Open-access Associação do estado nutricional e os desfechos clínicos em cirurgia cardíaca pediátrica

Relación del estado nutricional y los resultados clínicos en cirugía cardíaca pediátrica

Resumo

Objetivo  Verificar a associação do fator pessoal biológico estado nutricional, das crianças submetidas à cirurgia cardíaca, com os seguintes comportamentos: mortalidade/alta hospitalar, tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e tempo de ventilação mecânica (VM).

Métodos  Estudo transversal, retrospectivo realizado com 786 prontuários de crianças menores de cinco anos, submetidas à cirurgia cardíaca. O modelo de Nola J. Pender foi usado para analisar os dados. Aplicou-se o teste Qui-Quadrado de Pearson para verificar associação entre o fator pessoal biológico e o comportamento mortalidade/alta hospitalar. O teste Kruskal-Wallis foi utilizado para verificar a diferença entre medianas do fator pessoal biológico e os comportamentos tempo de VM e de UTI.

Resultados  A associação entre os fatores pessoais biológicos (pobre estado nutricional, desnutrição aguda e desnutrição crônica) com o comportamento mortalidade foi de OR 2,18 (1,42 – 3,34), p=0,003, OR 0,75 (0,46 – 1,2), p=0,24 e OR 2,7 (1,77 – 4,12), p<0,0001, respectivamente. A mediana de tempo em dias de uso de VM e tempo em dias de UTI foi, respectivamente de 3 (p<0,0001) e 8 (p<0,0001) para o pobre estado nutricional, 2 (p=0,041) e 6,5 (p=0,006) para a desnutrição aguda, 3 (p<0,0001) e 8 (p<0,0001) para a desnutrição crônica.

Conclusão  Os fatores pessoais biológicos que tiveram associação significativa com o comportamento mortalidade foram o pobre estado nutricional e desnutrição aguda. Foi verificado que as crianças com déficits nutricionais analisados tiveram uma superior mediana de tempo de VM e tempo de UTI quando comparadas com as crianças sem déficits nutricionais.

Unidades de terapia intensiva pediátrica; Cardiopatias congênitas; Procedimentos cirúrgicos cardiovasculares; Avaliação nutricional; Fatores de risco; Promoção da saúde; Recén-nascido

Resumen

Objetivo  Verificar la relación del factor personal biológico estado nutricional de niños sometidos a cirugía cardíaca, con los siguientes comportamientos: mortalidad/alta hospitalaria, tiempo de internación en Unidad de Cuidados Intensivos (UCI) y tiempo de ventilación mecánica (VM).

Métodos  Estudio transversal, retrospectivo realizado con 786 historias clínicas de niños menores de cinco años sometidos a cirugía cardíaca. Para analizar los datos se utilizó el modelo de Nola J. Pender. Se aplicó la prueba χ2 de Pearson para verificar la relación entre el factor personal biológico y el comportamiento mortalidad/alta hospitalaria. La prueba de Kruskal-Wallis fue utilizada para verificar la diferencia entre medianas del factor personal biológico y los comportamientos tiempo de VM y de UCI.

Resultados  La relación entre los factores personales biológicos (mal estado nutricional, desnutrición aguda y desnutrición crónica) y el comportamiento mortalidad fue de OR 2,18 (1,42 – 3,34), p=0,003, OR 0,75 (0,46 – 1,2), p=0,24 y OR 2,7 (1,77 – 4,12), p<0,0001, respectivamente. La mediana del tiempo en días de uso de VM y tiempo en días de UCI fue de 3 (p<0,0001) y 8 (p<0,0001) respectivamente para el mal estado nutricional, 2 (p=0,041) y 6,5 (p=0,006) para la desnutrición aguda, 3 (p<0,0001) y 8 (p<0,0001) para la desnutrición crónica.

Conclusión  Los factores personales biológicos que tuvieron relación significativa con el comportamiento mortalidad fueron el mal estado nutricional y la desnutrición aguda. Se verificó que los niños con deficiencias nutricionales estudiados tuvieron una mediana mayor de tiempo de VM y tiempo de UCI en comparación con niños sin deficiencias nutricionales.

