Resumo
Objetivo: Descrever o processo de adaptação transcultural e as evidências de validade e confiabilidade da versão brasileira da Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto .
Métodos: Estudo do tipo metodológico realizado por meio das etapas de tradução, retrotradução, avaliação por comitê de juízes, pré-teste e validação. O processo de validação incluiu a participação de 500 puérperas que realizaram parto vaginal. Foram realizadas análises fatoriais exploratórias e confirmatórias.
Resultados: Após a análise dos juízes, foram aplicadas as alterações sugeridas e todos os itens apresentaram concordância entre os avaliadores acima de 80%. A análise fatorial exploratória e confirmatória indicaram um ajuste satisfatório do modelo com três dimensões e bons índices de confiabilidade (alpha = 0,95 e ômega = 0,94).
Conclusão: A versão brasileira abreviada da Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto é uma escala de 16 itens que apresenta boas evidências de validade e confiabilidade.
Descritores Parto normal; Trabalho de parto; Estudos de validação; Bem-estar materno; Enfermagem obstétrica
Resumen
Objetivo: Describir el proceso de adaptación transcultural y las evidencias de validez y fiabilidad de la versión brasileña de la Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto.
Métodos: Estudio metodológico realizado mediante las etapas de traducción, retrotraducción, evaluación por comité de jueces, prueba piloto y validación. El proceso de validación incluyó la participación de 500 puérperas que tuvieron parto vaginal. Se realizaron análisis factoriales exploratorios y confirmatorios.
Resultados: Después del análisis de los jueces, se aplicaron las modificaciones sugeridas y todos los ítems presentaron concordancia entre los evaluadores superior al 80 %. Los análisis factoriales exploratorios y confirmatorios indicaron un ajuste satisfactorio del modelo con tres dimensiones y buenos índices de fiabilidad (alfa = 0,95 y omega = 0,94).
Conclusión: La versión brasileña abreviada de la Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto es una escala que presenta buenas evidencias de validez y fiabilidad.
Descriptores Parto normal; Trabajo de parto; Estudio de validación; Bienestar materno; Enfermería obstétrica
Abstract
Objective: To describe the process of cross-cultural adaptation and validity and reliability evidence of the Brazilian version of the Bienestar Materno en Situación de Parto scale (Maternal Well-being in Childbirth Scale).
Methods: This is a methodological study carried out through translation, back-translation, assessment by a committee of judges, pre-test, and validation. Validation included participation of 500 mothers who underwent vaginal childbirth. Exploratory and confirmatory factor analyzes were performed.
Results: After analysis by judges, the suggested changes were applied, and all items showed agreement among evaluators above 80%. Exploratory and confirmatory factor analysis indicated a satisfactory fit of the model with three dimensions and good reliability indexes (alpha = 0.95 and omega = 0.94).
Conclusion: The short Brazilian version of the Bienestar Materno en Situación de Parto scale is a 16-item scale that presents good validity and reliability evidence.
Keywords Natural childbirth; Labor, obstetric; Validation studies; Maternal welfare; Obstetric nursing
Introdução
Durante o processo do parto, a satisfação com a assistência recebida interfere diretamente sobre a saúde e o bem-estar da mulher e de seu filho recém-nascido, ocasionando efeitos psicológicos, físicos e sociais.(1)
A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que o cuidado intraparto seja oferecido com objetivo de proporcionar experiências de parto e nascimento mais positivas. Considera-se uma experiência de parto positiva, aquela que atendeu às crenças e expectativas pessoais e socioculturais mais elementares das mulheres e de suas famílias. Isso inclui o nascimento de um bebê saudável em um ambiente clínico e psicologicamente seguro, utilizando práticas de suporte contínuas, uma equipe gentil e tecnicamente competente.(2)
Mulheres satisfeitas com a assistência apresentam mais sentimentos positivos de realização e autoestima, o que gera experiências e expectativas positivas em relação aos futuros partos e adaptação mais adequada ao papel materno.(1)
Por outro lado, mulheres insatisfeitas estão mais propensas a apresentar depressão pós-parto, sintomas de estresse pós traumático e dar preferência pela cesárea nos partos subsequentes.(3–5)
O bem-estar e a satisfação correspondem às percepções subjetivas em relação ao equilíbrio, à harmonia e à vitalidade do ser humano, percebidas segundo diferentes níveis. Nos níveis mais baixos de bem-estar, a pessoa se percebe em situação de enfermidade e, nos mais elevados, ela experimenta sensação de satisfação.(6)
O conceito de bem-estar, associado historicamente ao conceito de riqueza até a década de 60, passou a ser considerado a partir de avalições da vida como um todo, incluindo aspectos subjetivos, o que repercutiu diretamente no aumento dos estudos sobre o bem-estar subjetivo,(7) definido como a combinação resultante de afetos positivos, negativos e a satisfação geral com a vida.(8) Nesse sentido, pode-se entender tal conceito como sendo mais amplo e compreendendo uma dimensão maior que a satisfação, mas associados.
