento da PTF, a exemplo de Kumbhakar & Wang (2005), a estrutura empírica ganha maior robustez. Incrementar essa decomposição, conforme Glass et al. (2013), é importante para analisar as interações espaciais a partir de componentes diretos (próprios) e indiretos (transbordamentos), uma vez que amplia o potencial da análise tradicional ao incorporar os efeitos feedback que aparecem no modelo interagindo entre os agentes, efeito esse negligenciado pela decomposição da modelagem mais tradicional.

A abordagem proposta nesse artigo segue aquela dos trabalhos de Glass et al. (2013, 2014, 2016), ao implementar os modelos de defasagem espacial (SAR) e Spatial Durbin (SDM), que capturam os transbordamentos globais e locais. Embora possa ser facilmente estendida para outras modelagens como fronteira de produção espacial de erro que, assim como no modelo autorregressivo espacial, também capturam os transbordamentos globais; na modelagem de erro espacial, os transbordamentos estão relacionados ao termo de erro latente, enquanto que os transbordamentos globais e locais, em uma especificação SAR e SDM, relacionam-se à variável dependente e às explicativas, que têm implicação nos escores de eficiência, com uma interpretação econômica estrutural dos impactos diretos e indiretos. Portanto, uma unidade em um modelo espacial está importando e exportando simultaneamente spillovers de e para vizinhos. Os efeitos indiretos captam a magnitude dos spillovers que, quando exportados por uma unidade, referem-se à mudança média na variável dependente de todas as outras unidades após mudança em uma variável independente para uma unidade particular e, quando importados por uma unidade, referem-se à mudança média na variável dependente para uma unidade particular após uma mudança em uma variável independente para todas as outras unidades.

A partir dessa abordagem empírica, o crescimento da PTF também decorre das interações espaciais que surgem em razão da interdependência das regiões quanto ao emprego das tecnologias usadas nos sistemas de produção do setor agropecuário. Essa questão se faz relevante sob a ótica do desenvolvimento econômico e suas relações com o aumento da produtividade total dos fatores, uma vez que o crescimento da produtividade reflete a capacidade dos agentes em absorverem tecnologias ou a exportarem, e esse processo pode afetar tanto a capacidade produtiva, quanto a eficiência técnica da produção do setor. O fluxo transfronteiriço de insumos de produção, disseminação de conhecimento que promove a imitação e inovação das tecnologias de produção, de técnicas e pessoas, alinhado aos agentes imitadores das boas práticas reforçam a correlação espacial. Além disso, organizações atuando em redes induzem, também, à dependência espacial, podem-se citar, como exemplo, os centros de pesquisas que disseminam tecnologias, complexos agroindustriais, cooperativas sediadas em diferentes regiões; dentro desses grupos, recursos humanos e tecnologia são compartilhados ativamente. Essas regiões são, portanto, mutuamente dependentes (Rios & Gianmoena, 2018; Tsukamoto, 2019).

Para a realização desse trabalho, partiu-se da pressuposição de que o comportamento de uma região reflete o comportamento médio das unidades de produção inseridas naquela localidade, pois a adoção1 de tecnologias, insumos, sistemas de produção e práticas de controle pelos agentes econômicos locais2 são reproduzidos por seus vizinhos, o que gera um efeito de transbordamento de eficiência e de produtividade. Portanto, o objetivo principal desse trabalho é realizar a decomposição espacial da PTF da agropecuária brasileira referente aos períodos censitários de 1995/96, 2006 e 2017. Além da seção introdutória, esse artigo está estruturado da seguinte forma: a seção 2 descreve a metodologia empregada para a análise, bem como a base de dados utilizada; na seção 3, estão os resultados e discussões seguidos, finalmente, pela conclusão.

2. METODOLOGIA

2.1 Modelagem espacial autorregressiva da PTF aplicada à agropecuária brasileira

Glass et al. (2013) empregaram o método proposto por Cornwell et al. (1990) para a obtenção dos efeitos específicos usados para calcular a eficiência técnica variante no tempo em um modelo com a existência de dependência espacial autorregressiva. Seguindo os trabalhos mencionados, nesse artigo foi implementada uma função de produção espacial3 autorregressiva do tipo Cobb-Douglas na agropecuária brasileira, conforme segue:

l n y i t = α i + T L β L l n L i t , β K l n K i t , β M l n M i t , β t t , β t 2 t 2 + λ j = 1 N w i j l n y j t + ε i t (1)

sendo

i=1, 2,, 510, N:t=1,2 e 3, yit é o valor da produção da i-ésima unidade no ano censitário t; TLβLlnLit,βKlnKit,βMlnMit,βtt,βt2t2 são, mão de obra, estoque de capital e materiais, respectivamente, representando a tecnologia como a aproximação translog do logaritmo da função de produção, onde Lit,KiteMit são vetores de insumos; βL, βKe βM são os parâmetros a serem estimados, e α é um efeito fixo específico de cada microrregião. Adotando as premissas de Glass et al. (2016), admite-se que existe uma mudança técnica do tipo Hicks-neutra dada por uma variável de tendência temporal t; λ é o parâmetro espacial autorregressivo; εit é um distúrbio com distribuição normal com média zero e variância σ2, e, finalmente, wij é um elemento da matriz de pesos espaciais definida como W.

