Open-access Tratamento pré-hospitalar da dor traumática aguda: um estudo observacional

Tratamiento prehospitalario del dolor traumático agudo: un estudio observacional

Resumo

Objetivo  Descrever e analisar a eficácia das intervenções levadas a cabo pelos enfermeiros para reduzir a dor dos doentes com lesões traumáticas.

Métodos  Estudo de coorte prospetivo realizado junto das Ambulâncias de Suporte Imediato de Vida em Portugal, entre 1 de março de 2019 e 30 de abril de 2020. Foram recolhidos dados sobre o tipo de intervenções implementadas e sobre o tempo que durou a aplicação dos procedimentos de salvamento. De forma a poder estudar a evolução das dores traumáticas agudas, foi utilizada uma Escala de Classificação Numérica composta por 11 pontos. As alterações do nível de dor registadas ao longo dos três momentos de avaliação realizados foram estudadas utilizando modelos lineares mistos com interceptos aleatórios para se poder analisar as medidas repetidas aplicadas ao mesmo paciente. Estas alterações foram avaliadas antes e depois da aplicação das intervenções para alívio da dor.

Resultados  596 pacientes foram incluídos neste estudo. A maioria era do sexo masculino (65,9%) e tinha média de idade de 53,05±19,72 anos. Houve redução na intensidade média da dor na ordem dos 2,44 pontos (p<0,005) entre o início e o fim da avaliação, e redução de 39,62% entre os pacientes que apresentavam nível de dor igual ou superior a 7 (46,7% contra 7,08%, p<0,05). As medidas que envolvem o uso de morfina, crioterapia e intervenções de suporte emocional provaram ser eficazes. As medidas de conforto como um todo não parecem ser capazes de ter um impacto significativo no alívio da dor.

Conclusão  As intervenções pré-hospitalares farmacológicas e não farmacológicas levadas a cabo pelos enfermeiros provaram ser eficazes na redução da dor. As medidas de conforto não provaram ser eficazes, pelo que o seu potencial deve ser repensado e reforçado.

Manejo da dor; Ferimentos e lesões; Assistência pré-hospitalar; Cuidados de enfermagem

Resumen

Objetivo  Describir y analizar la eficacia de las intervenciones llevadas a cabo por los enfermeros para reducir el dolor de los enfermos con lesiones traumáticas.

Métodos  Estudio de corte prospectivo realizado con las Ambulancias de Soporte Inmediato de Vida en Portugal, entre el 1º de marzo de 2019 y el 30 de abril de 2020. Se recopilaron datos sobre el tipo de intervenciones implementadas y sobre el tiempo que duró la aplicación de los procedimientos de salvamento. De forma a poder estudiar la evolución de los dolores traumáticos agudos, se utilizó una Escala de Clasificación Numérica compuesta por 11 puntos. Las alteraciones en el nivel de dolor registradas a lo largo de los tres momentos de evaluación realizados fueron estudiadas utilizando modelos lineales mixtos con interceptos aleatorios para posibilitar el análisis de medidas repetidas aplicadas con el mismo paciente. Estas alteraciones fueron evaluadas antes y después de la aplicación de las intervenciones para el alivio del dolor.

Resultados  596 pacientes fueron incluidos en este estudio. La mayoría era del sexo masculino (65,9 %), con un promedio de edad entre de 53,05±19,72 años. Hubo una reducción en la intensidad promedio del dolor del orden de 2,44 puntos (p<0,005) entre el inicio y el fin de la evaluación y una reducción del 39,62 % entre los pacientes que presentaban un nivel de dolor igual o superior a 7 (46,7 % contra 7,08 %, p<0,05). Las medidas que involucran el uso de morfina, crioterapia e intervenciones de soporte emocional probaron que son eficaces. No parece que las medidas de confort, de forma general, sean capaces de tener un impacto significativo en el alivio del dolor.