Trata-se de uma experiência interna de cada indivíduo, que emite um julgamento de como ele se sente e o seu grau de satisfação, influenciados durante o trabalho de parto e parto pela sensação dolorosa, controle pessoal e apoio social.(1,9)
Embora alguns estudos possam elucidar a perspectiva das mulheres em relação ao parto,(10–14) as experiências vividas são diversas, sem consenso e uniformidade nas propostas de avaliação da assistência prestada.
Dos 36 instrumentos analisados em uma revisão, 29 não foram avaliados em relação às suas propriedades psicométricas. Além disso, existe uma grande diferença entre eles quanto ao momento de aplicação, dimensões e número de itens. Nesta revisão, foram incluídos somente os instrumentos na língua inglesa e francesa.(15)
No Brasil, dois instrumentos foram utilizados para avaliar a satisfação das mulheres com o parto.(16,17) O primeiro, adaptado do Questionário de Experiência e Satisfação com o Parto (QESP), desenvolvido em Portugal,(18) utiliza duas subescalas da versão original, com um total de 41 questões referentes a experiências positivas e negativas vivenciadas no parto.(16) O segundo instrumento, contém perguntas que medem a satisfação com os cuidados gerais de saúde da Pesquisa Mundial de Saúde (WHS)(19) e avalia itens relativos à satisfação geral com o parto, assistência pós-parto, neonatal e violência institucional.(17)
Alguns aspectos ainda pouco explorados foram identificados na Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto (BMSP), elaborada com o intuito de mensurar o bem-estar de mulheres chilenas em situação de parto de maneira multidimensional. O conceito de bem-estar que originou o instrumento foi obtido por meio de uma abordagem qualitativa, com base na teoria fundamentada nos dados, utilizada para explorar fenômenos sociais e experiências em saúde. Foram realizados grupos focais com 29 puérperas de parto vaginal de baixo risco obstétrico. A primeira versão possuía 42 itens, agrupados em oito fatores.(20) A segunda versão, denominada BMSP 2, possui 47 itens distribuídos em sete domínios: qualidade do relacionamento durante o cuidado (13 itens); autocuidado e conforto (9 itens); condições que propiciam o contato mãe e filho (4 itens); cuidado despersonalizado (6 itens); participação familiar contínua (4 itens); cuidado oportuno e respeitoso (6 itens) e ambiente físico confortável (5 itens). A BMSP 2 é uma escala do tipo Likert, cujas respostas variam entre um (discordo totalmente) e cinco (concordo totalmente), havendo uma opção neutra (não concordo nem discordo). Por meio do escore total do instrumento, é possível estabelecer os três possíveis níveis de bem-estar materno: ótimo, adequado e mal-estar.(21)
A avaliação do bem-estar materno em situação de parto é fundamental para avaliar a experiência da mulher quanto ao cuidado oportuno e respeitoso, a qualidade do relacionamento durante o cuidado e as condições que propiciam o contato mãe e filho. Aspectos diretamente relacionados com a comunicação efetiva e a promoção de um cuidado materno respeitoso.(12,20)
Dentro desse cenário, pode-se entender que há uma negligência quanto à mensuração do bem-estar materno, uma vez que anterior a este levantamento, não há evidência de demais estudos brasileiros que contribuam especificamente nesse aspecto.