A matriz de pesos espaciais W se caracteriza por ser positiva de dimensão N×N, normalizada nas linhas4, podendo ou não a matriz ser simétrica, em que as observações são dispostas em linhas e colunas, dessa forma, os elementos wij indicam a intensidade da relação entre as unidades seccionais transversais i e j; assim, quando os elementos não são zeros, os dois locais têm vizinhança. Portanto, tem-se que Wij=1 quando i e j são vizinhos, e Wij=0 quando não o são. Assim sendo, os elementos diagonais Wii, são todos zeros para a exclusão de auto-vizinhos (Elhorst, 2014), além disso, NλW é considerado não singular para todos os valores dos parâmetros λ no espaço. Também se admite que as somas de linha e coluna de W e NλW são limitadas uniformemente em valor absoluto.

A função de produção espacial autorregressiva é estimada por Máxima Verossimilhança. A estimação por log Máxima Verossimilhança é uma alternativa para resolver a endogeneidade existente, visto que, ao aplicar uma otimização não-linear à função LM, obtém-se estimadores consistentes. Para mais detalhes sobre o procedimento de correção de viés em modelos de efeitos fixos, e a estimação por demeaning, sugere-se o trabalho de Elhorst (2014).

A eficiência variável no tempo é obtida conforme o procedimento de Cornwell et al. (1990), também aplicado por Glass et al. (2013). Em síntese, usando os resíduos εit da função de produção definida em (1), estima-se εit=θit+ρit2+eit, onde eit é uma perturbação i.i.d. Com os parâmetros θi e ρi em conjunto com o αi parâmetros estimados na função de produção definida em (1), calculam-se as eficiências técnicas conforme:

T E i t = e x p α i + θ i t + ρ i t 2 m a x α i + θ i t + ρ i t 2 (2)

Em cada período, supõe-se que a unidade mais eficiente está na fronteira.

O modelo espacial autorregressivo (SAR) fornece muitas informações, e a atratividade desses modelos de efeito global se deve à riqueza das análises que envolvem as observações ou regiões, pois mudanças em uma região, além de exercerem um efeito causal direto, também afetam outras regiões de forma indireta. Portanto, o que diferencia os modelos econométricos espaciais é a capacidade de capturar essas interações (LeSage & Pace, 2009).

Nos modelos do tipo SAR e SDM, os coeficientes não podem ser interpretados diretamente como elasticidades. Isso ocorre porque o efeito marginal de uma variável explicativa é uma função da variável espacial autorregressiva. A função de produção definida em (1) pode ser reescrita com empilhamentos sucessivos das secções transversais, que são interpretados como efeitos diretos, indiretos e totais, como em Glass et al. (2013):

y t = I N λ W 1 K ι N + ( I N λ W ) 1 α N + ( I N λ W ) 1 τ t ι N + ( I N λ W ) 1 Γ t β + ( I N λ W ) 1 ε t (3)

onde

lN é um vetor N×1 de elementos iguais a 1; αN é um vetor N×1de efeitos fixos; Γt é uma matriz N×K de observações empilhadas para TLβLlnLit,βKlnKit,βMlnMit,βtt,βt2t2; e β é um vetor de parâmetros da função de produção Cobb-Douglas.

A matriz de derivadas parciais do valor esperado de y em relação à k-th variável de TLβLlnLit,βKlnKit,βMlnMit,βtt,βt2t2, Γk,t na unidade 1 até unidade N no tempo pode ser representada como:

E Y Γ 1 k E Y Γ N k = E y 1 Γ 1 k E y 1 Γ N k E y N Γ 1 k E y N Γ N k
= ( I λ W ) 1 β k w 12 θ k w 21 θ k β k w 1 N θ k w 2 N θ k w N 1 θ K w N 2 θ K β k (4)

onde

wij são os elementos (i, j) da matriz W. As derivadas parciais da E (Y) em relação a k-th variável explicativa possuem três propriedades, a saber:

  1. 1

    As variáveis explicativas exercem efeito sobre a variável dependente na região pertencente, bem como sobre a variável dependente de outras regiões. Isso é caracterizado como efeito direto, sendo possível visualizar nas derivadas parciais da diagonal principal da matriz. Os efeitos indiretos ocorrem fora da diagonal principal. Se λ=0 e θk=0, os efeitos indiretos deixam de existir;

  2. 2

    Quando λ0, os elementos da diagonal principal da matriz (InλW)−1 são diferentes para diferentes unidades e isso faz com que os efeitos diretos não sejam iguais. Os efeitos indiretos também são diferentes, desde que λ0 e θk0, visto que fora da diagonal principal das matrizes (InλW)−1 e W as unidades são diferentes;

  3. 3

    Para θk0 os efeitos indiretos são denominados efeitos locais, pois estão restritos à vizinhança, uma vez que os elementos da matriz de pesos espaciais wij são diferentes de zero, e o efeito xjk em yi também é diferente de zero. Quando λ0 os efeitos são globais, ou seja, os efeitos recebidos por uma unidade não se restringem à vizinhança. Se θk00 e λ0 ambos os efeitos ocorrem.

