Open-access Intervenção educativa em homens com diabetes mellitus: efeitos sobre comportamentos e perfil antropométrico

Intervención educativa en hombres con diabetes mellitus: efectos sobre el comportamiento y perfil antropométrico

Resumo

Objetivo  Analisar a efetividade do autocuidado apoiado nos comportamentos em saúde e os dados antropométricos de homens com Diabetes Mellitus tipo 2.

Métodos  Ensaio clínico randomizado por clusters, em município do Sul do Brasil, junto a 73 homens com idade entre 40 e 70 anos, recrutados em dez Unidades Básicas de Saúde. A intervenção consistiu de dois encontros e foi pautada em princípios do Autocuidado Apoiado e operacionalizada por meio do Protocolo de Mudança de Comportamento. A análise estatística contemplou testes de associação e de comparação entre as variáveis estudadas.

Resultados  Observou-se aumento da frequência semanal do consumo de cereais e derivados (p=0,033), carnes e embutidos (p=0,003), diminuição do consumo de raízes e tubérculos (p=0,044). Constatou-se diminuição discreta e não significativa da Circunferência da Cintura, Circunferência do Quadril e Relação Cintura-Quadril, além do aumento não significativo do peso, Porcentagem de Gordura Corporal e do Índice de Massa Corporal.

Conclusão  A intervenção baseada no autocuidado apoiado produziu efeitos positivos importantes, porém, deve ser considerada estratégia parcialmente efetiva na mudança dos comportamentos em saúde e do perfil antropométrico de homens adultos com diabetes mellitus tipo 2.

Autocuidado; Diabetes mellitus; Saúde do homem; Atenção primária em saúde; Comportamentos relacionados com a saúde; Composição corporal

Resumen

Objetivo  Analizar la efectividad del autocuidado con apoyo en los comportamientos en la salud y los datos antropométricos de hombres con diabetes mellitus tipo 2.

Métodos  Ensayo clínico aleatorizado por clusters, en municipio del sur de Brasil, con 73 hombres entre 40 y 70 años de edad, reclutados en diez Unidades Básicas de Salud. La intervención consistió en dos encuentros y fue realizada de acuerdo con principios del Autocuidado con Apoyo y llevada a cabo por medio del Protocolo de Cambio de Comportamiento. El análisis estadístico contempló pruebas de asociación y de comparación entre las variables estudiadas.

Resultados  Se observó aumento en la frecuencia semanal de consumo de cereales y derivados (p=0,033), carnes y embutidos (p=0,003), reducción del consumo de raíces y tubérculos (p=0,044). Se constató reducción discreta y no significativa de la Circunferencia de la Cintura, Circunferencia de la Cadera y Relación Cintura-Cadera, además del aumento no significativo de peso, Porcentaje de Grasa Corporal y del Índice de Masa Corporal.

Conclusión  La intervención basada en el autocuidado con apoyo produjo efectos positivos importantes; sin embargo, debe considerarse una estrategia parcialmente efectiva en el cambio de comportamientos en la salud y del perfil antropométrico de hombres adultos con diabetes mellitus tipo 2.

Autocuidado; Diabetes mellitus; Salud del hombre; Atención Primaria de Salud; Conductas Relacionadas con la Salud; Composición corporal

Abstract

Objective  To analyze the effectiveness of self-care based on health behaviors and anthropometric data of men with type 2 diabetes mellitus.

Methods  Cluster randomized clinical trial in a municipality in southern Brazil with 73 men aged 40 to 70 years, recruited from ten Basic Health Units. The intervention consisted of two meetings and was based on the principles of Supported Self-Care and operated by Behavior Change Protocol. Statistical analysis included association and comparison tests between the variables studied.

Results  Increased weekly frequency of consumption of cereals and derivatives (p=0.033), meat and sausages (p=0.003), decreased consumption of roots and tubers (p=0.044). Discreet and non-significant decrease in Waist Circumference, Hip Circumference and Waist-Hip Ratio was found, in addition to a non-significant increase in weight, Body Fat Percentage and Body Mass Index.

Conclusion  Intervention based on supported self-care has produced important positive effects, but should be considered a partially effective strategy to change health behaviors and anthropometric profile of adult men with type 2 diabetes mellitus.

