Open-access O arquipélago

The archipelago

Resumo

Este trabalho, tendo como base pesquisas etnográficas realizadas ao longo dos últimos quinze anos, explora as circulações e os confinamentos aos quais são submetidas determinadas populações da cidade, destacando conexões e ressonâncias entre espaços institucionais e determinadas zonas urbanas de São Paulo. Ao mobilizar fragmentos de linhas de vida, que atravessam instituições de acolhimento para crianças, prisões, unidades de internação para adolescentes, Centros de Atenção Psicossocial, manicômios judiciários, zonas como a chamada Cracolândia, entre uma infinidade de outros equipamentos e espaços urbanos, o que emerge no horizonte é a imagem do arquipélago, no qual a prisão é apenas uma de suas múltiplas ilhas – abertas, porosas e ressoantes.

Arquipélago; Prisão; Porosidade; Estado; São Paulo

Abstract

This work, based on ethnographic research conducted over the last 15 years, explores the circulations and confinements to which certain populations of the city are subjected, highlighting connections and resonances between institutional spaces and certain urban areas of São Paulo. By mobilizing fragments of lifelines moving through child-care institutions, prisons, adolescent inpatient units, Psychosocial Care Centers, judicial asylums, areas such as the so-called Cracolândia (Crackland), among a multitude of other facilities and urban spaces, what emerges on the horizon is the image of the archipelago, where prison is just one of its many islands – open, porous and resonant.

Archipelago; Prison; Porosity; State; São Paulo

Introdução

Desdobre o mapa do arquipélago. Em uma rápida passada de olhos veem-se centenas de pontos, que estão separados, mas, simultaneamente, conectados por uma multiplicidade de linhas que os atravessam. Desses, 175 são prisões – 86 Penitenciárias, 48 Centros de Detenção Provisória (CDP), 15 Centros de Progressão Penitenciária (CPP), 1 unidade de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), 22 Centros de Ressocialização (CR) e 3 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP)1.

Vale sublinhar que esses 175 pontos, que não param de se multiplicar, exigindo modificações constantes no mapa, não existem sozinhos, mas ligados a uma miríade de outros tantos, os quais não formam um bloco indiscernível; eles ressoam. Prisões, mas também unidades de internação para adolescentes, hospitais de custódia, comunidades terapêuticas, albergues, zonas urbanas como a chamada Cracolândia paulistana, serviços de acolhida para crianças e adolescentes em situação de risco, Centros de Referência de Assistência Social, voltados à prevenção de situações de vulnerabilidade (Cras) ou aos desdobramentos dessas situações (Creas), Centros de Atenção Psicossocial (Caps), entre uma diversidade de outros aparatos governamentais – o mapa transborda, ganha novas dimensões, está sempre em mutação.

A partir de pesquisas etnográficas que venho desenvolvendo ao longo dos últimos quinze anos – em prisões, unidades de internação para adolescentes, hospitais de custódia, zonas urbanas como a Cracolândia e, pontualmente, equipamentos de assistência social e serviços de saúde, tais como os Caps –, notam-se conexões e ressonâncias que aproximam diferentes espaços institucionais, bem como determinados territórios urbanos.

Dinâmicas das prisões nas periferias – e das periferias nas prisões –, seja através de políticas criminais que atravessam esses territórios, ou mediante o encarceramento das populações que vivem nessas áreas urbanas, público para o qual as grades conformam um horizonte inescapável. Sujeitos da Cracolândia que abarrotam os hospitais de custódia, sendo que essas instituições, além de funcionarem em ressonância prática, arquitetônica e simbólica com as cadeias, operam em conexão com Centros de Atenção Psicossocial2. Códigos e enunciados dos presídios que circulam, assumindo figurações diferenciais de poder em unidades de internação para adolescentes, albergues e Cracolândia. Sistemas progressivos, os quais parecem estender a lógica carcerária: se nas prisões desliza-se do regime fechado ao semiaberto e ao aberto, e no âmbito socioeducativo passa-se da medida de internação à liberdade assistida e à prestação de serviços à comunidade, na esfera das medidas de segurança escorrega-se dos hospitais de custódia aos Caps, transformados, em virtude de determinações judiciais, em regime aberto dos manicômios. Em todos eles, a mesma lógica punitiva-carcerária, na qual o retorno ao regime fechado é iminente.

Tais conexões, as quais evidenciam a reposição de lógicas, enunciados, práticas e políticas, sejam elas estatais ou criminais, em diferentes espaços da cidade, ganham corpo por meio das linhas de vida de meus interlocutores. Tomadas como fios condutores – linhas de movimento que atravessam o arquipélago –, são elas que permitem apreender a inter-relação entre uma miríade de aparatos estatais, as passagens e as fixações, bem como os processos de circulação-confinamento através dos quais essas vidas são forjadas3.

É esse o caso de Joana, interna do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico I de Franco da Rocha, cujo trajeto mostra que a prisão não está sozinha. De suas narrativas sobre a infância e a adolescência, quando não aparecem as afirmações de que “eu não me alembro”4, emergem somente estilhaços: o abandono materno e as relações violentas com a família adotiva; a perambulação pelas ruas de Campinas, interior paulista, e as capturas por instituições de acolhimento para crianças em situação de vulnerabilidade; as fugas desses espaços e o consumo de crack no local que ela mesma nomeia como a “Cracolândia de Campinas”; a inserção no mercado da prostituição e as três internações em unidades da Fundação Casa; os vários confinamentos em hospitais psiquiátricos, o atendimento em Caps e, após atingir a maioridade, a absorção pelas malhas do sistema de justiça criminal adulto, em realidade, três detenções em apenas um ano, sendo que a última – após brigas com outras presas, automutilações e agressões a funcionários – desemboca na conversão da pena de prisão em medida de segurança e, sendo assim, na transferência ao manicômio judiciário, descrito por internos e internas como “o fundo do poço”, “o pior inferno”.