Conclusión  Las intervenciones prehospitalarias farmacológicas y no farmacológicas llevadas a cabo por los enfermeros comprobaron que son eficaces en la reducción del dolor. Las medidas de confort no comprobaron ser eficaces, motivo este por el que se debe volver a pensar su potencial y reforzarlo.

Manejo del dolor; Heridas y traumatismos; Atención prehospitalaria; Atención de enfermeira

Abstract

Objective  To describe and analyze the effectiveness of nurses’ interventions in pain reduction among patients with traumatic injury.

Methods  Prospective cohort study conducted in the Immediate Life Support Ambulances in Portugal from March 1, 2019 to April 30, 2020. We have collected data on the kind of interventions implemented and the time elapsed during rescue procedures. To investigate the course of acute trauma pain, a 11-point Numeric Rating Scale was used. Changes in the level of pain registered throughout the three assessment moments were studied using linear mixed-effects models with random intercepts to account for the repeated measurements conducted on the same patient. These changes were assessed before and after the administration of the pain relief interventions.

Results  596 patients were included in this study. Most of them were male (65.9%) and had a mean age of 53.05±19.72 years. There was a reduction in the average pain intensity of 2.44 points (p<0.005), between the beginning and end of the assessment, and a reduction of 39.62% among the patients who were experiencing a level of pain equal to or greater than 7 (46.7% vs 7.08%, p<0.05). Measures involving the use of morphine, cryotherapy and relationship-based measures have proven to be effective. Comfort measures as a whole do not seem to have a significant impact on pain relief.

Conclusion  Pre-hospital pharmacological and non-pharmacological nurses’ interventions have proven to be effective in reducing pain. Comfort measures have not been proved to be effective, so their potential must be rethought and enhanced.

Pain management; Wounds and injuries; Pre-hospital care; Nursing care

Introdução

A dor aguda é um motivo de queixa comum entre os doentes vítimas de trauma, apresentando prevalência de 70% no contexto pré-hospitalar.(1) No entanto, e embora este seja um problema comum e sobejamente conhecido, mais de 40% dos adultos referem que o alívio da dor pré-hospitalar é ainda insuficiente. (2)

A dor é a consequência de um evento patológico ou traumático ou de uma intervenção clínica invasiva ou não invasiva (3,4). No entanto, o subtratamento da dor continua a ser um problema generalizado no seio da emergência pré-hospitalar, devido, em grande parte, à falta de avaliação da dor por parte dos profissionais de saúde, à falta de diretrizes nacionais/institucionais (em Portugal) viradas para a gestão da dor e, ainda, às limitações das terapias atualmente disponíveis.(5) Estudos demonstraram a importância da educação superior e da formação contínua para aumentar o nível de conhecimentos e melhorar a atitude dos enfermeiros no que diz respeito a questões relacionadas com a gestão da dor. (6,7) Esta situação leva a uma gestão inadequada da dor aguda que terá profundas consequências fisiológicas e psicológicas e impactos negativos diretos no prognóstico do paciente (8-10) que poderão por sua vez causar elevados níveis de ansiedade e até complicações cardíacas.(2) Por conseguinte, um tratamento eficaz da dor é um indicador-chave da qualidade dos cuidados de saúde prestados.(11)

Embora o tratamento pré-hospitalar se baseie principalmente em intervenções farmacológicas cuja aplicação é estruturada pelos protocolos de ação em vigor (12,13), existem intervenções não farmacológicas que, embora menos comummente utilizadas, podem trazer grandes benefícios. As intervenções não farmacológicas proporcionam um considerável alívio médio da dor e, clinicamente, conseguem oferecer um importante alívio da dor a um grande número de pacientes. A aplicação de algumas destas intervenções não-farmacológicas na fase pré-hospitalar, como a imobilização, o posicionamento, a compressão, a aplicação de frio ou outras, está ainda mal documentada, o que dificulta a perceção do seu verdadeiro nível de evidência. (14)