Self care; Diabetes mellitus; Men’s health; Primary health care; Health behavior; Body composition

Introdução

O Diabetes Mellitus (DM) tem prevalência nacional crescente, número absoluto estimado em 12,5 milhões de pessoas com idade entre 20 e 79 anos,1 e de 63.486 mortes decorrentes do DM, no país, em 2017.2 Conforme o Atlas Mundial do Diabetes de 2017, observa-se prevalência mundial de 8,8%, com frequência absoluta de 221 milhões de homens (9,1%) e de 203,9 milhões de mulheres (8,4%) com DM.1 No âmbito nacional, o sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) mostrou prevalência de 7,6% entre pessoas com 18 anos ou mais, residentes nas 27 capitais brasileiras, sendo 7,1% para homens e 8,1% para mulheres.3

Contudo, tal constatação ainda se mostra controversa na literatura nacional, sobretudo quando se comparam dados autorreferidos com dados obtidos a partir de medidas bioquímicas, como no estudo ELSA-Brasil, realizado em seis capitais brasileiras, em que se identificou prevalência 43% maior de DM entre os homens.4

Observam-se diferenças importantes entre os sexos, no que tange aos comportamentos em saúde que impactam sobre o controle da doença. Em se tratando de comportamentos de risco à saúde, estudo realizado junto a 421 homens, com idade entre 20 e 59 anos e residentes em município do Sul do Brasil, mostrou prevalências elevadas de alguns comportamentos, entre os quais o nível de atividade física insuficiente (86,2%), a não realização de exames periódicos (42,3%), a dieta inadequada (39,2%), a não realização de atividades de lazer (36,3%), o consumo abusivo de álcool (30,4%) e o tabagismo (19,5%).5 O estudo do Vigitel, realizado em 2017, mostrou que, na capital do Estado do Paraná, Curitiba, 18,3% dos homens com 18 anos ou mais eram fumantes, 27,8% tinham consumo alimentar adequado, 43,4% praticavam atividade física no tempo livre e 27,1% consumiam abusivamente bebidas alcoólicas.3

Além dos comportamentos em saúde, o perfil antropométrico também exerce importante influência sobre o controle do DM. A obesidade pode estar associada ao aumento da gordura corporal, que pode ser considerada preditora de inadequado controle cardiometabólico em indivíduos com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2).6 Quanto ao índice de adiposidade corporal, percebe-se, na literatura, que a prevalência da adiposidade corporal alterada foi mais elevada entre os homens.7 Em estudo realizado com 1.515 pessoas com DM2, observou-se que 83,6% dos homens não tinham Índice de Massa Corporal com parâmetros considerados normais.7

Destacam-se apontamentos internacionais que endossam a importância de uma atenção em DM centrada nos usuários dos serviços de saúde, a fim de que melhores resultados clínicos sejam alcançados.8,9As necessidades de autonomia para a tomada de decisão, de mudanças e adaptações comportamentais, de acesso a um sistema de saúde como suporte, o processo contínuo de cuidado e os conhecimentos e hábitos próprios do indivíduo em condição crônica são aspectos que justificam o papel fundamental da atenção centrada no usuário, ainda mais quando se trata de pessoas com DM.8,9No caso dos apontamentos direcionados aos homens ressalta-se a importância de se promover condições adequadas para o empoderamento da população masculina no sentido de que esta se envolva mais com a tomada de decisão acerca do autocuidado.9

O autocuidado apoiado refere-se a um conjunto de estratégias que objetivam criar condições para o preparo e o empoderamento de usuários dos serviços de saúde, a fim de que possam autogerenciar sua saúde. O enfoque, portanto, está no protagonismo do usuário na gestão do autocuidado.10 Trata-se de tecnologia possível de ser desenvolvida pelos profissionais de saúde nos ambientes de cuidados primários de saúde, e que pode promover, com baixo custo e de forma efetiva, a mudança de comportamento entre pessoas que convivem em condições crônicas.10

