Resumo
Objetivo: Caracterizar os aspectos clínicos, gravidade e mortalidade de pacientes com sepse atendidos em setor de urgência e emergência de um hospital terciário, relacionando-os aos serviços de saúde de origem, onde foi feito o atendimento inicial.
Métodos: Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, realizado com pacientes sépticos atendidos em setor de urgência e emergência de um hospital universitário terciário.
Resultados: Dos 225 pacientes elegíveis, 115 (51,1%) foram admitidos com sepse, e destes, 63,5% foram encaminhados de outros serviços. Entre os pacientes procedentes de outros serviços o desenvolvimento do choque séptico e necessidade de ventilação mecânica foi significativamente mais frequente. Os pacientes admitidos no hospital do estudo por sepse tiveram maior aderência ao pacote de 3 horas da Surviving Sepsis Campaining-2016. Não houve diferença entre a mortalidade dos admitidos por sepse ou aqueles que desenvolveram sepse no hospital do estudo, entretanto, evoluíram a óbito 60,4% dos pacientes, destes, 63,2% procedentes de outros serviços.
Conclusão: Mais da metade dos pacientes admitidos por sepse provém de outros serviços de saúde. Estes apresentaram maior grau de gravidade e requereram mais intervenções terapêuticas. Entretanto, não houve diferença nas taxas de mortalidade.
Descritores Sepse; Protocolos; Serviços de saúde; Serviço hospitalar de emergência; Mortalidade
Resumen
Objetivo: Caracterizar los aspectos clínicos, gravedad y mortalidad de pacientes con sepsis atendidos en sector de urgencia y emergencia de un hospital terciario, relacionándolos con los servicios de salud de origen, donde se realizó la atención inicial.
Métodos: Se trata de un estudio transversal, cuantitativo, realizado con pacientes sépticos atendidos en sector de urgencia y emergencia de un hospital universitario terciario.
Resultados: De los 225 pacientes elegibles, 115 (51,1%) fueron admitidos con sepsis, y de éstos, el 63,5% fueron encaminados de otros servicios. Entre los pacientes procedentes de otros servicios el desarrollo del shock séptico y la necesidad de ventilación mecánica fue significativamente más frecuente. Los pacientes admitidos en el hospital del estudio por sepsis tuvieron mayor adherencia al paquete de 3 horas de la Surviving Sepsis Campaining-2016. No hubo diferencia entre la mortalidad de los admitidos por sepsis o aquellos que desarrollaron sepsis en el hospital del estudio, sin embargo, evolucionaron a muerte el 60,4% de los pacientes, de éstos, el 63,2% procedentes de otros servicios.
Conclusión: Más de la mitad de los pacientes admitidos por sepsis provienen de otros servicios de salud. Estos presentaron mayor grado de gravedad y requirieron más intervenciones terapéuticas. Sin embargo, no hubo diferencia en las tasas de mortalidad.
Descriptores Sepsis; Protocolos; Servicios de salud; Servicio de urgencia en hospital; Mortalidad
Abstract
Objective: To characterize the clinical aspects, severity and mortality of sepsis patients treated in the urgency and emergency departments of a tertiary hospital, relating them to the health services of origin, where initial care was performed.
Methods: Cross-sectional, quantitative study with sepsis patients, treated in the urgency and emergency departments of a tertiary university hospital.
Results: Of the 225 eligible patients, 115 (51.1%) were hospitalized with sepsis; of these, 63.5% were referred from other services. Among patients from other services, the development of septic shock and the need for mechanical ventilation was significantly more frequent. Patients admitted to the sepsis study hospital had greater adherence to the 3-hour package of the Surviving Sepsis Campaining-2016. There was no difference between the mortality of those admitted for having sepsis and those who developed sepsis in the study hospital. However, 60.4% of the patients died, 63.2% of whom came from other services.
Conclusion: More than half of the patients hospitalized with sepsis come from other health services. they presented a greater degree of severity and required more therapeutic interventions. However, there was no difference in mortality rates.
