Resumos
Resumo
O objetivo do artigo foi analisar o impacto das agroindústrias rurais instaladas nas propriedades da agricultura familiar na sustentabilidade dos produtores rurais da região Oeste do estado do Paraná. Foi utilizado a abordagem do livelihood e aplicado o método Propensity Score Matching para estimar os efeitos da agroindústria rural nos indicadores de sustentabilidade das propriedades rurais familiares. A diversificação do livelihood é uma estratégia que as famílias utilizam para gerar mais estabilidade contra as diversidades e aumentar o nível de sustentabilidade social, econômica e ambiental. As agroindústrias rurais impactaram positivamente para aumentar a sustentabilidade nas dimensões do capital econômica, físico e natural, porém não existiu diferenças nas dimensões do capital social e humana. Os programas de promoção da agroindústria rural nas propriedades familiares deveriam ser contemplados nos planos de desenvolvimento rural sustentável, no qual a assistência técnica extensão rural tem um papel fundamental.
Palavras-chave:
sustentabilidade; agricultura sustentável; agricultura familiar; agroindústria rural familiar; livelihood
Abstract
The objective of the article was to analyze the impact of small-scale agro-industrial activity by family farmers on the sustainability of rural properties in the western region of the state of Paraná. The livelihood approach was used, and Propensity Score Matching method was applied to estimate the effects of small-scale agro-industrial on sustainability indicators of the family farms. Livelihood diversification is a strategy that families use to generate more stability under diversity and increase the level of social, economic, and environmental sustainability. Small-scale agro-industries had a positive impact on increase sustainability in the economic, physical, and natural capital dimensions, but there were no differences in the social and human capital dimensions. The programs to promote rural agroindustry on family properties should be included in sustainable rural development plans, in which technical assistance in rural extension plays a key role.
Keywords:
sustainability; sustainable agriculture; family farmer; small-scale agro-industrial; livelihood
1. Introdução
O desenvolvimento sustentável baseado no tripé econômico, social e ambiental apresenta várias abordagens (Costa, 2010aCosta, A. A. V. M. R. (2010a). Agricultura sustentável I: conceitos. Revista de Ciências Agrárias, 33(2), 61-74., 2010bCosta, A. A. V. M. R. (2010b). Agricultura sustentável II: conceitos. Revista de Ciências Agrárias, 33(2), 75-89., 2010cCosta, A. A. V. M. R. (2010c). Agricultura sustentável III: conceitos. Revista de Ciências Agrárias, 33(2), 90-105.) e possibilita produzir múltiplas dimensões de análise (Sachs, 2002Sachs, I. (2002). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond.). Nesta perspectiva, Chambers & Conway (1992)Chambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies. elaboraram, ao longo das décadas de 1990 e 2000, a abordagem do livelihood1 1 De acordo com Chambers & Conway (1992, p. 5) “Capacidades, equidade e sustentabilidade combinam no conceito de livelihood”. Vamos adotar o termo original livelihood invés de “meios de vida”, tradução livre feita por alguns autores. De acordo com Pereira et al. (2010) existem diferenças entre ambos. , que tem como foco as estratégias de desenvolvimento enfrentadas pelas populações rurais pobres em contextos de vulnerabilidade social, econômica e ambiental. Embora eles tenham construído um arcabouço analítico preocupado em mitigar a pobreza, esta abordagem pode ser aplicada em projetos de desenvolvimento em várias escalas - local, territorial, nacional -, para vários níveis de desenvolvimento, permitindo identificar, compreender e avaliar a sustentabilidade a partir da diversidade do livelihood dos agricultores familiares (Chambers & Conway, 1992Chambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies.; Bebbington, 1999Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044.; Ellis, 2000Ellis, F. (2000). Rural livelihoods and diversity in developing countries. Oxford: Oxford University.)2 2 Esta abordagem foi utilizada em diversos pesquisas, tais como, Grisa (2009), Lindenberg (2002), Luca & Kubo (2015), Niederle & Grisa (2008), Perondi (2007), Rambo et al. (2013), Freitas et al. (2015). .
A diversificação do livelihood é uma estratégia comumente aplicada para lidar com as diversidades econômicas, bem como as ambientais, e é um instrumento para aliviar a pobreza (Gautam & Andersen, 2016Gautam, Y., & Andersen, P. (2016). Rural livelihood diversification and household well-being: Insights from Humla, Nepal. Journal of Rural Studies, 44, 239-249.). Dentre as várias possibilidades de diversificação do livelihood para compor o portifólio de renda, estão as agroindústrias rurais3 3 Agroindústria rural são instalações próprias, comunitárias ou de terceiros no estabelecimento agropecuário que beneficiam ou transformam a partir de matéria-prima que tenha sido produzida no estabelecimento ou adquirida de outros produtores (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020). Na literatura internacional é normalmente denominado small-scale agro-industrial. (Perondi, 2007Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). As agroindústrias rurais estão associadas ao modo de vida dos produtores rurais, que se manifesta pela cultura alimentar. Os processos de transformação dos alimentos que já ocorriam na cozinha das famílias rurais como parte de sua tradição passam a ser valorizados na geração de renda (Mior, 2005Mior, L. C. (2005). Agricultores familiares, agroindústrias e redes de desenvolvimento rural. Chapecó: Argos.). O resgate da cultura alimentar propicia a aproximação dos consumidores e agricultores nos mercados locais. Torna-se um meio de resgatar uma parte da memória afetiva dos territórios (Dorigon & Renk, 2011Dorigon, C., & Renk, A. (2011). Técnicas e métodos tradicionais de processamento de produtos coloniais: de miudezas de colonos pobres aos mercados de qualidade diferenciada. Agricultura em São Paulo, 58, 101-113.).
O estado do Paraná é um grande produtor de algumas das principais commodities nacionais, isto é, soja e milho, que representam 14,79% e 16,02% respectivamente da produção nacional. Além disso, o estado possui grande produção de frangos e suínos, responde por 24,47% e 15,8% do rebanho nacional, respectivamente, cuja produção está integrada aos mercados globais de commodities agrícolas e pecuárias. A despeito desta dinâmica econômica do estado voltada para as exportações, cerca de 70% dos produtores rurais são agricultores familiares (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Agroindústria rural brasileira. In Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Ed.), Atlas do espaço rural brasileira (pp. 138-153). Rio de Janeiro: IBGE.). Muitos deles utilizam a diversificação produtiva como estratégia econômica e social para gerar renda e manter o seu modo de vida.
As atividades não agrícolas desempenham papel importante na estratégia de diversificação e manutenção do modo vida dos produtores rurais familiares. Estas atividades são as mais diversas possíveis, como a agroindústria de pequenas escalas desenvolvidas dentro da propriedade rurais. Por exemplo, em 2017, no estado do Paraná, 18,75% dos produtores familiares possuíam agroindústria rural (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Agroindústria rural brasileira. In Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Ed.), Atlas do espaço rural brasileira (pp. 138-153). Rio de Janeiro: IBGE.).
O objetivo do artigo foi analisar o impacto das agroindústrias rurais instaladas nas propriedades da agricultura familiar na sustentabilidade dos produtores rurais da região oeste do estado. Esta pesquisa contribui para preencher uma lacuna na literatura nacional sobre o impacto das agroindústrias rurais sob a sustentabilidade dos produtores considerando as dimensões do capital econômico, natural, físico, financeiro, humano e social partir da abordagem do livelihood4 4 Estudos como de Perondi (2007), Niederle & Grisa (2008), Prezotto (2002), Gazolla et al. (2012) mostraram a relevância da agroindústria familiar rural como forma de ampliar o grau de sustentabilidade de sistemas de produção familiar. . Os resultados obtidos podem contribuir no desenho mais eficientes de políticas de desenvolvimento rural sustentável.