Unidades de cuidado intensivo pediatrico; Cardiopatías congénitas; Procedimientos quirúrgicos cardiovasculares; Evaluación nutricional; Factores de riesgo; Promoción de la salud; Recién nacido

Abstract

Objective  To find the association of the biological personal factor ‘nutritional status’ of children undergoing cardiac surgery with the following behaviors: mortality/hospital discharge, length of stay in the Intensive Care Unit (ICU) and time in mechanical ventilation (MV).

Methods  Cross-sectional, retrospective study of 786 medical records of children under five years of age who underwent cardiac surgery. Nola J. Pender’s model was used for data analysis. The Pearson’s Chi-Square test was applied to find the association between the biological personal factor and the mortality/hospital discharge behavior. The Kruskal-Wallis test was used to assess the difference between medians of the biological personal factor and the behaviors of time in MV and ICU length of stay.

Results  The association between personal biological factors (poor nutritional status, acute malnutrition and chronic malnutrition) with mortality behavior was OR 2.18 (1.42 - 3.34), p=0.003, OR 0.75 (0.46 - 1.2), p=0.24 and OR 2.7 (1.77 - 4.12), p<0.0001, respectively. The median time in days of MV use and ICU length of stay in days was, respectively, 3 (p<0.0001) and 8 (p<0.0001) for poor nutritional status, two (p=0.041) and 6.5 (p=0.006) for acute malnutrition, 3 (p<0.0001) and 8 (p<0.0001) for chronic malnutrition.

Conclusion  The personal biological factors with a significant association with mortality behavior were poor nutritional status and acute malnutrition. Children with analyzed nutritional deficits had a higher median time of MV and time of ICU compared with children without nutritional deficits.

Intensive care units, pediatric; Heart defects, congenital; Cardiovascular surgical procedures; Nutritional assessment; Risk factors; Health promotion; Infant, newborn

Introdução

O estado nutricional é frequentemente descrito sob termos de índices antropométricos comparando peso e altura com as normas populacionais, e constitui-se a base para a identificação precoce de deficiências nutricionais, como a desnutrição.(1) No contexto das crianças portadoras de cardiopatias congênitas, a desnutrição é um fenômeno constante e o principal fator responsável é o inadequado aproveitamento biológico dos nutrientes disponíveis, devido à elevação do gasto energético em virtude das condições clínicas inerentes às alterações cardíacas.(2,3)

No estudo realizado em Southampton, no Reino Unido, com crianças cardiopatas, foi identificado que 28,2% da amostra estavam abaixo do peso ideal para a idade.(4) Corroborando com esta evidência, um estudo desenvolvido no nordeste brasileiro, identificou que um percentual de 25% das crianças cardiopatas tinham baixo comprimento e peso relacionados à idade, indicando algum grau de desnutrição.(5)

Além das alterações nutricionais inerentes à cardiopatia congênita, cerca de 80% dessas crianças necessitam de uma intervenção cirúrgica, seja ela corretiva ou paliativa, para assegurar maiores chances de sobrevida e tornar a função cardíaca mais próxima do normal.(6)

Dessa forma, ações promotoras de saúde relacionadas à avaliação nutricional dessas crianças cardiopatas, ainda no período pré-operatório, são necessárias. Essa avaliação nutricional poderá estabelecer e até prevenir situações de risco pós-operatório, visto que o estado nutricional inadequado no período que antecede a cirurgia é muitas vezes exacerbado no pós-operatório, pois a resposta metabólica neste período manifesta-se por demandas energéticas alteradas, um estado inflamatório complexo e pelo maior catabolismo protéico.(7,8)

E, por considerar o estado nutricional um fator biológico relevante no prognóstico pós cirúrgico dessas crianças, é oportuno apropriar-se de um modelo teórico que identifica e especifica os fatores que influenciam os comportamentos de saúde das crianças submetidas à cirurgia cardíaca. Sendo assim, o modelo de enfermagem de promoção da saúde desenvolvido por Nola J. Pender pode ajudar a entender como esses fatores influenciam tais comportamentos e como eles aumentam a suscetibilidade das doenças.(9,10)

Pender et al. defenderam que existem três fatores determinantes do comportamento saudável: características e experiências individuais, cognições e afetos comportamentais específicos e influências situacionais / interpessoais. As características e experiências individuais incluem comportamentos anteriores e fatores pessoais (biológicos, psicológicos, socioculturais).(9)

O estado nutricional neste modelo é classificada como uma variável do fator pessoal biológico, em que as características relevantes de cada indivíduo são capazes de prever ou explicar um determinado comportamento.(9)Já os comportamentos de promoção da saúde, no contexto do pós-operatório das crianças submetidas à cirurgia cardíaca, representam o menor período de uso de tecnologias duras, como o suporte mecânico ventilatório, curta permanência hospitalar e consequentemente o retorno para o lar, diminuindo, assim, os efeitos deletérios ocasionados pela hospitalização.