Evidentemente, o traçado esboçado por Joana se conecta e rebate em outras tantas linhas de vida, que, se tomadas como um emaranhado, conformam um circuito específico. Luzia, cuja linha parte de uma periferia da zona sul em direção ao centro de São Paulo, à região designada como Cracolândia, é mais um exemplo. Aos treze anos, iniciam-se as internações em comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, segundo ela, 23 internações ao longo da adolescência e o início da fase adulta. Confinamentos que se intercalam com os períodos de circulação pela Cracolândia. Internações que, após os dezoito anos, se alternam com as inúmeras detenções: “Puxei muita cadeia, tudo por furto”, “Tudo passagem pequena, de seis, quatro meses”. Após a última prisão, com a instauração do incidente de dependência químico-toxicológica, que resultou na inimputabilidade e, nas palavras da magistrada, em “medida de internação em virtude do vício”, minha interlocutora foi encaminhada ao manicômio judiciário, onde permanece ingerindo doze pílulas psiquiátricas diariamente: “tô dopadona, cara”.

Do mesmo modo, das páginas do processo de execução de medida de segurança de César, brotam expressões de confinamento-circulação: “prisão em flagrante, alvará de soltura, mandado de captura, abandono, procurado, removido para outro estabelecimento, internação na Febem, acompanhamento com psicóloga após sair da Febem”. Preso por tráfico de drogas aos dezoito anos, nos anos subsequentes, a linha desenhada pelo jovem serpeia unidades prisionais, manicômios judiciários e a região da Cracolândia.

Nessa direção, em que se observam conexões práticas, discursivas e arquitetônicas entre espaços de confinamento para adolescentes e adultos, entre determinadas regiões da cidade e instituições de controle, entre aparatos repressivos e serviços de assistência social e saúde, as narrativas de meus interlocutores são ilustrativas. Como afirma uma ex-interna do HCTP I de Franco da Rocha, ao se referir a uma de suas muitas internações em clínicas e hospitais psiquiátricos: “Pra mim era horrível porque era tudo trancado, parecia um… uma cadeia”. Na Cristolândia, serviço batista de conversão de consumidores de crack que opera na Cracolândia, ao narrar a dinâmica do programa de tratamento, o missionário diz: “Você fica a primeira parte do tratamento em uma casa, de regime fechado, depois vai pra outra casa, que funciona como o semiaberto. A lógica é que nem ficar preso, vai progredindo conforme o tempo” (Mallart; Rui, 2016). Da mesma forma, um psicólogo que atuou em distintos Caps sente-se incomodado com os termos mobilizados por seus colegas de trabalho, tais como “abordagem”, “triagem” e “viatura”, este último utilizado para se referir ao veículo que é usado no transporte dos atendidos: “A gente tava lá e o moleque escutou: ‘Ah, chama a viatura’. O moleque ficou em choque”. Por sua vez, um educador social narra que em um albergue os acolhidos mobilizam enunciados do PCC na tentativa de gerir o espaço, o que não significa que ele seja controlado pela facção, e, sim, que políticas desse coletivo se alastram por distintos lugares, fazendo com que ressoem5.

Dessa perspectiva – e esse é o ponto que gostaria de sublinhar –, a passagem pela prisão é apenas uma etapa de um longo processo. O cárcere, longe de ser entendido como um mundo fechado em si mesmo, constitui um só ponto de um vasto circuito, sendo atravessado por práticas, enunciados, políticas, saberes, poderes e linhas de vida, que vão se repondo em espaços diferenciais, os quais ecoam uns nos outros. O que emerge no horizonte é a imagem do arquipélago e as suas múltiplas ilhas – abertas, porosas e ressoantes.

No escopo deste trabalho, proponho três movimentos. Partindo de estudos que já demonstraram a potencialidade de pensar os bairros periféricos em continuidade analítica com o cárcere, em primeiro lugar, almejo alargar esse argumento, evidenciando os ganhos analíticos e políticos que a imagem do arquipélago propicia e, desse modo, deslocando o debate sobre a porosidade da prisão. Uma vez que outros arquipélagos, em outros tempos e lugares, foram alvo de reflexões, é imperioso visitá-los para, em um segundo momento, estabelecer os pontos da diferença, repensando-os à luz dos tempos que correm. Por fim, de modo ainda preliminar, sugiro algumas pistas no sentido de vislumbrar as engrenagens que, historicamente, fizeram com que o arquipélago ganhasse corpo nas últimas décadas.

A prisão em suas correlações com o fora

Ao longo do século XX, vários autores têm se dedicado ao estudo das instituições prisionais, objeto que, progressivamente, se consolidou no campo das ciências sociais. Entre distintas questões e agendas de pesquisa, destaca-se a diversidade de trabalhos que buscam analisar as articulações entre o mundo intramuros e o mundo extramuros.

Em “Da relação prisão-sociedade: atualização de um balanço”, Cunha (2015) nos fornece uma análise de fôlego acerca dos diferentes níveis e modalidades em que essa relação tem sido pensada, sendo o paradigma mais recorrente o de crime-castigo, no qual a prisão figura como uma espécie de resposta ao crime na sociedade. Na medida em que a ligação crime-prisão não é linear, afinal os índices de encarceramento não coincidem com os de criminalidade, há autores que se distanciam dessa perspectiva. Nesse ponto, em âmbito macro, inserem-se os trabalhos de economia política da reclusão. Do clássico estudo de Rusche e Kirschheimer (2004), para os quais a prisão participa na regulação do mercado de trabalho, abrindo e fechando as suas comportas de acordo com as variações dos ciclos econômicos, até os trabalhos de Wacquant (2007), para quem o cárcere opera como um mecanismo de regulação das populações mais marginalizadas, afetadas pelas mutações da sociedade industrial. Nessa chave, a expansão penal nada tem a ver com o aumento da criminalidade, e, sim, com a acentuação de lógicas punitivas.

Ainda conforme a autora, há outros modos de refletir sobre o elo prisão-sociedade. Das análises que tomam a prisão como ferramenta de disciplina e conformidade social, assim como um revelador da sociedade (Foucault, 1987), passando pelas abordagens que concebem o cárcere como realidade intervalar, à luz da noção de “instituição total” (Goffman, 1974), até estudos mais recentes, os quais analisam o processo de abertura da instituição, seja através das regulações externas, seja por meio dos fluxos de bens e de serviços de toda a sorte, o que somado às reconfigurações no exercício do poder de punir conduz a um processo de destotalitarização da instituição (Chantraine, 2006)6.

