Open-access Permanências e mudanças na estrutura produtiva da agropecuária paranaense, 2006-2017

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica das mudanças na estrutura produtiva da agropecuária do Estado do Paraná a partir das informações dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017. Foram utilizadas as análises multivariadas, fatorial e cluster, para caracterizar as mudanças temporais e espaciais, considerando vinte indicadores da modernização da agropecuária associados ao uso da terra, tecnificação e capitalização, mão de obra e condição do produtor e dos estabelecimentos. Os resultados da pesquisa evidenciam transformações significativas na agropecuária do Estado do Paraná, mas que ainda privilegiam as tradicionais tendências do país, com expansão da agropecuária voltada para exportação e redução da agricultura familiar, a qual ainda absorve a maior parcela da ocupação no meio rural.

Palavras-chave:  modernização agropecuária; agricultura familiar; análise fatorial; Paraná

Abstract

The objective of this work is to analyze the dynamics of changes in the productive structure of agriculture in the State of Paraná, based on information from the 2006 and 2017 Agricultural Censuses. Multivariate analyzes, factorial and cluster, were used to characterize temporal changes and spatial, considering twenty indicators of the modernization of agriculture associated with land use, technology and capitalization, labor and condition of the producer and establishments. The research results show significant transformations in agriculture in the State of Paraná, but still favoring the country's traditional trends, with expansion of agriculture for export and reduction of family farming, which still absorbs the largest share of occupation in rural areas.

Keywords:  agricultural modernization; household famers; factor analyse; Paraná

1 Introdução

Desde as últimas décadas do século XX, a intensificação tecnológica e as mudanças nas relações de trabalho no campo têm sido denominadas de modernização da agropecuária. Essas transformações foram marcadas por diversos impactos na dinâmica socioeconômica rural brasileira, como a consolidação da produção de commodities agropecuárias em larga escala, a intensificação da migração rural-urbana e as novas formas de organização da produção, do consumo e da ocupação do meio rural (Mattei, 2015).

A população rural que não consegue acompanhar as inovações tecnológicas, notadamente da agricultura familiar, vai para os centros urbanos, os quais não possuem a infraestrutura necessária para o adequado atendimento desse fluxo migratório (Guanziroli & Caram, 2000). De fato, a proporção da população em situação de pobreza e de extrema pobreza urbana apresentaram aumento entre 1981 e 2005, embora, no meio rural, essas medidas foram reduzidas nesse período (Cunha, 2017)1 . No meio rural, de 1992 até 2005, a redução da pobreza pode ser explicada pela redução da desigualdade e pelo crescimento da renda, que teve como principal fonte o aumento da previdência e pensões (Helfand et al., 2009). Por sua vez, considerando a ocupação no setor agrícola em relação ao total no país, verificou-se redução de 16,3% em 1995 para 8,2% em 2019 (Hoffmann & Jesus, 2020).

Seguindo uma tendência nacional, a população residente no meio rural no Paraná tem se reduzido conforme informações do Censo Demográfico de 2000 e de 2010, passando de 18,6% para 14,7%. Assim, apesar do crescimento da população do Estado do Paraná de 9.563.458 para 10.444.526, ocorre, na primeira década do século, uma redução no meio rural de 1.777.374 para 1.531.834, indicando continuidade do processo de urbanização. No início do século XXI, o setor agrícola no Estado do Paraná representou cerca de 10% do valor adicionado, enquanto em 2002 atingiu 11,08%, em 2019, correspondeu a 8,4% do valor total. No entanto, não é possível dizer que há uma tendência de queda na importância econômica do setor, uma vez que esse menor valor já havia sido obtido também em 2006 (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2023). De fato, para Rolim (2011), desde meados da década de 1970, especialmente com o advento da geada que penalizou fortemente a cafeicultura, tem-se a formação de dois Paranás, um do Agrobusiness e outro Urbano, cujas dinâmicas orbitam em torno das atividades econômicas da agropecuária e urbano-industrial, respectivamente.

No Estado do Paraná, o setor agrícola também é destaque no comércio exterior, com um aumento acima do registrado nos demais segmentos na pauta de exportações. As exportações do estado, que em 2000 eram iguais a US$ 4.379.504, em 2020, chegaram a US$ 16.255.783. Desse total, os produtos básicos, como grãos e carnes, representavam 37,94% no início do período e 55,65% ao final (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2022).

Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo analisar as mudanças na estrutura produtiva da agropecuária paranaense de 2006 a 2017, com base nas informações dos Censos Agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Foram considerados vinte indicadores relacionados à estrutura fundiária, ao uso de tecnologia e capitalização, ao uso da terra, à condição da mão de obra, do produtor e dos estabelecimentos, sendo utilizada uma abordagem multivariada, ou seja, as análises fatorial e de grupos.

Assim, a pesquisa busca contribuir com a identificação da heterogeneidade da estrutura produtiva agrícola nos municípios paranaenses e sua dinâmica de 2006 a 2017, colaborando para a formulação de políticas públicas mais focalizadas nas demandas locais, favorecendo um processo de desenvolvimento mais sustentável.

Este estudo está organizado em quatro seções, além desta introdução. Na seção seguinte, é exposto o arcabouço teórico e empírico para fornecer a fundamentação à temática abordada. A seção três apresenta os indicadores selecionados para a pesquisa, bem como os métodos utilizados. Na sequência, na quarta seção, são apresentados e discutidos os resultados obtidos. Por fim, a última seção é dedicada às considerações finais.