A gestão da dor requer um equilíbrio cuidadoso entre o alívio eficaz da dor e a necessidade de prevenir consequências negativas que possam advir do tratamento farmacológico. Uma intervenção sensata pode passar pela combinação de intervenções farmacológicas e não farmacológicas, uma vez que estudos anteriores já demonstraram que o tratamento não farmacológico da dor está associado a uma diminuição dos possíveis efeitos negativos que podem ser causados pela aplicação exclusiva de um tratamento farmacológico. (15)

A gestão precoce e eficaz da dor é importante para reduzir as consequências imediatas e de médio/longo prazo da dor aguda. A oligoanalgesia é um fator de risco para o desenvolvimento da dor crónica e a gestão ineficaz da dor traumática aguda pode resultar numa diminuição da produtividade e da qualidade de vida dos pacientes (14). Assim, este estudo visa descrever e analisar a eficácia das intervenções levadas a cabo pelos enfermeiros para reduzir a dor dos pacientes com lesões traumáticas.

Metodos

Este estudo foi conduzido de acordo com as diretrizes definidas pela iniciativa Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). (16)

Estudo de coorte prospetivo realizado nas Ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (ASIV) em Portugal Continental e nos Açores, entre 1 de março de 2019 e 30 de abril de 2020. Todos os serviços de assistência proporcionados pelas ASIV são liderados por Enfermeiros Registados (ER) que trabalham na emergência pré-hospitalar.

Foram aplicados questionários de observação estruturados a 172 ER que aceitaram participar no estudo e tinham desenvolvido uma prática clínica regular no âmbito da gestão de pacientes vítimas de trauma.

Foram incluídos pacientes adultos vítimas de trauma que tivessem (1) idade superior a 17 anos e (2) sofressem de lesões resultantes de traumas fechados ou penetrante, quedas, acidentes rodoviários e explosões. Os critérios de exclusão foram os seguintes: pacientes vítimas de traumatismo que morreram antes de chegar às urgências; pacientes com traumatismo com (suspeita de) ferimentos provocados por calor, frio ou por substâncias químicas tóxicas. Doentes sob o efeito de álcool ou de outras substâncias psicoativas foram excluídos do estudo.

O tratamento da dor implementado pelos enfermeiros das ASIV seguiu as diretrizes do Instituto Nacional de Emergência Médica de Portugal (INEM) que supervisiona toda a prática pré-hospitalar em Portugal. As intervenções realizadas foram divididas em dois grupos principais: medidas farmacológicas e medidas não farmacológicas. Este estudo incluiu as seguintes intervenções não farmacológicas: medidas de suporte emocional (toque terapêutico, escuta ativa, o ato de segurar a mão do paciente e a presença terapêutica sem o uso do toque); crioterapia; aplicação de calor; distração; imobilização; elevação das extremidades; presença de familiares e amigos; medidas de conforto (posição confortável). As medidas farmacológicas disponíveis nas ASIV em Portugal são as seguintes: uso de paracetamol, morfina e tramadol. A intensidade da dor foi estratificada em 3 classes: dor leve, descrita como uma dor inferior a 4 numa escala de avaliação em que a dor é avaliada de 0 a10; dor moderada, descrita como uma dor cuja intensidade se situaria entre 4 e 6; e dor severa, descrita como uma dor cuja intensidade se situaria acima do 6 numa escala de 0 a 10. O presente estudo avaliou a intensidade da dor baseada nos relatos disponibilizados pelos próprios pacientes.

O instrumento de recolha de dados foi concebido pelo investigador principal. As variáveis relativas às características sociodemográficas e clínicas das vítimas assistidas foram as seguintes: idade, sexo e localização do traumatismo, tipo de lesão, hora da assistência, tempo que demorou o transporte e tipo de intervenções realizadas. Para avaliar a evolução da dor aguda provocada pelo traumatismo, utilizámos medidas de monitorização dos sinais vitais e uma Escala Numérica (EN) constituída por 11 pontos, uma medida de avaliação unidimensional válida e fiável.(17). Para este efeito, os pacientes foram avaliados em três momentos: antes (T1), durante (T2) e depois (T3) das intervenções dos enfermeiros.