Pelo fato ter sido desenvolvida por obstetrizes chilenas, a BMSP 2 tem semelhanças em relação à cultura brasileira, quando comparada a outras culturas e linguagens. Além disso, verifica-se que os aspectos avaliados na escala se assemelham aos identificados nas narrativas a respeito da experiência de parto expressas por mulheres assistidas em Centro de Parto Normal.(22)
Diante do exposto, o presente estudo teve o objetivo de descrever o processo de adaptação transcultural e analisar a validade e a confiabilidade da versão brasileira da Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto (BMSP 2).(21)
Métodos
Trata-se de estudo metodológico, aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer no 170.412. A autorização para realizar a adaptação cultural da escala chilena BMSP 2 para o português foi concedida pelas autoras do instrumento original, elaborado na língua espanhola. Todas as participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
De acordo com Beaton et al. (2000), o processo de adaptação transcultural de um instrumento para uso em novo país busca alcançar a equivalência entre as versões de origem e destino. Para tanto, os itens não devem apenas ser traduzidos, mas também adaptados culturalmente, para manter a validade de conteúdo em um nível conceitual. Nesse sentido, a adaptação transcultural foi realizada mediante o desenvolvimento das etapas de tradução para o idioma português (Brasil), síntese das traduções, retrotradução ou back-translation , avaliação por comitê de especialistas e pré-teste.(23)
A composição dos membros do comitê foi baseada nos seguintes critérios: conhecimento da temática relativa à assistência ao parto, domínio dos idiomas português e espanhol e conhecimento dos processos de construção e adaptação de instrumentos de medida de variáveis psicossociais. Após as análises, foram aplicadas as alterações sugeridas individualmente pelos juízes, aceitando-se como equivalentes os itens com, pelo menos, 80% de concordância entre os avaliadores, conforme recomendado por Pasquali.(24)
As fases de pré-teste e validação do instrumento foram desenvolvidas junto às mulheres que receberam assistência ao parto em um hospital público do Município de São Paulo, no período de janeiro a abril de 2013. Essa instituição possui centro de parto normal, centro obstétrico, centro cirúrgico, unidade de UTI adulto, pronto atendimento e ambulatório de especialidades e se caracteriza pelo atendimento terciário para as várias áreas da assistência à saúde da mulher. A assistência ao parto é prestada por médicos e enfermeiras obstétricas.
Para análise das propriedades psicométricas da escala, participaram 500 puérperas que tiveram parto vaginal no Centro de Parto Normal e Centro Obstétrico. Esse número foi estabelecido mediante a proporção de 10 puérperas para cada item do instrumento (47 itens).(25)
Foram incluídas neste estudo as puérperas que permaneceram, no mínimo, quatro horas em trabalho de parto na instituição, possuíam 18 anos ou mais de idade, tinham quatro anos ou mais de estudo, não tiveram complicações no decorrer da gestação e do parto e estavam com seus recém-nascidos no setor de alojamento conjunto. Os dados desta pesquisa foram obtidos no setor de alojamento conjunto, a partir de 24 a 48 horas após o parto. Foi elaborado um instrumento específico para a caracterização da população, composto por dados sociodemográficos e obstétricos.
Com a finalidade de testar as propriedades psicométricas, foram analisadas as evidências de validade e confiabilidade da versão brasileira da BMSP 2. As validades de face e conteúdo foram verificadas pelos membros do comitê de juízes e pela população alvo, durante o pré-teste da escala.