Destaca-se que os nexos entre o dentro e o fora, como nota Cunha, também podem ser pensados a partir dos impactos além das muralhas. Combessie (2002), ao abordar as ligações que se estabelecem entre cidade e prisão, evidencia que essas relações se dão sob o duplo signo da interdependência e da rejeição. O autor mostra como a prisão é um fator de perturbação para o ecossistema social circundante, já que os efeitos estigmatizantes do cárcere se propagam além dos muros, projetando-se na vizinhança.

Na esteira dos impactos além-muros, notam-se efeitos colaterais para as famílias dos presos, bem como para seus territórios de residência. Touraut (2009, p. 82) demonstra como a vida de familiares dos reclusos é afetada pelo cárcere, conformando uma espécie de “experiência carcerária alargada”, uma vez que estes têm de se adaptar às normas da instituição. Também nessa chave, Comfort (2007, p. 1056) evidencia como as mulheres que visitam seus companheiros encarcerados passam por um processo de “prisionização secundária”. Mesmo não estando presas, elas são submetidas ao controle penal.

Nas últimas décadas, a explosão da população penitenciária em diversos países, o que Garland (2008) designou como encarceramento em massa, fez surgir uma série de trabalhos que enfocam o imbricamento entre as prisões e as zonas periféricas das cidades, constatação que, ainda que de um outro prisma, coloca diversos questionamentos sobre as fronteiras da prisão. Nessa linha, o trabalho de Cunha (2002) em uma prisão feminina de Portugal clarifica o fato de que a experiência prisional se disseminou por determinados bairros, os mesmos que fornecem a clientela detida dentro dos muros. Tornou-se comum cumprir a pena ao lado de parentes e vizinhos, sendo que esses laços estão presentes na vida extramuros. “A trama social da prisão tornou-se translocal, por via destas redes que a atravessam e a ligam permanentemente ao exterior” (Cunha, 2015, p. 196).

No âmbito das prisões estadunidenses, Wacquant atenta para o complexo institucional constituído pelos remanescentes do gueto negro e pelo aparelho carcerário, “ao qual o gueto veio a se ligar por meio de uma estreita relação de simbiose estrutural e suplência funcional” (2007, pp. 332-333). Ao analisar gueto e prisão como espaços de confinamento, que isolam populações estigmatizadas, estes possuem padrões relacionais que devem ser perscrutados: “[…] eles constituem um continuum carcerário único, que encerra uma população redundante de jovens negros (e, cada vez mais, jovens negras), que circulam em circuito fechado entre seus dois polos” (Idem, p. 347, grifo do autor).

Com as devidas proporções, tal debate pode ser transposto para prisões francesas. Bony, tendo como base uma pesquisa na maison d’arrêt des Hauts-de-Seine7, se debruça sobre a existência de um continuum entre o cárcere e as zonas urbanas de onde provém a maioria dos detentos. Os nexos entre o dentro e o fora são tão evidentes que a designação da prisão como uma “cidade com grades” é mobilizada pelos reclusos quando estes buscam descrever as suas experiências carcerárias (Bony, 2015, pp. 275-276).

Ainda que sob outras perspectivas e distintos objetivos, outros estudos, em outros países, também apontam para os enredamentos entre zonas urbanas específicas e a prisão. Morelle (2015), ao discutir a construção política e social da população detida na prisão central de Yaoundé, capital camaronesa, realça os fios que unem essa prisão aos bairros populares. Waltorp e Jensen (2019), a partir de trabalho de campo em periferias da Cidade do Cabo, África do Sul, salientam como esses espaços estão atados, ainda que eles sejam descritos pelos residentes dessas áreas como pertencentes a mundos morais distintos. Tais autores mostram que a prisão é um elemento largamente difundido na vida dos moradores de áreas pobres e periféricas, configurando um circuito prisão-periferia.

Em solo brasileiro, Barbosa, ao explorar as ligações entre tráfico de drogas e sistema carcerário no Rio de Janeiro, lembra-nos dos perfis e territórios que são alvos dos aparatos repressivos. Com efeito, o autor já nos brinda com uma análise do sistema prisional toda tecida em termos de fluxos – fluxos que conectam as prisões às favelas, fluxos de enunciados e de pessoas. Desse prisma, “a cadeia se constitui na medida do seu atravessamento, daquilo que põe em movimento” (Barbosa, 2005, p. 317). Nesse sentido, só que em território paulista, Godoi, ao utilizar a noção de “vasos comunicantes”, que podem ser visitas familiares, assistência religiosa ou celulares, portanto, “toda forma, meio ou ocasião de contato entre o dentro e o fora da prisão” (2017, p. 77), revela como é através dessa complexa trama de relações que a máquina carcerária se viabiliza.

Tais estudos, entre outros – implícita ou explicitamente –, clarificam o fato de que as prisões se encontram conectadas a determinadas zonas urbanas, tais como periferias e favelas brasileiras, banlieues parisienses, guetos estadunidenses, townships sul-africanas ou mesmo bairros portugueses e camaroneses específicos. Indubitavelmente, e essa é só uma das potências críticas desses escritos, a conexão prisão-periferias nada tem a ver com o fato de que os residentes dessas zonas tenham maior propensão a cometer delitos, e, sim, com a mecânica seletiva do aparato policial e do sistema de justiça criminal.

Todavia, importa ressaltar que, por mais que essas análises sejam extremamente relevantes, parece-me pertinente marcar o ponto da diferença, já que o foco de tais autores repousa sobre um circuito que articula apenas prisão e bairros populares, prisão e gueto, prisão e periferias. Do ângulo aqui adotado – o arquipélago –, é necessário alargar esse argumento, até porque as prisões, destinadas às populações negras, pobres e periféricas, se conectam a uma multiplicidade de aparatos estatais, além de outras áreas urbanas como a Cracolândia. Ao invés de um circuito onde sobressaem dois pontos, trata-se de centenas de pontos espalhados pelo mapa, interconectados por linhas de força que os atravessam.

Se a adoção de outro plano para abordar a instituição prisional e, principalmente, a relação entre o dentro e o fora, parece-me frutífera, é porque possibilita deslocamentos analíticos e políticos. Ao tomar o cárcere a partir da vastidão do arquipélago, privilegiam-se os processos de produção e gestão daqueles considerados indesejáveis e perigosos, os mesmos que superlotam as prisões, mas que também passam por outros estabelecimentos, em relação aos quais nós “fingimos crer que se destinavam a evitar a prisão” (Foucault, 1987, p. 249). Da mesma maneira, esboça-se um ângulo promissor para flagrar os modos operatórios de aparatos que conjugam punição, repressão e controle; saúde, assistência e cuidado. Ademais, tecnologias, procedimentos e políticas, quando tomados desse ângulo, emergem em suas particularidades, sem que se percam as suas extensibilidades.

