Resumo
Objetivo Analisar as principais causas e a tendência da mortalidade neonatal precoce e tardia evitável segundo as regiões brasileiras.
Métodos Estudo de séries temporais do tipo ecológico realizado com registros dos óbitos neonatais no período de 2000 a 2018 por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Para classificação das causas evitáveis utilizou-se a Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde. A partir das taxas de mortalidade dos componentes neonatal precoce e tardio foram realizadas regressões por joinpoints das principais causas com indicação da variação percentual anual e variação percentual anual média.
Resultados As maiores taxas de mortalidade evitável foram encontradas na fase neonatal precoce. A região Sul apresentou as menores taxas de mortalidade evitável. As principais causas segundo grupos da lista foram tétano do recém-nascido, síndrome da angústia respiratória, asfixia ao nascer, septicemia bacteriana, pneumonia e síndrome da morte súbita. A redução na mortalidade neonatal precoce foi maior de 2000 a 2004 (4,19% ao ano, p<0,001) e menor, entre os anos de 2012 e 2018 (1,80% ao ano, p<0,001). Considerando a mortalidade neonatal tardia houve redução anual média de 2,02% (p<0,001). A região Nordeste apresentou mais de um ponto de inflexão na tendência da mortalidade por desconforto respiratório e asfixia ao nascer e estabilidade por septicemia. Na região Sul foi identificado tendência de redução para todas as causas evitáveis estudadas.
Conclusão Houve menor redução na mortalidade neonatal precoce e desigualdades na tendência da mortalidade neonatal evitável segundo causas e regiões de residência.
Mortalidade infantil; Mortalidade; Causa de morte; Recém-nascido; Brasil
Resumen
Objetivo Analizar las principales causas y la tendencia de la mortalidad neonatal temprana y tardía evitable según las regiones brasileñas.
Métodos Estudio de series temporales del tipo ecológico, realizado con registros de las defunciones neonatales en el período de 2000 a 2018, por medio del Sistema de Información sobre Mortalidad. Para la clasificación de las causas evitables, se utilizó la Lista de causas de muertes evitables por intervenciones del Sistema Único de Salud. A partir de las tasas de mortalidad de los componentes neonatal temprano y tardío, se realizaron regresiones joinpoints de las principales causas con indicación de la variación porcentual anual y variación porcentual anual promedio.
Resultados Las mayores tasas de mortalidad evitable se encontraron en la fase neonatal temprana. La región Sur presentó las menores tasas de mortalidad evitable. Las principales causas, según los grupos de la lista, fueron: tétanos neonatal, síndrome de dificultad respiratoria, asfixia al nacer, septicemia bacteriana, neumonía y síndrome de la muerte súbita. La reducción de la mortalidad neonatal temprana fue mayor del año 2000 al 2004 (4,19 % al año, p<0,001) y menor entre los años 2012 y 2018 (1,80 % al año, p<0,001). Considerando la mortalidad neonatal tardía, hubo una reducción anual promedio del 2,02 % (p<0,001). La región Nordeste presentó más de un punto de inflexión en la tendencia de la mortalidad por malestar respiratorio y asfixia al nacer y estabilidad por septicemia. En la región Sur se identificó una tendencia de reducción de todas las causas evitables estudiadas.
Conclusión Hubo menor reducción de la mortalidad neonatal temprana y desigualdades en la tendencia de la mortalidad neonatal evitable según las causas y la región de residencia.
Mortalidad infantil; Mortalidad; Causas de muerte; Recién nacido; Brasil
Abstract
Objective To analyze the main causes and trends in preventable early and late neonatal mortality according to Brazilian regions.
Methods This is an ecological time series study carried out with records of neonatal deaths from 2000 to 2018 through the Mortality Information System. To classify the avoidable causes, the Unified Health System List of Preventable Causes of Death by Interventions (Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde) was used. From mortality rates of early and late neonatal components, joinpoint regressions of the main causes were performed using the Annual Percentage Change and Average Annual Percentage Change.
Results The highest avoidable mortality rates were found in the early neonatal phase. The South had the lowest avoidable mortality rates. The main causes according to groups on the list were tetanus of newborns, respiratory distress syndrome, birth asphyxia, bacterial septicemia, pneumonia and sudden death syndrome. The reduction in early neonatal mortality was higher from 2000 to 2004 (4.19% per year, p<0.001) and lower between 2012 and 2018 (1.80% per year, p<0.001). Considering late neonatal mortality, there was an average annual reduction of 2.02% (p<0.001). The Northeast had more than one turning point in the trend of mortality due to respiratory distress and asphyxia at birth and stability due to septicemia. In the South, a downward trend was identified for all the preventable causes studied.