Keywords Sepsis; Protocols; Health services; Emergency service; hospital; Mortality
Introdução
A sepse é definida pela presença de uma disfunção orgânica potencialmente fatal, causada por resposta desregulada do hospedeiro a um processo infeccioso, que pode evoluir para choque séptico.(1) Essa doença impacta mundialmente na saúde humana e acarreta cerca de 6 milhões de mortes ao ano.(2) Além de ser a principal causa de mortalidade nos hospitais,(2) atinge gastos de 23.7 bilhões de dólares ao ano destinados a seu tratamento em hospitais americanos.(3)
No Brasil, dados do Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), referentes aos anos de 2005 a 2016, apontaram que 52.045 pacientes foram diagnosticados com sepse ou choque séptico nos hospitais cadastrados. Quanto a letalidade da sepse, tal relatório mostrou que a mortalidade global atingiu 44,8% dos pacientes hospitalizados em instituições públicas. Entre os 2.758 pacientes admitidos com sepse, procedentes de outros serviços, 33% evoluíram a óbito, e esta proporção sobe para 53,2% em hospitais públicos.(4)
O reconhecimento e o diagnóstico precoce, acompanhado do tratamento efetivo, estão relacionados de forma direta ao prognóstico do paciente. Após o diagnóstico da sepse as condutas de tratamento são prioritárias, e devem ser instituídas logo após identificação e direcionadas pelas metas recomendadas pela Surviving Sepsis Campaign (SSC).(5)
Os estudos sobre sepse se concentram em serviços terciários, de alta complexidade, com destaque para as unidades de terapia intensiva. Entretanto, seu tratamento permeia os três níveis de atenção à saúde, organizados para atender os diferentes níveis de complexidade, classificados em primário, secundário e terciário de acordo com a densidade tecnológica singular.(6)
O atendimento ao paciente séptico é efetivo quando existe a disponibilidade de equipe e recursos destinados ao tratamento de indivíduos em situações graves. A presença de profissionais intensivistas e emergencistas em serviços de menor complexidade é escassa. Além disso, os antimicrobianos de amplo espectro e terapias substitutivas, nem sempre estão disponíveis nos níveis primário e secundário de atenção à saúde.(7) Neste sentido existe a necessidade de estudos que explorem o tratamento em instituições de menor complexidade até o encaminhamento aos serviços de saúde mais complexos para promover a sobrevida desses pacientes.
Considerando as fragilidades dos serviços de menor complexidade e a demanda pelo atendimento aos pacientes sépticos nessas instituições, o objetivo deste estudo foi caracterizar os aspectos clínicos, gravidade e mortalidade de pacientes com sepse, atendidos em um setor de urgência e emergência de um hospital terciário, relacionando-os aos serviços de saúde de origem, onde foi feito o atendimento inicial e comparando-os aos pacientes diagnosticados e tratados no hospital do estudo.
Métodos
Delineamento
Trata-se de um estudo transversal, de abordagem quantitativa, realizado no município de Londrina-PR entre agosto de 2013 a outubro de 2015.
Local
O Hospital Universitário de Londrina é um órgão suplementar da Universidade Estadual de Londrina (HU-UEL), entidade sem fins lucrativos, que se dedica ao ensino, pesquisa e extensão de serviços à comunidade, pela prestação de atendimento universal. É um hospital terciário, composto por 303 leitos distribuídos entre unidades de internação, pronto socorro e unidade de terapia intensiva (UTI). Centro de referência em alta complexidade para o Sistema Único de Saúde (SUS) na região norte do estado do Paraná, Brasil, o setor de Urgência e Emergência atende pacientes de cerca de 250 municípios do Paraná e de mais de 100 cidades de outros estados, população estimada em 825.000 habitantes. A 17ᵃ regional de saúde de Londrina, abrange 21 municípios e conta com 140 serviços de nível primário, 31 secundários e 5 terciários.