2. Fundamentação Teórica
A modernização da agricultura promoveu o aumento de escala de produção, diminuição do uso da mão de obra na agricultura e a intensificou a especialização produtiva (Graziano da Silva, 1981Graziano da Silva, J. (1981). A modernização dolorosa. Zahar.; Staduto et al., 2004Staduto, J. A. R., Shikida, P. F. A., & Bacha, C. J. C. (2004). Alteração na composição da mão-de-obra assalariada na agropecuária brasileira. Agricultura em São Paulo, 51(2), 57-70.). A promoção de sistemas de produção especializados era defendida como forma mais eficiente e eficaz de produção, consequentemente, colocou os agricultores em um processo crescente de dependência de insumos e serviços externos às propriedades (Ploeg, 2008Ploeg, J. D. V. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora.).
O predomínio de atividades agrícolas extensivas e da monocultura, do ponto de vista do ecossistema, gera homogeneização da paisagem e constante fragmentação e perda de habitats, mudanças microclimáticas e perdas de espécies e populações importantes da fauna e flora (Liu et al., 2018Liu, Y., Kumar, M., Katul, G. G., & Porporato, A. (2018). Reduced resilience as a potential early warning signal of forest mortality. In 2018 ESA Annual Meeting, New Orleans, Louisiana.). Consequentemente, reduz vários serviços ecossistêmicos de regulação, provisão e suporte (Iverson et al., 2014Iverson, A. L., Marín, L. E., Ennis, K. K., Gonthier, D. J., Connor-Barrie, B. T., Remfert, J. L., Cardinale, B. J., & Perfecto, I. (2014). Do polycultures promote win‐wins or trade‐offs in agricultural ecosystem services? a meta‐analysis. Journal of Applied Ecology, 51(6), 1593-1602.; Gutierrez-Arellano & Mulligan, 2018Gutierrez-Arellano, C., & Mulligan, M. (2018). A review of regulation ecosystem services and disservices from faunal populations and potential impacts of agriculturalisation on their provision, globally. Nature Conservation, 30, 1-39.). Além disso, a substituição da cobertura nativa pelas atividades agrícolas e pecuárias acarreta drástica perda das funções ecossistêmicas (Costanza et al., 1997Costanza, R., D’Arge, R., De Groot, R., Farber, S., Grasso, M., Hannon, B., Limburg, K., Naeem, S., O’Neill, R. V., Paruelo, J., Raskin, R. G., Sutton, P., & van den Belt, M. (1997). The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, 387(6630), 253-260.; Tilman, 1999Tilman, D. (1999). The ecological consequences of changes in biodiversity: a search for general principles. Ecology, 80(5), 1455-1474.).
A produção extensiva também impactou no aumento da concentração de renda (Hoffmann & Kageyama, 1985Hoffmann, R., & Kageyama, A. A. (1985). Modernização da agricultura e distribuição de renda no Brasil. Planejamento e Política Econômica, 15(1), 171-208.) e terra e, consequentemente, sobre a qualidade de vida social e econômica dos agricultores, bem como mudanças demográficas (Graziano da Silva, 1981Graziano da Silva, J. (1981). A modernização dolorosa. Zahar.; Kageyama & Graziano da Silva, 1983Kageyama, A., & Graziano da Silva, J. (1983). Os resultados da modernização agrícola dos anos 70. Revista Estudos Econômicos, 13(3), 537-559.; Abramovay, 2000Abramovay, R. (2000). Agricultura, diferenciação social e desempenho econômico. São Paulo: FEA-USP. Projeto IPEANEAD/MDA–Banco Mundial.; Camarano & Abramovay, 1999Camarano, A. A., & Abramovay, R. (1999). Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos cinquenta anos (Texto para Discussão, No. 621). Brasília: IPEA.). De um lado, formou-se um grupo de produtores modernizados, com acesso a tecnologias, alto nível de mecanização e inseridos nas cadeias produtivas, de outro lado, um grande grupo de produtores que foram excluídos das fases iniciais do processo de modernização, no qual grande parcela permaneceu pobre (Martine & Garcia, 1987Martine, G., & Garcia, R. C. (1987). Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Caetés.; Dias & Amaral, 2000Dias, G. L. S., & Amaral, C. M. (2000). Mudanças estruturais na agricultura brasileira: 1980-1998. In R. Baumann (Ed.), Brasil: uma década em transição. Santiago de Chile: Campus, Cepal.).
A despeito da população rural formada pelos pequenos produtores estarem em situação de vulnerabilidade econômica e social, estas áreas rurais oferecem muitas alternativas e diversidade de atividades agrícolas, bem como não agrícolas (Ellis, 2000Ellis, F. (2000). Rural livelihoods and diversity in developing countries. Oxford: Oxford University.). A diversificação do livelihood é um processo estratégico das famílias rurais que fazem uso de suas capacidades de formar e organizar portfólios de atividades com o objetivo de melhorar suas condições de vida, inclusive diminuindo vulnerabilidades causadas por crises e choques externos, e superando as dificuldades impostas por problemas em seus sistemas de produção (Chambers & Conway, 1992Chambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies.; Bebbington, 1999Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044.).
Para Ploeg (2008)Ploeg, J. D. V. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora., agricultores devem diversificar para explorar seus recursos com o objetivo de sobrevivência e autonomia de sua família. Especialmente quando o processo de diversificação se apoia em ativos disponíveis na unidade de produção familiar, possibilitando diminuir a dependência de recursos controlados por atores externos. Para Chambers & Conway (1992)Chambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies., livelihood é o meio de ganhar a vida utilizando seus ativos na forma de recursos (materiais e sociais), estoques, direitos e acessos, bem como suas capacidades para implementar atividades, e serão sustentáveis quando atenderem a três requisitos: a) manter em nível elevado as capacidades e ativos e suportando as crises; b) possibilitar transmissibilidade do sistema de produção para outras gerações5 5 Segundo Sachs (2002) o desenvolvimento sustentável tem um duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras, e é multidimensional. ; e c) contribuir, em contextos de conexão em rede, com benefícios para outros livelihoods em diferentes âmbitos (do local ao global) ao longo do tempo (no curto e no longo prazo).
Para Carney (1999)Carney, D. (1999). Implementing the sustainable rural livehoods approach. In D. Carney (Ed.), Sustainable rural livehoods: what contribution can we make? (pp. 3-23). Great Britain: Departament for International Development. e Ellis (2000), aEllis, F. (2000). Rural livelihoods and diversity in developing countries. Oxford: Oxford University. abordagem do livelihood permite orientar políticas de combate à pobreza a partir de objetivos que buscam ampliar a renda, aumentar o bem-estar (bens intangíveis, como autoestima, sentimento de pertencimento, saúde, autonomia), diminuir a vulnerabilidade a situações adversas, aumentar a segurança alimentar e estimular o uso mais sustentável dos recursos naturais. Assim como Bebbington (1999)Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044., os autores estabeleceram que os recursos formam um conjunto de cinco capitais (natural, físico, humano, financeiro e social) assumidos como ativos do livelihood.
O livelihood já é amplamente integrado na literatura6 6 Por exemplo, Lindenberg (2002); Bhandari (2013); Kwazu & Chang-Richards (2021). e nas organizações internacionais7 7 Por exemplo, IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change. . Natarajan et al. (2022), aNatarajan, N., Newsham, A., Rigg, J., & Suhardiman, D. (2022). A sustainable livelihoods framework for the 21st century. World Development, 155, 105898. partir de uma ampla revisão de literatura, destacam que livelihood, desde os anos 90, vem tornando-se uma das principais abordagens no hemisfério Sul, tanto no meio acadêmico como para os profissionais que trabalham com desenvolvimento rural. Alguns trabalhos procuram aprofundar e rejuvenescer a perspectiva analítica do livelihood para as áreas rurais. Por exemplo, Li et al. (2020)Li, W., Shuai, C., Shuai, Y., Cheng, X., Liu, Y., & Huang, F. (2020). How livelihood assets contribute to sustainable development of smallholder farmers. Journal of International Development, 32(3), 408-429. procuraram descobrir os elementos-chave e os principais caminhos para que os pequenos agricultores alcancem um livelihood sustentável. A abordagem entre livelihood e agroindústria rural vem sendo estudo em vários países pobres e em desenvolvimento; muitos deles nas perspectivas de oportunidade para as mulheres; por exemplo, Ampadu-Ameyaw & Omari (2015)Ampadu-Ameyaw, R., & Omari, R. (2015). Small-scale rural agro-processing enterprises in Ghana: status, challenges and livelihood opportunities of women. Journal of Scientific Research and Reports, 6(1), 61-72., McKeller & Smardon (2012)McKeller, M. M. M., & Smardon, R. C. (2012). The potential of small-scale agro-industry as a sustainable livelihood strategy in a Caribbean archipelago province of Colombia. Journal of Sustainable Development, 5(3), 16. e Bulkis et al. (2023)Bulkis, S., Nursini, R., Amiruddin, A., Sjarif, D. H., & Yuna, K. (2023). Development strategy of women’s non-farm entrepreneurs group (small household and handicraft industries) in North Luwu Regency, South Sulawesi. Journal of Survey in Fisheries Sciences, 10(3S), 754-771.. De acordo com Carr (2020)Carr, E. R. (2020). Resilient livelihoods in an era of global transformation. Global Environmental Change, 64, 102155. a abordagem livelihood vem incorporando os temas emergentes. como a resiliência climática.
