Resumo
Objetivo: Realizar a validação semântica e de conteúdo da Bakas Caregiving Outcome Scale para o português do Brasil.
Métodos: Trata-se de um estudo metodológico, em que se realizou a adaptação transcultural segundo recomendações internacionais, a validação de conteúdo por meio de um comitê de juízes. Após essas etapas, o instrumento foi aplicado em 151 cuidadores informais de pessoas com sequela de acidente vascular encefálico, cadastrados em Unidades de Saúde da Família de João Pessoa, entre os meses de setembro e dezembro de 2017. Foi verificado a consistência interna pelo alfa de Cronbach.
Resultados: Mediante avaliação de comitê de juízes e realização do pré-teste, foi alcançada a validação de conteúdo e semântica, obtendo-se um índice de Kappa superior a 0,80. O alfa de Cronbach geral foi de 0,89.
Conclusão: O instrumento adaptado e validado para o português do Brasil mostrou-se confiável para ser aplicado na avaliação da sobrecarga de cuidadores de pacientes com sequela de acidente vascular encefálico.
Descritores Acidente vascular cerebral; Cuidadores; Qualidade de vida; Estudos de validação; Reprodutibilidade dos testes; Tradução
Resumen
Objetivo: Realizar la validación semántica y de contenido de la Bakas Caregiving Outcome Scale al portugués de Brasil.
Métodos: Se trata de un estudio metodológico, en el que se realizó la adaptación transcultural según recomendaciones internacionales y la validación de contenido por medio de un comité de jueces. Luego de estas etapas, el instrumento fue aplicado con 151 cuidadores informales de personas con secuela de accidente vascular encefálico, registrados en Unidades de Salud de la Familia de la ciudad de João Pessoa, entre los meses de septiembre y diciembre de 2017. La consistencia interna fue verificada por el alfa de Cronbach.
Resultados: Mediante la evaluación del comité de jueces y la realización de la prueba piloto, se logró la validación de contenido y semántica con un índice de Kappa superior a 0,80. El alfa de Cronbach general fue de 0,89.
Conclusión: El instrumento adaptado y validado al portugués de Brasil demostró ser confiable para aplicarse en la evaluación de la sobrecarga de cuidadores de pacientes con secuela de accidente vascular encefálico.
Descriptores Accidente cerebrovascular; Cuidadores; Calidad de vida; Estudio de validación; Reproducibilidad de los resultados; Traducción
Abstract
Objective: To perform semantic and content validation of the Bakas Caregiving Outcome Scale for Brazilian Portuguese.
Methods: This is a methodological study, in which the cross-cultural adaptation was carried out according to international recommendations, and the content validation through a committee of judges. After these steps, the instrument was applied to a total of 151 informal caregivers of people with stroke sequelae, registered in Family Health Centers of Joao Pessoa, between September and December 2017. The internal consistency was verified by the Cronbach’s alpha.
Results: By evaluating the committee of judges and carrying out the pre-test, content and semantics validation was achieved, with a Kappa index greater than 0.80. The general Cronbach’s alpha was 0.89.
Conclusion: The instrument adapted and validated for Brazilian Portuguese proved to be reliable to be applied in the overload assessment of caregivers of patients with stroke sequelae.