Revisão integrativa abordando estudos nacionais e internacionais constatou que a metodologia dos 5 As, utilizada na implementação do autocuidado apoiado, é aplicada de modo fragmentado.10Pesquisa realizada no sul do Brasil, com pessoas de ambos os sexos e diagnóstico de DM, utilizou o autocuidado apoiado na implementação da consulta de enfermagem e obteve bons resultados sobre o controle glicêmico11 Contudo, outra revisão aponta que, nas intervenções de empoderamento para o autocuidado, são evidenciados benefícios para os homens, apesar da escassez de estudos que mostrem as especificidades dos efeitos das intervenções aplicadas na Atenção Primária à Saúde com a população masculina.12

Estudo realizado com 46 homens com DM2, aponta que estes costumam apresentar fragilidades no autocuidado, com melhor adesão à terapia medicamentosa do que aos hábitos relacionados à alimentação e prática de atividade física, além de reduzido acesso aos serviços de saúde.13 Com base nestas informações, justifica-se a relevância do presente estudo, como possibilidade de avaliação e proposição de intervenção oportuna para os homens com DM2.

Assim, questiona-se: o autocuidado apoiado pode ser efetivo como estratégia para a mudança dos comportamentos em saúde e do perfil antropométrico de homens adultos com DM2? Objetivou-se analisar a efetividade do autocuidado apoiado sobre os comportamentos em saúde e os dados antropométricos de homens com DM2.

Métodos

Ensaio clínico randomizado por clusters, realizado com homens com DM2, usuários de dez Unidades Básicas de Saúde (UBS) com Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município do Noroeste do Paraná. Trata-se de município de médio porte, com população estimada em 417.010 habitantes,14 com 35 UBS, 77 equipes da ESF, e nove equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).15 O atendimento às pessoas com DM é caracterizado, principalmente, pelo acompanhamento a partir de consultas médicas e de enfermagem, realização de grupos educativos e para entrega de receitas médicas, avaliação e estratificação do risco cardiovascular e encaminhamentos para os serviços especializados, conforme o risco identificado.

Para seleção dos indivíduos foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser do sexo masculino, ter diagnóstico de DM2, idade entre 40 e 70 anos, estar cadastrado e residir em área de abrangência de uma das dez UBS.

Como critérios de exclusão foram adotados: registro em prontuário de lesões em órgãos-alvo (cérebro, rins e olhos) comorbidades/complicações decorrentes do DM, registradas em prontuários, como a insuficiência renal crônica, ou distúrbios psíquicos que pudessem comprometer a compreensão do estudo, não ter disponibilidade para participar da intervenção e não ser capaz de responder às questões dos instrumentos de coleta de dados. Além disso, foram considerados os seguintes critérios de descontinuidade: óbito, surgimento de complicação grave decorrente do DM, mudança para área sem cobertura da ESF ou outro município e manifestação do desejo de interromper a participação no estudo.

Para seleção dos participantes foram realizados contatos prévios com as equipes da ESF das UBS a fim de apresentar o projeto de pesquisa. Contou-se com o suporte da equipe para a distribuição de cartas-convite elaboradas pelos pesquisadores, convidando os homens para um encontro de sensibilização. Aqueles que compareceram ao encontro e aceitaram participar do estudo foram incluídos no mesmo. Posterior à fase de recrutamento, realizada no período de abril de 2016 a janeiro de 2017, passou-se à fase de randomização, que foi orientada por profissional estatístico. A randomização por clusters reduziu as chances de contaminação pelo contato de usuários do grupo controle com o grupo intervenção. As dez UBS foram selecionadas inicialmente, conforme critérios de conveniência, considerando-se o número de homens com DM2 cadastrados e, após, numeradas de um a dez.

Para o cálculo amostral considerou-se α=0,05 e β=0,20 (poder do estudo de 80%), com nível de confiança de 95%, além do valor da diferença mínima detectável (1,0% do valor da hemoglobina glicada). Além disso, para o cálculo amostral foi necessário fornecer um valor de desvio padrão da média de hemoglobina glicada, qual seja, de 2,0%, adotado com base em estudos realizados com populações de diferentes regiões do Brasil.16-18 Estimou-se, assim, o tamanho amostral mínimo de 128 homens, randomizados em Grupo Intervenção (GI) e Grupo Controle (GC). Contudo, participaram do estudo, 118 homens, devido dificuldades para recrutar o número mínimo e o demasiado tempo transcorrido para o processo de seleção.