Os efeitos diretos e indiretos são diferentes para cada unidade, desse modo, o efeito direto passa a ser a média do produto dos elementos diagonais da matriz do lado direito e os efeitos indiretos são representados pela média da soma dos elementos das linhas fora da diagonal. O efeito direto, que também é responsável pelos efeitos de realimentação, é o efeito médio da alteração de uma variável independente em uma unidade de seção transversal na variável dependente dessa unidade. O efeito indireto é a mudança média na variável dependente para uma unidade particular, após uma mudança em uma variável independente em todas as outras unidades. O efeito total médio é a soma dos efeitos diretos e indiretos (LeSage & Pace, 2009).

Após ter estabelecidos os conceitos dos efeitos diretos, indiretos e totais, estes podem ser empregados na decomposição do crescimento da produtividade total dos fatores. Glass et al. (2013) apresentaram três componentes padrões de mudança da PTF: mudança da eficiência técnica (EC), mudança do progresso técnico (TC), e mudança nos retornos à escala (SC). Esta decomposição, diferentemente daquela verificada em Kumbhakar & Wang (2005), que incluiu somente os componentes diretos, incorporou os componentes indiretos de TC e SC. As mudanças da PTF são explicadas por três componentes (PTF = EC + TC + SC) e pode ser obtida da seguinte forma:

P T ˙ F i t + 1 = l n T E i t + 1 - l n T E i t E C + 1 2 η t i t + 1 D i r + η t i t D i r T C D i r e t o + 1 2 η t i t + 1 I n d + η t i t I n d T C I n d i r e t o + 1 2 r = 1 R η x r , i t + 1 D i r S F i t + 1 D i r + ( η x r , i t D i r S F i t D i r ) l n η x r , i t + 1 D i r / x r , i t D i r S C D i r e t o + 1 2 r = 1 R η x r , i t + 1 I n d S F i t + 1 I n d + ( η x r , i t I n d S F i t I n d ) l n η x r , i t + 1 I n d / x r , i t I n d S C I n d i r e t o (5)

onde

ηti e ηxr, i são as elasticidades da função de produção em relação ao tempo e ao r-th insumo (r = 1, ..., R); SFi=r=1Rηxr,i+1/r=1Rηxr,i é o fator de escala fora das médias amostrais; e Dir e Ind denotam as elasticidades e fatores de escala que são calculados usando os efeitos marginais diretos e indiretos.

Em um segundo momento é estimado um modelo espacial5 para a determinação e análise dos efeitos das variáveis explicativas sobre a PTF. A partir da Expressão 1 foram obtidas as estimativas da PTF para as respectivas RGI do Brasil, o que permitiu reestimar o modelo para encontrar seus determinantes. Nesse caso, a variável dependente é o resultado obtido a partir de (1) referente ao período censitário de 20176, e os determinantes da PTF são definidos conforme a Expressão 6:

wˆi= α +βˆ1F ini +βˆ2Apti +βˆ3Rodi +βˆ4Coopi +βˆ5P ldi +βˆ6Corri +βˆ7Edi +βˆ8Oti +ϵ (6)

onde

w^i é a PTF por RGI para o ano de 2017; α é o intercepto; β^1 é o parâmetro para o valor total dos financiamentos da agricultura e pecuária para o ano de 2017, obtidos junto à Matriz de Dados do Crédito Rural do Banco Central (2020) e subdividem-se conforme as finalidades de custeio, investimento e comercialização; β^2 é o parâmetro associado ao índice médio de aptidão agrícola das RGI7 e representa interpretação de variáveis de solos (profundidade, drenagem, fertilidade e textura), relevo (declividade e altitude) e clima, aplicável à grande maioria das lavouras agrícolas; β^3 é o parâmetro para a extensão em quilômetros de rodovias estaduais e federais existentes em cada RGI; β^4 é o parâmetro para o número de estabelecimentos em que os produtores são associados em cooperativas; β^5 é o parâmetro para o número de estabelecimentos em que os produtores utilizam a prática do plantio direto na palha; β^6 é o parâmetro para o número de estabelecimentos em que os produtores fazem correção de solo; β^7 é o parâmetro para o número de estabelecimentos conforme a escolaridade do produtor que dirige o estabelecimento8; e β^8 é o parâmetro para o número de estabelecimentos que receberam algum tipo de assistência técnica. As variáveis que correspondem aos números de estabelecimentos foram extraídas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019) CA de 2017.