Amostra
Amostragem não-probabilística por conveniência, obtida por meio da captação dos 225 pacientes imediatamente disponíveis após admissão com diagnóstico de sepse ou diagnosticados no atendimento do setor de urgência e emergência. Foram incluídos pacientes com idade igual ou superior a 14 anos e excluídos os pacientes em cuidados paliativos, sem possibilidade terapêutica.
Variáveis e coleta de dados
A variável sepse foi definida por meio dos elementos vigentes no momento do estudo: história sugestiva de quadro infeccioso atual e sinal ou sintoma de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS). O quadro de sepse associado a uma disfunção orgânica caracterizado como sepse grave,(8) foi descrito neste trabalho como sepse considerando as atualização nos critérios diagnósticos.
A caracterização dos pacientes contemplou as variáveis clínico-epidemiológicas e demográficas: idade; sexo; procedência e encaminhamento; escore SOFA (Sequential Organ Failure Assessment); sinais definidores de choque séptico;(8) período de hospitalização e desfecho clínico.
Quanto à terapêutica da sepse, considerou as recomendações da SSC-2016(9) vigente no período do estudo, para o atendimento das primeiras 3 horas a partir do diagnóstico. Para os pacientes admitidos por sepse, as três horas iniciais da sepse foram contadas considerando a admissão o tempo zero. Não foi possível avaliar o tratamento dentro da primeira hora do diagnóstico de sepse, atualmente recomendados pela SSC,(5) considerando que o mesmo foi recomendado após término da atual pesquisa.
A origem dos pacientes foi subdividida entre serviço primário, composto por unidades básicas de saúde (UBS) e secundário, ambulatórios e unidades de pronto-atendimento (UPA), considerando que nestes serviços do município de cenário do estudo, os pacientes permanecem por tempo limitado e tendem a não ultrapassar 24 horas. Os hospitais foram subdivididos de acordo com seu grau de complexidade em serviços secundários e terciários.
Os dados foram coletados em instrumento de auditoria dos casos de sepse atendidos no setor de urgência e emergência do HU-UEL, a partir das fichas de atendimento do protocolo gerenciado de sepse e dos prontuários dos pacientes. Os dados da procedência foram extraídos dos documentos de encaminhamento, referenciamento e Relatório de Atendimento do Socorrista (RAS).
Análise estatística
A análise descritiva foi realizada por meio da distribuição de frequências de variáveis categóricas e, para variáveis contínuas, foram obtidas medidas de tendência central (média e mediana), de dispersão (desvio padrão - DP) e intervalo interquartílico. O teste t de Student, ou equivalente não paramétrico (Mann-Whitney) quando com distribuição não gaussiana, foi usado para a comparação das variáveis contínuas. Para comparar variáveis categóricas foi aplicado teste de Qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher, quando indicado. Os dados foram analisados utilizando o programa Epi Info™ versão 7.2.2.6 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, USA). Para todas as análises foi considerado o nível de significância estatística de p<0,05.
Aspectos éticos
Este estudo está vinculado ao projeto “Adequação e Implantação de um protocolo Assistencial Gerenciado de Tratamento de Pacientes com Sepse em um Hospital Universitário”, autorizado pela instituição do estudo e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 38733014.9.0000.5231, parecer n° 884.268.
Resultados
A amostra do estudo foi composta por 225 pacientes, admitidos com sepse ou que desenvolveram essa complicação no setor de urgência e emergência da instituição do estudo, conforme distribuição apresentada na figura 1.
Distribuição da amostra do estudo quanto a condição de admissão relacionada à sepse, procedência e serviços de origem dos pacientes sépticos
A amostra teve predomínio de indivíduos com 60 anos ou mais (64,9%), média de idade de 63,8 anos (DP 18,7), variando de 14 a 98 anos. Não houve diferença dessa variável entre as categorias de pacientes admitidos com sepse ou que desenvolveram esta complicação no hospital do estudo. Em relação ao intervalo de tempo entre admissão e identificação da sepse, observou-se que 51,1% foram admitidos por sepse, e 48,9% tiveram a sepse identificada após admissão do setor correspondente, mais frequentemente após 6 horas de hospitalização, conforme distribuição apresentada na figura 2.