2 Fundamentação teórica e empírica

Na literatura econômica, a estrutura produtiva de uma sociedade teria inicialmente como base o meio rural ou o setor primário. Posteriormente, o setor secundário desempenharia o maior protagonismo, atraindo capital e mão de obra do campo. Por sua vez, com o crescimento econômico, o setor terciário assumiria o papel de absorver a maior proporção do produto, da renda e do emprego. Nesse processo, os setores primário e secundário ainda manteriam a expansão da sua capacidade produtiva por meio do progresso tecnológico.

Embora esse declínio da agricultura na riqueza nacional seja próprio do processo de crescimento econômico, não se pode deduzir que os espaços rurais não sejam relevantes. De fato, as funções convencionais do meio rural de fornecedor de matérias primas e de mão de obra para o crescimento econômico têm se tornado menos importantes. Porém, além da sua biodiversidade, as formas de vida nesses locais são cada vez mais valorizadas, o que representa uma contribuição potencial para o processo de desenvolvimento (Abramovay, 2009).

Nesse contexto, insere-se a modernização da agropecuária brasileira a partir de intensas transformações no meio rural, associada à urbanização acelerada e ampliação da população em situação mais vulnerável, desde as últimas décadas do século XX. Essa modernização também foi denominada de dolorosa por Graziano da Silva (1982), por ocorrer de forma lenta, com avanços e recuos, sem realizar de forma completa a expropriação do trabalho nem a transformação do processo de produção e ainda, em sua maior parte, sustentada pelo estado.

A redução do emprego no campo está relacionada a três fenômenos. Um primeiro fenômeno seria o aumento da mobilidade pendular de ir e vir para o trabalho entre o meio urbano e rural. Um outro aspecto seria a mudança nos arranjos familiares, que afetaria especialmente as mulheres e os filhos, que buscariam uma inserção produtiva fora da agricultura. Por fim, um terceiro fato seria a mudança do espaço rural para atividades não agrícolas, como lazer, turismo, preservação ambiental e sede de empresas (Mattei, 2015).

Na literatura empírica nacional sobre a modernização da agropecuária, entre os trabalhos precursores se destaca o de Hoffmann (1992a). Neste estudo foram analisados indicadores da modernização da agricultura brasileira, considerando 157 microrregiões homogêneas, com dados dos Censos Agropecuários, nos anos de 1975 e 1980. No trabalho foi possível identificar a intensidade do processo de modernização da agricultura nas microrregiões analisadas.

Há também estudos mais recentes caracterizando essas transformações no meio rural brasileiro. Concha et al. (2013) analisaram as mudanças nos municípios do Rio Grande do Sul a partir de informações do Censo Agropecuário de 2006 e do Censo Demográfico de 2010. Adicionalmente, o trabalho realizou uma comparação com o trabalho de Schneider & Waquil (2001) que havia tratado da mesma temática, mas considerando os dados do Censo Agropecuário 1995/1996 e da Contagem da População de 1996. Os resultados do trabalho identificaram maior diversidade regional e produtiva, além da necessidade de maior atenção das políticas públicas voltadas à melhoria das condições de vida da população rural. Os autores apontaram que a redução do emprego no campo e a busca por novas oportunidades nas áreas urbanas geram pressão no mercado de trabalho, bem como na infraestrutura das cidades. Considerando indicadores para o ano de 1995/1996 e análises multivariadas, Cunha & Parré (2001) realizaram uma caracterização da agropecuária da Região Sul e evidenciaram heterogeneidades espaciais significativas.

Na análise da agricultura familiar, Guanziroli et al. (2012), considerando os Censos Agropecuário de 1995/96 e 2006, mostraram que há substancial heterogeneidade entre esses agricultores. Destacaram ainda a modesta assistência técnica recebida, que variou de 16,7% para 20,9% nesse período. Apesar da baixa produtividade da agricultura familiar quando comparada à patronal, os autores verificaram que há um uso intenso do fator terra por ser o mais escasso, sendo fortemente explorado.

Pinto & Coronel (2015), a partir de informações do Censo Agropecuário de 2006 para o Rio Grande do Sul, construíram um Índice de Modernização Agrícola e observaram que, apesar da baixa disparidade entre as mesorregiões analisados, as regiões Sudoeste e Metropolitana tinham maior propensão à modernização. Lobão & Staduto (2020) também construíram um Índice de Modernização Agrícola com dados do Censo de 2006 para a região Amazônica, em que identificaram as regiões mais ao Norte e Oeste com níveis mais baixos de modernização e aquelas mais ao Sul e Leste com os melhores resultados.

Por sua vez, com dados dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017, Silva et al. (2020) analisaram as produtividades do trabalho e da terra na cafeicultura baiana, em que verificaram queda do pessoal ocupado e uso intenso de capital e terra, com diferenças significativas na produtividade entre as regiões do Cerrado, Atlântico e Planalto. Apesar da redução da ocupação, os autores destacaram a cafeicultura familiar, ainda importante especialmente na região do Planalto.

Lima et al. (2022) analisaram a modernização da agropecuária da região Nordeste a partir das informações do Censo Agropecuário de 2017 e, da mesma forma, criaram um Índice de Modernização Agrícola, que indicou que cerca de 88,4% dos municípios analisados possuem uma baixa propensão agrícola. Ainda considerando o último Censo, Batista et al. (2023) analisou a modernização agropecuária na região do MATOPIBA e identificou que aquelas localizadas nos estados do Tocantins e Maranhão têm melhor desempenho do que aquelas de Piauí e Bahia. Por sua vez, Alcantara & Bacha (2023) realizaram uma análise considerando os Censos Agropecuários de 2006 e 2017 para 137 microrregiões brasileiras e verificaram que o processo de modernização da agropecuária ainda ocorre de forma heterogênea no território nacional.