Entretanto, na literatura nacional, ainda o volume de publicações sobre a relação agroindustrial rural e livelihood é pequeno. Pode-se destacar alguns trabalhos seminais realizados no Brasil. Um dos primeiros trabalhos foi a pesquisa de Perondi (2007)Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., que estudou os sistemas de produção diversificados de agricultores familiares do município de Itapejara d’Oeste no estado do Paraná. Ele constatou que os agricultores que tinham sistemas mais diversificados enfrentaram os problemas da seca, safra de 2004/2005, com menos dificuldade do que os demais agricultores. O livelihood dos produtores mais diversificados era mais sustentável, e as famílias pluriativas e/ou que transformavam seus produtos tinham renda maior e sistemas de produção mais sustentáveis que as famílias que apenas produziam commodities.
Niederle & Grisa (2008)Niederle, P., & Grisa, C. (2008). Diversificação dos meios de vida e acesso a atores e ativos: uma abordagem sobre a dinâmica de desenvolvimento local da agricultura familiar. Cuadernos de Desenvolvimento Rural, 5(61), 41-69. analisaram como as dinâmicas de desenvolvimento local podem promover e influenciar no desenvolvimento sustentável dos agricultores no município de Salvador das Missões, Rio Grande do Sul. Os autores usaram a abordagem do livelihood a partir da estratégia adotada pelos agricultores familiares para diversificar suas bases de produção, as quais estão diretamente vinculadas à capacidade que eles têm de acessar e mobilizar ativos do ambiente em que viviam “Estas estratégias representam o resultado de uma complexa articulação de atores e racionalidades, onde o controle de recursos materiais e simbólicos torna-se uma questão central” (Niederle & Grisa, 2008, pNiederle, P., & Grisa, C. (2008). Diversificação dos meios de vida e acesso a atores e ativos: uma abordagem sobre a dinâmica de desenvolvimento local da agricultura familiar. Cuadernos de Desenvolvimento Rural, 5(61), 41-69.. 65).
Grisa (2009)Grisa, C. (2009). Desenvolvimento local, políticas públicas e meios de vida: uma análise do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). In Anais do 47° Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. SOBER. avaliou, por meio da abordagem livelihood, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no município de Tenente Portela, Rio Grande do Sul, que é uma das políticas públicas de segurança alimentar do governo brasileiro. O PAA teve potencial de desenvolvimento local por meio das compras institucionais vindas da agricultura familiar. A autora concluiu que o PAA utilizou dos capitais natural, cultural e social do território, e influenciou e fortaleceu esses ativos garantindo aos agricultores e a seus parceiros o acesso às políticas de Estado e aos mercados, assim como possibilitando aos agricultores diversificar o livelihood (Grisa, 2009Grisa, C. (2009). Desenvolvimento local, políticas públicas e meios de vida: uma análise do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). In Anais do 47° Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. SOBER.).
Rambo et al. (2013)Rambo, A. G., Freitas, T. D., Rudnik, C., & Schneider, S. (2013). Da diversificação dos meios de vida ao bem-estar: bases teórico-metodológicas a partir do estudo de caso com agricultores familiares produtores de tabaco no município de Arroio do Trigre/RS. In Anais do Seminário Internacional de Desenvolvimento Regional. Universidade de Santa Cruz do Sul. pesquisaram os agricultores familiares produtores de tabaco no município de Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Eles aplicaram a abordagem de capacitações e da diversificação dos livelihoods para analisar qual seria a capacidade do processo de diversificação se transformar na qualidade de vida dos agricultores. Os resultados sugerem que a metodologia tem potencial para apoiar a geração de políticas públicas para o desenvolvimento da agricultura familiar.
3. Metodologia
3.1 Área de Estudo e Amostra
Foram obtidas duas amostras de agricultores familiares; uma tinha agroindústria rural (AR) instalada na propriedade e outra não tinha AR. As amostras foram não probabilísticas. De acordo com Guimarães (2012)Guimarães, P. R. B. (2012). Métodos quantitativos estatísticos. IESDE Brasil., esse tipo de amostra é utilizado no caso em que o acesso às informações da população e a amostra não são simples de serem obtidas. As amostras foram selecionadas dos produtores rurais familiares que eram beneficiários do Programa Desenvolvimento Rural Sustentável da Itaipu Binacional. Mais especificamente, de um conjunto de produtores que eram assistidos por uma das cooperativas prestadora de serviços de assistência técnica e extensão rural para 23 municípios na área da “Bacia do Paraná 3” da região Oeste do estado do Paraná (Figura 1).
- Distribuição das agroindústrias rurais atendidas pela cooperativa prestadora de serviços em 2019 nos municípios da região Oeste do Paraná. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2016)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2016). Bases e referenciais – Brasil. Recuperado em 13 de novembro de 2020, de https://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/malhas_territoriais/malhas_municipais/municipio_2015/Brasil/BR/
https://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_d... ; Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná (2019)Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná – ITCG. (2019). Divisão político-administrativa do Paraná. Recuperado em 13 de novembro de 2020, de http://www.iat.pr.gov.br/sites/aguaterra/arquivos_restritos/files/documento/20207/municipios_pr_2019_utm_sirgas2000.zip
http://www.iat.pr.gov.br/sites/aguaterra... .
A amostra de 63 produtores rurais com AR foi retirada de um total de 250 agricultores familiares que possuíam AR assistidos pela cooperativa. A amostra de 118 produtores rurais sem AR foi retirada de um total 1.200 agricultores familiares que não possuíam AR, assistidos pela cooperativa. Os questionários foram aplicados nas propriedades rurais que estavam disponíveis e ao alcance dos pesquisadores. A amostragem foi por acessibilidade. Esta estratégia corresponde ao caso em que se seleciona como amostra elementos da população aos quais se têm acesso, de forma a tornar a pesquisa possível (Massukado-Nakatani, 2011Massukado-Nakatani, M. S. (2011). A formação do arranjo da regionalização do turismo no Paraná no período de 2003-2011 (Tese de doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.). Foram aplicados os questionários nas propriedades rurais entre os meses de maio de 2019 a março de 2020, cujo período final de coleta de dados foi interrompido por conta do agravamento da pandemia da COVID 19, impedindo a ampliação da amostra.
Para o grupo de agricultores sem AR foi aplicado um questionário para levantar dados sobre o sistema de produção e outras características do produtor e da propriedade. Para o grupo de agricultores com AR, foi aplicado o mesmo questionário do primeiro grupo, e foram adicionadas perguntas específicas sobre a AR.
3.2 Indicadores de sustentabilidade dos meios de vida
Os indicadores de sustentabilidade dos meios de vida foram baseados em dimensões multivariadas escolhidas a partir de um conjunto de autores (Bebbington, 1999Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044.; Perondi, 2007Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Gazolla & Pelegrini, 2011Gazolla, M., & Pelegrini, G. (2011). Novos mercados da agricultura familiar: o caso das pequenas unidades agroindustriais produtoras de alimentos. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Os atores do desenvolvimento rural perspectivas teóricas e práticas sociais (pp. 133-150). UFRGS.; Rambo et al., 2013Rambo, A. G., Freitas, T. D., Rudnik, C., & Schneider, S. (2013). Da diversificação dos meios de vida ao bem-estar: bases teórico-metodológicas a partir do estudo de caso com agricultores familiares produtores de tabaco no município de Arroio do Trigre/RS. In Anais do Seminário Internacional de Desenvolvimento Regional. Universidade de Santa Cruz do Sul.; Santos, 2018Santos, L. P. (2018). Ações coletivas e sustentabilidade: uma análise da produção de frutas, verduras e legumes na microrregião de Toledo-PR (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo.), que captam as dimensões dos capitais econômico, físico, social, humano e natural (Quadro 1).
