Open-access Distresse moral vivenciado por gestores enfermeiros no contexto de hospitais universitários federais

Distrés moral vivenciado por gestores enfermeros en el contexto de hospitales universitarios federales

Resumo

Objetivo  Analisar a frequência e a intensidade de distresse moral em gestores de enfermagem de Hospitais Universitários Federais.

Métodos  Estudo transversal desenvolvido com gestores de enfermagem atuantes em diferentes níveis hierárquicos de Hospitais Universitários Federais por meio da aplicação da Escala Brasileira de Distresse Moral em Enfermeiros e questionário sociodemográfico e laboral. Para análise utilizou-se a estatística descritiva, teste de qui-quadrado e teste t para amostras independentes.

Resultados  Participaram do estudo 126 enfermeiros gestores, 32 do segmento estratégico e 94 do operacional. Um nível moderado de frequência e intensidade de distresse moral foi observado, com médias de 3,07(DP=1,21) e 3,55(DP=1,35), respectivamente. As maiores médias estiveram relacionadas aos fatores Equipe de trabalho, Cuidado seguro e qualificado e Condições de trabalho. Na comparação de grupos, o gestor operacional apresentou os maiores níveis de frequência e intensidade, com médias de 3,33(DP=1,20) e 3,76(DP=1,26), respectivamente.

Conclusão  Constatou-se que o distresse moral em enfermeiros gestores de hospitais universitários federais se encontra em nível moderado de frequência e intensidade, sendo que os enfermeiros do grupo Gestor de Enfermagem, apresentaram o maior escore de Distresse moral quando comparado ao grupo chefe de Divisão de Enfermagem.

Angústia psicológica; Hospitais universitários; Gestores de saúde; Moral; Enfermeiros e enfermeiras

Resumen

Objetivo  Analizar la frecuencia y la intensidad del distrés moral en gestores de enfermería de Hospitales Universitarios Federales.

Métodos  Estudio transversal desarrollado con gestores de enfermería que actúan en distintos niveles jerárquicos de Hospitales Universitarios Federales por medio de la aplicación de la Escala Brasileña de Distrés Moral para Enfermeros y el cuestionario sociodemográfico y laboral. Para el análisis se utilizó la estadística descriptiva, prueba chi-cuadrado y prueba t para muestras independientes.

Resultados  Participaron del estudio 126 enfermeros gestores, 32 del sector estratégico y 94 del operativo. Se observó un nivel moderado de frecuencia e intensidad de distrés moral, con promedios de 3,07(DP=1,21) y de 3,55(DP=1,35), respectivamente. Los mayores promedios estuvieron relacionados con los factores Equipo de trabajo, Cuidado seguro y calificado y Condiciones de trabajo. En la comparación de grupos, el gestor operativo presentó los mayores niveles de frecuencia y de intensidad, con promedios de 3,33(DP=1,20) y de 3,76 (DP=1,26), respectivamente.

Conclusión  Se verificó que el distrés moral de enfermeros gestores de hospitales universitarios federales se encuentra en un nivel moderado de frecuencia y de intensidad y los enfermeros del grupo Gestor de Enfermería presentaron la mayor puntuación de Distrés moral cuando comparado con el grupo jefe de la División de Enfermería.

Distrés psicológico; Hospitales universitários; Gestor de salud; Moral; Enfermeras y enfermeros

Abstract

Objective  To analyze the frequency and intensity of moral distress in nursing managers of Federal University Hospitals.

Methods  Cross-sectional study conducted with nursing managers working at different hierarchical levels of Federal University Hospitals through the application of the Brazilian Scale of Moral Distress in Nurses and a sociodemographic and working questionnaire. For analysis, we used descriptive statistics, chi-square test and t test for independent samples.

Results  126 nurse managers participated in the study, 32 from the strategic segment and 94 from the operational one. We have observed a moderate level of frequency and intensity of moral distress, mean 3.07(SD=1.21) and 3.55(SD=1.35), respectively. The greatest means were related to the factors Work team, Safe and qualified care and Working conditions. When comparing groups, the operational manager had the highest levels of frequency and intensity, mean 3.33 (SD=1.20) and 3.76 (SD=1.26), respectively.

Conclusion  We have found that moral distress in managing nurses of federal university hospitals is at a moderate level of frequency and intensity, and nurses in the Nursing Manager group had the highest Moral Distress score when compared to the head group of the Nursing Division.