Já do ponto de vista das lutas anticarcerárias, o foco na instituição pode camuflar lógicas que a trespassam e que, portanto, estão aquém e além do universo institucional. Sim, a luta micropolítica no chão das instituições é fulcral, mas do ângulo do arquipélago não pode reduzir-se a essa perspectiva. É necessário que a luta transborde, fazendo rizoma com outros pontos de batalha, até porque não há luta contra a prisão que não passe pelos manicômios, pelos espaços de internação para adolescentes, pela descriminalização de todas as drogas, pela região da Cracolândia, pelas comunidades terapêuticas, pelo racismo e pela pobreza. Para pensarmos com Davis (2018), tendo em vista os planos local e global, o desafio consiste em criar um referencial que nos possibilite pensar e agir conjuntamente, sendo que o foco deve centrar-se nas conexões.

Ao enfatizar que as prisões fazem parte de um continuum de coerções, eu me aproximo de autores que também mobilizaram a imagem do arquipélago. Instalemo-nos, então, em suas linhas de pensamento para, posteriormente, traçar os contornos dos tempos que correm.

Outros tempos, outros lugares

Em O arquipélago Gulag, Soljenítsin, tendo como base o período entre 1945 e 1953, época na qual esteve confinado nos campos de trabalhos forçados da União Soviética, nos fornece algumas imagens sobre a imensidão do arquipélago.

Na verdade, o Arquipélago Gulag está espalhado pelo mesmo espaço que a União dos Sovietes, mas o número de habitantes é muito inferior. Quantos são eles exatamente no Arquipélago é impossível saber. Pode-se supor que nos campos se tenham encontrado ao mesmo tempo mais de doze milhões (uns iam para debaixo da terra, a Máquina trazia outros) (Soljenítsin, 2017, p. 202).

Em outra passagem, na qual o autor discorre somente sobre as prisões de trânsito – “os portos do arquipélago” –, que serviam de ponto de confinamento para a posterior distribuição da massa aos campos de trabalho, tal amplitude ganha ainda mais potência.

Desenhe uns grossos pontos negros em todas as cidades capitais de região, em todos os nós ferroviários, em todos os pontos de transbordo, onde terminam as vias férreas e começa um rio ou onde o rio inflete o curso e começa o carreiro a pé. O que é isto? Todo o mapa está coberto de moscas varejeiras? Pois isto é simplesmente o mapa imenso dos portos do Arquipélago (Idem, p. 185).

Como se observa, o arquipélago delineado pelo autor é feito de uma infinidade de ilhas que, longe de estarem separadas, só existem em conexão. Há os campos de trabalhos forçados, com os trânsitos por cima e para baixo da terra, os quais se espalham por todo o território soviético. Entrelaçados a eles estão os seus portos, as prisões de trânsito. Visto que o arquipélago tem seus portos, este também dispõe de suas naus de aço (os vagões de trem), que ligam um ponto ao outro, cortando o território transversalmente, e nos quais os presos seguem esmagados entre a fome e o frio, entre a sede e a superlotação.

Ressalta-se que os campos de trabalhos forçados e as prisões de trânsito conectam-se a uma multiplicidade de outros aparatos: prisões especiais e campos de trânsito, mas também órgãos de repressão judicial e extrajudicial, tribunais militares e departamentos administrativos. De ilha em ilha, o arquipélago emerge como uma ampla rede de coerção que se exerce sobre todo o corpo social, capturando e triturando milhares de vidas8.

É justamente a imensidão do arquipélago Gulag, ou, em outros termos, a dispersão e o recobrimento da sociedade por um tipo de sistema punitivo, que faz com que Foucault se aproprie dessa noção nas últimas páginas de Vigiar e punir, para ser mais preciso, no capítulo intitulado “O carcerário” (1987, pp. 243-254). Nele, o autor inicia suas análises meditando sobre Mettray, uma instituição que agrupa distintas tecnologias coercitivas do comportamento, conjugando traços do claustro, do colégio e da prisão. Ponto de chegada na formação de certa arte de punir, é uma prisão, mas não só. Confina jovens condenados pelos tribunais, mas, ao mesmo tempo, estudantes retidos em virtude da correção paterna. Como modelo punitivo, está no limiar da penalidade estrita. “Foi a mais famosa de toda uma série de instituições que bem além das fronteiras do direito penal constituíram o que se poderia chamar o arquipélago carcerário” (Foucault, 1987, p. 246).

Se na era clássica as fronteiras entre encarceramento e instituições de disciplina já eram nebulosas, estas tendem a desaparecer para formar um continuum carcerário, que difunde as técnicas penitenciárias até as disciplinas mais distantes. Delineia-se uma “rede carcerária sutil, graduada, com instituições compactas, mas também com procedimentos parcelados e difusos […]” (Idem, ibidem). Em síntese, é a diluição da forma prisão, o alargamento dos círculos carcerários para além da penalidade, sendo que é por meio do arquipélago que as técnicas penais se disseminam. E isso com diferentes efeitos, entre eles, certa continuidade entre instâncias de normalização “(dos órgãos de assistência para o orfanato, para a casa de correção, para a penitenciária, para o batalhão disciplinar, para a prisão; […]; da cidade operária, para o hospital, a prisão)” (Idem, p. 247).

No arquipélago carcerário, onde se destaca o jogo das interligações disciplinares, a prisão é somente uma peça. Ainda que ela ocupe posição central, não está sozinha, mas conectada a uma série de mecanismos, encarregados de tratar, curar e educar. Como nos lembra Foucault (2015, p. 72), trata-se de “identidade morfológica do sistema de poder”, ou seja, é o mesmo tipo de poder que se exerce, o que ele designa como poder disciplinar.

Hospitais, asilos, orfanatos, colégios, reformatórios, usinas, ateliês com sua disciplina e, finalmente, prisões, tudo isso faz parte de uma espécie de grande forma social do poder que foi estabelecido no início do século XIX, e que, sem dúvida, foi uma das condições do funcionamento da sociedade industrial, se o senhor quiser, capitalista (Foucault, 2015, pp. 64-65).