2.2 Base de dados

A função de produção espacial autorregressiva definida pela Expressão 3 foi estimada com emprego de um painel equilibrado para 510 RGI do Brasil tendo como período os CA 1995/96 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998), 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012) e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019). As variáveis foram obtidas junto ao IBGE no banco de dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). A variável dependente lnyit é valor da produção agropecuária (VBP) em mil reais (R$). O IBGE considera para o cálculo do valor bruto de produção os seguintes tipos de produção agropecuária: produção animal, de grande porte, médio porte, aves e pequenos animais; produção vegetal, lavouras permanentes, lavouras temporárias, horticultura, floricultura, silvicultura, extração vegetal e agroindústria. As entradas são representadas pela quantidade de trabalho usado na agricultura em equivalente-homem (EHT). Foi considerada como estoque de capital utilizado na agropecuária a força mecânica dos tratores em cavalos (CVTRAT), e como área explorada aquela destinada à exploração agropecuária, excluindo as áreas impróprias (AE) em hectares (ha). Adicionalmente, o modelo empírico incorporou o valor dos insumos agrícolas e pecuários (INS) em mil reais (R$), que é definido como todos os componentes diretamente aplicados no processo de produção animal e vegetal, tais como: corretivos do solo, fertilizantes químicos ou orgânicos, pesticidas, sementes, medicamentos para animais, sal, rações industriais e outros, além de gastos da agricultura com o uso de energia, que pode ser elétrica ou combustíveis (ENE) em mil reais (R$), e área irrigada (IRR) em hectares (ha). Na Tabela 1 são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas no modelo de painel para os períodos censitários de 1995/96, 2006 e 2017.

Tabela 1
Estatística descritiva das variáveis do modelo empírico

Feitas as apresentações dos procedimentos metodológicos e da base de dados, na próxima seção são apresentados os resultados do modelo econométrico.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Procedimentos para estimação da Produtividade Total dos Fatores da agropecuária brasileira

A definição do modelo paramétrico que reporte estimativas confiáveis sob o enfoque da dependência espacial teve como ponto de partida a escolha de uma matriz de pesos espaciais W. Neste artigo foi utilizada uma matriz de contiguidade do tipo queen, ponderada e normalizada nas linhas, e a escolha se deu pelo critério do I de Moran, que sugere a melhor autocorrelação espacial dentre as matrizes testadas (Almeida, 2012). Os resultados das estimativas do modelo empírico definido pela Expressão 3 são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
– Resultados para seleção de modelos de fronteira de produção espacial

Para permitir comparações além dos modelos espaciais autorregressivos SAR e SDM, é também apresentado o modelo de efeitos fixos sem dependência espacial (SD). As estimativas dos coeficientes dos modelos SAR e SDM são mais próximas em razão da dependência espacial. A variável endógena δ indica a dependência espacial de y, dada a especificação da matriz W, e não pode ser interpretada como uma elasticidade. As estimativas de δ no modelo SAR (0,481) e no modelo SDM (0,537) foram estatisticamente significativas ao nível inferior a 1%, sugerindo que a produção agropecuária é espacialmente dependente e se mostra mais forte no modelo SDM, uma vez que a magnitude do coeficiente é maior quando comparada à do modelo SAR.

O valor do LogLik, observado na Tabela 2, cresce quando o modelo de efeitos fixos não espacial é estendido e incluídos os efeitos das interações espaciais e, desse modo, o modelo de efeitos não espacial deve ser rejeitado em favor dos modelos com interação espacial.

Para escolher9 entre o modelo SAR e SDM foi adotado o critério da não violação da autocorrelação espacial dos resíduos e com maior LogLik. Como os valores do LogLik foram maiores no modelo SDM, inicialmente, a escolha seria por esse modelo, todavia, diferentemente do modelo SAR, este modelo não elimina a autocorrelação dos resíduos, que apesar de ter menor LogLik e um coeficiente de interação espacial, eliminou o efeito da autocorrelação. A preferência pelo modelo SAR também está relacionada à sua estrutura de análise, uma vez que a defasagem espacial da variável dependente (coeficiente δ) é entendida como um transbordamento espacial global e pode expressar as relações persistentes de longo prazo em uma dimensão temporal (Elhorst, 2014).

Todos os parâmetros do modelo SAR e SDM são significativos para os coeficientes diretos ao nível de 5%, com exceção da variável área irrigada (lirr) que, além de não apresentar significância estatística, tem sinal diferente do esperado, a priori, em uma função de produção. Assim sendo, para melhor controle dos efeitos regionais, optou-se pela inclusão de variáveis binárias de interação com a área irrigada no modelo empírico, e cujos resultados estão na Tabela 3. Além da adição das variáveis binárias, introduziu-se uma variável de tendência e também na sua forma quadrática t e t2, respectivamente, admitindo que exista uma mudança técnica Hicks-Neutra10.

Tabela 3
– Resultados da estimação do modelo autorregressivo (SAR) para uma fronteira de produção

As estimativas dos parâmetros na Tabela 3 referem-se somente ao modelo escolhido, o SAR. Conforme LeSage & Pace (2009), os coeficientes das variáveis explicativas não podem ser interpretados como elasticidades, pois o efeito marginal das variáveis é uma função do componente espacial autorregressivo e, assim, é necessário obter os efeitos marginais diretos, indiretos e totais. A partir da decomposição dos efeitos, as elasticidades dos insumos da função de produção mostram o retorno à escala e taxa média da mudança técnica Hicks-Neutra. No modelo com o termo de defasagem espacial, esses valores variam em relação às observações e, portanto, os valores médios do efeito direto dos insumos da função de produção mostram o retorno à escala (Tsukamoto, 2019). O retorno à escala maior (menor) que 1 indica retornos crescentes (decrescentes) da tecnologia à escala; como a soma dos efeitos diretos está próxima de um, admite-se que os retornos são constantes à escala.