Psychological distress; Hospitals, university; Health manager; Morale; Nurses

Introdução

O conceito de Distresse Moral (DM) descreve a experiência de enfermeiros frente a situações que os impedem de agir conforme seu próprio julgamento moral, ou seja, o sofrimento por não seguir o curso correto de ação devido a barreiras de diferentes ordens (pessoais, organizacionais e sistêmicas), inibindo o exercício da agência moral. Este construto foi expandindo-se ao longo das últimas décadas, incorporando novas nuances conceituais, cenários de aplicação e diferentes profissionais.(1-3)

O DM, fenômeno relatado inicialmente na prática clínica, vem sendo estudado em vários campos de atuação da enfermagem. Na área hospitalar é reconhecido que os enfermeiros gestores desenvolvem inúmeras atividades dinâmicas e complexas, com repercussões diretas sobre a continuidade e a qualidade do cuidado.(4) É nesse quadro que estes profissionais podem encontrar alguma diferença entre o trabalho real e o prescrito na organização do trabalho da enfermagem, relacionada à divisão do trabalho, conflitos de equipe, déficit de pessoal, infraestrutura inadequada, ritmo intenso de trabalho ou a falta de autonomia e a fragmentação do cuidado.(5,6)

Quando os diversos interesses organizacionais estão em dissonância com a vontade individual e a consciência ética, podem emergir sensações de fragilidade, esgotamento e angústia, potencializando a percepção de que a integridade pessoal foi comprometida.(7)

Desafios ético-morais precisam ser analisados em suas especificidades profissionais e institucionais, razão pela qual se destacam os gestores de enfermagem dos Hospitais Universitários Federais (HUF). Estes, desempenham papel estratégico na qualidade do cuidado e nas atividades de ensino e pesquisa, características essenciais dessas organizações. Sob uma nova estrutura de governança e concepção política de gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), gerenciam o maior contingente de profissionais da saúde, assegurando a manutenção contínua da prática sócio-humanista e de padrões éticos, além de mediarem conflitos de interesses e valores institucionais e profissionais.

Devido às preocupações com custos, métricas externas e expectativas organizacionais, gestores podem se sentir incapazes de traduzir suas crenças morais em ações fundamentadas na ética e, assim, a dor moral se instala. Isso é prejudicial não apenas para o bem-estar do enfermeiro, mas também para a prática clínica como um todo.(8)

Diante do entendimento de que os aspectos éticos e o DM se tornaram parte do ambiente hospitalar, suscita-se a importância do debate sobre este assunto. A avaliação da intensidade e frequência do DM entre os diferentes níveis de gestão em enfermagem nos HUF permite torná-lo sensível e perceptível em face das particularidades dos desafios diários e do novo modelo de governança proposto pela Ebserh. Nesse sentido, este estudo objetivou analisar a frequência e a intensidade de distresse moral entre os gestores de enfermagem em HUF vinculados à Ebserh.

Métodos

Estudo transversal desenvolvido em Hospitais Universitário Federais sob a gestão da Ebserh. A rede de HUF vinculados a Ebserh é constituída por 40 (quarenta) hospitais. A coleta de dados ocorreu em 30 (trinta) HUF/Ebserh que aceitaram participar do estudo tendo sido realizada no período de dezembro/2019 a maio/2020.

Conforme modelo hierárquico da gestão Ebserh, a chefia da Divisão de Enfermagem (DE) é estabelecida como o nível mais elevado da estrutura de governança de enfermagem, havendo uma chefia DE por hospital (N=40), sendo que cada HUF possui, obrigatoriamente, uma divisão de enfermagem em sua estrutura hierárquica. No núcleo operacional, encontraram-se os Gestores de Enfermagem (GE), considerados as demais chefias, lideranças de unidades ou serviços de enfermagem.

A população do estudo foi composta por enfermeiros em cargos de chefia (incluindo interinos) ou na função de liderança de qualquer Serviço de Enfermagem nos HUF/Ebserh. O critério que excluiu o participante do estudo considerou as chefias de outras categorias profissionais que assumem a liderança em enfermagem interinamente ou acumulam funções, mesmo que temporariamente.

O universo amostral de GE não foi possível determinar, pois não há uma uniformidade nos hospitais universitários em relação ao número e denominação das unidades assistenciais que variam conforme o porte do hospital, questões da organização próprias das instituições e por cargos gerenciais ocupados por enfermeiros referências nas unidades assistenciais.