Keywords Stroke; Caregivers; Life quality; Validation studies; Reproducibility of results; Translating
Introdução
As doenças cardiovasculares (DCV) representam uma das principais causas de morbimortalidade em todo o mundo.(1) Dentre as DCV, destaca-se a elevada prevalência do acidente vascular encefálico (AVE), o qual é caracterizado como uma síndrome neurológica decorrente de um distúrbio na circulação encefálica, que persiste por mais de 24 horas.(2) O AVE apresenta uma grande incidência em todos os países, sendo estimada a ocorrência de um caso a cada cinco segundos. No Brasil, esta doença representa a primeira causa de mortalidade e incapacidade, gerando elevados custos para o poder público, sobretudo em decorrência da longa permanência em ambiente hospitalar.(3)
Depois de receberem alta, os indivíduos acometidos comumente tornam-se dependentes do cuidado de terceiros, que pode ser realizado por um profissional, chamado de cuidador formal, ou por um cuidador informal, sem remuneração.(4) Os prestadores de cuidados informais, quase sempre, são membros familiares - cônjuges, filhos adultos, outros parentes ou vizinhos e amigos - que podem ou não morar no mesmo domicílio do paciente. Na maioria das vezes, somente uma pessoa assume a responsabilidade de cuidar, sendo denominada de cuidador principal.(5)
O cuidador desempenha um papel relevante na promoção da autonomia, independência e integração à pessoa acometida por AVE, tanto no cenário familiar e quanto no contexto social. Além disso, as intervenções realizadas por ele são imprescindíveis para prevenir reinternações hospitalares e institucionalização.(4) Contudo, caso esse indivíduo não esteja preparado para cuidar, poderá dificultar a adesão a comportamentos saudáveis e retardar a reabilitação do paciente.(6,7)
Em decorrência da complexidade das atividades desempenhadas pelo cuidador, esse indivíduo apresenta um elevado risco de desenvolver sobrecarga, principalmente devido ao excesso de tarefas, à falta de apoio, ao despreparo para cuidar, ao nível de dependência do paciente, à cronicidade da situação incapacitante, à complexidade das atividades dos cuidados, ao agravamento do estado de saúde e à incerteza do futuro, o que pode resultar em isolamento social, redução ou ausência de atividades de lazer, comprometimento da atividade profissional, perda de emprego e diminuição do tempo para cuidar de si mesmo.(8–13)
O constructo sobrecarga, que deriva do termo “burden”, da língua inglesa, tem sido objeto de considerável interesse entre os pesquisadores desde a década de 1960, passando por mudanças ao longo dos anos. Atualmente, é definida como um fenômeno que varia de pessoa para pessoa, sendo multideterminado e referindo-se à percepção dos cuidadores em relação ao impacto da prestação de cuidados em seu funcionamento emocional, social, financeiro e físico, em que se manifesta quando as demandas de cuidado são maiores do que os recursos disponíveis.(14)
Torna-se relevante ressaltar que a vivência de sobrecarga por um longo período de tempo contribui para o surgimento de tensão e de estresse, com alterações no estado físico, emocional e psicológico.(13–15) Nesse contexto, o rastreio da sobrecarga é fundamental para o planejamento de intervenções psicoeducacionais e psicoterapêuticas, buscando o fortalecimento da rede de apoio formal e a melhoria da capacidade dos cuidadores para o enfrentamento da situação, de modo a evitar ou reduzir a sobrecarga e melhorar a qualidade da vida dos envolvidos.(16–18)
Essa avaliação tem sido feita, principalmente, por meio de escalas. Duas revisões abrangentes sobre medidas da sobrecarga de cuidadores(19,20) apontaram que a escala Caregiver Reaction Assessment(21) e a Bakas Caregiving Outcome Scale (BCOS) são as mais completas. Para esta pesquisa, optou-se pela realização da adaptação transcultural da BCOS, por ser sensível às mudanças ocorridas na vida de cuidadores de pacientes com sequelas de AVE, detectando mudanças na autoestima e nos aspectos financeiros, emocionais e sociais ocorridos ao longo do tempo. Além disso, é uma das poucas desenvolvidas com orientação de um modelo conceitual para o desenvolvimento de itens e de testes de validação.(22)
A BCOS foi criada nos Estados Unidos da América e depois adaptada e validada para a Turquia e Grécia.(23,24) A BCOS original apresentou evidências de confiabilidade por meio da consistência interna com valor de 0,90 e teste-reteste de 2 semanas, com coeficiente intraclasse de 0,66. Além disso, a unidimensionalidade foi apoiada pela análise fatorial confirmatória com índices, indicando um bom ajuste e a validade relacionada ao critério foi apoiada por correlações com a escala de qualidade de vida relacionada a saúde (SF-36) (r = 0,32, p <0,001).(25) Estudos longitudinais, realizados em outros países, têm utilizado a BCOS para avaliar a sobrecarga na vida dos cuidadores ao longo dos anos e também nos efeitos de intervenções para sua redução.(26,27)
Devido às diferenças linguísticas e culturais, torna-se necessário traduzi-la e fazer a adaptação transcultural para ser utilizada no Brasil por enfermeiros e outros profissionais. Assim, o presente estudo teve como objetivo realizar a validação semântica e de conteúdo da Bakas Caregiving Outcome Scale para o português do Brasil e analisar a consistência interna do instrumento.