Posteriormente, de posse dos valores médios de hemoglobina glicada dos últimos seis meses dos homens que aceitaram participar do estudo, obtidos em sistema informatizado de prontuários eletrônicos utilizado no município, foram formadas combinações possíveis das unidades de saúde até atingir a homogeneização de dois grupos quanto à média de hemoglobina glicada, sendo que cada grupo amostral ficou composto por cinco UBS. Aqueles homens sem registro de resultados de exames nos seis meses anteriores não foram excluídos do estudo, por serem a minoria (n=8), pelo interesse dos mesmos em participar e também para não deixar de incluir mais participantes, já que se deparou com a resistência dos homens convidados em participar dos encontros de convite ou de aderir ao protocolo da intervenção.

O foco do 1° encontro, realizado no recrutamento com todos os participantes do estudo, foi a importância do autocuidado para o controle do DM, porém, também foram sanadas dúvidas acerca de outros temas relacionados ao DM. Também foram abordadas orientações sobre aspectos metodológicos e éticos do estudo, e ao final desse encontro foram aplicados os instrumentos validados para a avaliação de conhecimento, autocuidado, autoeficácia e ajustamento psicológico.

Ainda foram realizados dois contatos telefônicos. O primeiro foi feito cerca de um mês depois do encontro inicial, com o intuito de manter o vínculo enquanto ocorria o processo de recrutamento nas UBS. O segundo foi realizado uma semana antes do início da intervenção e teve por objetivo reforçar orientações acerca da mesma e para comunicar o dia, local e horário do próximo encontro em grupo. Quando o encontro em grupo não foi possível, foi verificada a disponibilidade para fazê-lo no domicílio, de modo individual (Figura 1).

Figura 1
Diagrama de inclusão, randomização e seguimento do ensaio randomizado, conforme CONSORT 2010

Realizada a randomização, contatou-se com os homens alocados no GI para agendar os encontros da intervenção pautada no Autocuidado Apoiado e conduzidos por meio do Protocolo de Mudança de Comportamento, com ações representadas pelos 5 As: Avaliação, Aconselhamento, Acordo, Assistência e Acompanhamento.10 Na figura 2 apresenta-se a periodização das etapas da estratégia de autocuidado apoiado implementadas. Destaca-se que a etapa de acompanhamento se constitui em processo contínuo, transversal em relação às demais etapas do autocuidado apoiado.

Figura 2
Fluxograma das etapas do protocolo de intervenção

Os indivíduos do GI ainda participaram de mais um encontro, em grupo ou de forma individual, em que foi aplicado, o Protocolo de Mudança de Comportamento, com foco na etapa de construção do Plano Inteligente de Cuidados e no estabelecimento de metas de autocuidado.

O Protocolo de Mudança de Comportamento é constituído de cinco etapas: exploração do problema, esclarecimento de sentimentos e significados, definição de metas, comprometimento com a ação e avaliação da experiência e do plano. Essas etapas conduzem o profissional, mas, principalmente, o usuário, para uma identificação participativa das estratégias necessárias para a execução do autocuidado de forma empoderada.19,20

Ressalta-se que o Protocolo de Mudança de Comportamento pode ser trabalhado em grupos, gerando-se discussões a partir das questões do protocolo, porém, o produto final é a elaboração do Plano Inteligente de Cuidados que,20 no presente estudo, foi individualizado. Nos encontros realizados na intervenção foram utilizados recursos visuais para a apresentação dos conteúdos relacionados à importância do autocuidado, com foco nos hábitos alimentares saudáveis, prática de atividade física, uso de medicamentos orais e insulina, cuidado preventivo com os pés, monitorização glicêmica e mitos e verdades sobre o DM.

Foram utilizadas as seguintes questões do Protocolo de Mudança de Comportamento: Qual é a sua maior dificuldade para cuidar da sua saúde? Como você se sente com essa situação de ter de cuidar da sua saúde? O que você quer fazer para melhorar sua saúde? Como você pode mudar alguma coisa na sua vida para se sentir melhor? O que você acha que pode atrapalhar a conquista da sua meta? Tem alguma pessoa que possa ajudá-lo a alcançar sua meta? Essas questões foram acionadas na etapa “Acordo” e permearam a construção do Plano Inteligente de Cuidados e o estabelecimento de metas de autocuidado (Figura 2).