O tamanho da amostra calculada foi de 118 participantes (DE = 30 e GE = 88). Para este cálculo, foi utilizado o Programa WINPEPI (versão 11.65), considerando poder de 80% e nível de significância de 5% e a razão de três participantes GE para cada DE (3:1). Por ser um estudo comparativo e pioneiro com essas populações, optou-se pelo cálculo amostral por Tamanho de Efeito. Definiu-se pela utilização de amostragem não-probabilística por conveniência.

Este estudo contou com a participação de 126 enfermeiros gestores (DE=32 e GE=94), ligados a 30 HUF/Ebserh. Durante o período de coleta de dados houve a substituição nos cargos de dois DE que já haviam respondido ao instrumento e foram mantidos na amostra. Dentre os GE convidados quatro foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão.

Foram estabelecidas variáveis sociodemográficas e laborais e aplicada a Escala Brasileira de Distresse Moral em Enfermeiros (EDME-Br) que se propõe a medir a frequência e intensidade de DM, concebidas por 49 questões que indicam as situações desencadeadoras de DM em uma dupla Escala Likert de 0 a 6, para frequência e intensidade (0 = nunca, até 6 = muito frequente; e, 0 = nenhum, até 6 = muito intenso; respectivamente).(9) As situações reunidas na escala expressam a identidade de seis fatores: Reconhecimento, poder e identidade profissional (F1=11 questões); Cuidado seguro e qualificado (F2=11 questões); Defesa de valores e direitos (F3= 8 questões); Condições de trabalho (F4= 6 questões); Infrações éticas (F5= 6 questões); e, Equipes de trabalho (F6= 7 questões).

Os dados foram coletados via on-line (formulário eletrônico). Como estratégia para minimizar as perdas amostrais foram recrutadas todas as chefias de DE, solicitando-se, para cada uma, apoio para encaminhar o instrumento de coleta e incentivar a participação dos demais enfermeiros GE de sua instituição.

Para fins de análise dos escores médios da frequência e da intensidade de DM, foram utilizados como parâmetros os seguintes intervalos: baixo (0-1,99); moderado (2,00-3,99); e, alto (4,00-6,00). O produto das médias de frequência e intensidade de DM para cada uma das 49 questões gerou uma nova variável para cada item, (FxI), entre 0 e 36, sendo que quanto mais elevado o escore, maior é o DM identificado por questão.

Após a codificação e categorização, os dados coletados foram tabulados em planilha eletrônica (base de dados) e analisados no software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 25.0. As variáveis categóricas foram apresentadas em suas frequências absolutas (n) e relativas (%). As proporções das características sociodemográficas e laborais entre os grupos (DE e GE) foram comparadas pelo teste de qui-quadrado. De acordo com os resultados do teste de normalidade de Shapiro-Wilk, utilizou-se o teste t independente para apuração e comparação de médias entre os grupos. O nível de significância adotado para os testes bivariados foi de 0,05.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi enviado via online aos participantes e a concordância em participar da pesquisa se deu pelo mesmo dispositivo. Como pesquisa unicêntrica com instituições coparticipantes, a coleta de dados, como única etapa da pesquisa realizada nos hospitais, foi realizada somente após aprovação no Comitê de Ética sob nº 3.549.474/2019, respeitando os aspectos éticos em sua integralidade, inexistindo conflitos de interesses, reais ou potenciais, de qualquer natureza.

Resultados

Os participantes do grupo DE apresentaram um perfil predominante com as seguintes características: feminino (n=29; 90,6%), acima de 50 anos de idade (n=18; 56,3%), formação acadêmica há mais de 20 anos (n=21; 65,6%), atuando como enfermeira há mais de 16 anos (n=19; 59,4%), exercendo atividade de gestão há pelo menos 16 anos (n=12; 37,5%), exercendo a função de chefia de DE entre um e cinco anos (n=17; 53,1%), possui especialização/residência (n=13; 40,6%), com formação na área de gestão (n=22; 68,8%); estatutária (n=28; 87,5%), possui um único vínculo (n=25; 78,1%) e carga horária de trabalho em média até 40 horas por semana (n=17; 53,1%), grande parte em hospitais de pequeno porte com até 199 leitos (n=15; 46,9%), da região Nordeste (n=14; 43,8%).