A decomposição espacial do modelo torna-se mais robusta com a inclusão das variáveis binárias de controle11, dado que houve um aumento da significância estatística e os coeficientes apresentaram sinais coerentes com a teoria econômica, atendendo ao pressuposto das condições de monotonicidade da função de produção nas médias amostrais. A magnitude e o sinal esperado dos coeficientes mostram que a produção na agropecuária brasileira nesse período foi suscetível ao uso dos insumos definidos no modelo. A exceção somente ocorreu com o uso da irrigação na região Norte12, que apresenta sinal contraintuitivo na função de produção e com significância estatística, ao passo que nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste o uso da irrigação mostrou-se estatisticamente significativo e afetou positivamente a produção13. Na região Nordeste, a elasticidade do uso da irrigação não se mostrou estatisticamente significante. O coeficiente de tendência temporal (t) na função de produção é estatisticamente significativo ao nível de significância de 1% e positivo, ao passo que o sinal do coeficiente da tendência ao quadrado (t2) é negativo e estatisticamente significativo.

A partir da estimação do modelo SAR apresentado na Tabela 3, é possível decompor o crescimento da PTF para o período censitário de 1995/96, 2006 e 2017, conforme definido pela Expressão 5. A decomposição é apresentada pela variação dos três componentes: eficiência técnica (EC), progresso técnico (TC) e mudanças nos retornos à escala (SC). Eficiência técnica, conforme Bogetoft; Otto (2010) está relacionada ao uso dos insumos dada uma tecnologia existente, ou seja, é a forma como os insumos são combinados. Silva (1982) argumenta que o termo ‘técnica’ se aplica a cada processo particular de produção pelo qual um dado produto ou conjunto de produtos pode ser obtido.

Técnica e processo produtivo combinam-se visando a produção de bens. O conjunto de todos os processos de produção, bem como de todas as técnicas conhecidas para obtenção de um determinado produto ou grupos deles, caracteriza a tecnologia. Progresso técnico refere-se ao avanço da tecnologia existente, envolvendo, por conseguinte, a ampliação do estoque de técnicas ou processos de produção conhecidos. Assim sendo, a Figura 1 mostra o progresso técnico estimado entre os períodos censitário.

Figura 1
– Progresso técnico (TC) e a decomposição dos efeitos entre os períodos censitários de 1995/96-2006 e 2006-2017. Fonte – IBGE - Censo Agropecuário 1995/96, 2006 e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998, 2012, 2019) e elaboração dos autores

A Figura 2 mostra as variações da eficiência técnica ocorridas no Brasil entre os períodos 1995/96-2017, mostrando as RGI que tiveram crescimento de eficiência no uso dos insumos de produção, considerando-se a tecnologia disponível. O escore de eficiência foi construído com base nos quantis inferiores (baixo e baixo/médio) e superiores (médio/alto e alto). Ao longo do período, é possível observar as variações em termos de eficiência técnica e o padrão de como as mudanças ocorreram nas regiões do país.

Figura 2
– Variação da eficiência técnica (EC) no período censitário de 1995/96- 2017. Fonte – IBGE - Censo Agropecuário 1995/96, 2006 e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998, 2012, 2019) e elaboração dos autores

Variações mais significativas estão dispostas na parte central do território nacional e compreendem três grandes regiões: Centro-Oeste, parte oeste da região Nordeste e o sul da região Norte. Na região Sudeste, maiores variações em termos de eficiência são observadas de forma mais dispersa no estado de São Paulo, e de forma mais concentrada no Leste mineiro. No caso da região Sul, observa-se um padrão mais uniforme ao longo de grande parte das RGI, tendo, em sua grande maioria, níveis mais elevados de crescimento.

Na Figura 3a e 3b são apresentadas as taxas de crescimento dos retornos diretos à escala. Na Figura 4a e 4b estão as taxas de crescimento dos retornos indiretos. As mudanças de escala são suscetíveis aos efeitos diretos e indiretos, e à variação no uso dos fatores de produção.

Figura 3
– Decomposição espacial da PTF em relação à variação nos retornos diretos à escala (SC-D) no período censitário de 1995/96-2006 (a) e 2006-2017 (b). Fonte – IBGE - Censo Agropecuário 1995/96, 2006 e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998, 2012, 2019) e elaboração dos autores
Figura 4
– Decomposição espacial da PTF em relação à variação nos retornos indiretos à escala (SC-I) no período censitário de 1995/96-2006 (a) e 2006-2017 (b). Fonte – IBGE - Censo Agropecuário 1995/96, 2006 e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998, 2012, 2019) e elaboração dos autores

Como observado no período censitário de 1995/96-2006, nas Figuras 2 e 3a, a maior variação em relação aos retornos à escala concentra-se em regiões pouco tradicionais, e em um período em que se vivenciava uma expansão mais intensa para regiões de fronteira no Norte, parte das regiões Centro-Oeste e Nordeste, ou seja, essa expansão vem acompanhada da intensificação do uso de insumos. As Figuras 2 e 3b, referentes ao período de 2006-2017, apresentam uma diminuição do ritmo de crescimento em relação aos retornos à escala pelo uso de insumos quando comparado ao período anterior. A Figura 4 mostra que o perfil da evolução dos retornos indiretos à escala foi similar ao observado para os efeitos diretos, tanto pelo maior ritmo de crescimento no período 1995/96-2006 quanto pela predominância desse crescimento mais elevado em regiões menos tradicionais e de fronteira.