- Dimensões, indicadores de sustentabilidade do livelihood e sua descrição e unidade de medida
Foi aplicado o método de Propensity Score Matching (PSM), que permite se aproximar das características de um experimento aleatório quando se tem uma estimação da relação causal (Angrist & Pischke, 2008Angrist, J., & Pischke, J. S. (2008). Most harmless econometrics: an empiricist’s companion. Princeton: Princeton University Press.; Lelis, 2016Lelis, L. V. C. (2016).Transferência condicional de renda e políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil: Explorando potenciais sinergias entre Bolsa Família e o Projeto Pró-Gavião (Tese de doutorado). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.). Os agricultores que possuíam AR faziam parte do grupo de tratamento; e os agricultores que não possuíam AR faziam parte do grupo de controle. Foram comparados os indicadores selecionados para cada dimensão da sustentabilidade dos capitais econômico, físico, humana, natural e social.
Incialmente, identificamos as características que diferenciem cada grupo de agricultores, as covariáveis (Quadro 2), ou seja, as variáveis explicativas. Esse método permite a análise da probabilidade de ter atividade AR, bem como o impacto dessas variáveis na sustentabilidade dos agricultores.
O primeiro passo do PSM consiste em estimar o Propensity Score () como a probabilidade de cada produtor rural da amostra possuir agroindústria (Angrist & Pischke, 2008Angrist, J., & Pischke, J. S. (2008). Most harmless econometrics: an empiricist’s companion. Princeton: Princeton University Press.; Caliendo & Kopeinig, 2008Caliendo, M., & Kopeinig, S. (2008). Some practical guidance for the implementation of propensity score matching. Journal of Economic Surveys, 22(1), 31-72.; Wooldridge, 2010Wooldridge, J. M. (2010). Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press., 2013Wooldridge, J. M. (2013). Introductory econometrics: modern approach. Boston: Cengage Learning.). Assim, , onde e é o grupo de tratamento, que possuía AR; e é o grupo controle, que não possuía AR. Para estimar o , utilizou-se um modelo probit, com o conjunto de covariáveis , que poderia explicar, mesmo que parcialmente, uma possível distribuição não aleatória de produtores rurais que possuem AR (Equação 1).
Foi utilizado o PS estimado no primeiro passo para combinar e corresponder as observações tratadas com as observações não tratadas. Com isso, é possível estimar o ATT (average treatment effect in the treated) dos indicadores de sustentabilidade (segundo passo). O ATT é dado pela diferença na média dos valores dos indicadores de sustentabilidade do grupo com AR e o sem AR, que tem suporte comum em termos de probabilidade de possuir AR. O é dado pela diferença na média dos valores dos indicadores de sustentabilidade do grupo de produtores rurais que possuíam AR e dos que não possuíam AR. O efeito médio do tratamento no tratado foi calculado pela Equação 2.
onde se refere a cada indicador de sustentabilidade do grupo de produtores rurais que possuem AR, e se refere a cada indicador de sustentabilidade do grupo de produtores rurais que não possuíam AR; ou seja, do grupo tratado e não tratado (Angrist & Pischke, 2008Angrist, J., & Pischke, J. S. (2008). Most harmless econometrics: an empiricist’s companion. Princeton: Princeton University Press.; Caliendo & Kopeinig, 2008Caliendo, M., & Kopeinig, S. (2008). Some practical guidance for the implementation of propensity score matching. Journal of Economic Surveys, 22(1), 31-72.; Wooldridge, 2010Wooldridge, J. M. (2010). Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press.).
O estimador de correspondência utilizado foi o Nearest Neighbour Matching (pareamento por vizinho mais próximo), without replacement (sem substituição). De acordo com Caliendo & Kopeinig (2008)Caliendo, M., & Kopeinig, S. (2008). Some practical guidance for the implementation of propensity score matching. Journal of Economic Surveys, 22(1), 31-72., este é o estimador mais simples, e considera para comparação as observações com vizinhança mais próxima. Ainda de acordo com Caliendo & Kopeinig (2008)Caliendo, M., & Kopeinig, S. (2008). Some practical guidance for the implementation of propensity score matching. Journal of Economic Surveys, 22(1), 31-72., não existe “o melhor” estimador de correspondência, pois a escolha do estimador deve ser feita ponderando-se as especificidades de cada situação.
A escolha do estimador, bem como do número de vizinhos mais próximos, teve suporte na quantidade de observações da amostra disponível e, também, no trade-off entre variância e viés (Zhao, 2003Zhao, Z. (2003). Data issues of using matching methods to estimate treatment effects: an illustration with NSW data set (pp. 1-37). Beijing: China Center for Economic Research.). Portanto, foi utilizada a correspondência de cinco vizinhos mais próximos em termos de , ou seja, cada produtor agrícola do grupo que não possui AR foi combinado com a média de cinco produtores rurais do grupo que possui AR, com mais próximo.
4 Resultados e Discussões
4.1 Análise descritiva das características dos agricultores familiares
Nas propriedades que possuíam atividades de agroindústria rural (AR), o número de mulheres dirigentes é superior em relação às propriedades que não possuíam AR, 44% e 31%, respectivamente (Tabela 1). Por sua vez, a amostra estudada foi superior à média nacional, de cerca de 19%, bem como da região Sul do país, de 11%, de acordo com os dados do Censo Agropecuário de 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Censo agropecuário. Rio de Janeiro: IBGE.). Esta alta proporção de mulheres dirigentes nas propriedades com AR, em parte, está relacionada com a alternativa de diversificação das atividades e da renda da família, mas especialmente das mulheres. As mulheres têm maior predisposição de ocuparem atividades não agrícolas (Nascimento et al., 2015Nascimento, C. A., Souza, M., & Staduto, J. A. R. (2015). Análise regional das formas de ocupações e dos rendimentos das mulheres e homens nas áreas rurais do Sul do Brasil na primeira década do século XX. In J. A. R. Staduto, M. Souza & C. A. Nascimento (Eds.), Desenvolvimento rural e gênero: abordagens analíticas, estratégias e políticas públicas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, pp. 97-122.; Staduto et al., 2013Staduto, R. J. A., Nascimento, C. A., & Souza, M. (2013). Ocupações e renda das mulheres e homens no rural do estado do Paraná, Brasil: uma perspectiva de gênero. Cuadernos de Desarrollo Rural, 10(72), 91-115.). AR é uma das formas de atividade não agrícola dentro da propriedade rural, sendo que muitas mulheres já processavam alimentos e outas matérias primas vindos da propriedade em escala familiar, tais como: queijo, farinha, embutidos e outros (Amorim & Staduto, 2008Amorim, L. S. B., & Staduto, J. A. R. (2008). Desenvolvimento territorial rural: a agroindústria familiar no oeste do Paraná. Revista de Economia Agrícola, 55(1), 15-29.; Gazolla & Pelegrini, 2011Gazolla, M., & Pelegrini, G. (2011). Novos mercados da agricultura familiar: o caso das pequenas unidades agroindustriais produtoras de alimentos. In S. Schneider & M. Gazolla (Eds.), Os atores do desenvolvimento rural perspectivas teóricas e práticas sociais (pp. 133-150). UFRGS.; Röhnelt & Salamoni, 2010Röhnelt, P. B. C., & Salamoni, G. (2010). O papel da mulher nas transformações da agricultura familiar: a pluriatividade como estratégia de reprodução social. In Anais do XVI Encontro Nacional de Geógrafos. Porto Alegre.; Kiyota et al., 2014Kiyota, N., Gazolla, M., Costa Ferreira, N., Pelegrini, G., Perondi, M., Cadoná, L., & Leonardi de Aguiar, A. (2014). A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil. In S. Schneider, M. Menezes, A. Gomes da Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição (pp. 71-90). Porto Alegre: Editora da UFRGS.).