Os participantes do grupo GE apresentaram as seguintes características predominantes: feminino (n=87; 92,6%), idade entre 20 e 39 anos (n=66; 70,2%), formação acadêmica entre 11 e 15 anos (n=36; 38,3%), atuando como enfermeira até 10 anos (n=38; 40,4%), exercendo atividade de gestão há menos de cinco anos (n=62; 66,0%), exercendo função de chefia de DE entre um e cinco anos (n=58; 61,7%), com especialização/residência (n=46; 48,9%), porém sem formação na área de gestão (n=60; 63,8%), celetista (n=48; 51,1%), com um único vínculo (n=71; 75,5%) e carga horária de trabalho em média até 40 horas por semana (n=75; 79,8%), grande parte em hospitais de médio porte entre 200 e 399 leitos (n=42; 44,7%), da região Nordeste (n=38; 40,4%).

Observam-se variáveis com diferenças significativas entre os grupos DE e GE (teste de qui-quadrado) quando se comparam as características sociodemográficas e laborais: idade (p<0,001), tempo de formação (p<0,001), formação complementar (p=0,022), formação na área de gestão (p=0,001), tempo de atuação (p<0,001) e de experiência em gestão (p<0,001), tipo de vínculo (p<0,001) e carga horária de trabalho semanal (p=0,007).

A tabela 1 apresenta a análise das médias de frequência e intensidade dos fatores de DM entre os grupos DE e GE dos HUF/Ebserh. Observa-se significância estatística entre os grupos em relação a Frequência (p<0,001) e Intensidade (p=0,004) de DM, no qual os enfermeiros do grupo GE apresentam maior média de frequência (3,33) e intensidade (3,76) quando comparado aos DE (2,48; 2,99, respectivamente).

Tabela 1
Frequência e intensidade de Distresse Moral entre os grupos de enfermeiros gestores (DE=32 e GE=94)

Com base nos escores médios, observa-se nível moderado de frequência e intensidade (3,07 e 3,55, respectivamente) de DM entre os enfermeiros gestores dos HUF/Ebserh. As maiores médias estiveram relacionadas ao fator F6 (Equipe de trabalho), F2 (Cuidado seguro e qualificado) e F4 (Condições de trabalho); e as menores atreladas ao F1 (Reconhecimento, poder e identidade profissional), F5 (Infrações éticas) e F3 (Defesa de valores e direitos).

Em relação à frequência e intensidade de DM, verifica-se que as médias dos grupos diferiram significativamente nos fatores F1 (p<0,001; p=0,001, respectivamente), F3 (p<0,001) e F5 (p<0,001; p=0,009, respectivamente). Em todos os fatores, as médias de frequência e intensidade de DM do GE foram maiores quando comparadas às médias do DE.

Com base nas situações preditoras de DM da EDME-Br, a tabela 2 classifica as principais situações desencadeadoras de DM entre os enfermeiros gestores dos HUF/Ebserh. Assim, permite identificar que os grupos DE e GE geralmente se aproximam na concordância em relação aos itens mais angustiantes. Trabalhar com número insuficiente de profissionais para a demanda e vivenciar condições de sobrecarga de trabalho foram as principais situações desencadeadoras de DM. Trabalhar sob pressão pela insuficiência de tempo para o alcance de metas ou realização de tarefas e reconhecer rotinas e práticas inadequadas à segurança do paciente é mais angustiante para o grupo GE (GErank=5 e 11; DErank=11 e 17, respectivamente). Trabalhar com equipe multiprofissional de saúde incompleta e com auxiliares e técnicos de enfermagem despreparados é identificado como uma das principais causas de DM entre o grupo DE (DErank=4 e 6; GErank=13 e 21, respectivamente).

Tabela 2
Principais situações desencadeadoras de Distresse Moral entre os grupos de enfermeiros gestores (DE=32 e GE=94)

Discussão

Na estrutura organizacional da EBSERH, a governança é formada por uma Superintendência, três gerências (administrativa, de atenção à saúde e de ensino e pesquisa), divisões, setores e unidades. Os enfermeiros podem ocupar cargos em toda a estrutura hierárquica, no entanto, obrigatoriamente ocupam a Divisão de Enfermagem (DE), que é considerada o nível mais elevado da estrutura de governança, liderada por enfermeiros, responsáveis técnicos na instituição pela equipe de enfermagem, que apresentam uma maior aproximação com a assistência e a gestão em saúde, e que buscam articular a teoria e a prática continuamente.(10) Este perfil se refletiu nos dados encontrados, no qual os participantes do grupo DE, em relação ao grupo GE, possuem o melhor nível e maior tempo de formação, de atuação como enfermeiro e de experiência em gestão.