O investigador principal promoveu uma formação específica destinada aos ER para que aprendessem a preencher o questionário com informações sobre o tratamento ministrado às vítimas de trauma. Esta formação foi importante para se conseguir a normalização dos dados e para reduzir o risco de enviesamento. Os enfermeiros incluídos no estudo não foram envolvidos na gestão e análise dos dados.

As variáveis contínuas incluiram as médias, desvios padrão e medianas e as variáveis categóricas frequências e percentagens. As alterações do nível de dor sentida pelos pacientes foram avaliadas, numa primeira fase, comparando a diferença de dor registada entre o primeiro e terceiro momentos reservados à avaliação da dor (Δ_PAIN) e a sua significância foi avaliada com recurso ao Teste dos Sinais e ao teste de Wilcoxon para observações pareadas. Δ_PAIN> 0 significa que a intensidade da dor diminuiu entre o primeiro e o último momento de avaliação (T1 e T3, respetivamente). O teste de McNemar foi utilizado para comparar a proporção de pacientes com um nível de dor superior a 4 (e superior a 7) entre o primeiro e o último momento de avaliação da dor. Δ_PAIN foi em primeiro lugar pensado para estudar a associação entre as alterações da intensidade da dor e cada uma das variáveis de interesse. O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para avaliar a associação entre Δ_PAIN e a idade. A associação com variáveis qualitativas foi investigada através da aplicação do teste Mann-Whitney.

As alterações na intensidade da dor registadas ao longo dos três momentos de avaliação foram estudadas utilizando modelos lineares de efeitos mistos com intercetos aleatórios para representar as medições repetidas do mesmo indivíduo. Os modelos foram estimados de forma a que se pudesse avaliar cada tratamento, embora só os resultados dos mais significativos fossem apresentados. Os modelos foram ajustados para variáveis relacionadas diretamente com o doente, onde se incluem a idade, o sexo, a localização do traumatismo e o tipo de lesão (contundente ou penetrante). Só são apresentados resultados que se refiram a tratamentos que se tenham revelado significativos. O primeiro momento de observação é considerado o tempo de referência; o segundo momento é denominado T2 e o terceiro T3. Os modelos incluem efeitos principais para os tratamentos e tempo, para além da sua interação (o produto do tratamento por Ti, i=2,3). Nos modelos finais, os termos não significativos foram removidos.

A análise estatística foi conduzida com auxílio do programa SPSS 26.0 da IBM e do Software R. O package “nmle” do R foi utilizado para estimar os modelos lineares mistos. Um teste bicaudal p<0.05 foi considerado estatisticamente significativo.

O estudo foi aprovado pelo INEM e pelo Serviço Regional de Proteção Civil e Incêndios dos Açores (SRPCBA). Este estudo foi realizado no âmbito do projeto “Evidências para Não Arriscar MaisVidas: do pré-hospitalar ao serviço de urgência e à alta (MaisVidas)”, com a referência: PROJ/UniCISE /2017/0001 e obteve o parecer favorável das Comissões de Ética do Centro Hospitalar de Tondela Viseu. A isenção da obrigação de obter o consentimento das vítimas foi concedida.