A validade de constructo relacionada à dimensionalidade do instrumento foi verificada por meio de análise fatorial exploratória (AFE), obtida mediante análise paralela baseada em matriz policórica.(25,26) A extração dos fatores foi feita pelo método unweighted least squares (ULS) com rotação promax e adotou-se como critério mínimo das cargas fatoriais e comunalidades ≥ 0,40.(25) Um Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) ≥ 0,70 e o teste de esfericidade de Bartlett (TEB) significante foram considerados para indicar a adequação da amostra deste estudo.(25)
Para verificar o ajuste do modelo final, foi desenvolvida a análise fatorial confirmatória (AFC), por meio do método de máxima verossimilhança. Na análise dos modelos, para verificar qual deles se ajustava melhor, foram analisados os índices de ajuste goodness of fit index (GFI) e comparative fit index (CFI). Um conceito análogo ao CFI é o normed fit index (NFI), índice de ajuste comparativo interpretado como uma porcentagem de incremento no ajuste sobre o modelo nulo. O Tucker-Lewis coefficient (TLI) e, por fim, o standardized root mean square residual (SRMR), que se refere à média padronizada dos resíduos nas discrepâncias entre a matriz observada e o modelo, também foram analisados.(25,27)
A confiabilidade foi avaliada a partir de dois indicadores: Alfa(28) e o Ômega.(29) A adoção de 2 indicadores busca aumentar a confiabilidade da interpretação, pois tem ocorrido inconsistências da confiabilidade por meio do Alpha de Cronbach.(28) Os índices de confiabilidade sofrem efeitos da natureza da distribuição dos dados e do tamanho da amostra, bem como, seus valores podem ser elevados em decorrência de escalas longas, de itens paralelos e/ou redundantes ou cobertura restrita do construto em análise.(30) Valores dos índices de confiabilidade ≥ 0,7(28) têm sido considerados adequados. Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Factor 9.2.0 .
Resultados
As traduções do instrumento do espanhol para o português foram realizadas por dois tradutores independentes, de nacionalidade brasileira, com fluência no idioma da versão original. A síntese, versão em português AB (VPAB), foi submetida a dois tradutores nativos da língua espanhola que residiam no Brasil há alguns anos. As retrotraduções foram realizadas individualmente e, de sua síntese, originou-se a versão em espanhol AB (VEAB). Quando comparada à versão original, não foram observados itens que necessitassem de alterações, pois o significado foi mantido.
A VPAB do instrumento foi apresentada a um corpo de juízes composto por nove pessoas. Quatro delas fizeram a análise das equivalências semântica e idiomática e cinco fizeram a análise das equivalências cultural e conceitual dos itens.
Após as análises, foram aplicadas as alterações sugeridas individualmente pelos juízes. Todos os itens apresentaram concordância entre os avaliadores acima de 80%. A incorporação dessas sugestões ao instrumento deu origem à versão em português do consenso entre juízes (VPCJ), submetida ao pré-teste.
Optou-se pela técnica da prova para analisar a compreensibilidade dos itens. O instrumento foi aplicado a dez puérperas que possuíam características semelhantes às da amostra do estudo. Como não houve nenhuma dificuldade em preencher ou compreender a escala, manteve-se a VPCJ como a versão brasileira da BMSP 2. As participantes dessa etapa não foram incluídas na amostra do estudo.
Ao término dessa etapa, obteve-se a validade de face e a validade relacionada ao conteúdo da versão brasileira da BMSP 2.
Para a análise das propriedades psicométricas, a versão brasileira da BMSP 2 foi aplicada a 500 puérperas. Quanto às características sociodemográficas, 396 (79,2%) mulheres viviam com o parceiro, tinham em média 26(+5,6) anos e 224 (44,8%) identificavam-se como brancas. Um total de 321 (64,2%) participantes tinham entre 9 e 11 anos de estudo. A renda familiar mensal era de um a dois salários mínimos para 329 (65,8%) mulheres, sendo que 21 (4,2%) recebiam um salário mínimo por mês. Um total de 353 (70,6%) participantes não exerciam atividade remunerada. A religião mais referida foi a Católica, mencionada por 235 (47,0%) mulheres, seguida da Evangélica, mencionada por 130 (26,0%).