Métodos
Trata-se de um estudo metodológico para adaptação transcultural e validação da BCOS, construída para avaliar a sobrecarga de cuidadores de pacientes com sequela de AVE, relacionadas as modificações na vida resultante da prestação de cuidados.
Adaptação transcultural
Para adaptar culturalmente a BCOS, foram seguidas as recomendações de Pasquali,(28) as quais buscam proporcionar uma equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual entre o instrumento original e a versão adaptada.(29) Assim, foram realizadas as cinco etapas necessárias para a adaptação transcultural de um instrumento: tradução, síntese das traduções, retrotradução (back-translation), avaliação por um comitê de juízes e pré-teste, conforme apresentado na figura 1.
A BCOS original é um instumento unidimensional que analisa as modificações ocorridas ao longo da vida do cuidador desses pacientes, sendo fundamentada nos conceitos de função social, bem-estar subjetivo e saúde. Foi desenvolvida com 48 itens e, posteriormente, definiu-se a versão breve com 10 itens.(30) Na versão mais atual, foram incluidos cinco itens, totalizando 15 itens, medidos em uma escala de resposta de sete pontos (“Mudou para pior” = -3 até “Mudou para melhor” = +3), em que quanto menor a pontuação, maior a sobrecarga.(22) Para obtenção da pontuação, é necessário recodificar todos os itens (-3 = 1) (-2 = 2) (-1 = 3) (0 = 4) (1 = 5) (2 = 6) (3 = 7), sendo o escore médio obtido por meio de cálculo simples da média, com valor mínimo de 10 e valor máximo de 70.
Inicialmente foi realizado a tradução da BCOS da Língua Inglesa para a Língua Portuguesa do Brasil. Em virtude disso, a versão original foi inicialmente entregue para duas tradutoras brasileiras com experiência com a cultura americana, que já residiram nos Estados Unidos por mais de seis anos e que desconheciam os objetivos da pesquisa. Os instrumentos traduzidos foram denominados nesse estudo de “versão traduzida para português (1)” e “versão traduzida para português (2)”.
Em seguida, foi realizada a síntese das traduções por três pesquisadores doutores, sendo um psicólogo com experiência em adaptação transcultural de instrumentos e duas enfermeiras com experiência na temática. A síntese das traduções foi encaminhada para um tradutor americano, residente no Brasil há mais de dez anos, que realizou a retrotradução do instrumento para a língua de origem. Esse tradutor também não tinha conhecimento dos objetivos do estudo.
As versões do instrumento: a original, a síntese das traduções e a retrotradução, foram analisadas por dois juízes, de modo a unificar a versão preliminar do instrumento. Participaram desse processo, um pesquisador da área com conhecimento da Língua Inglesa e a pesquisadora, com objetivo de analisar os pontos convergentes e divergentes das traduções, minimizando assim os possíveis vieses linguísticos, psicológicos, culturais e de compressão encontradas na tradução. Após esse processo, foi estruturada a versão preliminar da BCOS, a qual foi submetida ao processo de validação semântica.
A análise semântica, que se refere a compreensão dos itens da escala, foi realizada por três pessoas, duas que apresentavam baixa escolaridade (primário incompleto) e uma com ensino médio completo. Nesse momento também foi realizada a validação de conteúdo da versão traduzida, por um comitê de cinco juízes, os quais tinham formação acadêmica e Doutorado em Enfermagem, tendo desenvolvido estudos com cuidadores informais.
Os aspectos avaliados foram Clareza de linguagem: Se a linguagem utilizada nos itens é clara para a população; Relevância teórica: Grau de associação entre o item e a teoria, entre o item e o construto. Para avaliar o grau de concordância entre os juízes-avaliadores, utilizou-se o índice de Kappa que é um indicador de concordância ajustado que varia de “menos 1” a “mais 1” - quanto mais próximo de 1 melhor o nível de concordância entre os observadores; sua distribuição e os respectivos níveis de interpretação são: < 0,00 = ruim; 0,00 a 0,20 = fraco; 0,21 a 0,40 = sofrível; 0,41 a 0,60 = regular; 0,61 a 0,80 = bom; 0,81 a 0,99 = ótimo; 1,00 = perfeito.(29) Como critério de aceitação, foi estabelecida a concordância superior a 0,80 entre os juízes.