Por sua vez, na literatura empírica para o caso do Estado do Paraná, alguns estudos têm buscado caracterizar a diferenças regionais da estrutura produtiva da agropecuária, especialmente a partir dos Censos Agropecuários. Considerando as informações do Censo Agropecuário de 1980, além de dados sobre a aptidão agrícola do solo, Fuentes Llanillo (1994) obteve uma caracterização da estrutura produtiva em oito zonas distintas. Já Fuentes Llanillo et al. (1993), ao considerar informações do Censo Agropecuário de 1985, realizaram nova caracterização dos municípios do estado do Paraná e identificaram oito regiões homogêneas. Considerando apenas a região Norte do estado, Cunha & Del Grossi (1993), a partir de informações dos Censos Agropecuários de 1970, 1980 e 1985, verificaram a substituição das lavouras permanentes, especialmente a cafeicultura, pelas temporárias, pastagens e aumentos da desigualdade na distribuição fundiária e da mão de obra assalariada.

Em outro estudo, Cunha & Chilante (2001), com base nos dados do Censo Agropecuário de 1995/96, fizeram uma caracterização da agropecuária do Paraná, identificando oito regiões homogêneas, com destaque para a região mais ao norte, com lavouras temporárias, mais tecnificada e com maior desigualdade na distribuição na terra, além de outra mais ao sul, menos capitalizada, com menor desigualdade fundiária e a presença da pecuária leiteira e suína. Por sua vez, incorporando a fertilidade natural do solo e sua possiblidade de mecanização, Fuentes Llanillo et al. (2006) identificaram dez regiões homogêneas no Paraná, também utilizando o Censo Agropecuário de 1995/96. Considerando indicadores para o ano de 2000, Melo & Parré (2007) mostram que, apesar da produção e da competitividade do setor, o padrão de vida da população rural do estado é bastante heterogêneo, com um número significativo de municípios com baixo nível de desenvolvimento rural.

Enquanto a literatura teórica descreve as transformações da agropecuária como um fenômeno do desenvolvimento econômico que ocorreu de forma intensa no país, a empírica tem buscado compreender essas mudanças notadamente a partir dos Censos Agropecuários. Nesse contexto, o presente trabalho busca contribuir com essa literatura caracterizando a dinâmica desse processo nos municípios paranaenses, a partir de uma análise dos dois últimos Censos Agropecuários.

3 Metodologia

3.1 Dados

Este trabalho tem como fonte as informações dos Censos Agropecuários do IBGE de 2006 e de 2017. Foram selecionados vinte indicadores para caracterizar a estrutura produtiva da agropecuária dos 399 municípios paranaenses, que dizem respeito à estrutura fundiária, ao uso de tecnologia e capitalização, ao uso da terra, à mão-de-obra e, por fim, à condição do produtor e dos estabelecimentos, conforme o Quadro 1.

Quadro 1
Indicadores da análise fatorial

Neste trabalho, a área explorada é definida como a soma de lavouras temporárias, lavouras permanentes, pastagens plantadas, pastagens naturais e matas plantadas. Por sua vez, a área ocupada inclui, além da área explorada, as matas naturais em descanso e não utilizadas. A mão de obra foi quantificada considerando o equivalente homem, que considera os indivíduos menores de quatorze anos como metade de um indivíduo com quatorze anos ou mais. Os valores monetários foram corrigidos, considerando 2017 como base e o Índice Geral de Preços (IGP/DI) da Fundação Getúlio Vargas.

Conforme Hoffmann & Jesus (2020), desde 1975, os conceitos de estabelecimento nos Censos Agropecuários têm sido similares. Porém, enquanto, em 2017, as áreas não contiguas em um município exploradas pelo produtor faziam parte de um mesmo estabelecimento, no Censo anterior, aquelas áreas que não estavam em um mesmo setor eram consideradas separadamente, em outro estabelecimento.

Segundo Del Grossi et al. (2019), entre 2006 e 2017, uma parcela significativa de produtores deixou de ser considerada da agricultura familiar, especialmente devido às rendas obtidas fora dos estabelecimentos agropecuários. Entre os requisitos mínimos estabelecidos para a identificação como agricultura familiar estavam: a área de até quatro módulos fiscais; a utilização de, no mínimo, metade da mão de obra familiar; a renda familiar de, no mínimo, metade do empreendimento ou estabelecimento; e a gestão ser familiar. Esses requisitos de 2017 são semelhantes aos presentes em 20062.

A partir dos vinte indicadores, buscou-se caracterizar as mudanças na estrutura produtiva da agropecuária e captar o processo de modernização agropecuária paranaense, de 2006 para 2017, considerando uma abordagem multivariada, conforme descrito a seguir.

3.2 Métodos

Neste trabalho, a partir dos indicadores já descritos, foram utilizadas as análises fatorial e de grupos. A análise fatorial foi realizada considerando o método dos componentes principais, que são combinações lineares dos indicadores construídas para explicar o máximo de variância das variáveis originais (Hoffmann, 1992b, 2016; Hair et al., 2009).

Para analisar a dinâmica do processo de transformação da estrutura produtiva da agropecuária de cada município paranaense, a análise fatorial foi realizada agrupando os dois anos. Assim, os indicadores foram calculados para cada município em 2006 e 2017, resultando em uma matriz com dimensão 798 × 20.