Com efeito, nota-se que o que estava no cerne dessa disseminação dos dispositivos disciplinares era a acumulação dos homens, isto é, paralelamente à acumulação do capital era necessário proceder à distribuição da força de trabalho, maximizando a utilização dos indivíduos. Acumulação das forças, bem como do tempo – do trabalho, da aprendizagem, da aquisição de saberes. No instante em que se desenvolve a economia capitalista, quando emerge a questão da acumulação do capital e dos homens, surgem as disciplinas.

Ora, dado que se tratava de ajustar a multiplicidade dos indivíduos aos aparelhos de produção, desenvolvendo as forças produtivas, reformar e curar constituíam objetivos estratégicos do programa disciplinar. Em Vigiar e punir (1987, p. 251), não é a bondade dos juízes “que os faz formular veredictos ‘terapêuticos’ e decidir por encarceramentos ‘readaptativos’”, mas a economia do poder disciplinar que eles exercitam. Já em O poder psiquiátrico (2006, p. 5), é a própria ordem disciplinar que é a condição da cura, ou seja, a “operação terapêutica, essa transformação a partir da qual alguém considerado doente deixa de ser doente, só pode ser realizada no interior dessa distribuição regrada do poder”. Se o hospital psiquiátrico deve curar, é tão somente como aparelho disciplinar.

Nos dias atuais, o desafio posto às instituições que conformam o arquipélago sobre o qual me debruço parece ser de outra ordem. No caso das prisões, mais do que disciplinar os indivíduos, buscando a correção de comportamentos e a produção de corpos úteis, seja por meio do emprego de técnicas psiquiátricas ou psicológicas, trata-se de gerir amplos contingentes populacionais marginalizados. Da mesma forma, no que tange aos hospitais de custódia – e essa reflexão pode ser estendida ao saber psiquiátrico –, já não se trata de curar, mas de reduzir a intensidade dos sintomas e a duração da crise; daí as formulações, estampadas nos laudos psiquiátricos de meus interlocutores, sobre existências que devem ser geridas quimicamente, logo, um cálculo sobre aquilo que deve ser administrado, e não curado. A patologia pode até ser regulada, mas a norma é a cronicidade (Ehrenberg, 2008). Muito além dos objetivos de tratamento e correção, os psicofármacos extrapolam os mecanismos disciplinares, espraiando-se no interior de prisões, manicômios e unidades de internação para adolescentes como um expediente necessário à gestão de populações, bem como de espaços precários e superlotados (Mallart, 2019).

Sem desconsiderar composições e refuncionalizações entre diferentes tecnologias de poder, que não se sucedem numa linearidade evolutiva (Foucault, 2008) – ou seja, a questão não é de substituição, mas de dominante, onde o que vai mudar é a correlação de forças entre essas tecnologias –, parece-me que, atualmente, o arquipélago pode ser pensado à luz das reflexões foucaultianas sobre a gestão governamental, em que um conjunto de instituições, técnicas e cálculos possibilitam exercer uma forma específica de poder, sendo a população o alvo. População que passa a ser compreendida não mais a partir da noção jurídico-política de sujeito, como no poder soberano, e nem mesmo como multiplicidade de corpos capazes de desempenho, como no poder disciplinar, mas como objeto técnico-político de gestão e de governo. Logicamente, o problema da gestão de populações não é específico dos dispositivos governamentais, afinal, vale recordar que para Foucault a prisão nunca foi apenas um aparelho disciplinar que fixa, quadricula, pune e individualiza os corpos, mas também o inevitável motel, operando a partir de comportas que se abrem e se fecham, que escarram e engolem, sendo que a sua força é a capilaridade que a alimenta e a esvazia (Foucault, 2015). Ainda assim, por mais que o problema da população, bem como da gestão das circulações, não se restrinja ao poder governamental, o ponto é que nesta morfologia do poder essas questões ganham maior relevância.

Para retomarmos as reflexões sobre o arquipélago carcerário, repensando-o à luz dos dias atuais, de modo um tanto esquemático, não mais se almeja – ao menos não com a mesma ênfase – a transformação dos indivíduos, seja através do trabalho, ou mesmo por meio de técnicas psicológicas, psiquiátricas e sociais. Ao invés de dobrar o sujeito, busca-se agir sobre o que ele é, calculando os riscos que representa, os quais jamais serão banidos, mas geridos. A finalidade do governo, mais do que centrada nas coisas a transformar, desloca-se para as coisas a dirigir – pessoas, bens, ar, luz, mercadorias etc. –, afinal, governar é governar as coisas, dispondo-as tendo em vista um fim. Ao passo que na sociedade disciplinar tratava-se de ajustar as multiplicidades aos aparelhos de produção, agora o ponto é a gestão da dispersão.

Em tempos de precarização não só do mundo do trabalho, mas de todas as esferas da vida, de responsabilização dos indivíduos, da autossuficiência como uma ideia moral, de empreendedorismo, em que cada um se converte em indivíduo-empresa, das políticas de guerra às drogas e guerra ao crime, e das lógicas de custo-eficiência (o custo do preso), o desafio central posto aos aparatos governamentais consiste em gerir populações. Trata-se de organizar a circulação (separando a boa da má), de dissolver as misturas perigosas, de produzir os fluxos desejáveis, de fazer circular, sem deixar de confinar.

Como vimos através dos fragmentos das linhas de vida de Joana, Luzia e César, mas também por meio das narrativas de meus interlocutores, se a questão da circulação, ou melhor, circulação-confinamento, é uma das dimensões constitutivas do arquipélago, há uma outra face, em que se nota uma espécie de reprodução flexível das formas de gerir determinadas populações e territórios. Não se trata de analogia entre instituições, mas de lógicas, enunciados, práticas e políticas que vão se atualizando em espaços diferenciais, o que não resulta em uniformidade, mas em ressonância, noção que articula variação e continuidade. Por um lado, circulação-confinamento; por outro, variação-continuidade.