Com isso, o objetivo deste estudo foi verificar a associação do fator pessoal biológico estado nutricional, das crianças submetidas à cirurgia cardíaca, com os seguintes comportamentos: mortalidade/alta hospitalar, tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e tempo de ventilação mecânica (VM).

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, desenvolvido em um hospital terciário estadual, referência no Nordeste do Brasil no tratamento de cardiopatias congênitas.

Os critérios de inclusão foram: prontuários de pacientes com doença cardíaca congênita com idade inferior a 05 anos e que foram submetidos à cirurgia cardiovascular (corretiva ou paliativa) no período de janeiro de 2014 a dezembro de 2016. Selecionou-se esta faixa etária, devido ser a idade máxima para realizar os cálculos dos escores Z pelo software selecionado. Os critérios de exclusão foram os pacientes pediátricos transferidos para outro serviço antes da alta hospitalar e dados incompletos no prontuário devido à impossibilidade de conhecimento do desfecho final.

Durante o período avaliado, foram realizadas 802 cirurgias paliativas e corretivas em crianças com idade igual ou inferior a 5 anos de idade no ato operatório. Destas, 16 prontuários de crianças foram excluídas por não conter os dados completos totalizando assim, uma amostra de 786 prontuários de crianças que preencheram os critérios de inclusão propostos.

A coleta de dados foi realizada no período setembro de 2017 a abril de 2018, por meio de busca de dados em prontuários físicos dos sujeitos alvos do estudo, conforme os critérios de inclusão e exclusão.

Foi utilizado o Modelo de Promoção da saúde de Nola J. Pender como um arcabouço teórico para analisar os dados deste estudo. Este modelo permite avaliar o comportamento que leva à promoção da saúde pelo estudo da inter-relação de três pontos principais: 1. as características e experiências individuais, 2. os sentimentos e conhecimentos sobre o comportamento que se quer alcançar e 3. comportamento de promoção da saúde desejável. Cabe ressaltar que para este estudo, a análise da inter-relação ocorreu apenas entre as características individuais (fatores pessoais biológicos) e os comportamento de saúde.(9)

No contexto hospitalar estudado, avaliou o estado nutricional pré-operatório como uma característica individual relevante e acredita-se que comportamentos de saúde desejável estão diretamente relacionados com fatores que contribuem para a obtenção de resultados positivos voltada à saúde, após a realização da cirurgia cardíaca. Assim, considerou-se como comportamento de saúde o menor período de uso do ventilador mecânico, menor tempo de estadia em UTI, com consequente alta hospitalar precoce, por minimizar os efeitos nocivos da hospitalização e possíveis complicações, buscando alcançar um equilíbrio pessoal aceitável.

Optou-se por avaliar: idade, sexo, peso, estatura das crianças submetidas à cirurgia cardíaca, registrados no período pré-operatório, em representação dos fatores pessoais biológicos de Pender e desfechos clínicos, representação dos comportamentos de Pender, registrados no período pós-operatório (tipo de cirurgia cardíaca classificada pela complexidade da cirurgia e definida pelo escore de risco ajustado para cirurgia em cardiopatias congênitas (do inglês Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery 1/ RACHS-1), alta hospitalar/óbito, tempo de internação em UTI e tempo de VM.(11) Estes dados foram compilados em uma planilha Microsoft Excel for Mac®2011.

Os fatores pessoais biológicos foram utilizados para obtenção das medidas antropométricas, feito por meio do cálculo do escores Z, com apoio do software Anthro 2007 disponibilizado pela OMS. Foram calculados os escores Z referentes aos índices: peso/idade, peso/comprimento, comprimento/idade.

Os valores resultantes do cálculo dos escores Z foram usados para classificar o estado nutricional da crianças submetidas à cirurgia cardíaca. Em todos os casos, foram considerados como ponto de corte para desnutrição um escore Z menor que -2 e o tipo de desnutrição classificados como: Pobre estado nutricional (índice peso/idade menor que -2), Desnutrição aguda ( índice peso/comprimento menor que -2 ) e Desnutrição crônica ( índice comprimento/idade menor que -2 ).(12) Vale salientar que uma mesma criança pode apresentar os três tipos de desnutrição analisados neste estudo.