Os agricultores apresentavam, em média, quatro atividades que geravam renda em suas propriedades, variando de duas a oito atividades, revelando importante diversificação destes agricultores familiares. Não há diferença significativa entre os dois tipos de propriedades - os números médios foram muito próximos, 4,07 e 3,92, respectivamente (Tabela 1). No entanto, quando a estratégia de diversificação está fora da propriedade, denominado de família pluriativa8 8 Na estratégia da diversificação, a pluriatividade é um fenômeno importante em que membros das famílias de agricultores, residentes nas áreas rurais, ocupam-se em outras atividades (inclusive não agrícola). , constatou-se que 25% da amostra total adotaram esta estratégia, as principais ocupação eram de pedreiros, prestadores de serviços na agricultura, professores, freteiros, funcionários públicos, entre outros. Pode-se destacar que 55% das propriedades com famílias pluriativas possuíam AR.
A diferença de idade média dos dirigentes entre os grupos de propriedades era pequena, apenas de dois anos, não sendo estatisticamente significativo (Tabela 1). Existem dirigentes jovens, com idades entre 25 e 40 anos, mas a maioria (50%) estava na faixa de 40 a 60 anos. Os agricultores com mais de 60 anos representavam 38% da amostra, pois refletiam o relativo envelhecimento da população dirigente. Potencialmente, muitos destes trabalhadores poderiam estar aposentados. Não foi encontrada diferença estatística significativa para a educação, as médias foram de 8,26 anos e 7,69 anos para os grupos com e sem AR, respectivamente (Tabela 1). Eventualmente, a variável educação pode contribuir para ampliar as estratégias de diversificação de renda, esperava-se uma diferença favorável ao grupo com AR. A variável ação coletiva também não foi estatisticamente significativa com relação à diferença entre os dois grupos. As médias foram muito próximas: de 2,85 e 2,55 participações para o grupo com e sem AR, respectivamente (Tabela 1).
As demais médias das covariáveis tiveram diferenças estatisticamente significativas (Tabela 1). A experiência em transformação de produtos agrícolas e pecuários do grupo com AR foi, em média, 10,25 anos, muito superior ao do outro grupo, 3,65 anos. A experiência em venda dos produtores com AR também foi muito superior; possuíam quase o dobro do outro grupo de produtores, 13,4 anos e 7,51 anos, respectivamente. A experiência em venda refletia numa maior relação com os consumidores, e a transformação dos produtos refletia a atividade de AR.
Todos os agricultores estudados receberam os serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER) da cooperativa que presta serviço ao Programa Desenvolvimento Rural Sustentável da Itaipu Binacional, mas com frequências diferentes. Além disso, muitos agricultores também são atendidos por outras organizações. Os produtores com AR receberam quase duas visitas a mais do que os outros produtores, em média, 9,4 visitas contra 7,6 visitas, respectivamente. O fator ATER, além de oferecer informações e tecnologias, é uma ferramenta fundamental para gerar confiança para o agricultor.
A forma mais eficaz para esses agricultores obter conhecimentos para adoção de tecnologia, considerando os poucos anos de educação formal, é a partir da ATER, tornando-se uma política pública bastante eficiente (Abramovay, 1998Abramovay, R. (1998). Agricultura familiar e serviço público: novos desafios para a extensão rural. Cadernos de Ciência & Tecnologia, 15(1), 132-152.; Mthombeni et al., 2022Mthombeni, D. L., Antwi, M. A., & Oduniyi, O. S. (2022). Factors influencing access to agro-processing training for small-scale crop farmers in Gauteng province of South Africa. Agriculture & Food Security, 11(1), 31. ). Como exemplo, pode-se citar um estudo feito para o estado de São Paulo, Brasil, o qual apontou um retorno do investimento em ATER na agricultura de R$ 11,00 para cada R$ 1,00 aplicado na economia paulista, especialmente no que diz respeito ao crescimento da produtividade (Nicolella et al., 2018Nicolella, A., Lima, M. S., & Araújo, P. F. C. (2018). Contribuição da FAPESP ao desenvolvimento da agricultura paulista. São Paulo: FAPESP.).
A presença dos assessores técnicos cria um ambiente de segurança e credibilidade para o negócio que o agricultor deseja empreender, sobretudo quando o negócio é complexo, como a transformação e venda de produtos. Este envolve o processamento, a apresentação dos produtos (embalagem, rotulagem, marca), logística de transporte e distribuição, processos de marketing e vendas, orçamentação, contabilidade e precificação (Silva & Gregolin, 2009Silva, A., & Gregolin, A. (2009). Agricultura familiar e extensão rural: contribuições para o desenvolvimento rural sustentável. In C. Melo, R. Rovai & J. A. Streit (Eds.), Geração de trabalho e renda, gestão democrática e sustentabilidade nos empreendimentos econômicos e solidários (pp. 124-140). Fundação Banco do Brasil.; França et al., 2009França, C. G., Del Grossi, M., & Marques, V. A. (2009). O censo agropecuário 2006 e a agricultura familiar no Brasil. Brasília: MDA.; Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, 2014Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – ASBRAER. (2014). Assistência técnica e extensão rural no Brasil: um debate nacional sobre as realidades e novos rumos para o desenvolvimento do país. Brasília: ASBRAER.; Kasmin et al., 2019Kasmin, M. A., Passini, J. J., & Boico, D. G. (2019). A importância da assistência técnica e extensão rural para agroindústrias familiares: o caso da agroindústria de panificação no oeste do Paraná. Gestão e Desenvolvimento em Revista, 5(1), 84-98.).
Os agricultores da amostra tinham em média 12,65 ha, menor que a área dos módulos fiscais rurais da região, que varia entre 18 e 20 ha. As propriedades com AR contavam, em média, com 9,7 ha, enquanto as propriedades sem AR possuíam área maior em média 15ha. Esta diferença média de 5 ha significa um terço a menos de área e, consequentemente, menos área para a produção agropecuária pode ser um fator indutor e determinante para a decisão do agricultor empreender num projeto de AR.
4.2 Análise descritiva dos indicadores de sustentabilidade
A produtividade da terra- indicador da dimensão do capital econômico - apresentou diferença significativa entre os grupos. Os agricultores com AR apresentaram um resultado médio três vezes maior, R$ 17.010,03/ha/ano (Tabela 2). Esse resultado, provavelmente, estava refletindo o uso mais intensivo da terra. Como possuíam menor área, tendiam a compensar com a maior produtividade da terra.
Por outro lado, o indicador do capital econômico (a produtividade do trabalho) não apresentou diferença estatisticamente significativa (Tabela 2). Provavelmente, os agricultores sem AR conseguiriam compensar a menor produtividade da terra por meio da maior escala da produção agropecuária, pois tinham em média maiores áreas de produção. Além disso, também se nota que a estratégia de aumentar a renda com agroindústria faz muito sentido, pois as rendas médias estão praticamente igualadas entre os dois grupos, mesmo que os grupos tenham áreas significativamente diferentes.
O indicador capital por área da dimensão capital físico não demonstrou diferença estatisticamente significativa entre as médias dos grupos (Tabela 2). Mas vale destacar que as propriedades que possuíam AR de valor médio do capital R$ 90.039,87/ha foram muito superiores em relação às propriedades que não possuíam AR, R$ 24.026,31/ha.
Os indicadores da dimensão capital humano – férias e saúde – e a dimensão do capital social – satisfação em ser agricultor – não tiveram diferenças estatísticas (Tabela 2). Os resultados dos dois indicadores da dimensão do capital natural foram estaticamente significantes (Tabela 2). O uso de agrotóxico para os agricultores com AR revelou ser menos intenso (1,9) em relação aos demais agricultores com AR (2,6). A área com práticas agroecológicas para o grupo com AR foi quase o dobro do grupo sem AR. Já no terceiro indicador, as práticas de proteção dos solos, não houve diferença estatística (Tabela 2).