Dupla expansão

Ao longo da introdução, ao mostrar a existência de linhas de vida que atravessam diversos aparatos institucionais e determinadas áreas urbanas, desembocando nas prisões e fluindo em direção aos manicômios judiciários, afirmei que esses traçados conformam um circuito singular, o que não significa que este não coexista com outros tantos. Se, por um lado, não parece viável enfatizar que todas as existências capturadas pelo arquipélago são submetidas às mesmas condições, formando um único circuito, por outro, vale realçar que há milhões de vidas que tocam o mesmo registro9.

Ao demonstrar que o desafio proposto a uma multiplicidade de aparelhos estatais consiste em administrar populações, sabe-se bem quais são as populações – e os territórios – que se trata de gerir. Populações expostas à precariedade, ou melhor, à “distribuição diferencial da condição precária” (Butler, 2018, p. 41). Submetidas distintivamente à pobreza, à fome, às remoções, às violências do Estado e à morte, sendo que todos os esforços políticos para geri-las repousam na distribuição tática dessa condição precária. No âmbito do arquipélago, e esse é o ponto, coexistem diferentes estratos de precariedade.

No que concerne aos aparatos punitivos, não constitui nenhuma novidade o perfil das populações que figuram como o alvo preferencial. Inclusive, vimos como as prisões, em diferentes países, absorvem os residentes das periferias urbanas. Entretanto, como se nota através dos fragmentos de vida delineados, essas mesmas populações (e territórios) constituem o cerne das ações desenvolvidas por aparelhos – e concebidas pelas políticas – de saúde e assistência social. Tomemos como mote para a discussão, ainda que de forma sintética, questões referentes à expansão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Vale dizer que não se trata de reconstruir as lutas que resultaram na construção do SUS (e na sua promulgação na Constituinte de 1988), o que nos remeteria, por exemplo, à importância do movimento sanitário em suas articulações com outros movimentos nas décadas de 1960, 1970 e 1980 (Campos, 2007). De fato, a emergência do SUS, juntamente com outros dispositivos que almejavam a ampliação e a defesa de direitos, se dá em meio ao processo de redemocratização do país, orientado pela gramática dos direitos humanos. Não é à toa que os princípios basilares do novo sistema são a equidade, a integralidade e a universalidade, o que evidencia a correlação com o repertório dos direitos.

Na medida em que busco atalhos para avançar com o pensamento, concentro-me na noção de universalidade; em outras palavras, na concepção de que a saúde é um direito universal, e que, sendo assim, é preciso expandir serviços e equipamentos públicos. Essa formulação – e, de certo modo, o próprio SUS, como observa Martinez – foi sendo gestada no coração de debates entre diferentes instâncias, as quais propunham projetos sanitários divergentes. De um lado, atores vinculados ao movimento sanitário (projeto da reforma sanitária), calcado na noção universalista da saúde; de outro, as ligações entre “políticos, empresários ligados às corporações médicas e seguradoras e, insuspeitamente, sindicatos, que esboçavam um projeto privatista para a saúde” (Martinez, 2016, p. 53). Embates, portanto, entre setores que lutavam por uma política universalizante, pautada, entre outros traços, na medicina comunitária e na atenção primária à saúde, e aqueles que representavam o ideário liberal-privatista (Campos, 2007).

É a composição entre esses projetos concorrentes, ou seja, a conjugação entre a privatização e a expansão da saúde pública – um híbrido entre duas tradições (Idem) –, que culminou na configuração do SUS, em que a pretensão da assistência universal parece não ter se realizado empiricamente, uma vez que o público majoritário atendido é formado por populações consideradas como de maior vulnerabilidade e risco, delineando assim, uma “universalidade excludente” (Martinez, 2016, p. 58).

Ressalta-se que a implantação de uma política de caráter universal, ainda que esta seja revestida de particularidades, produziu a explosão da maquinaria estatal, simbolizada por intervenções, sobretudo em territórios específicos, cada vez mais capilares. Ademais, simultaneamente ao espraiamento dos equipamentos, ocorrem transformações na própria concepção da noção de saúde, não mais centrada apenas como oposição à doença, mas compreendida como uma esfera articulada com outros domínios da vida social. A partir daí, “uma nova superfície de atuação abre-se para o poder público, e uma outra dimensão política da saúde passa a ser levada em conta” (Idem, p. 56).

Nessa chave, indivíduos, famílias e suas comunidades passam a ser considerados em seu meio de existência, o que, não necessariamente, é uma novidade em matéria de políticas sanitárias. Foucault (2007) já mostrara que a medicina moderna é uma medicina social que, apenas em parte, foca nas relações médico-doente. Seja no exemplo francês de fins do século XVIII, em que a medicina surge conectada aos problemas da organização urbana, com os seus métodos de vigilância e hospitalização, seja no caso do modelo inglês do final do século XIX, no qual no centro estão pobres e trabalhadores, submetidos não a cuidados, mas ao controle, o alvo dessas intervenções é o espaço social.

Se atentarmos para alguns traços das políticas sanitárias contemporâneas, reflexão que pode ser estendida aos aparatos assistenciais, vê-se que os modelos acima não deixam de ressoar nos dias de hoje, sobretudo quando se observa que serviços sociais e sanitários entram nos domicílios, intervêm no círculo familiar, julgam o método educativo dos pais, mapeiam locais vulneráveis nas comunidades (Martinez, 2016), efetuam a busca ativa, realizam visitas domiciliares sem aviso prévio, descrevem se as casas são limpas ou sujas, fiscalizam panelas e geladeiras (Quadros, 2018).

Ainda assim, não se deve atribuir um caráter somente repressivo a esses serviços. Primeiramente, porque isso seria ignorar a variedade de lutas e camadas que os compõem. Ademais, há que se considerar a existência de trabalhadores que, do interior da malha na qual estão inseridos, combatem contra as dinâmicas de tais equipamentos, não só relativas à precarização das condições de trabalho, mas também ao controle exercido sobre aqueles que os frequentam. Também não me parece plausível desconsiderar o acesso a formas de tratamento e programas gratuitos (HIV/Aids, tuberculose etc.), condições indispensáveis à manutenção de milhares de vidas (Campos, 2007). Outro ponto sobre o qual não se pode fechar os olhos é a crescente ingerência do sistema judiciário em relação à rede de serviços. Como já vimos, os Caps operam como extensões dos HCTPs em virtude de certa captura da saúde pelo jurídico, já que o encaminhamento se dá por meio de determinação judicial, a ser cumprida por ex-internos e pelos profissionais. Do mesmo modo, juízes e promotores requerem a realização de visitas domiciliares a assistentes sociais, conferindo caráter fiscalizatório a um instrumento que não lhes cabe mobilizar (Quadros, 2018).