Os comportamentos analisados (desfechos) foram: mortalidade/alta hospitalar após cirurgia cardíaca durante a internação hospitalar, tempo de internação na UTI e tempo de uso de ventilação mecânica. Os fatores de risco incluíram escore Z peso/idade, peso/ comprimento, comprimento/idade, < -2, ou seja, pobre estado nutricional, desnutrição aguda e desnutrição crônica, respectivamente. O fator de risco adicional foi definido pelo escore RACHS-1, marcador de complexidade da cirurgia cardíaca pediátrica, maior ou igual a 4.(11) Ressalta-se que 24 pacientes que realizaram cirurgia cardíaca não puderam ser categorizados pelo escore RACHS-1 por não pertencerem a nenhum grupo de cirurgias associados ao escore utilizado.

Foram considerados como Comportamentos de promoção da saúde, ou seja, resultados positivos de saúde, de acordo com o modelo proposto por Pender: alta hospitalar, curto período de utilização de suporte mecânico ventilatório e menor tempo de estadia em UTI.

A análise estatística foi realizada com auxílio do software SPSS©. As variáveis contínuas do estudo foram avaliadas quanto à normalidade por meio do teste de Komolgorov - Smirnov. Para verificar a associação entre o pobre estado nutricional, desnutrição aguda, desnutrição crônica e o fator de risco adicional com o desfecho mortalidade foram aplicados o teste Qui-Quadrado de Pearson. A força da associação entre as variáveis foi avaliada por meio do OR (Odds Ratio) com o respectivo Intervalo de Confiança (IC). Os déficits nutricionais citados em relação aos desfechos: tempo de UTI e VM, foram analisados a partir da diferença entre medianas aplicando o teste Kruskal-Wallis. Considerou-se um nível de significância p<0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95 %.

As exigências éticas estabelecidas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridas, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas/ Envolvendo Seres Humanos da instituição cenário do estudo, sob o parecer n° 406.229.

Resultados

Dos pacientes avaliados, 399 (50,8%) eram do sexo feminino. A média da idade no momento da cirurgia foi de 12,47 meses (DP ± 14,85). Em relação ao peso e à estatura no momento da cirurgia a média foi de 7,22 (DP ± 4,48), 67,94 (DP ± 18,14), respectivamente. As médias dos escores Z referentes aos índices peso/idade foi de -1,866 (DP± 3,15), peso/comprimento de -1,066 (DP± 4,32) e comprimento/ idade de - 1,600 (DP±3,3). No total, 48,68% das crianças tinha pobre estado nutricional (Escore Z peso/idade < –2), 31,9% apresentaram desnutrição aguda (Escore Z peso/comprimento < –2) e 41,47 % possuíam desnutrição crônica (Escore Z comprimento/idade < –2). Utilizando o escore RACHS-1, o total de pacientes com o menor fator de risco adicional, ou seja, escores 1-3 foi de 637(81%), sendo a população mais prevalentes e 125 (15,9%) foram classificados com maior fator de risco adicional (escores 4-6). Em relação ao desfecho mortalidade, 681 (86,6%) tiveram alta hospitalar e 105 (13,3%) dos pacientes evoluíram para óbito. Dos déficits nutricionais estudados (fator pessoal biológico), o pobre estado nutricional e a desnutrição crônica apresentaram associação significativa com o desfecho óbito, aumentando em 2,18 e 2,7 vezes a chance de crianças de apresentarem óbito quando submetidas à cirurgia cardíaca, respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1
Análise do Fator pessoal biológico estado nutricional com o comportamento mortalidade

Ao analisar as crianças com pobre estado nutricional, que foram classificadas com o fator de risco adicional escore RACHS ≥ 4, percebeu-se associação com o desfecho óbito, elevando para 6,07 vezes a chance de crianças apresentarem óbito quando submetidas à cirurgia cardíaca. O mesmo ocorreu na análise das crianças que apresentaram desnutrição crônica com RACHS ≥ 4 com o percentual menor, aumentando para 3,82 vezes a chance de apresentar óbito (Tabela 2). Ressalta-se que, na tabela 2, do total de 371 crianças classificadas com pobre estado nutricional, 19 crianças não puderam ser avaliadas, pois não se enquadravam em nenhuma categoria RACHS. O mesmo ocorreu para a desnutrição crônica, onde 16 crianças, do total de 313 classificadas com este tipo de desnutrição, não foram classificadas em nenhuma categoria RACHS.