Distribuição dos pacientes sépticos atendidos no setor de urgência e emergência quanto ao momento do diagnóstico de sepse
O foco infeccioso mais frequente na sepse foi a pneumonia (77,8%), seguida pela infecção do trato urinário (11,1%), infecção de ferida operatória (1,2%), osteomielite (1,6%), infecção cutânea (0,8%), infecção abdominal (0,8%), pericardite (0,8%), meningite (0,8%), cisto sebáceo infectado (0,8%), encefalite (0,7%) e foco sem definição (3,6%). A pneumonia também prevaleceu entre as categorias de pacientes procedentes de serviços de saúde (90,4%), do domicílio (71,4%) ou entre aqueles que identificaram sepse na instituição do estudo (71,8%).
Quanto a análise estatística, este estudo demonstrou que ser admitido com sepse acarretou maior ocorrência de choque séptico (63,7%; p=0,003) e necessidade de ventilação mecânica (57,3%; p=0,020). Em relação à gravidade dos pacientes estudados, os escores de gravidade SOFA e APACHE II tiveram mediana de 7 e 25, respectivamente, e foram maiores (p<0,05) entre os pacientes admitidos por sepse (mediana 9 e 27).
Entre os egressos de outros serviços, 37,0% possuíam relatório completo, contemplando informações diagnósticas, de triagem e terapêuticas, elaborado pelo serviço de referência e encaminhado para o hospital do estudo. Entretanto, 63,0% apresentavam apenas informações parciais no relatório de encaminhamento. Dentre os relatórios analisados, 47,9% apresentaram dois ou mais critérios de SIRS, totalizando 81 alterações relatadas. Destas, a taquicardia foi a mais frequente (30,9%), seguida pela taquipneia (28,4%), leucocitose (22,2%), hipertermia (16,0%) e hipotermia (2,5%).
Disfunções orgânicas foram relatadas pelos serviços de origem em 82,2% dos casos, sendo que a maioria destes (88,3%) apresentaram duas ou mais disfunções orgânicas decorrentes da sepse. A mais frequente foi o rebaixamento do nível de consciência (30,7%), seguida pela recente ou aumentada necessidade de oxigênio para manter a saturação de oxigênio acima de 90% (30,1%), plaquetas abaixo de 100.000 (15,7%), creatinina acima de 2,0mg/dL ou diurese menor que 0,5ml/kg/h nas últimas duas horas (9,8%), pressão arterial sistólica menor que 90mmHg ou pressão arterial média menor 65mmHg (7,2%), queda da pressão arterial acima de 40mmHg (4,6%) e relação normatizada internacional acima de 1,5 ou tempo de tromboplastina parcialmente ativa acima de 60 segundos (0,7%).
Ainda com relação aos pacientes encaminhados de serviços de saúde, 87,7% possuíam relatos das instituições de origem quanto às condutas terapêuticas, e desses, 51,6% receberam antimicrobianos, totalizando 49 antimicrobianos administrados, considerando que alguns pacientes receberam mais de uma classe antimicrobiana. Os mais frequentes foram ceftriaxona (32,8%), seguido por azitromicina (10,2%), ciprofloxacino (10,2%), piperacilina/tazobactam (10,2%), cefepime (8,2%), clindamicina (6,1%), vancomicina (6,1%) e outros (16,2%).
Quanto aos pacientes procedentes do domicílio, 30,9% utilizaram meios próprios. Entre os transportados por serviços móveis de urgências (69,0%), 44,8% apresentaram critérios de SIRS relatados na triagem no atendimento pré-hospitalar. Das 32 alterações, as mais frequentes foram taquicardia (37,5%) e taquipneia (37,5%), seguida pela hipertermia (21,9%) e hipotermia (3,1%). A respeito das disfunções orgânicas, foram detectadas alterações na pressão arterial em 20,6% dos casos, rebaixamento do nível de consciência em 51,7% e disfunção respiratória com necessidade de suporte ventilatório em 58,6% dos casos.