Na Figura 5, encontram-se os resultados da taxa de crescimento da PTF entre os anos censitários, onde também se observa a predominância de maior ritmo de expansão da produtividade nas regiões de fronteira agrícola.

Figura 5
– Distribuição espacial da taxa do crescimento da PTF no período de 1995/96-2006 (a) e 2006-2017 (b). Fonte – IBGE - Censo Agropecuário 1995/96, 2006 e 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998, 2012, 2019) e elaboração dos autores

A Tabela 4 apresenta os resultados do crescimento da PTF para o Brasil e suas regiões em cada subperíodo censitário e, na média dos períodos, levando em consideração os efeitos diretos e indiretos. Os resultados obtidos mostram que a PTF cresceu14 a uma taxa média de 3,87% a.a. em todo período censitário, desconsiderando os efeitos indiretos. Levando em consideração os efeitos indiretos, estima-se um crescimento da PTF brasileira de 6,96% a.a. na média.

Tabela 4
– Decomposição da taxa de crescimento e participação regional no crescimento da PTF nos períodos censitários e na média dos períodos

3.2 Determinantes da Produtividade Total dos Fatores (PTF) da agropecuária brasileira

Na Tabela 5, encontram-se os resultados da estimativa do modelo empírico definido pela Expressão 6, que incorpora os efeitos diretos e indiretos na determinação da PTF. Foram testadas várias formas funcionais na tentativa de se encontrar o melhor ajuste do modelo autorregressivo (SAR) e, dentre essas, a forma funcional que se mostrou mais apropriada foi um modelo Log-Lin. Essa forma funcional requer cuidados na interpretação dos parâmetros pois, conforme observado em Wooldridge (2006), os parâmetros em nível devem representar uma variação percentual da variável dependente sobre um acréscimo unitário nas variáveis explicativas 100βn.

Tabela 5
– Resultados da estimação do modelo autorregressivo (SAR) na determinação da PTF

Conforme os resultados da Tabela 3, grande parte das variáveis selecionadas tiveram resultados estatisticamente significativos e com sinal esperado, com exceção das variáveis Número de estabelecimentos associados em cooperativas, Nível de educação básica e médio dos proprietários dos estabelecimentos, e Número de estabelecimento com algum tipo de orientação técnica. Na tentativa de um ajuste mais robusto para essas variáveis, adotaram-se alguns controles como as interações regionais com variáveis binárias para cooperativas e orientação técnica, admitindo que diferenças regionais possam ser captadas por essas interações, e a variável educação foi estratificada conforme o nível de educação dos estabelecimentos agropecuários.

Os resultados dessas mudanças nas variáveis do modelo não apresentaram nenhum efeito para cooperativas, entretanto, na variável educação, no estrato de estabelecimentos com educação superior, os resultados se mostraram estatisticamente significativos ou com sinal esperado, diferentemente dos estabelecimentos com educação nível médio e fundamental. A interação regional na variável orientação técnica apresentou resultados estatisticamente significativos para as regiões Sudeste, Nordeste e Norte, quando comparada ao Centro-Oeste, que é a variável de controle15.

O coeficiente δ é positivo e significativo, o que implica que a PTF é afetada localmente por intermédio das variáveis explicativas do modelo e, dado o grau de interdependência da variável dependente, o efeito se estende para as vizinhanças via transbordamento espacial.

Do ponto de vista dos efeitos sobre a PTF, as variáveis do modelo podem ser analisadas como externas e internas às decisões de gestão dos estabelecimentos produtivos. As variáveis externas são investimentos públicos ou aspectos físicos onde se encontram as RGI, como o valor total dos financiamentos da agricultura e pecuária, aptidão agrícola e quilômetros em rodovias estaduais e federais. Quanto às variáveis internas aos estabelecimentos, tem-se a associação do estabelecimento em cooperativas, utilização do plantio direto, correção do solo, escolaridade e assistência técnica.

Na Tabela 5, as variáveis estimadas no modelo SAR não podem ser interpretadas diretamente, dado que existem efeitos espaciais retroalimentadores16 que influenciam localmente, disseminam-se no espaço, afetando a vizinhança e retornando ao local de origem. Desse modo, é necessário fazer a decomposição dos efeitos diretos, indiretos e totais na interpretação dos resultados. Tratando-se da variável financiamento17 na agropecuária, o coeficiente estimado no modelo SAR foi de 0,000388, ao passo que na decomposição dos efeitos diretos o coeficiente é de 0,000397, ou seja, a cada um milhão de reais disponibilizados na agropecuária, sob a forma de financiamentos, geram um efeito de 0,0397% sobre a PTF.