No contexto da expansão de tais políticas, revela-se a existência de um campo de tensões, materializado na coincidência entre processos e práticas que cuidam e controlam, que visam a expandir os direitos, mas que, na mesma velocidade, reprimem e cerceiam. Processos que expandem a vida extensivamente (novas drogas, políticas antitabaco e biotecnologias), mas que também servem à regulação, expressando-se “na ‘inclusão-exclusiva’ no acesso às tecnologias e inovações terapêuticas, na medicalização de questões sociais, no registro e controle de modos de vida da população na direção de uma nova modalidade de polícia médica” (Neves e Massaro, 2009, p. 511).

Em outro registro, Wacquant (2007), ao refletir sobre mudanças que varreram os Estados Unidos nas últimas décadas do século XX, já mostrara que, em relação ao bem-estar social, não se tratava só de desmantelá-lo, mas de reconfigurar os serviços, fazendo-os operar como instrumentos de controle da pobreza.

Para além do caráter disciplinador conferido aos serviços sociais, o autor – e essa me parece uma das teses centrais do trabalho – reflete sobre as transformações e relações entre políticas sociais e penais, de modo a demonstrar que determinadas populações são submetidas a uma dupla regulação, que articula setores assistenciais e penitenciários do Estado. Porém, tais setores não possuem o mesmo estatuto, já que as articulações entre o penal e o social ocorrem através do que se poderia chamar do paradigma da expansão-redução, ou seja, a expansão da população carcerária – que em 25 anos ultrapassou 2 milhões de pessoas – deve ser entendida em conexão à redução do bem-estar social.

Sem desconsiderar as relevantes formulações de Wacquant, é preciso estabelecer algumas nuances em relação ao que aconteceu do lado de cá do istmo centro-americano. Em primeiro lugar, não se devem transpor nos mesmos termos as questões construídas pelo autor, já que é inviável pensar sobre a redução de algo que nunca existiu por aqui, a saber, um Estado de Bem-Estar Social. Em segundo lugar, a expansão das políticas e aparatos penais não ocorreu em meio à redução das políticas sociais (no caso, de assistência social e saúde). Ao contrário, ambos os vetores (o penal e o social), a partir de 1990, sobretudo depois da virada dos anos 2000, conformam uma dupla expansão, afirmação que pode ser vislumbrada através da mobilização de alguns poucos dados.

Em relação ao sistema carcerário paulista as cifras já são por demais conhecidas, bastando mencionar que nos últimos 25 anos o número de presos quadruplicou, chegando à casa das 235.775 pessoas encarceradas, um crescimento de 328,5%. No mesmo período, o número de unidades saltou de 43 para as atuais 17510. Já no território nacional, em junho de 2016, a população presa chegou a 726.712 indivíduos, um aumento da ordem de 707% em relação ao que fora registrado no início dos anos 1990 (Infopen, 2017).

No que toca às cadeias socioeducativas, o aumento de unidades de internação em São Paulo, incluindo as que em uma mesma construção possuem espaços de internação, internação provisória, atendimento inicial e sanção, é expressivo. Dados disponibilizados pela Fundação Casa, por meio da lei de acesso à informação (n. 12.527/2001), mostram que, se em 2005 havia 59 unidades, em 2018, os internos já estavam distribuídos em 106. Em âmbito nacional, o número de jovens em unidades de restrição e privação de liberdade salta de 4.245, em 1996, para 25.929 adolescentes em 2016 (Brasil, 2018).

Se voltarmos os olhares para a assistência social, em especial aos Cras e aos Creas, também se observa a proliferação de aparatos. Conforme dados do Censo Suas 2016, a quantidade de Cras, contabilizando todos os estados da federação, praticamente dobrou entre 2007 e 2016, passando de 4.195 unidades para 8.240 (Brasil, 2016). Já em São Paulo, por mais que os dados obtidos através da lei de acesso à informação sejam restritos, delineia-se a curva ascendente: em 2014, o estado tinha 1008 unidades; em 2018, 1124. No que se refere aos Creas, dados do mesmo censo mostram que, no ano de 2009, havia 1200 unidades pelo país, ao passo que em 2016 se atingia a marca de 2521, mais do que o dobro em um período inferior a dez anos (Brasil, 2016). Em relação ao estado de São Paulo, se em 2018 havia 283 Creas, em 2014 o número era de 240. Considerando-se despesas da União, que incluem serviços, programas e benefícios, constata-se a explosão dos investimentos. Se, em 2002, o montante investido foi de R$ 12,2 bilhões, em 2014, foram R$ 68,5 bilhões, crescimento de 431,1%, valores que superam os gastos de estados e da União com segurança pública, que, no mesmo ano, despenderam R$ 68,2 bilhões11.

No que se refere às políticas de saúde, se atentarmos para os Caps, que, ademais, são equipamentos centrais para as reflexões propostas, confirma-se que desde o final dos anos 1990 esses aparatos se multiplicaram pelo território nacional. Se em 1998 existiam 148 unidades, em 2008 tal número chegava a 1326 Caps, subindo progressivamente até atingir a marca dos 2209 em 2014 (Brasil, 2015). Em São Paulo, constata-se semelhante tendência de crescimento. Ao passo que em dezembro de 2008 havia 254 unidades, em dezembro de 2018 eram 529. Ao centrarmos o foco no total de equipamentos de saúde, o mesmo traço se faz presente. Em todo o município, passa-se de 4.425 estabelecimentos, em dezembro de 2005, para 20.662 no fim de 2018. Por sua vez, no estado, e considerando o mesmo período, salta-se de 21.512 instalações para 79.77112.