Considerando o número de indicadores (k), há k1 possíveis fatores. Porém, a seleção dos fatores principais ocorre entre aqueles cuja raiz característica é maior do que um, conforme sugere o critério de Kaiser (Kaiser, 1974). Para a definição do número de fatores principais, busca-se selecionar a maior proporção da variância dos indicadores originais.

Para verificar a adequação de cada indicador na análise fatorial, é empregado o critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que varia de zero até um, sendo quanto mais próximo de um, melhor o desempenho. Valores abaixo de 0,50 não são adequados, entre 0,50 e 0,69 são baixos, entre 0,70 e 0,79 são medianos, entre 0,80 e 089 são bons e entre 0,90 e 1,00 são excelentes. Ademais, também foi utilizado o teste de máxima verossimilhança (LR), semelhante ao teste Bartllet, cuja hipótese nula assume que as correlações entre as variáveis são iguais a zero. Portanto, se a hipótese nula é rejeitada, a análise fatorial pode ser aplicada. Ademais, também é apresentada a comunalidade relacionada a cada variável, que indica quanto o conjunto dos fatores captou da variância do respectivo indicador.

Para se obter uma melhor interpretação dos fatores, foi utilizada a rotação pelo método Varimax, que mantém a ortogonalidade entre os fatores originais. Além deste procedimento manter a proporção da variância total explicada, obtém uma melhora na associação de cada fator com as respectivas variáveis a ele correlacionadas.

Após a análise fatorial, é utilizada a análise de grupos ou “cluster” pelo método da média aritmética simples, que consiste em agrupar as observações que possuem os fatores com valores próximos, formando grupos homogêneos entre si. No presente estudo, as observações são os municípios paranaense, com isso, são formadas regiões homogêneas, não necessariamente contíguas.

3.3 Análise descritiva

Na Tabela 1, podem ser observados os valores médios dos indicadores utilizados nas análises multivariadas, além da variação percentual no período. Enquanto em 2006 havia 371.063 estabelecimentos agropecuários no Estado do Paraná, em 2017, esse número se reduziu para 305.154. Por sua vez, com relação à área total ocupada, as informações dos Censos também mostraram redução de 15.391.782 hectares para 14.741.967. Porém, esse processo não é recente, uma vez que, em 1975, existiam 478.453 estabelecimentos e uma área total ocupada de 15.630.962 hectares (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023).

Tabela 1
Média e variação percentual dos indicadores das análises multivariadas para os municípios, Paraná, 2006 e 2017

No Paraná, a pequena propriedade assumiu importância na sua colonização, porém, ainda na primeira metade da década de 1970, observou-se crescimento na desigualdade da distribuição da terra. Inicialmente, a colonização ocorreu pelo litoral e área central nos ciclos da mineração, do mate e da madeira. Já no início do século XX, a ocupação da região Norte pode ser considerada como uma expansão da cafeicultura a partir do Estado de São Paulo, em que se ressalta a forma dirigida pelas companhias privadas de colonização, com o apoio oficial. No mesmo período, a ocupação mais ao Sul foi efetuada por catarinenses e gaúchos (Graziano da Silva, 1982). Segundo Boni & Cunha (2002), de 1970 até 1995/96, ocorreu aumento da concentração na distribuição da propriedade da terra no Paraná associada ao processo de modernização da agropecuária, com consequências para a população do campo e o movimento migratório rural-urbano.

Portanto, entre 2006 e 2017, verifica-se aumento na desigualdade fundiária com aumento da área média no Estado de 41,48 hectares para 48,31. Essas mudanças no uso da terra refletem-se no indicador de estrutura fundiária, em que se observa elevação no índice de desigualdade de Gini no período estudado, de 073 para 0,75.

Entre os indicadores do uso de tecnologia e capitalização, nota-se redução não muito significativa na proporção de estabelecimentos com trator, embora uma redução de 23,9% com uso de calcário. Deve-se destacar que, apesar da redução de estabelecimentos agropecuários com trator, o número de tratores aumentou de 2006 (113.718) para 2017 (166.393) no Estado, conforme informações dos Censos Agropecuários, sugerindo intensificação no uso do implemento agrícola em uma parcela de estabelecimentos. Também há expansão daqueles estabelecimentos com uso de adubos e agrotóxicos. A assistência técnica, apesar de apresentar um modesto aumento, ainda atinge um pouco menos de 50% dos estabelecimentos agropecuários.

Há um aumento expressivo no valor da produção agropecuária por área explorada de mais de 50% no período. Porém, os Censos Agropecuários também evidenciam redução na proporção de estabelecimentos com acesso a financiamentos, que reduziu em média de 36,83% para 26,69% nos municípios paranaenses, indicando que menos de 30% dos estabelecimentos tem esse acesso.

Com relação ao uso da terra, os indicadores utilizados sugerem expansão das lavouras temporárias, matas plantadas e da pecuária no estado. Com relação às lavouras temporárias, verifica-se crescimento das áreas com milho, feijão e soja. Já no caso da pecuária, destaca-se o aumento da pecuária leiteira.

O pessoal ocupado no setor agrícola vem sofrendo um processo de redução histórico no país e não é diferente no Paraná. Segundo Fleischfresser (1988), entre as décadas de 1940 e 1970, a população rural do estado aumentou, porém, entre 1970 e 1980, verifica-se um saldo negativo. Conforme informações dos Censos Agropecuários, em 2006, havia 1.117.098 pessoas ocupadas no setor e, em 2017, cerca de 846.642, enquanto em 1975 estava em 2.079.174.