Quanto às características obstétricas, 179 (35,8%) eram primigestas e 321 (64,2%) já haviam tido uma ou mais gestações. Quanto à idade gestacional, 320 (64%) mulheres tinham entre 39 semanas e 40 semanas e 6 dias. A maioria das participantes tinha realizado seis consultas ou mais durante o pré-natal (99,2%). Além disso, 228 (45,6%) mulheres apontaram que a gestação foi planejada pelo casal.
Embora a versão original tenha sido concebida com sete fatores, a AFE inicial dos 47 itens recomendou cinco fatores (KMO 0,91; TEB 27755,8 p < 0,001), com variância total explicada de 71,8%. No entanto, excluindo-se os fatores compostos por menos de três itens, itens com problemas de saturação (que saturavam em mais de uma dimensão), com baixa comunalidade (inferior a 0,30), colineares ou com dupla negativa e inversão de respostas, restaram 16 itens distribuídos em três fatores (KMO 0,90; TEB 8673.3 p < 0,05), que juntos explicam 86,4% do fenômeno, conforme mostrado na tabela 1 .
Observou-se que todos os itens são altamente correlacionáveis com os fatores a que pertencem e todos possuem alta comunalidade. Os itens foram reorganizados de acordo com a carga fatorial em ordem decrescente, originando a versão brasileira abreviada da BMSP 2.
Na análise fatorial confirmatória, observou-se que o instrumento reduzido com 16 itens apresenta índices de ajuste (GFI = 0,88; NFI = 0,91; CFI = 0,92; TLI = 0,90; SRMR = 0,112), além de ótima confiabilidade (alfa = 0,95; ômega = 0,94). Portanto, o melhor conjunto de itens para o instrumento reduzido é composto por 16 itens organizados em três dimensões e que, juntos, explicam 86,4% do fenômeno bem-estar materno em situação de parto.
O nome das três dimensões foi relacionado ao item de maior carga fatorial, mantendo o nome proposto pela autora do instrumento, conforme apresentado no quadro 1 .
A faixa de classificação do bem-estar foi determinada a partir de pontos de corte estimados, ajustando um modelo de regressão linear simples entre o escore da versão brasileira abreviada da BMSP 2, em função do escore da versão brasileira de 47 itens. Com a reta determinada, foram encontrados os pontos de corte para a versão abreviada. Portanto, por meio do escore total do instrumento, é possível explorar o bem-estar materno em três níveis: ótimo (pontuação > 63), adequado (pontuação entre 55 e 63) e mal-estar (pontuação < 55). O quadro 2 apresenta a versão brasileira abreviada da Escala de Bem-estar Materno em Situação de Parto.
Discussão
Como limitações do estudo, cita-se a inexistência de outras escalas semelhantes validadas no Brasil, não permitindo comparações. Destaca-se, ainda, a impossibilidade de realização do teste-reteste a fim de analisar a estabilidade do instrumento, uma vez que este deve ser avaliado com a mesma amostra e em curto espaço de tempo.
Disponibilizar este instrumento para uso dos pesquisadores e profissionais da área atuantes no Brasil pode proporcionar contribuições importantes para a tomada de decisões no âmbito do cuidado, sendo relevante para o aperfeiçoamento dos indicadores de bem-estar no parto, segundo a perspectiva das protagonistas do processo, ou seja, as próprias mulheres. Cabe destacar a adequada aplicabilidade da versão abreviada para a utilização durante o período após o parto, em função do baixo grau de dificuldade e sua rápida aplicação.
As etapas de adaptação transcultural foram realizadas de acordo com as recomendações da literatura, amplamente utilizadas.(23)
Não existe um consenso em relação à melhor forma de se realizar o processo de adaptação transcultural, embora, em geral, as diretrizes sigam processos similares. Mesmo sem a existência de uma diretriz que seja considerada consenso, algumas etapas são indispensáveis, como a tradução/retrotradução, a revisão por comitê de especialistas e o pré-teste. Todas essas etapas foram executadas neste estudo.(31) Durante o processo de tradução e retrotradução, não foram encontradas diferenças que comprometessem o significado do texto.