A diferença de 0,000009 (0,000397 - 0,000388) se deve ao efeito feedback que ocorre pela interdependência espacial da variável dependente, que retorna ao local de origem. Dito de outra forma, o efeito dos recursos de financiamento empregados na agropecuária afetam a PTF de forma direta, e dada a interdependência da variável dependente, esse efeito impacta a variável dependente das vizinhanças, retornando ao local de origem.

Além do efeito direto, a PTF é afetada indiretamente pelos recursos aplicados na agropecuária via financiamentos na magnitude de 0,0183%. Isso implica em um efeito transbordamento, que é o resultado da mudança dos recursos para financiamento na localização RGIi e na mudança de y na localização RGIj, sendo i ≠ j e isto significa que, em média, 31,55% (efeito indireto em relação ao efeito total, isto é, 0,000183/0,000580 = 0,3155) das alterações na PTF provocadas pela disponibilidade de financiamento resultam de interações da vizinhança. A soma dos efeitos é representada pelo coeficiente total de 0,000580, ou seja, a cada um milhão a mais disponibilizados em financiamentos tem-se um efeito sobre a PTF de 0,058%.

Todas as variáveis tidas como externas às decisões de gestão dos estabelecimentos foram significativas e, a priori, com sinal esperado. O aumento do valor dos financiamentos, o índice de aptidão e a extensão das rodovias em quilômetros afetam direta e indiretamente a PTF. O mesmo ocorre com as variáveis expressas em quantidades de estabelecimentos por RGI. O aumento do número de estabelecimentos que implementam a prática do plantio direto ou a correção de solo, bem como o maior nível de educação e, por fim, os que recebem algum tipo de orientação técnica geram efeitos positivos sobre a PTF da agropecuária.

CONCLUSÃO

O objetivo principal desse trabalho foi apresentar a decomposição espacial da PTF da agropecuária brasileira referente aos períodos censitários de 1995/96, 2006 e 2017. Os resultados estão em acordo com as estimativas mais recentes da PTF que incluem o Censo de 2017, como por exemplo os trabalhos de Gasques et al. (2021) e Bragagnolo et al. (2021). A contribuição específica do presente artigo está na inclusão dos efeitos espaciais para a medida do crescimento da PTF e da avaliação dos determinantes dessa variável sob a ótica dos efeitos espaciais.

A taxa média de crescimento da PTF foi de 3,87% a.a. em todo período estudado, levando-se em conta apenas os efeitos diretos. Considerando os efeitos indiretos, a taxa média de crescimento foi de 6,89% a.a. em função dos efeitos spillovers. O padrão de crescimento observado entre os períodos mostrou que as taxas mais altas no período de 2006-2017 deveram-se à manutenção do crescimento em regiões tradicionais como Sul e Sudeste e ao forte crescimento de regiões de fronteira agrícola; além dessas regiões apresentarem elevado crescimento, passaram a ter mais representatividade no VBP no último período censitário, o que contribuiu para o maior crescimento da PTF brasileira.

Os resultados desse trabalho ainda mostram efeitos temporais e espaciais, e ainda como os vários fatores territoriais estão positivamente relacionados com o crescimento dinâmico da PTF das RGI. Em outras palavras, RGI com alto crescimento da PTF são provavelmente mais cercadas por pares de RGI com altas taxas de crescimento de eficiência técnica e de altos retornos à escala. Isso sugere impactos positivos de uma RGI para as RGI vizinhas, que ocorrem pela adoção de novas tecnologias disponíveis nas vizinhanças; além disso, esse efeito tem um caráter temporal específico, conforme se consolida no período subsequente. Esses resultados sugerem que as RGI em áreas altamente produtivas têm melhor acesso a informações externas sobre novas tecnologias que ajudam a melhorar sua própria produtividade. Isso poderia motivar um efeito de interação entre agentes de RGI geograficamente próximas.

Os resultados apresentados mostraram que entre os componentes que mais contribuíram para o crescimento da PTF está a variação nos retornos à escala do uso dos fatores de produção, tanto de forma direta, quanto de forma indireta. Respostas mais significativas para os retornos à escala foram observados nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, principalmente no primeiro período censitário (1995/96-2006). Os maiores retornos nessas regiões, quando comparados com as regiões denominadas como tradicionais, a exemplo do Sul e Sudeste, deveram-se ao próprio processo de expansão da agropecuária, que vem acompanhado da utilização de insumos de produção, e esses respondem mais à escala dada a sua escassez nessas regiões de fronteira. Por sua vez, regiões tradicionais operam no seu limite técnico e o maior incremento para a PTF resulta em maior proporção do aumento da eficiência dos insumos do que propriamente da variação das quantidades empregadas dos fatores de produção.