Os indivíduos que compuseram o GC participaram do encontro-convite e também receberam, ao final do estudo e de modo individual, orientações sobre o DM, a partir das dúvidas que surgiram durante a aplicação dos instrumentos de avaliação do conhecimento sobre a doença e o tratamento, sobre os resultados de exames laboratoriais (hemoglobina glicada, glicemia plasmática de jejum, Colesterol Total, HDL-colesterol, LDL-colesterol, Triglicerídeos e Creatinina) e medidas antropométricas.

As variáveis que compõem este estudo são as sociodemográficas: idade, estado civil, ter filhos (sim ou não), número de filhos, escolaridade em anos de estudo, status ocupacional, número de residentes no domicílio e renda familiar. Foram variáveis de comportamentos em saúde: prática de atividade física, uso de bebida alcoólica, uso abusivo de bebida alcoólica, tabagismo e frequência de consumo alimentar semanal, sendo que esta última foi subdividida segundo grupos de alimentos. Também foram utilizadas variáveis antropométricas Circunferência da Cintura (CC), Circunferência do quadril (CQ), Relação Cintura/Quadril (RCQ), Peso, Índice de Massa Corporal (IMC) e Percentual de Gordura Corporal (PGC).

No primeiro encontro, ocorrido nas UBS e com duração média de 2 horas e 30 minutos, o pesquisador principal (enfermeiro) e dois pesquisadores assistentes, devidamente treinados, coletaram os dados mediante aplicação de instrumentos e verificação de medidas antropométricas. No sistema informatizado de prontuário eletrônico do município, foram coletados, pelo pesquisador principal, resultados dos seguintes exames laboratoriais realizados nos seis meses anteriores: glicemia plasmática de jejum, Colesterol Total, HDL-colesterol, LDL-colesterol, Triglicerídeos e Creatinina. No segundo momento da coleta de dados, realizada entre seis e oito meses após a intervenção, os dados foram coletados por duplas de pesquisadores que não participaram das etapas anteriores.

Para a comparação dos comportamentos em saúde - prática de atividade física, tabagismo, uso de bebida alcoólica e uso abusivo de bebida alcoólica – nos dois momentos, adotou-se o teste de McNemar (para amostras nominais pareadas). Já na comparação entre os grupos utilizou-se o teste de qui-quadrado.

Para a comparação da frequência de consumo alimentar semanal e dos dados de medidas antropométricas (representados por médias e medianas), em cada grupo, adotou-se o teste t-Student pareado e o teste de Wilcoxon. E para a comparação destes dados, entre os dois grupos independentes, em cada momento de observação, utilizou-se o teste t-Student e o teste U de Mann Whitney.

O projeto de pesquisa que deu origem ao presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, PR, Brasil (Parecer n. 1.407.296). O protocolo de intervenção foi registrado na plataforma internacional Clinical Trials, com o número de identificação NCT02974413, e no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos, sob o número RBR-46zk89.

Resultados

Dos 118 homens que iniciaram o estudo, entre perdas, descontinuidade e recusas, somaram-se 45 (perda total de 38,1%), sendo que 39 estavam no GI (perda de 56,6%) e seis no GC (perda de 12,2%). Entre os 73 participantes que permaneceram até o final do estudo, a média de idade foi de 62,5 anos, com tempo médio de estudo de 7,9 anos, sendo que a maior parte era de casados, aposentados, com filhos e sem plano de saúde.

O tempo médio do diagnóstico, conforme autorrelato dos homens, foi de 10,1 no início da participação no estudo e de 14,0 ao final, sendo que a maior parte deles relatou tempo de diagnóstico superior a dez anos. Ainda disseram que realizavam, com maior frequência, o tratamento do DM na própria UBS, não haviam sido hospitalizados em decorrência do DM, faziam uso exclusivo de hipoglicemiantes orais e de outros medicamentos de uso contínuo. No último ano anterior à entrevista (entre 2016 e 2017), os homens passaram, em média, por cerca de três consultas para acompanhamento do DM, e aqueles que foram hospitalizados passaram, em média, por duas hospitalizações devido a essa doença.