Resultados

Um total de 596 pacientes foram incluídos neste estudo. 65,9% (n=393) destes eram do sexo masculino. A idade média foi de 53,05 ± 19,72 anos. O trauma mais comum observado entre as vítimas foi o trauma cranioencefálico (43,8%, n=261), seguindo-se o trauma dos membros inferiores (38,9%, n=232), o trauma torácico (34,2%, n=204) e o trauma dos membros superiores (33,6%, n=200). O trauma contundente foi observado em 79,0% (n=471) das pacientes vítimas de trauma avaliados (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes (n=596)

Independentemente do tratamento aplicado, os resultados mostraram que existe uma redução de 2,44 pontos da intensidade média da dor medida pela Escala Numérica de 11 pontos, entre o início e o fim do processo de avaliação (p<0,005). No início da avaliação, 46,7% das vítimas reportavam uma intensidade de dor igual ou superior a 7 (dor severa), enquanto que durante a última avaliação houve uma redução significativa, e apenas 7,08% das vítimas referiram sentir esse nível de dor (p<0.005). No entanto, a administração de medidas de alívio da dor nem sempre está associada a uma melhoria na escala numérica de avaliação da dor. Paracetamol, tramadol, distração, elevação das extremidades, presença de familiares e amigos, e medidas de conforto não foram suficientemente eficazes, pois a diferença nos valores médios da dor foi inesperadamente menor no grupo de pacientes a quem estas medidas foram administradas (Tabela 2).

Tabela 2
Evolução da intensidade da dor no seguimento das intervenções dos enfermeiros no atendimento de emergência pré-hospitalar

As vítimas de trauma que receberam medidas de suporte emocional evidenciaram uma diminuição significativamente maior na intensidade da dor quando comparadas com as vítimas que não foram contempladas com tais medidas (Δ_PAIN=2.49±2.38 vs Δ_PAIN=1.54±1.95, p<0.05). O mesmo foi observado para as vítimas que receberam crioterapia. Estas apresentam melhorias significativas dos níveis de dor registados (Δ_PAIN=2,94±2,50 contra Δ_PAIN=2,33±2,32, p<0,05). A idade está negativamente associada a Δ_PAINspearman =-0.114, p=0.007), o que indica uma ligeira tendência para uma menor redução da dor em pacientes mais idosos.

Para aprofundar o estudo do impacto de cada um dos tratamentos anteriores sobre a intensidade da dor do paciente, foram estimados modelos lineares de efeitos mistos aplicados em separado para cada tratamento. Os resultados estão resumidos na tabela 3. Os sinais negativos dos coeficientes de regressão estimados para T2 e T3 indicam uma redução na intensidade da dor de T1 para T2 e de T1 para T3, respetivamente, no grupo de pacientes que não receberam qualquer tratamento. Os sinais dos coeficientes estimados para as interações Tratamento*Ti são também negativos, o que significa que a redução da dor é maior entre os pacientes que fazem parte do grupo de tratamento.

Tabela 3
Modelos lineares mistos para avaliar o impacto das intervenções dos enfermeiros sobre a dor ao longo dos três momentos de avaliação

As medidas de conforto não tiveram um impacto significativo sobre a intensidade da dor ou na sua evolução ao longo do tempo. Quanto às medidas farmacológicas, apenas a morfina teve um efeito significativo na diminuição da intensidade da dor entre o primeiro momento, T1, e o terceiro, T3 (p=0,04, tanto para modelos não ajustados como para os ajustados). Foi também observado um efeito positivo da morfina em T1 (embora não significativo para o modelo ajustado - p=0,06). Isto seria de esperar uma vez que a morfina é uma forma de tratamento administrada a pacientes com um nível de dor mais elevado. No que diz respeito a medidas não farmacológicas, apenas a crioterapia mostrou ter um efeito significativo na redução da dor entre T1 e T3 (p=0,003, tanto para os modelos não ajustados como para os ajustados). A imobilização tem um efeito positivo em T1 (embora não suficientemente significativo para o modelo ajustado - p=0,05), o que indica um nível de dor mais elevado, em T1, entre os pacientes que tinham sido imobilizados. No entanto, a imobilização não contribui significativamente para uma redução da dor ao longo do tempo. As intervenções de suporte emocional também mostraram ser eficazes na redução da dor (p=0,007 e p=0,006, para os modelos não ajustados e ajustados, respetivamente) (Tabela 3). Importa referir que, a seguir à administração da morfina, a crioterapia e as medidas de suporte emocional mostraram ter um papel significativo na redução da dor.