Devido as dificuldades de compressão dos itens do instrumento, verificadas na etapa anterior, optou-se por colocar a descrição mais detalhada de cada item entre parênteses, baseado nas sugestões feitas pelos juízes. Participaram dessa fase um psicólogo, uma especialista na temática e a pesquisadora. Essa versão foi novamente entregue ao comitê de juízes para avaliação. Após essa etapa, foram realizados ajustes finais da escala que, posteriormente, foi submetida a um pré-teste com 10 cuidadores. Como não houve nenhum problema com o preenchimento e compreensão, a escala foi considerada adequada para aplicação com a população. Os cuidadores que participaram desta etapa foram incluídos na amostra do estudo.
Aplicação do instrumento
A BCOS adaptada foi aplicada por meio de entrevistas individuais no domicílio de cuidadores de pessoas com sequela de AVE, cadastradas nas Unidades de Saúde da Família (USF) do município João Pessoa – PB, entre os meses de setembro e dezembro de 2017. A amostra foi definida com base em Pasquali,(28) o qual sugere que sejam coletados, no mínimo, 10 sujeitos por item do instrumento que será validado. Assim, como a BCOS é composta por 15 itens, a amostra foi constituída por 151 sujeitos.
Os critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos e ser cuidador informal primário de pacientes com sequela de AVE, cadastrados em USF de João Pessoa - PB. Foram excluídos os cuidadores formais e informais secundários ou terciários e cuidadores de pacientes que apresentavam sequelas sucedidas de outras alterações de saúde.
Para a seleção dos participantes, inicialmente foi realizada uma seleção aleatória de algumas USFs de cada um dos cinco distritos sanitários. Em seguida, houve o contato com os enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS) de cada unidade, solicitando, por meio dos registros, o endereço das pessoas que sofreram AVE e apresentavam alguma sequela, identificando assim, os seus cuidadores. A coleta dos dados foi realizada pela pesquisadora e por discentes de Curso de Graduação em Enfermagem, que participavam do Programa de Iniciação Científica, com acompanhamento de um ACS, após um treinamento prévio, que envolveu apresentação, explicação e aplicação da escala entre as discentes para padronizar o processo de coleta dos dados.
Para a caracterização sócio demográfica foram coletadas as seguintes informações: faixa etária, sexo, estado civil, escolaridade, situação profissional, renda individual, renda familiar e origem da renda. A análise da confiabilidade da versão adaptada da BCOS foi realizada por meio da medida de consistência interna dos itens do instrumento, calculada pelo coeficiente Alfa de Crobanch. O valor atribuído a esta medida varia de 0 a 1, em que quanto maior o valor, mais a congruência entre os itens, indicando a homogeneidade de escala.(31) Caso a exclusão de um item elevasse mais de 0,1 do alfa total do domínio, este seria excluído.(32)
A adaptação e validação(33) da BCOS foram autorizadas, por via eletrônica, pela Dra. Tamilyn Bakas, principal autora do instrumento, em conformidade com a Lei nº 9610/98. O estudo foi desenvolvido de acordo com o preconizado pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
A avaliação semântica da versão traduzida da BCOS foi realizada com a amostra de cuidadores, contudo, foi observado que os participantes apresentavam dificuldade em compreender o que a maioria dos itens expressavam. O comitê de juízes avaliou a versão traduzida segundo o conteúdo (pertinência teórica e clareza dos itens) e a semântica (compreensão dos itens), obtendo-se um Kappa abaixo de 0,80 na clareza de quase todos os itens para população. Quanto à pertinência, houve concordância em todos os itens com índice igual ou superior à 0,80.
Devido à dificuldade de compreensão da população e do baixo índice de concordância entre os juízes em relação a clareza dos itens, optou-se por realizar uma adaptação, com base nas sugestões expressas, apresentando uma descrição mais detalhada dos itens que obtiveram Kappa abaixo de 0,80 na etapa anterior, sendo denominada como “versão adaptada”. Essa versão foi entregue novamente ao comitê de juízes para avaliação, gerando um aumento no índice de concordância em todos os itens modificados, sendo obtido um Kappa superior a 0,80. Os juízes também realizaram algumas sugestões para melhorar a qualidade em relação à clareza dos itens, sendo elaborado a última versão do instrumento, chamada de “versão adaptada final” (Quadro 1).