Paralelamente, os indicadores apontam ampliação da proporção de mão de obra temporária e redução da mão de obra familiar. Ressalta-se que, apesar da queda, a mão de obra familiar ainda representa 72,7% do total do estado. Além da mão de obra familiar e temporária, há os empregados permanentes, os parceiros e aqueles em outras condições, os quais apresentaram certa estabilidade entre os ocupados no meio rural, em torno de 13% nos dois anos analisados. Ainda com relação à mão de obra, registra-se menor ocupação da mão de obra feminina no campo.

Com relação às características dos produtores e dos estabelecimentos agropecuários, nota-se expansão dos estabelecimentos associados a cooperativas. Por sua vez, apesar da queda de 9,8% da agricultura familiar no estado, ela ainda representa 71,1% dos estabelecimentos agropecuários. Considerando a mão de obra familiar ocupada, destaca-se a importância desse segmento na agropecuária paranaense. Ademais, a participação das mulheres nas atividades econômicas também se reflete no setor agrícola, com expansão de 9% para 13% do total de produtores agropecuários, de 2006 para 2017. Por fim, a qualificação do produtor rural também melhorou, com aumento de 19,5% para 32,8% dos estabelecimentos com produtores com ensino médio ou mais.

Na próxima seção, busca-se verificar regionalmente nos municípios do Estado do Paraná em quais localidades esses indicadores mais se destacam, considerando as análises fatorial e de grupos.

4 Resultados e discussões

Os primeiros resultados da análise fatorial indicaram quatro fatores com raízes características maiores do que um, os quais foram selecionados para dar prosseguimento ao estudo3 . Conforme a Tabela 2, esses fatores principais explicam 96,7% da variância total das vinte variáveis, o que representa uma proporção explicada satisfatória. O teste K-M-O foi igual a 0,8375, valor que indica um bom ajustamento das variáveis. Por sua vez, o teste LR foi significativo ao nível de 1%, cujo resultado é favorável à utilização da análise fatorial.

Tabela 2
Resultados da análise fatorial para 20 indicadores e 4 fatores, Paraná, 2006 e 2017

Já as comunalidades que representam a proporção explicada pelos fatores de cada variável estão, em geral, acima de 50%, com apenas duas exceções, o valor da produção e o uso de calcário, os quais permaneceram na análise para melhor caracterizar a dimensão tecnologia e capitalização. Ademais, essas duas variáveis apresentaram um valor K-M-O individual superior a 0,85, contribuindo para a melhor caracterização da estrutura da agropecuária do estado do Paraná.

Considerando as cargas fatoriais, o Fator 1 (F1) é identificado com a adoção intensiva de tecnologia e lavouras temporárias, especialmente soja. O segundo Fator (F2) pode ser associado à agricultura familiar, com mão de obra feminina, além de menor desigualdade fundiária e qualificação do produtor rural. Por sua vez, o terceiro Fator (F3) correlaciona-se a matas plantadas, com estabelecimentos com produtoras e baixo uso de agrotóxicos. Por fim, o quarto Fator (F4) está diretamente relacionado à pecuária de corte e leiteira, ressaltando-se também o valor negativo no índice de Gini, o que indica menor desigualdade fundiária.

Para caracterizar as mudanças na agropecuária paranaense, foram selecionados dez grupos na análise cluster. Na Tabela 3, podem ser observados os valores médios obtidos para cada fator, o que permite distinguir cada grupo de municípios. Por sua vez, a dinâmica das transformações ocorridas no setor agrícola, de 2006 para 2017, pode ser observada na Tabela 4 e na Figura 1. Entre os resultados, é possível destacar cinco alterações mais significativas.

Tabela 3
Valores dos fatores para as regiões selecionadas da análise de grupos, Paraná, 2006 e 2017
Tabela 4
Quantidade de municípios nos grupos homogêneos da análise cluster, Paraná, 2006 e 2017
Figura 1
Dinâmica das mudanças na agropecuária do Paraná, 2006 e 2017. Fonte: Dados básicos dos Censos Agropecuários 2006 e 2017.

Inicialmente, notam-se as transformações nos grupos um e três, entre 2006 e 2017, que indicam redução da agricultura familiar associada à expansão da pecuária de corte e leite. No grupo um, verifica-se um maior valor negativo para o primeiro fator e valor positivo para o último, apontando uma localidade com presença da pecuária de corte e leiteira mais expressiva. Essa mesma característica também é observada no grupo três, porém, o valor negativo do primeiro fator fica mais intenso e o valor positivo do último é menor, sugerindo menor exploração das lavouras temporárias e da pecuária no grupo três. Adicionalmente, quando considerados os fatores dois e três, evidencia-se menor presença de agricultura familiar e de áreas com matas plantadas e produtoras no grupo um.

Na Tabela 4, pode ser observado que o grupo três está mais presente no ano de 2006, com 91 municípios. Já para 2017 há apenas um município, Cândido de Abreu, na região Central do Estado, que pode ser melhor visualizado na Figura 1, na cor azul claro. Por outro lado, o grupo um, em tom azul escuro, com apenas quinze municípios em 2006, expandiu-se para 71 municípios em 2017, mais ao Norte do Estado e, também, na região Central. Um total de 49 municípios que estavam no grupo três em 2006 modificaram-se para o grupo um em 2017. Portanto, nesses municípios, destaca-se a expansão da pecuária de corte e leiteira, bem como de matas plantadas e de produtoras, além de redução no uso de agrotóxicos e da agricultura familiar.

Um segundo conjunto de transformações ocorre entre os grupos dois e seis, com maior uso de terra com lavouras temporárias, mais tecnificação e menor proporção de agricultura familiar. Na Figura 1, os grupos dois e seis estão identificados com as cores verde claro e verde escuro, respectivamente. Essas mudanças refletem o maior uso da terra com lavouras temporárias, com mais tecnologia e capitalização e com redução da agricultura familiar.