Todos os modelos fornecem indícios claros de que a intensidade da dor tende a diminuir com o tempo, contudo, esta redução é significativamente mais elevada nos pacientes que se encontram a receber morfina, crioterapia ou medidas de suporte emocional.

Discussão

As ASIV são um meio de assistência pré-hospitalar em que os enfermeiros desempenham um papel crucial. Para além da importância que atribuem às medidas de alívio como forma de melhorar o estado hemodinâmico das vítimas de trauma, estes profissionais de saúde pré-hospitalar encaram o tratamento da dor como uma das suas maiores prioridades.(18)

Os resultados mostram que o valor médio da intensidade da dor, e o número de vítimas com uma intensidade de dor de 7 ou superior, diminui após a intervenção dos enfermeiros (5,55±3,0 contra 3,12±2,16; 46,7% contra 7,08%, respetivamente). Alguns estudos recomendam que se deve iniciar a intervenção terapêutica quando o nível de dor de um paciente for superior a 4 na escala numérica de avaliação da dor, de modo a reduzir essa intensidade para um valor inferior a 4, ou pelo menos para se conseguir uma redução de 3 pontos (18). O nosso estudo demonstrou que 71,5% das vítimas tinham um nível inicial de dor de 4 ou acima e que essa percentagem desceu para 39,5% na fase final de avaliação. A utilização de medidas farmacológicas continua a ser prioritária no alívio da dor (19,20)

Os dados recolhidos durante a nossa investigação mostram a importância da morfina no alívio da dor, mas também sublinham a importância das medidas não farmacológicas e das medidas de suporte emocional.

Um ambiente hostil é responsável por uma maior perceção da dor (21),por isso acreditamos que o uso de medidas que possam ajudar a promover um ambiente seguro e de confiança, num cenário adverso como é o dos serviços pré-hospitalares de apoio à vítima de trauma, irá contribuir para melhorar o tratamento da dor. Os nossos dados mostram também que as medidas de suporte emocional estão associadas a uma redução da dor ao longo de todo o processo de avaliação e que os resultados obtidos são estatisticamente significativos. A utilização de medidas que assentam numa relação próxima com o paciente, e de outras, não substitui o papel desempenhado pelas medidas farmacológicas, no entanto parecem ser cruciais para tratar outros fenómenos que são frequentemente responsáveis por aumentar a perceção que o paciente tem da dor. O tratamento da dor requer uma abordagem multidisciplinar que se concentre nos componentes biológicos, psicológicos e ambientais ( 22)

Este estudo também mostrou que a maioria das vítimas de trauma experimenta uma diminuição da dor; contudo este alívio não é suficientemente eficaz uma vez que se traduz apenas numa pontuação média de 2,44 (±2,37) na EN. Por outro lado, nas vítimas que apresentam uma intensidade de dor inicial superior a 3 observa-se uma diminuição média de 3,29 (±2,19). Esta evidência é destacada na literatura, o que continua a demonstrar que as intervenções realizadas durante os cuidados pré-hospitalares não são inteiramente eficazes neste contexto particular.(18,23)

A imobilização, uma medida que foi utilizada com pacientes que apresentavam um valor de dor médio e mediano mais elevado (média=5,69±2,63, mediana=6 contra média=5,06±3,21, mediana=5), não tem qualquer influência no alívio da dor durante a avaliação final. A imobilização é uma medida ou técnica importante utilizada na prevenção de lesões causadas por traumas, mas é também responsável por elevadas taxas de desconforto.(24,25) É uma medida não farmacológica frequentemente recomendada para o alívio da dor (1), embora a bibliografia disponível não tenha ainda sido capaz de demonstrar a sua eficácia (26)

A nossa investigação não conseguiu mostrar de forma cabal que as medidas de conforto oferecem benefícios eficazes.