Em relação às condutas terapêuticas para sepse, realizadas no hospital do estudo, com exceção a terapêutica antimicrobiana, os pacientes admitidos por sepse tiveram maior aderência ao pacote de 3 horas da SSC-2016, quando comparados aqueles que desenvolveram sepse no hospital do estudo, considerando que o tempo zero foi o horário de admissão para os pacientes admitidos por sepse (Tabela 1).
Distribuição dos pacientes sépticos quanto à aderência ao pacote de tratamento nas primeiras 3 horas (SSC-2016) no setor de urgência e emergência
Não houve diferença entre a mortalidade dos admitidos por sepse ou aqueles que desenvolveram sepse no hospital do estudo, entretanto, do total de óbitos (60,4%), 63,2% tiveram como origem os serviços de saúde, com predomínio de 90,7% dos egressos dos níveis secundários.
Discussão
Os resultados deste estudo mostraram que existe uma importante demanda de pacientes sépticos encaminhados aos serviços de urgência e emergência de hospitais terciários, especialmente por serviços secundários e primários, e que requerem uso de transporte de urgência complexo, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Embora as pesquisas não citem a sepse como uma das principais causas de admissão no pronto-socorro, os problemas respiratórios, que incluem as infecções, são o principal foco da sepse, e estão entre as primeiras colocadas nas admissões em setores emergenciais brasileiros.(10)
A procura direta por sepse também foi expressiva. Este movimento pode indicar dificuldades em acessar os serviços de baixa complexidade para tratamento de infecções, prévias ao estado de sepse. A literatura aponta dificuldades relacionadas ao processo estrutural, operacional e relacional, que implicam no acesso ao nível primário.(11) Além de dificuldades no nível secundário que também resultam em restrição de acesso a esse serviço.(12)
A pneumonia foi o foco infeccioso mais frequente na amostra do estudo, considerando que esta infecção representou a maioria entre os pacientes admitidos em sepse de outros serviços ou do domicílio, assim como entre os que desenvolveram sepse na instituição do estudo. O sítio respiratório é comumente acometido por processos infecciosos, justificando a pneumonia como principal foco de sepse. Registros médicos de pacientes hospitalizados em quatro instituições norte americanas apontaram a pneumonia como a mais prevalente (35,0%).(13) O estudo realizado em unidades de emergência e clínicas de um hospital espanhol, aponta uma prevalência acima de 47,0% para foco infeccioso respiratório.(14) Os hospitais públicos brasileiros apresentam uma realidade muito semelhante, mostrando a pneumonia como foco infeccioso mais relatado (57,3%).(15)
Nos pacientes mais graves (escores de gravidade APACHE II e SOFA), o uso de ventilação mecânica e a evolução para choque séptico foram significativamente mais frequentes entre os admitidos por sepse. Todas as frequências apresentadas nesse estudo, foram acima das apontadas no relatório do ILAS de 2017 para instituições públicas brasileiras,(4) demonstrando a gravidade da situação do paciente séptico admitido no setor estudado.
Os registros de SIRS estiveram presentes em aproximadamente metade dos relatos dos serviços de atendimento pré-hospitalar ou serviços de saúde de origem do paciente séptico, se revelando como um importante critério de triagem, especialmente para serviços que não contam com tecnologias diagnósticas. Embora a SIRS tenha sido excluída dos critérios diagnósticos da sepse, pela sua baixa especificidade, sua manifestação ainda pode ser utilizada como triagem para pacientes graves. A taquicardia e taquipneia foram alterações relatadas com maior frequência nesse estudo, corroborando com uma pesquisa em hospitais espanhóis, que mantiveram prevalências elevadas para as duas categorias citadas, com adição da hipertermia ou hipotermia.(14)
Quanto às condutas terapêuticas da sepse, a terapia antimicrobiana, fortemente recomendada para aumento da sobrevida,(5) foi referida em pouco mais da metade dos relatos dos serviços de saúde que encaminharam o paciente séptico. Este fato pode estar relacionado tanto às falhas nos registros dos serviços de referência quanto ao desconhecimento das medidas terapêuticas para sepse pelos profissionais dos serviços de origem dos pacientes.