4.3 Probabilidade de possuir agroindústria rural
A Tabela 3 mostra as 10 covariáveis do modelo de probabilidade de a propriedade rural possuir AR, sendo que seis apresentaram significância de pelo menos 10%. A covariável idade indica que o aumento de um ano na idade do responsável pela propriedade reduz em 2,1% a probabilidade de possuir AR. Agricultores mais jovens procuram outras opções de renda que possibilitariam sua permanência no campo para viver com qualidade de vida. A escolha da transformação de produtos na propriedade é uma opção de agregação de renda (Perondi, 2007Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Amorim & Staduto, 2008Amorim, L. S. B., & Staduto, J. A. R. (2008). Desenvolvimento territorial rural: a agroindústria familiar no oeste do Paraná. Revista de Economia Agrícola, 55(1), 15-29.; Ploeg, 2008Ploeg, J. D. V. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora.; Gazolla et al., 2012Gazolla, M., Niederle, P. A., & Waquil, P. D. (2012). Agregação de valor nas agroindústrias rurais: uma análise com base nos dados do Censo Agropecuário. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 122, 241-262.), o que pode ser uma forma mais moderna e “leve” de trabalho. Assim, a juventude busca esse tipo de ocupação, o que possibilita realizar seu desejo de se manter na área rural onde nasceu, mas que, ao mesmo tempo, possa buscar outro ambiente que extrapole exclusivamente as atividades agrícolas, interagindo com outras esferas da sociedade.
No total de famílias de 44 propriedades (37%), houve possibilidade de sucessão, ou seja, os jovens pretendem suceder seus pais em seus negócios. Caso sejam excluídas nove famílias, com filhos muitos jovens para decidir, a porcentagem passa para 45%. Entre agricultores com AR, foi um pouco superior a intenção desses jovens de ficar nas propriedades (39,7%) com relação às propriedades sem AR (34,5%) (Tabela 3).
A covariável educação não mostrou diferença estatística significativa, os grupos de agricultores nesta característica foram muito similares. A experiência em transformação e a experiência em venda direta demonstraram ser influências positivas na probabilidade de possuir AR. Na primeira, um ano a mais de experiência aumenta em 2,2% a probabilidade de possuir AR e, na segunda, um ano a mais de experiência em venda direta sugere 1,7% a mais de probabilidade de possuir AR. A experiência acumulada pelas pessoas as qualifica e oferece uma base para um engajamento menos temeroso em novos empreendimentos (Tabela 3).
No meio rural, prevalece a disposição social de divisão e hierarquia de gênero, onde são atribuídas às mulheres as atividades domésticas, proporcionando expertise na transformação de produtos agrícolas e pecuários, seja com o objetivo de preservá-los, seja para ampliar a qualidade e a diversidade nutricional dos alimentos. A experiência em transformação de produtos, normalmente, é iniciada na cozinha da casa da família e pela mulher, e esse fator foi determinante na decisão de se iniciar o empreendimento (Amorim & Staduto, 2008Amorim, L. S. B., & Staduto, J. A. R. (2008). Desenvolvimento territorial rural: a agroindústria familiar no oeste do Paraná. Revista de Economia Agrícola, 55(1), 15-29.; Röhnelt & Salamoni, 2010Röhnelt, P. B. C., & Salamoni, G. (2010). O papel da mulher nas transformações da agricultura familiar: a pluriatividade como estratégia de reprodução social. In Anais do XVI Encontro Nacional de Geógrafos. Porto Alegre.; Kiyota et al., 2014Kiyota, N., Gazolla, M., Costa Ferreira, N., Pelegrini, G., Perondi, M., Cadoná, L., & Leonardi de Aguiar, A. (2014). A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil. In S. Schneider, M. Menezes, A. Gomes da Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição (pp. 71-90). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Portanto, quando o principal responsável da família é homem, há uma probabilidade menor de 39,4% de a família possuir agroindústria (Tabela 3). Em outras palavras, essa covariável indica que a probabilidade de propriedade possuir AR é maior quando é conduzida por uma mulher.
A área da propriedade está inversamente correlacionada com a probabilidade de possuir agroindústria, já que a covariável área total indica que um hectare a mais de área diminui em 3,6% a probabilidade de possuir AR. (Tabela 3) A agroindústria parece ser uma estratégia utilizada, sobretudo pelos pequenos agricultores que têm restrição de terra e menor ganho de escala, e não conseguem ter sustentabilidade econômica (Graziano da Silva et al., 2002Graziano da Silva, J., Del Grossi, M., & Campanhola, C. (2002). O que há de novo no rural brasileiro. Cadernos de Ciência & Tecnologia, 19(1), 37-67.; Prezotto, 2002Prezotto, L. L. (2002). Uma concepção de agroindústria rural de pequeno porte. Revista de Ciências Humanas, (31), 133-153.; Perondi, 2007Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Gazolla et al., 2012Gazolla, M., Niederle, P. A., & Waquil, P. D. (2012). Agregação de valor nas agroindústrias rurais: uma análise com base nos dados do Censo Agropecuário. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 122, 241-262.; Kiyota et al., 2014Kiyota, N., Gazolla, M., Costa Ferreira, N., Pelegrini, G., Perondi, M., Cadoná, L., & Leonardi de Aguiar, A. (2014). A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil. In S. Schneider, M. Menezes, A. Gomes da Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição (pp. 71-90). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Foguesatto & Machado, 2017Foguesatto, C. R., & Machado, J. A. D. (2017). O processo decisório na criação de unidades que agregam valor à produção agropecuária: as agroindústrias familiares. Desenvolvimento em Questão, 15(39), 301-319.).
A participação dos produtores rurais em alguma ação coletiva (cooperativas, associações, conselhos, sindicatos) aumentou em 47,8% a probabilidade de possuir AR (Tabela 3). A participação dos agricultores em organizações está diretamente relacionada às redes horizontais de desenvolvimento rural e inseridas nas economias rurais (Mior, 2005Mior, L. C. (2005). Agricultores familiares, agroindústrias e redes de desenvolvimento rural. Chapecó: Argos.; Amorim & Staduto, 2008Amorim, L. S. B., & Staduto, J. A. R. (2008). Desenvolvimento territorial rural: a agroindústria familiar no oeste do Paraná. Revista de Economia Agrícola, 55(1), 15-29.). Os agricultores em redes ampliam suas possibilidades de aprendizado, de acesso a insumos e informações, rede de comercialização e políticas públicas (Garrido Fernández et al., 2015Garrido Fernández, F. E., Gómez Limón, J. A., & Toscano, E. V. (2015). Indicadores de capital social e desenvolvimento territorial. In A. C. Ortega & E. M. Estrada (Eds.), Desenvolvimento territorial, segurança alimentar e economia solidária. Campinas: Alínea.; Santos, 2018Santos, L. P. (2018). Ações coletivas e sustentabilidade: uma análise da produção de frutas, verduras e legumes na microrregião de Toledo-PR (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo.). Adicionalmente, os agricultores estariam aptos para acessar programas públicos, como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pelegrini & Gazolla, 2008Pelegrini, G., & Gazolla, M. A. (2008). Agroindústria familiar no Rio Grande do Sul: limites e potencialidades a sua reprodução social. Frederico Westphalen: Editora da URI.; Lopes et al., 2017Lopes, A. E., Rocha, A. C. T., Lima, A. O., Antunes, D. A., Ferrão, E. M. G., & Oliveira Júnior, A. F. (2017). Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: a trajetória de conflitos e desafios para o meio ambiente. ForScience, 5(2), 20177.; Santos, 2018Santos, L. P. (2018). Ações coletivas e sustentabilidade: uma análise da produção de frutas, verduras e legumes na microrregião de Toledo-PR (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo.).
4.4 O impacto das agroindústrias rurais sob a sustentabilidade
A Tabela 4 mostra o segundo passo do modelo . Foi estimado para cada indicador de sustentabilidade, separadamente, o efeito médio do tratamento no tratado (ATT). A maioria dos indicadores de sustentabilidade - seis dos noves analisados - mostrou que a instalação da AR na propriedade impactou positivamente nestes indicadores, ao nível de pelo menos 10% de significância estatística.