Nesses dois grupos se destaca o valor positivo para o primeiro fator, ainda mais intensivo no grupo seis. No entanto, enquanto no grupo dois se ressalta o maior valor negativo para fator três, no grupo seis esse fator três é positivo. Ademais, enquanto o grupo dois está mais presente no ano de 2006, com 80 municípios, e apenas um no ano de 2017, Iracema do Norte, no grupo seis há apenas um município em 2006, Porecatu, e 100 municípios em 2017. Quase a íntegra dos municípios do grupo dois em 2006 está no grupo seis em 2017, sendo um total de 70.

A dinâmica entre os grupos quatro e nove se constitui no terceiro resultado que merece ser ressaltado, o qual também indica redução da agricultura familiar e, de forma modesta, a presença de matas plantadas, produtoras e pecuária de corte e leiteira. No grupo quatro pode ser destacado o valor negativo para o fator dois, indicando baixa presença de agricultura familiar. No grupo nove também se verifica valor negativo para o fator dois, porém, com menor intensidade. De fato, no grupo nove se observa valores negativos para todos os fatores analisados, especialmente para os fatores três e dois, associados a matas plantadas, à presença de produtoras e à agricultura familiar.

Porém, enquanto há expansão do grupo quatro, de dois para 68 municípios, o grupo nove não está presente em 2017. De um total de 73 municípios pertencentes ao grupo nove, em 2006, a maior parcela (43) está no grupo quatro, em 2017. Na Figura 1, o grupo nove está em amarelo mais claro e o grupo dois em amarelo escuro. Portanto, essas mudanças sinalizam redução da agricultura familiar, especialmente no norte do estado.

Outra mudança que se sobressai ocorre entre as regiões cinco e oito, nas quais é possível destacar a expansão das matas plantadas, com presença de produtoras e, ainda, o aparecimento da agricultura familiar de forma mais significativa apenas no grupo oito. Na região cinco, nota-se valor positivo apenas para o fator três, associado a matas plantadas, à presença de produtoras e ao baixo uso de agrotóxicos. O grupo oito apresenta características similares, com exceção do fator dois, que muda de sinal, indicando maior presença de agricultura familiar nessas localidades e baixa qualificação do produtor.

Enquanto o grupo oito se mantém com quase a mesma quantidade de municípios em 2006 e 2017, com redução de 58 para 50, o grupo cinco se expande de 13 para 53 municípios, respectivamente. Entre os municípios que estavam no grupo oito em 2006, 20 deles migraram para o grupo cinco, enquanto apenas 30 permaneceram no grupo oito, indicando que ocorreram outras alterações na estrutura produtiva dos demais municípios. Na Figura 1, os grupos cinco, na cor magenta escuro, e oito, na cor magenta claro, podem ser visualizados mais nas Regiões Centro-Sul, Metropolitana e Litoral do estado.

Por fim, destacam-se as mudanças entre os municípios dos grupos sete e dez. Na Figura 1, o grupo sete pode ser visualizado em um tom vermelho mais claro, enquanto o grupo dez em vermelho mais escuro, na parte mais sul do estado do Paraná. No grupo sete, apenas o terceiro fator tem sinal negativo, porém, o destaque é o valor e a intensidade do fator dois, indicando presença de agricultura familiar. Por sua vez, no grupo dez, os quatro fatores aparecem com valores positivos, inclusive o fator três, mas são os fatores três e quatro que têm maior intensidade, sinalizando a importância das matas plantadas e da pecuária nesses municípios. Os valores positivos no grupo dez sugerem uma heterogeneidade maior na exploração agrícola desses municípios.

Pode ser enfatizada a redução do grupo sete de 66 municípios em 2006 para apenas um município em 2017 e, por outro lado, a ampliação dos municípios no grupo dez, que não estava presente em 2006, mas surge com 54 municípios em 2017. Ressalta-se que 49 municípios que estavam no grupo sete em 2006 estão no grupo dez em 2017, ou seja, quase a totalidade desse grupo.

Nos resultados do presente estudo, o principal aspecto que merece ser destacado na dinâmica da modernização da agropecuária no estado do Paraná é a continuidade do processo de expansão das lavouras temporárias em detrimento da agricultura familiar. No entanto, apesar de as evidências sugerirem importantes transformações na estrutura produtiva da agropecuária do estado do Paraná, verificou-se que 53 municípios permaneceram no mesmo grupo em 2006 e em 20174 .

Um segundo aspecto, associado ao primeiro e à redução da agricultura familiar, constitui-se na utilização da mão de obra familiar. Vale mencionar que a agricultura familiar está associada à reduzida orientação técnica, bem como à menor qualificação do produtor rural. Ademais, essa agricultura está menos associada a cooperativas, diferentemente dos estabelecimentos com produção tipicamente para exportação, como soja, milho e madeira.

Apesar dessa caracterização predominante da agricultura familiar, existe grande diversidade nesses estabelecimentos. De fato, Souza et al. (2019) evidenciam alta disparidade no uso de tecnologia na agricultura familiar, maior nas regiões Sul e Sudeste e menores nas regiões Norte e Nordeste. No estado do Paraná, os maiores índices foram encontros nas regiões Oeste Paranaense, Centro Ocidental Paranaense, Sudeste Paranaense e Norte Central Paranaense.