As adversidades do processo de trabalho da enfermagem, os conflitos relacionais e estruturais e a vivência de fatores de riscos multicausais de DM requerem retidão em todos os níveis da gestão e demandam por diferentes estratégias assertivas que podem estar atrelados a: formação profissional; desenvolvimento de competências gerenciais; satisfação com o trabalho; carga de trabalho; manutenção da qualidade dos serviços; resolução de conflitos e necessidade de trabalho em equipe.(11-14)

No contexto analisado, constatou-se que o DM está presente entre os enfermeiros gestores dos HUF/Ebserh em nível moderado resultados que coadunam-se com os achados de outros estudos mais recentes,(15-17) apontando, inclusive, a chance de levar o profissional ao abandono do emprego ou mesmo a carreira.(16)

No grupo DE o enfermeiro gestor com maior experiência profissional pode ter desenvolvido uma sensibilidade moral acurada, com competência ética robusta e coragem para agir em resposta às demandas conflituosas. Com experiência pode-se reconhecer o valor ético das relações e de resolução dos problemas, deflagrando a deliberação moral.(18-20) Supõe-se um perfil de gestor com maior grau de resiliência moral. A capacidade de enfrentar os problemas morais e não desenvolver o DM. A resiliência moral envolve a capacidade crítica como uma meta da profissão e uma virtude que permite manter os compromissos individuais e com os interesses dos vulneráveis.(3)

Em ambos os grupos de gestores os maiores escores de DM estiveram relacionados à Equipe de trabalho, tendo como referência o dimensionamento e a qualificação dos profissionais. Diante de diferentes necessidades e níveis de complexidade de um hospital, observa-se que a gestão em enfermagem se ocupa especialmente com a organização do trabalho e os recursos humanos de enfermagem.(21)

Os enfermeiros do grupo DE respondem tecnicamente pelo serviço de enfermagem junto aos Conselhos de Enfermagem e outras instâncias legais.(10) Assim, o estabelecimento do quadro quanti-qualitativo de profissionais de enfermagem nos HUF/Ebserh é uma competência direta da DE. Essa condição pode amparar o fato de que - Trabalhar com equipe incompleta e despreparada - é identificado como uma das principais situações desencadeadoras de DM.

Os enfermeiros gestores precisam garantir um contingente capacitado em tempo hábil e qualificado para atender às necessidades assistenciais e tecnológicas cotidianas da profissão e multiprofissional. Há, efetivamente, uma relação entre o DM e a quanti-qualidade dos profissionais de enfermagem.(22,23)

A alta produtividade, característica do modelo de organização do trabalho da enfermagem, sobrecarga o trabalho, sobressai o subdimensionamento de pessoal, associado com as variáveis que revelam polivalência e multifuncionalidade das práticas de enfermagem, com ênfase na agilidade e disponibilidade imediata, ameaçando a saúde do trabalhador, o próprio usuário e a qualidade do cuidado.(24)

Em todas estas situações é possível gerar um risco para a continuidade do - Cuidado seguro e qualificado - considerado o segundo maior fator desencadeador de DM entre os participantes. À medida que a segurança do paciente e o ambiente de prática se deterioram, há a tendência de elevação do nível de DM.(25) Mudanças positivas no ambiente organizacional (clima ético) demonstraram diminuir o distresse moral, aumentar a satisfação no trabalho e reduzir a rotatividade de pessoal.(2,26,27)

As condições de trabalho são as situações preditoras basilares que desencadeiam um maior nível de DM. Esse achado alinha-se com um estudo transversal brasileiro e pode refletir as vulnerabilidades no ambiente de cuidado, como a sobrecarga de trabalho e precariedade das condições laborais, impactando na segurança de profissionais e pacientes.(28)