A estimativa da produtividade do trabalho, indicador da dimensão do capital econômico, resultou em um efeito positivo e significativo médio de R$ 8.398,59/pessoa/ano para produtores rurais do grupo que possui AR (Tabela 4). As famílias que acessam terra, água e estruturas de comercialização satisfatórias apresentam fortes possibilidades de desenvolvimento, tendo como base a agricultura (Bebbington, 1999Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044.; Bebbington & Hinojosa, 2004Bebbington, A., & Hinojosa, L. (2004). Livelihoods and resource accessing in the Andes: desencuentros in theory and practice. In International Workshop on Researching Well-Being in Developing countries, Delmenhorst, Germany.; Alves & Rocha, 2010Alves, E. D. A., & Rocha, D. D. P. (2010). Ganhar tempo é possível? In J. G. Gasques, J. E. R. Vieira Filho & Z. Navarro (Eds.), A agricultura brasileira: desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: IPEA.). Do contrário, as famílias que têm restrições de recursos naturais devem buscar outras soluções por meio do uso das capacidades e habilidades que dispõem para diversificar suas atividades agrícolas e não agrícolas; ou seja, podem optar por diversificar os sistemas de produção ou optar por estratégias com atividades não agrícolas (Chambers & Conway, 1992Chambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies.; Bebbington, 1999Bebbington, A. (1999). Capitals and capabilities: a framework for analyzing peasant viability, rural livelihoods and poverty. World Development, 27(12), 2021-2044.; Ellis, 2000Ellis, F. (2000). Rural livelihoods and diversity in developing countries. Oxford: Oxford University.; Perondi, 2007Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Niederle & Grisa, 2008Niederle, P., & Grisa, C. (2008). Diversificação dos meios de vida e acesso a atores e ativos: uma abordagem sobre a dinâmica de desenvolvimento local da agricultura familiar. Cuadernos de Desenvolvimento Rural, 5(61), 41-69.; Ploeg, 2008Ploeg, J. D. V. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalicação. Porto Alegre: UFRGS Editora.), como a transformação de produtos em agroindústrias rurais. Os resultados da análise pelo modelo PSM parecem confirmar essas assertivas que dizem os dois grupos apresentaram alto grau de diversificação de seus sistemas de produção, embora com estratégias diferentes. Os agricultores que possuíam menores áreas de terra tenderam a optar pelo desenvolvimento de atividades cuja renda tinha menor dependência do uso da terra.
O outro indicador da dimensão do capital econômico, a produtividade do trabalho, resultou em um efeito positivo e significativo médio de R$ 7.400,90/pessoa/ano para produtores rurais do grupo que possui AR (Tabela 4). Diferentemente do indicador produtividade da terra, refere-se à capacidade de geração de riqueza por membro da família. Segundo Alves (2003)Alves, E. (2003). Medidas de produtividade: dilemas da agricultura familiar. Revista de Economia e Agronegócio, 1(3), 421-440., é o indicador que melhor expressa o sucesso do empreendimento familiar na agricultura. A partir das decisões tomadas pelas famílias, elas podem maximizar o insumo “trabalho”, de forma que ele passe a ser mais ou menos produtivo. Esse indicador expressa, em grande medida, o bem-estar da família, revelando a renda média que cada membro que da família pode auferir (Alves, 2003Alves, E. (2003). Medidas de produtividade: dilemas da agricultura familiar. Revista de Economia e Agronegócio, 1(3), 421-440.).
O indicador da dimensão do capital físico – capital/área - também aponta para um efeito positivo e significativo médio de R$ 50.492,68/ha para o grupo de produtores que possui AR (Tabela 4). É um resultado muito expressivo e está no mesmo sentido do indicador de produtividade da terra. As agroindústrias exigem grande imobilização de capital fixo, aumentando o patrimônio desses produtores.
Os três indicadores da dimensão capital natural - proteção do solo, agrotóxicos e área agroecológico - apresentaram diferenças estatisticamente significantes (Tabela 4). No indicador proteção do solo, nas propriedades com presença de AR, a probabilidade de os solos serem cuidados com práticas agrícolas mais adequadas são 31,8% maiores do que no grupo sem AR. As propriedades rurais que possuíam AR utilizaram menos agrotóxicos e diminuíram em 68,2% o uso potencial de agrotóxicos em relação às propriedades que não possuíam AR. No grupo de produtores com AR, há 27,9% a mais de área com cultivo agroecológico. Estes produtores possuem, em média, um terço a menos de área e puderam aumentar a renda da terra por meio da agregação de valor dos produtos agroecológico. Os dois grupos de agricultores receberam as mesmas orientações dos assessores técnicos da cooperativa baseadas na agricultura sustentável e, em especial, baseadas em práticas agroecológicas. Os assessores técnicos intensificavam a oferta de técnicas, práticas e tecnologias agroecológicas quando houve interesse declarado pelo agricultor.
A maior predisposição de os agricultores com AR optarem por proteger mais seus solos, usarem menos agrotóxicos e adotarem a agroecologia em parcela maior de terras pode ser, em parte, em razão da maior frequência da relação com o mercado local e, por consequência, com os consumidores, pois esses produtores possuíam, de maneira geral, mais experiência com venda direta, conforme visto na Tabela 2. A produção dirigida ao mercado local tem o potencial de construir relações mais estreitas e de confiança com seus compradores, sejam organizações ou consumidores diretos, e ampliam seu aprendizado em relação ao funcionamento do mercado, refletindo em uma maior preocupação em ouvirem as demandas dos consumidores e atenderem suas expectativas com produtos de qualidade e saudáveis (Darolt, 2020Darolt, M. (2020). As dimensões da sustentabilidade: Um estudo da agricultura orgânica na Região Metropolitana de Curitiba, Paraná (Tese de doutorado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; Gazolla et al., 2012Gazolla, M., Niederle, P. A., & Waquil, P. D. (2012). Agregação de valor nas agroindústrias rurais: uma análise com base nos dados do Censo Agropecuário. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 122, 241-262.; Molina et al., 2014Molina, S. L. W., Bezerra, I., Rozendo, C., Bastos, F., Vieira, D., & Guareschi, A. (2014). Práticas e mecanismos de inovação na construção de mercados para agricultura familiar. In S. Schneider, M. Menezes, A. G. S. Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição: inovação, poder e desenvolvimento em áreas rurais do Brasil (pp. 193-213). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Além disso, deve-se associar ao fato de produzirem alimentos com características específicas de sua etnia das suas comunidades (Kiyota et al., 2014Kiyota, N., Gazolla, M., Costa Ferreira, N., Pelegrini, G., Perondi, M., Cadoná, L., & Leonardi de Aguiar, A. (2014). A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil. In S. Schneider, M. Menezes, A. Gomes da Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição (pp. 71-90). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Santos, 2018Santos, L. P. (2018). Ações coletivas e sustentabilidade: uma análise da produção de frutas, verduras e legumes na microrregião de Toledo-PR (Tese de doutorado). Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo.).
As propriedades rurais com AR utilizaram a área e aumentaram a produção agroecológica em 27,9% em relação às propriedades sem AR. Esses fatores, possivelmente aliados à possibilidade de o agricultor agregar valor pela qualidade declarada de seus produtos - por exemplo, a obtenção de sobrepreço (bônus e prêmio) pela certificação orgânica - levaria à busca de um produto diferenciado pela maior sustentabilidade ambiental (Molina et al., 2014Molina, S. L. W., Bezerra, I., Rozendo, C., Bastos, F., Vieira, D., & Guareschi, A. (2014). Práticas e mecanismos de inovação na construção de mercados para agricultura familiar. In S. Schneider, M. Menezes, A. G. S. Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição: inovação, poder e desenvolvimento em áreas rurais do Brasil (pp. 193-213). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Kiyota et al., 2014Kiyota, N., Gazolla, M., Costa Ferreira, N., Pelegrini, G., Perondi, M., Cadoná, L., & Leonardi de Aguiar, A. (2014). A agroindústria familiar e a produção de novidades no desenvolvimento rural: uma análise comparativa entre sul e nordeste do Brasil. In S. Schneider, M. Menezes, A. Gomes da Silva & I. Bezerra (Eds.), Sementes e brotos da transição (pp. 71-90). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). A certificação orgânica é mais uma opção para ampliar seus ganhos pela agregação de valor. No grupo dos agricultores com AR, sete propriedades têm certificados e outros 18 pensam em adotar alguma certificação. No grupo de agricultores sem AR, quatro são certificados e 6 mostram interesse em certificação.