Ademais, segundo Aquino et al. (2018), existem importantes diferenças entre a agricultura familiar e a patronal ou do agronegócio, considerando especialmente as informações do Censo Demográfico de 2006. Além disso, os autores destacaram uma expressiva heterogeneidade na agricultura familiar, com uma parcela vasta de produtores pobres e extremamente pobres, apesar de alguns avanços, com dificuldade de acesso ao crédito e baixa capitalização. Conforme Del Grossi et al. (2019), de 2006 para 2017, houve uma mudança no perfil da renda das famílias rurais, com aumento da pluriatividade, o que desclassificou uma proporção significativa de famílias pobres da agricultura familiar, em 2017. Por sua vez, Nascimento et al. (2022) confirmam essa tendência de redução da agricultura familiar, com destaque na região Sul do país.

Outra evidência relacionada à agricultura voltada à exportação é a expansão das matas plantadas, especialmente na região central do estado do Paraná. Esses resultados estão de acordo com a expansão das exportações de papel e, especialmente, de celulose no estado. Nessa região, destacam-se a instalação e ampliação da unidade Puma da empresa Klabin, iniciada em 2014, no município de Ortigueira.

A maior desigualdade na distribuição da terra evidenciada também é um fenômeno nacional, conforme as informações dos Censos Agropecuários, de 2006 e de 2017. No Brasil, o índice de Gini vai de 0,865 para 0,866 e, no Paraná, de 0,777 para 0,793, respectivamente. No Paraná, entre os determinantes desse aumento, pode ser citada a expansão das matas plantadas, representadas pelo aumento do grupo homogêneo cinco na Figura 1, onde estão, como exemplo, os municípios de Ortigueira, Mauá da Serra, Imbaú, União da Vitória e Ponta Grossa.

Também se nota a maior presença da mulher como produtora rural, o que está de acordo com a maior participação delas nas atividades econômicas nas últimas décadas. Porém, a maior presença da mulher, notadamente no grupo cinco, pode estar associada à pobreza e ao menor nível de desenvolvimento socioeconômico, o que merece maior atenção das políticas públicas. Nessa região está o Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do estado do Paraná, composto por sete municípios, os quais se encontravam no grupo cinco em 20175 .

A participação das mulheres como produtoras teve um incentivo com a inclusão delas nas normativas do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) em 2011, com a Resolução n.o 44, e com o Decreto n.o 7.775/2012, segundo Perin et al. (2021). Os autores analisaram a trajetória do PPA, desde sua implementação em 2003 até 2019, e observaram que, até 2008, houve um período de aprendizagem e organização, em um segundo momento, de 2009 até 2013, foram observados resultados significativos com maior protagonismo da Companhia Abastecimento (Conab) e do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Porém, de 2014 até 2019, o programa apresentou uma contínua redução. Por sua vez, destaca-se também a contribuição do Programa Bolsa Família para a ampliação das mulheres como pessoas de referência nos estabelecimentos agropecuários, uma vez que prioriza as mulheres como responsáveis pelo recebimento do benefício, como discute Bartholo et al. (2019). Tais evidências corroboram com os resultados do presente trabalho, que apontam redução da agricultura familiar e maior participação da mulher como produtora.

De fato, embora o presente trabalho tenha identificado dez regiões homogêneas, a complexidade e diversidade da estrutura produtiva merece uma atenção mais detalhada. Neste aspecto, Telles et al. (2008) identificaram cinco sistemas de produção para a pecuária leiteira no estado do Paraná, apesar da predominância da agricultura familiar. Esse resultado corrobora com a relação identificada no presente trabalho no fator quatro (F4), em que a agricultura familiar tem relação positiva, embora não muito alta. Nesse estudo, os autores analisaram o Programa Leite das Crianças, iniciado em maio de 2003 e realizado através das compras sociais das Centrais de Abastecimento do Paraná (CEASA/PR), especialmente de pequenas usinas, que captavam o leite de produtores locais. O foco inicial do programa foi os municípios com Índice de Desenvolvimento Humano mais baixos e os autores verificaram que havia benefícios tanto para os produtores, notadamente da agricultura familiar, quanto para a população atendida. Por sua vez, ainda considerando a pecuária, a suinocultura e a avicultura também são destaques no interior no estado, especialmente na região mais ao Sul e Oeste.

Espacialmente, a partir dos grupos homogêneos estudados, foi possível identificar quatro regiões no estado do Paraná no último ano analisado. A primeira, que se estende desde a região Central até o Litoral, é formada pelos grupos cinco (com 53 municípios) e o oito (com 50 municípios), em que se destacam a agricultura familiar e as matas plantadas, respectivamente. Uma segunda região se localiza mais ao Sul do estado, com predomínio do grupo dez (com 54 municípios), com diversidade na estrutura produtiva. Em uma faixa que se estende do Norte ao Centro-Oeste do estado está o grupo seis (com 100 municípios), com produção especialmente voltada às lavouras temporárias e à pecuária de corte e de leite. Por sua vez, no Norte do estado, destacam-se os grupos um (com 71 municípios) e o quatro (com 68 municípios), com maior presença da pecuária e menor da agricultura familiar.

As evidências mostram a persistência do processo de redução da agricultura familiar associado ao aumento na concentração fundiária, ao menor número de estabelecimentos agropecuários e à redução da população ocupada no meio rural. De fato, a queda do emprego no campo foi de 270.456 postos de trabalho, o que representou uma diminuição de 24,2% na ocupação, de 2006 para 2017. Na busca por emprego e renda, em uma situação de maior vulnerabilidade, essa população migra para os centros urbanos, notadamente para as regiões mais precárias e periféricas, um fenômeno já descrito na literatura (Graziano da Silva, 1982; Abramovay, 2009; Mattei, 2015).