Em relação às hospitalizações dos indivíduos do GI que iniciaram a participação no estudo, 13 foram motivadas por quadros agudos de hiperglicemia e seis por hipoglicemia. Não se verificou diferenças significantes em relação à pratica de atividade física, uso de bebidas alcoólicas, tabagismo e consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Contudo, observou-se que no GI houve aumento da frequência relativa dos que referiram praticar atividade física e também houve diminuição da frequência de uso de bebidas alcoólicas (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação dos comportamentos em saúde de homens com Diabetes Mellitus tipo 2, nos momentos da avaliação

Quanto à frequência de consumo alimentar semanal (valores médios), foram identificadas alterações significativas em ambos os grupos (Tabela 1). No GI constatou-se aumento nos dias de consumo por semana de cereais e derivados, de 4,99 para 6,73, e de carnes e embutidos, de 4,93 para 6,16, além de diminuição no consumo de raízes e tubérculos, de 3,07 para 1,93. Por outro lado, no GC observou-se aumento nos dias de consumo de cereais e derivados de 4,8 para 6,65, e de carnes e embutidos, de 5,27 para 5,95.

No que se refere aos dados antropométricos não foram observadas diferenças significantes. Contudo, houve redução em parâmetros como CC, CQ e RCQ, tanto para o GI quanto para o GC. Identificou-se que, no GC, o peso e o IMC apresentaram-se praticamente inalterados, mas ocorreu aumento de mais de um ponto percentual, em média, no PGC, enquanto no GI este aumento foi de 0,4 pontos percentuais (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação dos dados antropométricos de homens com Diabetes Mellitus tipo 2, nos momentos inicial e final da avaliação

Discussão

A perda de participantes deste estudo pode estar relacionada à menor valorização do autocuidado por eles e pela reduzida disposição para comparecerem aos encontros da intervenção entre aqueles indivíduos que alegaram desinteresse por se considerarem em bom estado de saúde ou com o DM sob controle. Faz-se necessário considerar as limitações relacionadas à própria intervenção, como a estratégia de recrutamento, o número de encontros e à descontinuidade no acompanhamento. Ademais, o desenvolvimento de complicações incapacitantes e o óbito guardam relação com características clínicas da população estudada, mas são condições sobre as quais se teve pouco controle.

Os resultados do presente estudo mostram que o autocuidado apoiado desenvolvido por enfermeiro pode produzir efeitos positivos e significativos sobre o consumo alimentar de homens com DM e, ao mesmo tempo, provocar mudanças positivas sobre o perfil antropométrico (CC, CQ e RCQ) que, mesmo não significantes estatisticamente, têm relevância clínica. O autocuidado apoiado, portanto, se mostra como uma possibilidade de estratégia a ser implementada no âmbito da atenção primária à saúde, desde que medidas de adaptação para o contexto do trabalho em equipe e com maior enfoque sobre as atividades em grupo e de longitudinalidade sejam adotadas. O autocuidado apoiado pode contribuir para que a população masculina se engaje na tomada de decisões e execute ações que colaborem para o autocuidado e o controle do DM.

Em termos de escolaridade, os dados identificados coincidem com resultados apresentados pela Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, os quais mostram que, em pessoas com DM, são frequentes aquelas com ensino fundamental incompleto.21 Além disso, esses indivíduos e aqueles residentes na região Sul acessaram mais aos serviços de saúde, isto é, essa parcela da população (com ensino fundamental incompleto) está mais frequentemente presente nos serviços de saúde, e acredita-se que isso esteja associado à predominância de homens com o referido nível de escolaridade no presente estudo.21

Quanto à avaliação da intervenção, mesmo se tratando de resultado não significativo estatisticamente, dois homens do GI passaram a praticar atividade física ao longo do período. Já no GC, dois homens deixaram de praticar atividade física. Infere-se que a intervenção implementada provocou os homens a iniciarem ou retomarem a prática de atividade física, pois seus benefícios no tratamento do DM foram abordados na intervenção, sobretudo como fator que contribui para o controle glicêmico e bem-estar geral. Revisão sistemática com meta-análise apontou que intervenções junto a homens, abrangendo componentes específicos de autogestão em DM e voltados à prática de atividade física, produzem maiores efeitos, inclusive sobre aspectos emocionais e qualidade de vida.22