A pressuposição inicial de que o comportamento de uma RGI reflete na média o comportamento de sua vizinhança é factível. Desse modo, os resultados refletem o processo de deslocamento da agropecuária de regiões tradicionais para as mais afastadas, e na formação recente da estrutura produtiva. Observou-se que o crescimento da PTF está condicionado ao crescimento do uso de insumos básicos de produção e esses foram importantes para o entendimento das realidades regionais, o que se traduziu em otimização produtiva, progresso técnico e crescimento da eficiência.

Adicionalmente, buscou-se ex post identificar os fatores determinantes da PTF na agropecuária brasileira, uma vez que efeitos diretos positivos resultantes do incremento dos valores totais dos financiamentos destinados ao setor, maiores índices de aptidão agrícola e extensão da malha rodoviária, maior quantidade de estabelecimentos com uso de plantio direto, uso de correção do solo, nível de escolaridade e assistência técnica geram efeitos indiretos que impactam positivamente a PTF via dependência espacial.

Finalmente, os resultados desse estudo sugerem que pesquisas futuras podem aprimorar a avaliação do papel da dependência espacial no crescimento da produtividade agropecuária, segmentando a análise, conforme a heterogeneidade das lavouras, sistemas produtivos, entre outros, bem como a eficácia de instrumentos de política agrícola direcionados para o desenvolvimento do setor em nível regional.

  • 1
    Poderia ser expresso também pelos condicionantes capacitadores de produtividade.
  • 2
    Nesse trabalho representados pelas RGI que compõem a amostra.
  • 3
    Para uma análise mais detalhada sobre modelos com dados espaciais, consultar Almeida (2012), LeSage & Pace (2009); Elhorst (2014).
  • 4
    W é normalizado para ter somas iguais à unidade nas linhas, de modo que a defasagem espacial endógena da variável dependente seja uma média ponderada de observações para a variável dependente nas unidades vizinhas.
  • 5
    O modelo estimado foi o SAR, dado que as estimativas da PTF foram obtidas por meio desse modelo, o que justifica sua implementação na determinação dos efeitos sobre a PTF.
  • 6
    O modelo estimado refere-se a um cross-section dada a indisponibilidade temporal para todas as variáveis explicativas definidas no modelo.
  • 7
    Os dados da extensão da malha rodoviária foram recortados da base de dados geoespaciais e vetoriais em sistemas de informação geográficas denominado Shapefile com auxílio do softwareQuantum GIS (2017). As informações foram obtidas junto ao Ministério da Infraestrutura (Brasil, 2019).
  • 8
    O Censo Agropecuário (CA, 2017) divide os estabelecimentos conforme a escolaridade: Antigo Ginasial (Médio 1º ciclo); Regular do Ensino Fundamental ou 1º Grau; EJA – Educação de Jovens e Adultos e Supletivo do Ensino Fundamental ou 1º Grau; Antigo Científico, Clássico etc. (Médio 2º Ciclo); Regular de Ensino Médio ou 2º Grau; Técnico de Ensino Médio ou do 2º Grau; EJA – Educação de Jovens e Adultos e Supletivo do Ensino Médio ou do 2º Grau; Superior: Graduação, Mestrado ou Doutorado.
  • 9
    Os procedimentos para a determinação do modelo a ser escolhido seguem os critérios de Elhorst (2014) e Almeida (2012). Como também enfatizaram Kopczewska et al. (2017), quando o termo de erro não é mais violado pela autocorrelação espacial, o modelo pode ser considerado como o final. Dessa forma, o teste do I de Moran indicou a presença de autocorrelação nos resíduos no modelo SDM.
  • 10
    Para mais detalhes da especificação do modelo com tendência, consultar Glass et al. (2013).
  • 11
    Para melhor controle dos efeitos regionais, optou-se pela inclusão de variáveis binárias de interação com a área irrigada dada a diferença de área irrigada ao nível regional.
  • 12
    Como foi criada a interação entre área irrigada e as regiões, a variável controle (lirr) representa a elasticidade para região Norte.
  • 13
    No caso das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o resultado é perfeitamente justificado, considerando que são nessas regiões que se concentram as maiores áreas irrigadas no Brasil (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, 2017).
  • 14
    Gasques et al. (2018) estimaram um crescimento da PTF de 3,20% a.a. para o período de 2000-2009 e de 3,17% a.a. no período de 2000-2016.
  • 15
    Para representar as k categorias de regiões, são necessárias k - 1 regiões de binárias. A referência de análise ocorre em relação à região Centro-Oeste.
  • 16
    Conforme Kopczewska et al. (2017), em modelos espaciais, incluindo a defasagem espacial da variável dependente (Wy), a previsão não é tão simples e requer um loop de feedback em y, que é a variável prevista (y) e prevendo Wy ao mesmo tempo.
  • 17
    Com exceção da variável financiamento, não será feita uma análise técnica da interpretação quantitativa dos efeitos sobre as demais variáveis do modelo. A partir da análise para essa variável, a interpretação das demais variáveis explicativas é feita de forma análoga.
  • Como citar: Felema, J., & Spolador, H. F. S. (2023). Decomposição espacial do crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) da agropecuária brasileira. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(3), e260708. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.260708
  • Classificação JEL: Q1, R00, R11, R12, R15

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2022
  • Aceito
    19 Jul 2022
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