Conclusion There was a lower reduction in early neonatal mortality and inequalities in the trend of preventable neonatal mortality according to causes and regions of residence.
Infant mortality; Mortality; Cause of death; Infant, newborn; Brazil
Introdução
O progresso no acesso e na qualidade dos serviços de saúde, bem como das condições de educação e renda da população tem contribuído para a redução da mortalidade infantil no Brasil e no mundo.(1,2) No entanto, a mortalidade neonatal mantém-se com elevadas taxas, principalmente em sua fase precoce, que é aquela compreendida entre o nascimento e o sexto dia de vida.(3)
Para combater esse problema, programas internacionais e nacionais foram implantados com o objetivo de organizar e qualificar os serviços de atenção durante a gestação e parto com ênfase nas situações de risco.(4) Embora tenham iniciado há décadas, ainda possuem fragilidades no que se refere a diminuição de mortalidade neonatal.(4-6)Nessa vertente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), preconizam ações para a redução da mortalidade infantil, em especial para a erradicação da mortalidade neonatal por causas evitáveis até o ano de 2030.(7)
As mortes por causas evitáveis são aquelas reduzíveis por ações disponíveis no sistema de saúde e refletem sobre a situação de acesso e qualidade dos serviços de saúde disponíveis para a sociedade, e estão indicadas na Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde (SUS).(8-10) A maior parte da mortalidade neonatal evitável é consequência da falta de adequada atenção durante o pré-natal, parto e cuidados com o recém-nascido,(11) com diferenças em relação às regiões de residência.(12)
Mesmo com evidências de que houve redução na mortalidade neonatal nas cidades e Estados brasileiros,(13,14)estudos que analisam as causas de morte nos períodos neonatal precoce e tardio separadamente, não foram identificados em bases de dados indexadas. E a identificação das principais causas evitáveis em cada fase neonatal pode contribuir para a elaboração de protocolos e linhas de cuidado voltados para o combate e manejo assertivo dessas causas, impactando em sua redução como sugere a ONU.
Diante da prioridade do combate às causas das mortes evitáveis no período neonatal é que este estudo foi proposto. Dessa forma, o objetivo foi analisar a tendência da mortalidade evitável neonatal precoce e tardia e das principais causas segundo regiões brasileiras.
Métodos
Estudo de séries temporais anuais do tipo ecológico sobre a mortalidade neonatal nas regiões do Brasil segundo fase neonatal e causas evitáveis, no período de 2000 a 2018. O país abrange 5.570 municípios em 27 unidades federativas, sendo 26 Estados e o Distrito Federal, agrupados em cinco regiões: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste (IBGE, 2019a). No Brasil, o SUS está organizado para atender as necessidades de saúde da população em todos os níveis de atenção, tendo por base os princípios da integralidade, equidade e universalidade. As consultas de pré-natal, pós-parto, visitas domiciliares e o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil são ações da Atenção Primária à Saúde disponíveis para a população materno-infantil.
De 2000 a 2018 ocorreram 591.097 óbitos neonatais no Brasil, sendo a população do estudo composta por neonatos (0-27 dias) distribuídos segundo a fase neonatal que ocorreram as mortes, precoce (0-6 dias) ou tardia (7-27 dias).
Os dados foram extraídos dos Sistema de informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) por meio do tabulador oficial do Departamento de Informática do SUS, o TABWIN. As planilhas estão disponíveis de acordo com o ano de ocorrência do óbito e do nascimento. Foram selecionados os dados de 2000 a 2018 de todos os estados brasileiros e Distrito Federal. Para a identificação das condições evitáveis foi utilizada a Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde – para menores de cinco anos.(10)Após a codificação das causas dos óbitos, foram selecionados os óbitos por causas evitáveis.
A análise foi realizada a partir das frequências absolutas e relativas das variáveis. Em seguida, foram calculadas as taxas de mortalidade por 1.000 nascidos vivos (NV) segundo fase neonatal precoce (0-6 dias) e tardio (7-27 dias); região de residência materna: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste; e grupo de causas reduzíveis por: ações de imunoprevenção, atenção à mulher na gestação, no parto, ao feto e ao recém-nascido, diagnóstico e tratamento, e ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas a ações de atenção à saúde.