O comitê de juízes foi constituído por profissionais com conhecimento comprovado sobre a metodologia de adaptação cultural de instrumentos ou a respeito da assistência à mulher durante o parto. A concordância entre os juízes quanto à equivalência entre o instrumento original e o traduzido mostrou-se excelente. Apenas algumas alterações foram sugeridas para facilitar a compreensão dos itens pela população brasileira.
A AFE demonstrou a adequação de um modelo de três dimensões, sendo congruente com o conceito de Uribe et al ., (20) segundo o qual o constructo bem-estar é percebido como um fenômeno complexo multidimensional, dinâmico e interdependente da satisfação da mulher durante seu processo de parto, resultado de uma série de situações que se relacionam entre si, ordenadas em torno do bom tratamento. Constatou-se que, para a população brasileira, o bem-estar envolve um conjunto de fatores técnicos e humanos. O destaque foi atribuído à qualidade do relacionamento durante o cuidado, ao cuidado oportuno e respeitoso e às condições que propiciam contato mãe e filho.
Esses resultados reiteram os achados obtidos em estudos de avaliação da satisfação das mulheres em relação ao parto, nos quais os fatores mais valorizados foram o relacionamento com a equipe e a compaixão, a empatia e o respeito dispensado pelos profissionais. Além disso, destacaram-se o fornecimento de orientações sobre o progresso do trabalho de parto, o envolvimento da mulher nas decisões sobre a gestão da dor e o apoio ao aleitamento materno.(12)
A variância total explicada da versão brasileira abreviada da BMSP 2 (86,4%) apresentou valor superior à versão original do instrumento (57,3%) e as comunalidades variaram de 0,61 a 0,93, indicando a ótima contribuição dos itens para a avaliação do fenômeno.(21,32) Esse resultado mostra que, para a população brasileira, os 16 itens explicam 86,4% do fenômeno de bem-estar em situação de parto. Cabe ressaltar que, ainda na versão original, o domínio “qualidade do relacionamento durante o cuidado” apresentou autovalor de 14,6 e variância total explicada de 31,1%, mostrando o maior peso desse atributo na BMSP 2; os seis domínios restantes, como um todo, representam 26,2% do bem-estar materno.
Para a versão brasileira abreviada da BMSP 2, todas as cargas fatorais estiveram acima de 0,77, ou seja, apresentaram forte correlação com cada dimensão. Além disso, as altas correlações entre os domínios indicam a avaliação de um mesmo fenômeno e apoiam a validade de constructo do instrumento.(32)
Na AFC, os índices de ajustamento do modelo obtidos revelam uma boa adequabilidade do modelo,(25,27) confirmando a tridimensionalidade, resultante da AFE.
Os resultados alcançados no estudo da confiabilidade da versão brasileira abreviada da BMSP 2 revelam alfa = 0,95 e ômega de 0,94, demonstrando semelhanças essenciais com os parâmetros publicados para a versão original (alfa = 0,93).(21)
O estudo centrou-se na validade de conteúdo, face e constructo, que mostraram níveis satisfatórios. O estado da arte contemporâneo aponta para a busca de evidência de validade. Portanto, o instrumento deve passar por diversas técnicas para assegurar sua estrutura, funcionamento e precisão. Nesse sentido, outros estudos devem ser realizados no país, para continuar a busca de evidências sobre sua validade e confiabilidade, com análise de outras propriedades psicométricas.
Conclusão
O processo de adaptação transcultural e validação da “Versão brasileira da Escala de Bienestar Materno en Situación de Parto 2 ”, para o idioma português do Brasil, seguiu as etapas preconizadas pela literatura. Na etapa de adaptação transcultural, foram confirmadas as equivalências idiomática, semântica, cultural e conceitual com a versão original. De acordo com a análise das propriedades psicométricas, a versão brasileira abreviada da BMSP 2 é uma escala tridimensional de 16 itens que apresenta boas evidências de validade e confiabilidade para medir o bem-estar materno em situação de parto, podendo ser utilizada no cotidiano de assistência à mulher e/ou gestante.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
08 Out 2019 -
Aceito
20 Ago 2020