A partir do ano de 2018, é recomendado que as condutas terapêuticas para sepse sejam instituídas na primeira hora a partir do seu diagnóstico,(5) entretanto, utilizou-se a recomendação vigente no período do estudo, referente as condutas do pacote de 3 horas, recomendadas pela SSC-2016.(9) Entre as condutas estão: coleta de lactato e hemoculturas, administração de antimicrobianos e reposição volêmica quando indicado.(9) Nesse estudo as condutas terapêuticas referentes ao pacote de 3 horas foram realizadas em mais da metade dos pacientes admitidos por sepse, considerando o tempo zero o momento da admissão pela sepse. A adesão ao pacote de tratamento foi significativamente mais frequente entre pacientes admitidos por sepse quando comparada a adesão destas medidas em pacientes cujos diagnósticos foram feitos na instituição do estudo. Isso reflete que pode haver dificuldade para o diagnóstico da sepse na instituição do estudo, considerando que os pacientes admitidos com suspeita ou diagnóstico de sepse de outras instituições tiveram maior acesso às condutas terapêuticas.
Mesmo tendo garantido à maioria dos pacientes admitidos por sepse o acesso rápido ao tratamento recomendado, a maioria dos óbitos ocorreu entre esta amostra de pacientes. Este resultado corrobora com a necessidade de diagnóstico precoce e início rápido da terapêutica,(5) ainda nas instituições de origem dos pacientes, com destaque para os serviços secundários, que acumularam maior frequência de óbitos. Evidenciando que o atraso nas medidas do pacote de tratamento nesses serviços, incluindo administração de antibióticos, diminui a sobrevivência do paciente séptico.
Este estudo mostrou que entre os pacientes sépticos atendidos em setor de urgência e emergência de um hospital terciário há importante representatividade de pacientes encaminhados por outros serviços com este diagnóstico, em especial com procedência de serviços secundários. Este dado justifica a necessidade destes serviços instituírem protocolos de reconhecimento e tratamento da sepse, evidenciando a importância do diagnóstico precoce e tratamento efetivo nesse serviço, o que pode contribuir para sobrevida do paciente. Estudo australiano retrospectivo demostrou que se instituídas medidas de tratamento imediatas ao diagnóstico de sepse, a mortalidade desses pacientes reduz significativamente, com taxa de 35,0% para 18,4%, com redução absoluta do risco de morte em 16,7%.(16)
Por se tratar de um estudo de delineamento transversal, essa pesquisa não permite estabelecer uma relação cronológica causal entre as variáveis e o desfecho. Embora tenha essa característica, contribui para a prática clínica ao explorar condutas adotadas para o tratamento do paciente séptico nos diferentes níveis de complexidade.
Conclusão
O estudo mostrou que mais da metade dos pacientes admitidos por sepse vieram encaminhados com esse diagnóstico de outro serviço de saúde. Estes foram mais graves e requereram mais intervenções. Mesmo tendo acesso ao pacote de tratamento recomendado, a partir da admissão na instituição do estudo, a mortalidade entre os pacientes admitidos por sepse foi maior para os encaminhados de outros serviços. Este resultado indica que o reconhecimento e tratamento da sepse deve ser prioridade nos serviços de saúde, com objetivo de promover a sobrevida dos pacientes nesta condição. Portanto, é necessário que todos os níveis de atenção à saúde, recebam treinamento para diagnosticar precocemente a sepse e conduzir adequadamente os casos até a transferência a um serviço de maior complexidade, contribuindo para a qualidade da assistência e, consequentemente, para sobrevivência do paciente.
Agradecimentos
A equipe do protocolo de sepse do HU/UEL e profissionais do pronto-socorro, pela colaboração e incentivo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2019
Histórico
-
Recebido
30 Ago 2018 -
Aceito
29 Jan 2019