Os enfermeiros do grupo GE, atuam como chefias em unidades organizacionais previstas na estrutura hierárquica ou são referência para a enfermagem, atuando na coordenação das equipes, nas unidades assistenciais (sem a ocupação de um cargo efetivamente). É no grupo GE que as angústias relacionadas ao - Reconhecimento, poder e identidade profissional; - Defesa de valores e direitos; - Infrações éticas - ganharam significância em frequência e intensidade de DM. É reconhecido que a enfermagem é uma profissão majoritariamente feminina e os enfrentamentos histórico-sociais perpassam por questões de gênero, representados por esforços na conquista de espaços e lutas por simetria de poder, liberdade na tomada de decisão (e ação em si), valorização e reconhecimento.(29,30) O ambiente de cuidado revela diferentes níveis na liberdade de tomada de decisão, bem como de responsabilidades. Possibilidades de experimentar intensamente o distresse moral, assim como a autonomia e a maior expressividade ética são afetadas especialmente pelo clima organizacional hierárquico, que pode enfatizar o poder profissional e social dos participantes, ou potencializar gatilhos para a geração de abusos e discriminações.(19,31)

Sabe-se que o DM é uma experiência singular, considera elementos internos e externos que pesam sobre a experiência profissional. O reconhecimento, o poder e a identidade profissional são construídos ao longo do tempo e a estrutura identitária do enfermeiro, em especial, nasce da percepção de si e do seu trabalho, influenciada pelos relacionamentos interpessoais, pela organização do trabalho e pelas inúmeras vivências de problemas morais no seu cotidiano.(28,32) O enfrentameto de problemas éticos pode comprometer a integridade moral do enfermeiro e, embora a intensidade do DM possa se dissipar em algum grau, um resíduo moral tende a se acumular.(3)

Os gestores do grupo GE, regem processos de trabalho finalísticos, ligados diretamente às particularidades relacionais no ambiente de cuidado, estão situados num contexto de frequentes situações com implicações éticas, que envolvem a defesa de valores e direitos. Nos microespaços de atuação dos enfermeiros, o exercício da advocacia do paciente carrega desafios de proteção da dignidade humana, promovendo ações de educação em saúde e comunicação efetiva, superando os limites impostos pelo ambiente de trabalho.(33) Isso inclui a necessidade do fortalecimento das relações profissionais, da construção de climas éticos compatíveis com o exercício da autonomia, da construção progressiva de competências morais, de coragem moral.(34,35)

Como responsável pela organização da estrutura operacional, o enfermeiro GE articula com o nível mais elevado da estrutura de governança de enfermagem, a DE. Nesse caso, as tensões e exigências relacionais ampliam conflitos éticos. Trabalhar sob pressão pela insuficiência de tempo para o alcance de metas ou realização de tarefas foi um dos preditores mais angustiantes para o grupo GE, apontado como variável que impacta a intensidade do trabalho da enfermagem.(24)

O DM pode ser encarado como uma experiência social, com potencial desestabilizar o grupo num movimento de sensibilização coletiva.(7) Os gestores de enfermagem dos HUF/Ebserh podem compartilhar as mesmas restrições ou entraves intra ou extra organizacionais e, cientes do problema moral, estarem impedidos de agir de acordo com seus princípios éticos. Esta percepção coletiva de experiência do DM pôde ser observada em ambos os grupos quando o assunto é Equipe de trabalho, ou quando a angústia está relacionada a Defesa de valores e direitos, no qual o grupo GE demonstra maior nível de distresse moral.

Os resultados deste estudo dificilmente poderão assegurar uma forte relação de causa e efeito, uma vez que se torna praticamente inviável estabelecer, medir e controlar todas as variáveis, levando em consideração o método adotado. Entende-se que estudos adicionais que abordem esta população são necessários, destacando que o instrumento utilizado por esta pesquisa foi validado recentemente.

Conclusão

Constatou-se que o distresse moral em enfermeiros gestores de hospitais universitários federais se encontra em nível moderado de frequência e intensidade, sendo que os enfermeiros do grupo GE, apresentaram o maior escore de DM quando comparado ao grupo DE. Os enfermeiros do grupo DE, por sua maior experiência e formação, sugerem maior nível de sensibilidade e de competência moral. Porém, se por um lado a experiência profissional apoia a percepção ética e a deliberação moral, por outro pode gerar resíduo moral e baixo engajamento moral em longo prazo. Além disso, é o enfermeiro GE que possui maior contato com os problemas morais cotidianos no ambiente de cuidado, bem como sofre com as tensões e exigências emanadas, em especial, pela DE, ampliando assim as situações e conflitos éticos e, possivelmente, o DM.

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Editado por

  • Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli. (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2021
  • Aceito
    25 Ago 2021
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