Longe de esgotar a discussão, o ponto a reter é que, diferentemente das análises de Wacquant, que afirma que a expansão do encarceramento deve ser pensada em relação à redução dos gastos sociais, por aqui não foi bem assim que as coisas se passaram. Fosse para estabelecer as relações entre o penal e o social, o paradigma que mais nos conviria não é o da expansão-redução, mas da expansão-expansão, lembrando que a proliferação de equipamentos, programas e projetos, não necessariamente, significa a consolidação de direitos. No exato momento em que as políticas penitenciárias se alastravam, as políticas sociais seguiam semelhante tendência de crescimento. Ampliação de prisões para adultos e adolescentes, e multiplicação dos investimentos em segurança pública, mas, ao mesmo tempo, proliferação de aparatos assistenciais e de saúde, crescimento dos investimentos e criação de programas e políticas para os pobres, necessitados de cuidados, mas também de gestão e controle. Se essas esferas se misturam, não é apenas porque se difundiram ao mesmo tempo, mas em virtude de lógicas que as penetram, de capturas que se processam (os Caps como regime aberto dos manicômios por determinações judiciais), de práticas e dispositivos de assistência e saúde que se reordenam e se capilarizam, sem que se percam, do ângulo de suas operações cotidianas, determinadas funções de controle13.

Para finalizar, mais do que seguir insistindo nas conexões entre punição, repressão e controle, saúde, assistência e cuidado, que, ademais, são genealogicamente profundas, lanço algumas pistas, ainda preliminares, sobre as possíveis forças que fizeram com que o arquipélago se alastrasse e ganhasse corpo.

Como vimos, a emergência do SUS ocorreu em meio à transição democrática. Ao conceber a saúde como um direito universal – não à toa um dos princípios basilares do novo sistema, e também da assistência social, é a universalidade –, colocou-se em prática o processo de expansão e capilarização de serviços, ainda que tal universalização tenha significado a inclusão de uma classe empobrecida nesses aparatos. Desse modo, na base dessa expansão estão os projetos e enunciados democrático-humanistas. Por sua vez, no campo das políticas penitenciárias, Marques (2018) mostrou como, em São Paulo, a expansão da segurança pública teve como alicerces razões democráticas e humanistas. Seja durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), com suas propostas de reforma e humanização das prisões (período de duplicação das vagas prisionais, de apoio à prisão temporária e outros investimentos no sistema penal), seja após o massacre do Carandiru, quando uma frente de defesa dos direitos humanos recomendou aos governos paulista e federal a ampliação do sistema penitenciário, o que o autor nos mostra é que a expansão carcerária se deu pelos mais sinceros esforços humanistas.

Se essas questões importam – não se deve olvidar que as batalhas são travadas em épocas e contextos específicos, e o que fez sentido em determinado período pode não fazer em outro –, não é somente porque elas fornecem pistas acerca das engrenagens que fomentaram a expansão do arquipélago, tanto em sua face punitiva quanto assistencial, mas, acima de tudo, porque nos fazem pensar sobre os efeitos, por vezes inesperados, das lutas. Sob o risco de continuar expandindo, sempre em ritmo de urgência, essa malha que captura populações e territórios negros, pobres e periféricos, é preciso parar e respirar.

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  • 1
    . Dados retirados do site da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo. Disponíveis em http://www.sap.sp.gov.br, consultados em 5 nov. 2019.
  • 2
    . Também chamados de manicômios judiciários, os hospitais de custódia abrigam internos que cumprem medida de segurança, aplicada aos considerados inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, que no momento em que praticaram um ato previsto pela legislação criminal não se encontravam em condições de entender a ilicitude do ato praticado. Para constatar a inimputabilidade durante o processo, procede-se à instauração do incidente de insanidade mental, que resulta em perícia psiquiátrica.
  • 3
    . Para uma discussão mais detalhada sobre a noção de linha de vida, ver Mallart (2019).
  • 4
    . Indicam-se entre aspas as falas e categorias mobilizadas por meus interlocutores. Todos os nomes próprios citados ao longo do texto são fictícios.
  • 5
  • 6
    . No caso de Goffman, vale dizer que a realidade extramuros conformaria uma espécie de presença paralela, em outros termos, “uma presença na ausência” (Cunha, 2015, p. 189, grifo da autora).
  • 7
    . As maisons d’arrêt são destinadas à prisão provisória e ao cumprimento de penas de curta duração.
  • 8
    . Desde logo, é preciso suspender certo localismo que caracteriza a nossa concepção de ilha. Na imensidão do arquipélago, nenhuma ilha se encontra isolada. Para uma discussão desse ponto, ver Mallart (2019).
  • 9
    . Uma coisa é a história de Joana, com os braços retalhados, as internações na Fundação Casa e os diversos confinamentos – seja em prisões, hospitais psiquiátricos ou manicômios judiciários. Outra história é a da senhora que todos os finais de semana comparece à porta da Penitenciária Masculina de Junqueirópolis para visitar o companheiro. De suas narrativas, também emerge uma linha que atravessa pavilhões de diferentes unidades prisionais, porém enquanto visitante. De seu corpo também surgem marcas, decorrentes das pontas de cigarro acesas, dos espancamentos e estrangulamentos, todas provocadas pelo ex-marido. Os movimentos entre o dentro e o fora dos muros também se ligam aos aparatos de saúde, às consultas psiquiátricas e aos psicofármacos, em alguns momentos resultando na ingestão de dez pílulas diárias. Se, por um lado, essas vidas não permitem mera equiparação, por outro, é evidente que se tocam.
  • 10
  • 11
  • 12
    . Dados do estado e do município foram obtidos pelo TabNet, ferramenta virtual do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), que possibilita o acesso às bases de dados e dos sistemas de informações do SUS. Desenvolvida pelo Datasus, a ferramenta permite a realização de tabulações cruzando-se variáveis. Disponível em http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02, consultado em 29 jan. 2019.
  • 13
    . Em relação aos aparatos sociais, é importante notar que a expansão é sempre precária, o que se manifesta não só nas estruturas físicas, mas também nas condições de trabalho daqueles que exercem suas atividades. Ademais, é justamente essa precariedade que serve de argumento para aqueles que, posteriormente, lutam em favor da dissolução. Sobre a expansão dos serviços sociais, vale lembrar que nos últimos dias de 2016 foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que institui um novo regime fiscal no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social da União, congelando os gastos do Governo pelos próximos vinte anos. Por mais que o período a que se referem essas reflexões seja anterior à Emenda, é possível dizer que, sobretudo após a eleição do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o cenário já é outro, com cortes de toda a ordem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2019
  • Aceito
    31 Ago 2019
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