Para a causa principal dos três grupos mais frequentes foram construídos modelos de regressão segmentada por meio do programa Joinpoint Regression Analysis. O programa realiza a análise linear segmentada, por meio da transformação logarítmica dos valores, e verifica se uma linha com múltiplos segmentos é significante melhor do que uma linha reta ou com menos segmentos. (15)).
Cada joinpoint significa um ponto de inflexão na reta, em que zero joinpoint representa uma reta linear, um joinpoint representa dois segmentos de reta e dois joinpoints em três segmentos de reta.(15) O software calculou a variação percentual anual média considerando todo o período (Average Annual Percentage Change - AAPC), e a variação percentual anual (Annual Percentage Change - APC) nos casos de linhas com um ou mais pontos de inflexão. Para os casos com linha reta (sem segmentos) AAPC é igual a APC. A tendência foi considerada crescente para AAPC e APC positivos, e decrescente para os valores negativos. Tanto para a análise da AAPC quanto da APC foram considerados um nível de estatística de significância menor que 0,05.
Definiu-se o ano de ocorrência como variável independente e o número de óbitos segundo causa de morte e período neonatal como variáveis independentes. Os nascidos vivos foram indicados como população e foi considerado taxa por mil habitantes. O estudo considerou a resolução nº 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e por tratar da análise de dados secundários, de consulta pública, sem informações que identifiquem os participantes, foi dispensado de análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos número do parecer 4.132.446 (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 34084620.7.0000.0106).
Resultados
Houve no Brasil, no período de 2000 a 2018, a morte de 453.411 neonatos de zero a seis dias de vida (76,71%) e 137.686 de neonatos de sete a 27 dias (23,29%), considerando todas as causas. A maior parte dos óbitos na fase neonatal precoce e neonatal tardia ocorreu por causas evitáveis, com proporção respectiva de 76,85% e 73,18% e taxa de 6,17 e 1,79 por mil nascidos vivos. A região Sul apresentou as menores taxas de mortalidade neonatal precoce evitável entre as regiões (4,84 por mil NV) e de mortalidade neonatal tardia (1,56 por mil NV). Por outro lado, a região Nordeste apresentou a maior taxa de mortalidade neonatal precoce evitável (7,58 por mil NV) e a região Norte a maior na fase neonatal tardia (1,91 por mil NV). As causas de mortes evitáveis predominantes na fase neonatal precoce foram dos grupos reduzíveis por ações durante a gestação, parto e cuidados com o recém-nascido. Os grupos de causas reduzíveis por ações de imunoprevenção, tratamento adequado e ações de promoção à saúde foram mais frequentes na fase neonatal tardia (Tabela 1).
Distribuição dos óbitos neonatais precoce e tardio segundo grupo de causas evitáveis por intervenções do SUS
As principais causas de mortes evitáveis, segundo cada grupo, foram tétano neonatal, síndrome da angústia respiratória, asfixia ao nascer, septicemia bacteriana, pneumonia e síndrome da morte súbita. As cinco principais causas dos grupos foram responsáveis por 57,44% a 91,15% do total de cada grupo (Tabela 2).
Distribuição dos óbitos neonatais evitáveis, segundo principais causas evitáveis por intervenções do SUS
Houve tendência decrescente nas taxas de mortalidade neonatal precoce e tardia no Brasil. O componente neonatal precoce apresentou redução de 4,19% (APC) ao ano no período de 2000 a 2004 (p<0,001), 3,13% (APC) ao ano no período de 2004 a 2012 (p<0,001) e 1,80% (APC) ao ano entre 2012 e 2018 (p<0,001). Considerando o período de 2000 a 2018, a redução foi de 2,93% (AAPC) ao ano (p<0,001). A mortalidade neonatal tardia apresentou redução de 2,02% (AAPC) ao ano (p<0,001) considerando todos os anos do estudo. O padrão de redução das taxas de morte por síndrome da angústia respiratória foi comum nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, pois apresentaram redução linear. No Brasil houve redução, mas com 2 pontos de inflexão, demonstrando ritmos diferentes de queda durante o período do estudo. Houve estabilidade nas mortes por asfixia neonatal no período de 2000 a 2004 no Nordeste (p=0,191) e no Brasil (p=0,252). Com exceção da região Sul, as mortes por septicemia permaneceram estáveis nas regiões de 2000 a 2004 e 2006. O Nordeste apresentou pontos de oscilações na redução das taxas de mortalidade por desconforto respiratório e asfixia ao nascer, embora a redução seja significativa, e estabilidade nas mortes por septicemia (p=0,146) (Tabela 3).