Tabela 2
Análise do Fator de risco adicional com o comportamento mortalidade, apenas das crianças que apresentaram pobre estado nutricional (n= 352) e desnutrição crônica (n= 297)

A mediana obtida para o tempo de permanência na UTI e tempo de ventilação foi de 6 dias (IC95% 3-13) e 1 dia (IC95% 0-7), respectivamente. As crianças com pobre estado nutricional, desnutrição aguda e desnutrição crônica foram mais propensas a necessitar de mais dias sobre suporte respiratório invasivo, e consequentemente mais dias de permanência na UTI quando comparada com as crianças sem deficits nutricionais (escore Z ≥ –2) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise do fator pessoal biológico estado nutricional das crianças submetidas a cirurgia cardíaca. com os comportamentos Tempo de UTI e Tempo de VM

Houve diferença significativa na distribuição do tempo de VM e tempo de UTI entre os grupos com pobre estado nutricional, desnutrição aguda e desnutrição crônica (p<0,05).

Discussão

As limitações dos resultados desse estudo foram relacionadas a restrição de idade da amostra por diminuir a generalização dos resultados, além da perda amostral por registro insuficiente ou inadequado de dados em prontuário. E ainda, como os sistemas de classificação foram originalmente desenvolvidos para populações globais, tornou-os menos aplicáveis a crianças cardiopatas hospitalizadas, cuja desordem nutricional pode não estar em conformidade com as categorias clássicas.

Os fatores pessoais biológicos, segundo Nola J. Pender, fazem parte de características individuais que influenciam, direta ou indiretamente, o comportamento de promoção da saúde. Para melhor compreensão dos comportamentos de promoção da saúde, Pender sugere examinar um número limitado desses fatores ao mesmo tempo.(9) Nesse estudo, optou-se por examinar a influência do estado nutricional das crianças submetidas à cirurgia cardíaca nos comportamentos de saúde selecionados como mortalidade/alta hospitalar pós-operatória, tempo de internação em UTI e tempo de VM.

No modelo de promoção da saúde, um dos principais determinantes de um comportamento saudável é um bom estado nutricional, o que significa o equilíbrio entre a ingestão e necessidade de nutrientes pelo indivíduo.(9)

Entretanto, no presente estudo, evidenciaram-se maiores índices de deficiências nutricionais em crianças submetidas à cirurgia cardíaca, quando comparados com outros achados científicos realizados em países desenvolvidos. Este achado pode estar relacionado às características peculiares do biótipo das crianças do Nordeste do Brasil, região onde predomina carências nutricionais e cuja população apresenta característica física diferenciada, onde o comprimento e o peso são relativamente menores aos valores obtidos em crianças de outras localidades do país, como as regiões sul e sudeste, e, sobretudo, quando comparadas as crianças nascidas em países desenvolvidos.(5)

O estudo realizado em Seattle, Estados Unidos, identificou que apenas 31% da amostra estavam abaixo do peso, ou seja, com pobre estado nutricional, 32% tinham deficit estatural (desnutrição crônica) e 15% tiveram perda de peso (desnutrição aguda).(13) Outro estudo realizado em Londres, Reino Unido, evidenciou que 39,1% de sua amostra tinham pobre estado nutricional.(14)

Diversos fatores contribuem para esses frequentes distúrbios nutricionais em crianças cardiopatas, contudo vale ressaltar aqueles possivelmente modificáveis, como a qualidade dos nutrientes ofertados, o tratamento clínico realizado e o período de espera para realização da intervenção cirúrgica.(15)Dessa forma, os profissionais de saúde devem intervir nesses fatores que são propícios de mudança, visando um suporte nutricional adequado que favoreça melhores condições para a criança enfrentar o estresse cirúrgico.

As maiores chances de comportamento de risco, como a mortalidade pós-operatória, entre aqueles com os fatores de risco, pobre estado nutricional e desnutrição crônica, foi consistente com outros estudos que mostraram uma correlação entre estes deficits nutricionais e aumento do óbito no período pós-operatória em crianças submetidas à cirurgia cardíaca.(13,16-21,24) Assim, deve-se considerar relevante o estado nutricional das crianças ao programar a intervenção cirúrgica e intensificar a orientação e vigilância nutricional no período pré-operatório, além de esclarecer sobre os riscos cirúrgicos aos pais.