Nesse sentido, conforme já apontado na literatura, a heterogeneidade regional e produtiva deve ter maior atenção das políticas públicas, considerando, por exemplo, o aumento da renda e do acesso a financiamentos, à assistência técnica e à preservação do meio ambiente. Assim, são necessárias políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável e que considerem as diferenças regionais e produtivas de cada localidade.

5 Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo analisar as mudanças na agropecuária do estado do Paraná de 2006 para 2017, considerando as informações dos Censos Agropecuários do IBGE. A partir de vinte indicadores e das análises fatorial e de grupos, foi possível identificar dez grupos homogêneas nos dois anos da pesquisa.

Assim, esses resultados evidenciaram características mais predominantes na estrutura produtiva da agropecuária paranaense, sem, contudo, exaurir toda a diversidade presente. Nesse sentido, enfatiza-se que, apesar da heterogeneidade da estrutura da agropecuária evidenciada neste trabalho, há limitações na identificação da diversidade das atividades produtivas nos estabelecimentos, o que merece a atenção de novos estudos mais focalizados.

De um lado, os resultados do trabalho sugerem que as mudanças na estrutura produtiva seguem a mesma tendência já verificada nas décadas anteriores, com expansão do uso de novas tecnologias e avanços da agricultura mais capitalizada, caracterizada por uma produção mais voltada para a exportação, por lavouras temporárias, de soja e milho, e pela pecuária. Mais recentemente, as matas plantadas têm avançado na parte mais central do estado, em direção ao litoral, uma vez que a formação do relevo não permitia a expansão da mecanização associada às lavouras; porém, as plantações de florestas obtiveram êxito ao incorporar mais essas localidades nas cadeias produtivas voltadas ao atendimento da demanda mundial.

Enquanto há evidências de redução da mão de obra e da agricultura familiar no campo, por outro lado, nota-se ainda a resistência da agricultura familiar como aquela que absorve a maior proporção da mão de obra no meio rural paranaense. Nesse sentido, é fundamental uma política pública ainda mais atenta às especificidades desses produtores, o que propicia melhor bem-estar a essa parcela da população, mas também pode contribuir para reduzir o fluxo migratório do meio rural para o urbano, atenuando as demandas por infraestrutura básica nos centros urbanos, muitas vezes incipiente.

Portanto, de maneira geral, foi possível identificar importantes transformações na estrutura produtiva do setor agrícola paranaense que evidenciam a continuidade do processo de adoção de novas tecnologias e redução na ocupação no campo, enquanto a agropecuária mais capitalizada e tecnificada avança além das lavouras temporárias e da pecuária, destacando-se também as matas plantadas no novo Censo. Essa produção tem como destino predominante as exportações, que têm sido historicamente apoiadas pelo Estado com atrativos incentivos, como os impostos. Ademais, a agricultura familiar ainda permanece ocupando a maior parcela da população no meio rural, o que contribui para a geração de renda para a população que resiste no campo e para a promoção da segurança alimentar e nutricional no país.

Apesar do crescimento econômico do setor agrícola verificado, em que o valor médio da produção aumentou mais de 50% no período, o Paraná, assim como o país, permanece como destaque nos elos com as menores parcelas adicionadas nas cadeias globais de valor. Nesse sentido, há necessidade de maiores estímulos para o avanço das atividades econômicas em segmentos da agroindústria que poderiam agregar mais valor aos produtos e contribuir ainda mais para a geração de emprego e renda, estimulando as economias locais com o aumento do consumo e maior bem-estar social. Além disso, os produtores familiares e aqueles com produção voltada ao consumo interno também necessitam de maior atenção das políticas públicas.

  • 1
    No meio urbano, a proporção da extrema pobreza variou de 0,148 para 0,156 de 1981 a 2005, já a pobreza aumentou de 0,352 para 0,369. Por sua vez, no meio rural, enquanto a extrema pobreza reduziu de 0,397 para 0,309, a pobreza diminuiu de 0,715 para 0,625 (Cunha, 2017).
  • 2
    Lei no. 11.326, de 24 de julho de 2006 (Brasil, 2006) e Decreto no. 9.064, de 31 de maio de 2017 (Brasil, 2017). Para maiores detalhes ver Nascimento et al. (2022).
  • 3
    As quatro raízes características maiores do que um foram iguais a 5,95464, 3,58889, 1,55236 e 1,24930.
  • 4
    O número de municípios que permaneceram em cada grupo está entre parênteses: grupos 1 (1), grupo 2 (1), grupo 3 (1), grupo 4 (1), grupo 5 (12), grupo 6 (7), grupo 7 (1) e grupo 8 (30).
  • 5
    Segundo o Índice Paranaense de Desempenho Municipal do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (2021), para o ano de 2019, os municípios do Vale do Ribeira apresentavam desempenho baixo ou médio-baixo. Enquanto os municípios de Adrianópolis (0,690), Cerro Azul (0,612) e Rio Branco do Sul (0,665) estavam com médio-baixo desempenho, os municípios de Bocaiúva do Sul (0,599), Doutor Ulysses (0,559), Itaperuçu (0,578) e Tunas do Paraná (0,568) atingiram um baixo desempenho. Neste ano, apenas treze dos 399 municípios paranaenses estavam no nível de baixo desempenho.
  • Como citar: Cunha, M. S. (2024). Permanências e mudanças na estrutura produtiva da agropecuária paranaense, 2006-2017. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e277000. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.277000pt
  • JEL Classification: Q10; Q16; Q18; J43.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2023
  • Aceito
    05 Fev 2024
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