Discussão
Os principais resultados levam à constatação de que a maior parte dos óbitos neonatais no Brasil ocorreu na fase neonatal precoce e por causas evitáveis por intervenções do SUS.
Embora tenha ocorrido redução da mortalidade neonatal precoce e tardia no Brasil ao longo dos 19 anos do estudo, houve maior queda nas taxas de mortalidade neonatal evitável precoce no início do período, com posterior desaceleração nos anos seguintes. Foram constatados também diferenças nas tendências da mortalidade neonatal segundo causa evitável.
As mortes neonatais continuam a ser um grande desafio para a saúde pública no mundo e são responsáveis pela maioria das mortes que ocorrem entre crianças menores de cinco anos de idade.(2,16) Nesse contexto, a fase neonatal precoce é considerada a mais vulnerável e frequente(13,17) e tem apresentado tendência de aumento em alguns países.(18)
A região Sul apresentou as menores taxas de mortalidade evitável por mil nascidos vivos, tanto para a fase precoce quanto para a tardia. Na região Norte foi observada a maior taxa de mortalidade neonatal tardia evitável e Nordeste, a região com a maior taxa de mortalidade neonatal precoce evitável. O Ministério da Saúde divulgou aumento da mortalidade neonatal precoce e tardia em várias regiões do Brasil, com exceção da região Sul, a única que apresentou queda nos dois componentes.(5) As diferenças em relação ao desenvolvimento econômico, incentivos financeiros, oferta de empregos, grau de instrução e ampliação da rede de assistência à saúde são aspectos que influenciam nesses indicadores.(8,9,19) Um estudo realizado no Brasil identificou que houve redução da mortalidade neonatal em todas as regiões brasileiras, assim como na maior parte dos estados, com exceção do Amazonas, Roraima, Distrito Federal, Goiás, Sergipe e Maranhão, onde houve estabilidade das mortes.(20)
Em relação aos óbitos, os grupos de causas reduzíveis por atenção durante a gestação, parto e cuidados com o recém-nascido foram prevalentes tanto na fase precoce, quanto na tardia. A literatura sinaliza que essas causas foram prevalentes em um Estado da região Centro Oeste do Brasil.(17) Mesmo em locais com outras culturas, foram identificadas causas de mortes neonatais semelhantes, como na China onde foi constatado como principais causas complicações de parto prematuro (33,6%), anomalias congênitas (21,3%), infecções (12,6%) e asfixia ao nascer (9,1%),(18) condições que se adequam aos grupos da lista brasileira e aproximam-se dos resultados encontrados.
Quanto maior a organização e a qualidade do cuidado desde a gestação, melhores os desfechos neonatais encontrados.(21) O pré-natal tem ampla cobertura no território brasileiro,(22) no entanto, a qualidade dessa assistência necessita ser analisada.(11) O monitoramento fetal rigoroso é imprescindível para prevenir a morte fetal ou do recém-nascido, principalmente em gestações de risco.(23) Recentemente foi demonstrado que apenas 13% das gestantes receberam atenção adequada para o nível avançado do pré-natal, que considera o número de consultas, início do pré-natal, procedimentos realizados durante o pré-natal e exames laboratoriais.(24) Outras constatações indicam que o pré-natal adequado prevaleceu entre as mulheres de cor branca e que mulheres residentes na região Norte apresentaram as menores frequências de pré-natal adequado, enquanto a região Sudeste as maiores,(25) corroborando com as inequidades regionais observadas no presente estudo.