No GI houve aumento, no consumo semanal, de cereais e derivados, de carnes e embutidos, além de diminuição no consumo de raízes e tubérculos. Destaca-se que os homens do GI apresentaram diminuição significativa e/ou substituição no consumo de raízes e tubérculos como batatas, mandioca e beterraba. A classificação, conforme o índice glicêmico de alguns alimentos mais comuns na alimentação ocidental, foi apresentada aos homens na intervenção, o que, na prática, possibilitou que eles utilizassem esta informação como critério no momento de escolher os alimentos. Logo, consideram-se importantes tais resultados, pois a revisão de literatura revela que os homens, em comparação às mulheres, costumam demonstrar pior autogestão em relação à dieta.23

Em ensaio clínico controlado, realizado em município do Sudeste brasileiro, observou-se que, ao final de um ano de intervenção voltada ao empoderamento para o autocuidado, houve redução não significante da CC em ambos os grupos amostrais,20 semelhante ao observado no presente estudo. Destaca-se que o referido estudo apoiou-se também na aplicação do Protocolo de Mudança de Comportamento. Acredita-se que o achado discreto observado sobre a CC no presente estudo esteja atrelado ao pequeno aumento proporcional na prática de atividade física entre os homens, considerando-se que o fato de estar ativo fisicamente pode acelerar a redução de medidas antropométricas.

Estudo realizado em município da região Norte do Paraná, com 134 indivíduos de ambos os sexos, apontou redução significativa na CC daqueles que participaram de consultas de enfermagem pautadas nos princípios do autocuidado apoiado e aumento significativo nos indivíduos do GC. Isto diverge do resultado observado no presente estudo, porém, permite inferir que a melhora ou manutenção de um perfil antropométrico mais adequado pode ficar prejudicada na ausência de intervenções voltadas ao empoderamento para o autocuidado.11

No Canadá, estudo que avaliou o efeito de uma intervenção sobre o estilo de vida, focalizada em hábitos alimentares, constatou que o cuidado com a ingesta alimentar provocou efeitos positivos sobre a hemoglobina glicada e redução do IMC entre indivíduos com DM.24 Nessa mesma direção, intervenção educativa realizada por médico endocrinologista junto a 52 pessoas de ambos os sexos, demonstrou melhora significativa em parâmetros antropométricos como IMC e CC.25

A literatura aponta que ambas as estratégias educativas utilizadas (em grupo e visita domiciliar individual) produzem benefícios para indivíduos com DM, independentemente do sexo.26É possível que intervenções em grupo ou individuais produzam efeitos distintos, pois os homens que participaram do grupo tiveram a oportunidade de conhecer experiências de outros e discutir possibilidades de autocuidado, e os que participaram do encontro individual puderam falar mais abertamente sobre dificuldades particulares. No caso do presente estudo, foi necessário propiciar ambas as estratégias, pois vários homens manifestaram a dificuldade em participar dos grupos nos horários de atendimento das UBS ou a preferência por receber a visita o domicílio.

Em estudo de revisão sistemática e metanálise sobre pesquisas focadas em intervenções de apoio à autogestão sobre condições crônicas, aponta-se, com base, principalmente, em 20 ensaios controlados e randomizados, que os homens podem obter benefícios importantes em sua qualidade de vida.11 Estudos de intervenção com homens são importantes a fim de promover maior autonomia para o autocuidado e prevenir complicações decorrentes do DM e graus elevados de dependência.27

Conclusão

A intervenção pautada no autocuidado apoiado e desenvolvida por enfermeiro junto a homens com DM2, produziu efeitos estatisticamente significativos sobre a frequência semanal de consumo alimentar, em relação a grupos de alimentos como cereais e derivados, carnes e embutidos e raízes e tubérculos. Ainda provocou efeitos positivos, porém, discretos e não significativos sobre circunferência da cintura, circunferência do quadril e percentual de gordura corporal. Acredita-se que melhores resultados possam ser alcançados com o acompanhamento intensivo dos participantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2019
  • Aceito
    17 Set 2019
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