É possível que exista uma certa parcialidade no que diz respeito aos efeitos do tratamento, dado que as intervenções aplicadas são diversas e, como tal, profundamente heterogéneas (27) No entanto, tanto ética como moralmente, e uma vez que se trata de um cenário de emergência, não poderíamos privar as vítimas de trauma da possibilidade de receberem diferentes tipos de intervenções em simultâneo para dessa forma conseguirmos analisar os efeitos que cada uma dessas intervenções tem no paciente.

Embora este estudo ofereça alguns resultados importantes para o tratamento da dor no contexto pré-hospitalar, algumas limitações têm de ser tidas em conta. Em primeiro lugar, uma vez que o trauma afeta na maioria dos casos mais do que um local anatómico, não é possível determinar quais as medidas que oferecem uma melhor eficácia para cada um desses locais. Em segundo lugar, consideramos que as medidas de conforto não foram suficientemente exploradas durante o processo de recolha de dados, deixando-nos assim com escassa informação sobre o impacto real que estas medidas podem ter no alívio da dor. Outra limitação importante está relacionada com as medidas de foro relacional ou de suporte emocional. Estas medidas (que incluem o toque terapêutico, a escuta ativa, o ato de segurar a mão do paciente e a presença terapêutica sem o uso do toque) foram consideradas como um todo, e não foi possível estudar cada uma delas individualmente. Futuras investigações deverão procurar estudar estas medidas individualmente para assim obter um conhecimento exato da sua real eficácia. O toque terapêutico foi administrado pelo ER, contudo não há informação sobre se existe algum tipo de certificação para a aplicação dessa intervenção, o que pode constituir um viés importante.

A gestão da dor traumática aguda requer uma abordagem multidisciplinar, pelo que se a ênfase for colocada exclusivamente nas medidas farmacológicas, o tratamento global dificilmente poderá ser eficaz. Acreditamos sim que a crioterapia e as intervenções de suporte emocional são eficazes como um complemento às medidas farmacológicas. Por outro lado, a falta de provas quanto à eficácia das medidas de conforto não deve significar que estas podem ser descartadas; pelo contrário, acreditamos firmemente que estas medidas devem ser repensadas e reforçadas, uma vez que o efeito negativo que a imobilização tem sobre a intensidade da dor sentida pela vítima pode ser invertido com a implementação de medidas de conforto eficazes.

Conclusão

A intervenção de enfermeiros pré-hospitalares que trabalham com as ASIV em Portugal tem sido eficaz no alívio da dor. Medidas como o uso de morfina, a crioterapia e as intervenções de suporte emocional provaram ser eficazes. Os enfermeiros pré-hospitalares utilizam várias medidas para aliviar a intensidade da dor dos seus pacientes, tanto farmacológicas como não farmacológicas ou ainda uma combinação de ambas. A gestão da dor pré-hospitalar deve integrar intervenções importantes que irão também influenciar a perceção da dor, uma vez que as evidências demonstram que uma abordagem deste fenómeno centrada exclusivamente em medidas orgânicas será seguramente ineficaz.

Agradecimentos

Este estudo é financiado por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projecto INVEST Refª: fab8899e-5c94-4c33-9807-f54cdc93b053 e do projeto Refª UIDB/00742/2020. Os autores agradecem o apoio da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e financiada pela FCT. Além disso, gostaríamos também de agradecer ao Politécnico de Viseu pelo valioso apoio prestado.

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Editado por

  • Editor Associado (Avaliação pelos pares): Fabio D’Agostino (https://orcid.org/0000-0002-4641-604X) Saint Camillus International University of Health and Medical Sciences, Roma, Itália

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2011
  • Aceito
    14 Jun 2021
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