Dentre os 151 cuidadores, foi observada maior frequência de indivíduos do sexo feminino (78,1%), com idade entre 56 e 65 anos (27,8%), casados ou em união estável (65,6%), apresentando de cinco a oito anos de estudo (27,2%), que referiram ser católicos (60,9%), possuir renda individual de até R$ 880,00 (44,4%) e renda familiar de R$ 881,00 a R$1760,00 (41,7%), em que a aposentadoria foi citada como a principal fonte de renda (32,5%), contudo, não consideravam esta renda como suficiente para custear as despesas da casa (58,3%).
Para análise da confiabilidade foi calculado o Alfa de Cronbach da escala, apresentando um valor total de 0,898. A avaliação da confiabilidade por meio da exclusão de cada um dos 15 itens gerou mínimas mudanças no valor total, o que não justificaria a exclusão. Diante disso, decidiu-se pela manutenção de todos os itens da escala. Na avaliação da sobrecarga, foi obtida uma média geral baixa (48,62) e também média baixa (abaixo de 4 = valor neutro) para cada item, exceto no item “Minha relação com o sobrevivente de acidente vascular cerebral”, o qual obteve média (4,00). Esse resultado demonstra que os cuidadores perceberam mudanças negativas em decorrência da prestação de cuidados.
Discussão
A elaboração e/ou adaptação de uma escala ou teste psicológico é bastante complexa, o que exige a execução de uma série de requisitos relacionados à sua fidedignidade e validade que são determinantes para que seja efetivada. A adaptação transcultural de um instrumento envolve duas fases fundamentais: a avaliação das equivalências conceptuais e linguísticas e a avaliação das propriedades psicométricas.(34) O processo de adaptação e validação da BCOS - 15 percorreu as etapas sugeridas pela literatura,(28) que envolveu tradução, síntese das traduções, retrotradução e validação semântica e de conteúdo com a população-alvo e juízes.
No que se refere à tradução da escala para a Língua Portuguesa, sugere-se que seja feita por dois tradutores, para minimizar vieses linguísticos, culturais e de compreensão. Portanto, a tradução não pode ser realizada de forma literal, pois, em muitas circunstâncias, poderá resultar em frases incompreensíveis ou não equivalentes ao sentido original. Por essa razão, a escolha dos tradutores é um aspecto relevante no processo de tradução e requer que sejam proficientes em ambos os idiomas e estejam familiarizados com as culturas associadas à linguagem dos diferentes grupos.(35) A síntese das traduções teve como objetivo comparar as diferentes versões e analisar as discrepâncias semânticas, idiomáticas, conceituais, linguísticas e contextuais, a fim de se chegar a uma versão única.(36)
A retrotradução da escala resultou em poucas alterações nas frases do instrumento, que não afetaram o sentido e o conteúdo dos itens da escala. Essa etapa é importante para analisar em que medida a versão traduzida reflete o conteúdo dos itens do instrumento, em conformidade com a versão original.(35) No processo de tradução e retrotradução, foi possível comparar as diferentes versões e consolidar o instrumento traduzido.
Nesse passo, os autores aconselham que os tradutores sejam bilíngues, não tenham participado da primeira etapa e não conheçam o instrumento. O objetivo é de corrigir possíveis erros de tradução que comprometam os significados dos itens e de rever interpretações equivocadas ocorridas durante as etapas de tradução e retrotradução, que deverão ser corrigidas. Essa técnica é a mais recomendada, porque dificulta que o viés de um tradutor passe pela versão preliminar. Por meio desse método também é possível fazer uma comparação entre as coletas de dados da versão traduzida e a da original.(28)
Na consolidação das traduções, a versão preliminar que foi entregue tanto a pessoas com baixo nível de escolaridade quanto a juízes especialistas, mostrou incompreensões em alguns itens. Por essa razão, considerou-se pertinente descrever os significados dos itens supracitados com base nas sugestões dos juízes, para evitar viés de interpretação tanto dos profissionais e dos pesquisadores que aplicarão o instrumento, quanto dos cuidadores informais. Esse aspecto é de extrema importância, em se tratando de um país tão extenso como o Brasil, com comportamentos, níveis de escolaridade e socioeconômicos e linguagem tão distintos. Assim, para que haja a uniformização da aplicação da escala, é importante a presença de uma explicação clara de cada item, sendo esta, também realizada em outros estudos de adaptação transcultural de escalas.(36–39)
A etapa de adaptação apresenta uma significativa relevância para que a o instrumento seja adequado para utilização em outro contexto, considerando-se os aspectos linguísticos, culturais e idiomáticos do país em que o instrumento está sendo adaptado.(35) Em muitas circunstâncias, é necessário alterar ou acrescentar palavras e/ou frases, para garantir a veracidade e a qualidade da informação coletada.