O impacto da desnutrição aguda e do pobre estado nutricional em crianças com cardiopatias congênitas ainda não está bem estabelecido na literatura quando comparados aos efeitos da desnutrição crônica, isto porque, é difícil interpretar se a criança tem uma baixa estatura com um peso adequado ou se a criança tem uma alta estatura com um peso inadequado em uma população onde o edema, sintoma comum nesta patologia, podem confundir a variável peso, diferentemente da desnutrição crônica em que o crescimento linear inadequado está diretamente relacionado com os déficits energéticos causando significativo impacto fisiopatológico durante a recuperação pós-cirúrgica.(13)

A associação do comportamento mortalidade elevou-se ainda mais quando adicionado a complexidade do procedimento cirúrgico realizado, fator de risco RACHS ≥ 4. De modo similar, um estudo conduzido no sul da Índia, mostrou que, além do deficit nutricional pré-operatório, o RACHS elevado teve uma influência significativa na mortalidade pós-operatória.(22) No Brasil, um estudo também realizado no estado do Ceará mostrou que a mortalidade pós-operatória elevou aproximadamente em 135% a cada aumento na categoria RACHS, sem fazer associação com o estado nutricional.(23) Divergindo dos achados nesse estudo, uma pesquisa realizada em Southampton, Reino Unido, não mostrou aumento da associação da mortalidade quando associado ao escore RACHS.(4)

Todos os fatores pessoais biológicos analisados (pobre estado nutricional, desnutrição aguda e desnutricão crônica) das crianças que realizaram cirurgia cardíaca também contribuíram com os comportamentos: elevado tempo de ventilação mecânica, e consequentemente, prolongada estadia em unidade de terapia intensiva. Evidências científicas corroboram com o mesmo achado em uma Unidade de Terapia Intensiva em Seattle, São Francisco e Houston, nos Estados Unidos.(14,24)

Esses achados são justificados devido à exacerbação do déficit nutricional no período pós-operatório, seja para a correção ou paliação da cardiopatia congênita, pois a criança que apresenta qualquer tipo de déficit nutricional possui poucos substratos nutricionais disponíveis para responder ao aumento dos efeitos catabólicos das lesões decorrentes da cirurgia.(25)

A utilização do Modelo de Promoção da Saúde de Nola J. Pender permite ao enfermeiro a avaliação de fatores e comportamentos que auxiliam na determinação de intervenções, como monitoramento do estado nutricional e atividades educativas, de acordo com as reais necessidades da clientela.(9) Dessa forma, contribuirá para identificação precoce de fatores pessoais biológicos que possam favorecer no planejamento da alta hospitalar e implementação de intervenções educacionais no período pré e pós-operatório dessa clientela, com o intuito de maximizar os resultados positivos na saúde dessas crianças, contribuindo com o que Pender denomina de ótima saúde. E ainda, a autora defende que diante do conhecimento de que existem fatores que lhe infringe risco, o indivíduo é capaz de modificar-se assumindo um estilo de vida que promova saúde.(9)

Diante dos desafios enfrentados pela cardiopatia congênita e a complexidade do seu tratamento, a promoção da saúde deve ser realizada por meio de uma assistência de enfermagem integral, onde os enfermeiros devam destacar-se pela integralidade de suas intervenções, articulando-se multidisciplinarmente a fim de promover um cuidado especializado e individualizado. Assim, no contexto de crianças com cardiopatias em processo cirúrgicos e de internações hospitalares, é importante não apenas considerar os fatores biológicos, mas também os socioculturais e psicológicos, visando promover uma nutrição saudável e assim atingir um comportamento promotor da saúde esperado nesta população.

Conclusão

Os fatores pessoais biológicos que tiveram associação significativa com o comportamento mortalidade em crianças com cardiopatias congênitas submetidas à cirurgia cardíaca foram o pobre estado nutricional e desnutrição aguda. Além disso, todos os déficits nutricionais analisados tiveram uma maior mediana de tempo de VM e uma superior permanência em UTI no período pós-operatório quando comparada com as crianças sem déficits nutricionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2019
  • Aceito
    18 Fev 2020
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