Em relação ao parto, uma avaliação sobre o processo de nascimento indicou fragilidade dos sistemas de saúde, nas diferentes regiões brasileiras, principalmente em relação à oferta do atendimento precoce para a população mais pobre.(26) Em diversos estudos foram constatados que fatores como intervenções excessivas durante o parto, a falta de acompanhante, a peregrinação entre maternidades, são alguns dos fatores que podem influenciar essa causa.(3,4)
A síndrome da angústia respiratória, asfixia e septicemia foram as causas mais frequentes nos grupos de causas reduzíveis por adequada atenção durante a gestação, parto e cuidados com o recém-nascido. Tratam de problemas interligados com a prematuridade com implicação em maior tempo de permanência hospitalar e tratamentos rigorosos.(27) Cuidados especializados são esperados para a prevenção desses agravos e estão intimamente ligados à sobrevivência neonatal (28-30) e devem priorizar a acessibilidade e qualidade do atendimento para os recém-nascidos.(16)
No período de 2000 a 2018, houve redução das mortes neonatais por desconforto respiratório, asfixia neonatal e septicemia nas regiões do Brasil, com exceção da região Nordeste que apresentou estabilidade na análise dos óbitos por septicemia. No nordeste também foi observado estabilidade por asfixia no período de 2000 a 2004 e oscilações nas taxas de mortalidade por desconforto respiratório e asfixia ao nascer, em contramão da tendência linear de redução das outras regiões.
As causas reduzíveis por ações de imunoprevenção e promoção da saúde foram mais frequentes na fase neonatal tardia. O presente estudo identificou uma parcela significativa de óbitos por síndrome de morte súbita e tétano neonatal, condições relacionadas principalmente à atuação da Atenção Primária à Saúde (APS) por ações de vacinação e orientações pós-parto no domicílio.
Para suprir as necessidades da saúde neonatal, os serviços de APS e hospitalares devem abarcar ações diretivas para as causas de mortalidade evitável. Há necessidade de intervenções interpessoais intensivas com aconselhamento voltado para a realidade de cada família e da comunidade onde a família está inserida.(31,32) O conhecimento sobre os cuidados com o recém-nascido é fundamental para a sua segurança, mas pode ser um desafio para os sistemas de saúde em todo o mundo. Foi encontrado em uma pesquisa no Nepal que 48,7% das mães não tinham conhecimento adequado sobre os cuidados com o neonato, sendo a idade e escolaridade da mãe, número de consultas pré-natal e proximidade com a unidade de saúde, fatores que impactaram no conhecimento materno.(16)
A pneumonia foi responsável por 46,10% das mortes do grupo de causas reduzíveis por diagnóstico e tratamento adequado. Mesmo não sendo frequente na mortalidade neonatal, é uma das principais causas de morbimortalidade pós-neonatal, e os serviços de atenção neonatal devem considerar a sua ocorrência quando os fatores de riscos estiverem presentes como a prematuridade, hospitalização, baixo peso, situação econômica da família e do acesso aos serviços de saúde.(33)
Por outro lado, as complicações decorrentes da síndrome de Down obtiveram prevalência de 21,23% dentro de seu grupo. Estão bem documentadas na literatura as complicações decorrentes da síndrome como a hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido, defeito do septo atrioventricular e hipertensão pulmonar, com prevalência de ocorrência de 55% nos portadores e proporção de mortalidade em 23%.(34) Ao identificar o desenvolvimento de um feto com a síndrome, a equipe deve estar preparada para atuar nas principais complicações, evitando a morte após o nascimento.
Como limitações do estudo ressalta-se que o estudo analisa dados secundários onde as digitações dos óbitos e nascimentos são realizadas de forma descentralizada, com possível digitações equivocadas. Entretanto, os resultados de estudos epidemiológicos que utilizam o SIM e SINASC retratam o perfil de mortalidade e nascimento no Brasil e o grande número de registros contribuem para minimizar suas possíveis falhas. Em diversas localidades tem-se utilizado fontes de dados secundárias para o estudo de óbitos evitáveis.(9,11)
Conclusão
Foi identificado tendência de redução na mortalidade evitável neonatal precoce e tardia. As causas frequentes de mortalidade neonatal evitável foram síndrome da angústia respiratória, asfixia ao nascer e septicemia, que apresentaram tendência de redução nas regiões brasileiras, embora algumas com períodos de estabilidade, com exceção da septicemia na região Nordeste que apresentou estabilidade durante todo o período do estudo. As equipes de saúde devem estar qualificadas para atender os neonatos nas principais causas de óbitos para promover sua prevenção. São causas frequentes, e independente da região de residência, os neonatos necessitam de assistência pré-natal, assistência ao parto, atendimento pós-natal e imunizações resolutivas por meio de políticas sólidas e atendimento de profissionais qualificados.
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Editado por
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Editor Associado (Avaliação pelos pares): Denise Myuki Kusahara (https://orcid.org/0000-0002-9498-0868) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
11 Ago 2022 -
Aceito
30 Nov 2022