Os instrumentos de avaliação psicológica dependem, principalmente, da linguagem escrita, o que exige a adaptabilidade dos itens para a cultura à qual se destina, com o fim de manter o conceito a ser medido.(40) Nesse sentido, a adequação cultural de um instrumento traduzido possibilita que sua aplicabilidade e funcionalidade sejam equivalentes ao instrumento original em seu respectivo país, por meio do esclarecimento dos pontos obscuros presentes no texto traduzido. Esse aspecto melhora a interação e a comunicação durante a busca de informações do que se pretende avaliar.
Complementarmente às etapas de adaptação do instrumento, devem ser realizadas análises estatísticas para avaliar em que medida o instrumento pode, de fato, ser considerado válido e confiável para o contexto ao qual foi adaptado. Adaptar e validar um instrumento são, portanto, passos distintos, porém complementares.(35) Para testar as propriedades psicométricas da “versão adaptada final”, foram utilizados testes para a validação de constructo e de critério e avaliar a fidedignidade da escala.
No que se refere à confiabilidade da escala adaptada, a consistência interna realizada pelo Alfa de Cronbach foi de 0,89, o que revela uma medida internamente consistente, uma vez que o valor de referência é de 0,70 a 1,00. Valor semelhante foi encontrado na escala de 15 itens original(22) e em outros estudos de validação na língua inglesa, inclusive para outra população, como a de câncer, cujo alfa foi de 0,88.(41) Diante disso, pode-se assegurar que a BCOS adaptada para o contexto brasileiro manteve a fidedignidade da escala original. Além disso, na exclusão dos itens, não houve grande diferença no alfa, assim, foram mantidos os 15 itens na escala adaptada.
O presente estudo propicia reflexão e entendimento acerca da importância e vivência da família, e especialmente do cuidador principal, no processo de recuperação e reabilitação do paciente com uma doença incapacitante como o AVE, inserindo-o no como um sujeito que também necessita de atenção à saúde. Os cuidadores informais têm um trabalho árduo, mas importante, na reabilitação, integração social e motivação para a pessoa que está sob seus cuidados. Porém torna-se difícil prestar cuidados qualificados quando se experimenta mudanças negativas na vida. Sendo assim, torna-se relevante a avaliação da percepção do impacto que a prestação de cuidados tem na vida do cuidador.
As limitações evidenciadas neste estudo foram relacionadas à restrição da pesquisa ser realizada apenas com apenas cuidadores de indivíduos com AVE, impossibilitando avaliar a sua efetividade em outros cuidadores, como por exemplo, de criança que apresente alguma doença, de pessoas com distúrbios mentais, com câncer, deficiências, entre outros. A generalização dos resultados também se limita a cuidadores que residem em apenas uma região geográfica do Brasil, os quais apresentam costumes e cultura específica, o que pode influenciar nas respostas do instrumento. Sugere-se a realização de outros estudos psicométricos para avaliação de validade de constructo e critério do instrumento.
Conclusão
No processo de adaptação transcultural da BCOS-15 para língua portuguesa do Brasil, foram mantidas as equivalências conceitual, semântica e de medida conforme proposto na versão original. A escala no contexto brasileiro, mostra-se promissora para avaliação da sobrecarga de cuidadores de pessoas com sequela de AVE, pois é sensível o suficiente para detectar mudanças na vida destes. Por ser um instrumento breve e fácil de ser administrado, poderá ser uma valiosa ferramenta para os enfermeiros utilizarem no rastreamento da sobrecarga de cuidadores em todos os níveis de atenção à saúde. Além disso, também poderá ser utilizado para a identificação das dimensões que apresentaram maiores prejuízos na vida do cuidador, em decorrência da prestação de cuidado, auxiliando na definição de áreas prioritárias para intervenções e no registro do seu progresso ao longo do tempo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Mar 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
24 Jul 2019 -
Aceito
08 Jun 2020