O conjunto dos indicadores da dimensão do capital humano - saúde e férias - e o indicador do capital social - satisfação em ser agricultor - não foram significativas, assim como havia sido constada, conforme visto na Tabela 2, a ausência da diferença das médias entre os dois grupos de produtores para essas variáveis.
5 Conclusões
O objetivo do artigo foi analisar o impacto das agroindústrias rurais instaladas nas propriedades da agricultura familiar na sustentabilidade dos produtores rurais da região oeste do estado do Paraná. Foi utilizada a abordagem livelihood e aplicado o método Propensity Score Matching para estimar o efeito das propriedades rurais terem instalado agroindústrias rurais sob indicadores de sustentabilidade nas propriedades familiares.
Os resultados da pesquisa revelam que a probabilidade de ter agroindústria na propriedade tem relação inversa com o seu tamanho e de o responsável pela propriedade ser o homem; em outras palavras, a probabilidade aumenta quando a responsável pela propriedade é mulher. Na divisão intrafamiliar das famílias rurais, as tarefas no espaço doméstico são normalmente das mulheres, o que inclui as transformações de alimentos em renda e promove o bem-estar da família.
A probabilidade de os agricultores com agroindústria proteger seus solos, usar menos agrotóxicos e adotar a produção agroecologia é maior em relação aos produtores sem agroindústria. Em parte, esse comportamento de maior consciência e proatividade ambiental deve-se a uma maior relação que estes agricultores com agroindústrias mantêm com o mercado local e, por consequência, reflete nas expectativas dos consumidores em relação ao meio ambiente e ao consumo de alimentos mais saudáveis.
Concluímos que existe relação positiva entre a agroindústria nas propriedades rurais familiares da região Oeste do Paraná e os maiores níveis de sustentabilidade nas dimensões do capital econômico, físico e natural, porém não existe diferenças nas dimensões do capital humano e social. A adoção da agroindústria rural como diversificação dos livelihoods é uma das opções para os agricultores familiares, mas não deve ser vista como uma recomendação geral, e está condicionada ao contexto territorial onde as propriedades rurais estão localizadas, porque se relaciona com fatores importantes, como o acesso à assistência técnica extensão rural, o que se mostrou ser importantíssimo para o sucesso do empreendimento.
A diversificação dos livelihoods é uma estratégia que as famílias utilizam e que gera mais estabilidade contra as adversidades econômicas e ambientais, além aumentar a sustentabilidade social, econômica e ambiental. As agroindústrias de pequenas escalas nas propriedades rurais impactaram, de modo geral, positivamente no aumento da sustentabilidade. Portanto, os programas de promoção da agroindústria rural nas propriedades familiares deveriam ser contemplados nos planos de desenvolvimento rural sustentável.
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De acordo com Chambers & Conway (1992, pChambers, R., & Conway, G. (1992). Sustainable rural livelihoods: practical concepts for the 21st century. Institute of Development Studies.. 5) “Capacidades, equidade e sustentabilidade combinam no conceito de livelihood”. Vamos adotar o termo original livelihood invés de “meios de vida”, tradução livre feita por alguns autores. De acordo com Pereira et al. (2010)Pereira, A. M., Souza, M., & Schneider, S. (2010). Meios de vida e livelihoods: aproximações e diferenças conceituais. IDeAS, 4(1), 1-22. existem diferenças entre ambos.
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Esta abordagem foi utilizada em diversos pesquisas, tais como, Grisa (2009)Grisa, C. (2009). Desenvolvimento local, políticas públicas e meios de vida: uma análise do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). In Anais do 47° Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. SOBER., Lindenberg (2002)Lindenberg, M. (2002). Measuring household livelihood security at the family and community level in the developing. World Development, 30(2), 301-318., Luca & Kubo (2015)Luca, F. V., & Kubo, R. R. (2015). Meios de vida rurais sustentáveis em um contexto de agricultura de pouso associada à produção de carvão vegetal em comunidades rurais de Biguaçu/SC. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 35, 367-383., Niederle & Grisa (2008)Niederle, P., & Grisa, C. (2008). Diversificação dos meios de vida e acesso a atores e ativos: uma abordagem sobre a dinâmica de desenvolvimento local da agricultura familiar. Cuadernos de Desenvolvimento Rural, 5(61), 41-69., Perondi (2007)Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., Rambo et al. (2013)Rambo, A. G., Freitas, T. D., Rudnik, C., & Schneider, S. (2013). Da diversificação dos meios de vida ao bem-estar: bases teórico-metodológicas a partir do estudo de caso com agricultores familiares produtores de tabaco no município de Arroio do Trigre/RS. In Anais do Seminário Internacional de Desenvolvimento Regional. Universidade de Santa Cruz do Sul., Freitas et al. (2015)Freitas, T. D., Rambo, A. G., & Sartorelli, A. (2015). Os meios e as condições de vida no espaço rural: o caso das famílias produtores de tabaco em Arroio do Tigre (RS) e Laranjeiras do Sul (PR). Redes, 20(3), 138-162..
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Agroindústria rural são instalações próprias, comunitárias ou de terceiros no estabelecimento agropecuário que beneficiam ou transformam a partir de matéria-prima que tenha sido produzida no estabelecimento ou adquirida de outros produtores (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Agroindústria rural brasileira. In Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Ed.), Atlas do espaço rural brasileira (pp. 138-153). Rio de Janeiro: IBGE.). Na literatura internacional é normalmente denominado small-scale agro-industrial.
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Estudos como de Perondi (2007)Perondi, M. A. (2007). Diversificação dos meios de vida e mercantilização da agricultura familiar (Tese de doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., Niederle & Grisa (2008)Niederle, P., & Grisa, C. (2008). Diversificação dos meios de vida e acesso a atores e ativos: uma abordagem sobre a dinâmica de desenvolvimento local da agricultura familiar. Cuadernos de Desenvolvimento Rural, 5(61), 41-69., Prezotto (2002)Prezotto, L. L. (2002). Uma concepção de agroindústria rural de pequeno porte. Revista de Ciências Humanas, (31), 133-153., Gazolla et al. (2012)Gazolla, M., Niederle, P. A., & Waquil, P. D. (2012). Agregação de valor nas agroindústrias rurais: uma análise com base nos dados do Censo Agropecuário. Revista Paranaense de Desenvolvimento, 122, 241-262. mostraram a relevância da agroindústria familiar rural como forma de ampliar o grau de sustentabilidade de sistemas de produção familiar.
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Segundo Sachs (2002)Sachs, I. (2002). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond. o desenvolvimento sustentável tem um duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras, e é multidimensional.
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Por exemplo, Lindenberg (2002)Lindenberg, M. (2002). Measuring household livelihood security at the family and community level in the developing. World Development, 30(2), 301-318.; Bhandari (2013)Bhandari, P. B. (2013). Rural livelihood change? Household capital, community resources and livelihood transition. Journal of Rural Studies, 32, 126-136.; Kwazu & Chang-Richards (2021)Kwazu, G., & Chang-Richards, A. Y. (2021). A metric of indicators and factors for assessing livelihood preparedness: A systematic review. International Journal of Disaster Risk Reduction, 52, 101966..
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Por exemplo, IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change.
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Na estratégia da diversificação, a pluriatividade é um fenômeno importante em que membros das famílias de agricultores, residentes nas áreas rurais, ocupam-se em outras atividades (inclusive não agrícola).
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Como citar: Staduto, J. A. R., Passini, J. J., & Santos, L. P. (2024). Impacto da agroindústria rural na sustentabilidade da agricultura familiar: um estudo do oeste do Paraná. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(3), e268581. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.268581
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JEL Classification: Q01, Q12, Q16, Q50.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
11 Out 2022 -
Aceito
19 Mar 2024