Open-access Operacionalização e tempo dedicado pelo enfermeiro na alta hospitalar responsável

Operationalization and time dedicated by nurses in responsible hospital discharge

Operacionalización y tiempo dedicado por el enfermero en el alta hospitalaria responsable

Resumo

Objetivo  Investigar como enfermeiros de diferentes cenários de prática operacionalizam a alta hospitalar responsável, e quanto tempo eles se dedicam a este processo.

Métodos  Web Survey realizada com 71 enfermeiros de 29 hospitais do Estado de São Paulo, entre fevereiro e setembro de 2021. Quatorze atividades, validadas por especialistas em etapa anterior, embasaram a construção do questionário submetido ao pré-teste. Nele, foram solicitados dados pessoais e profissionais dos respondentes e, também, a regularidade, momento, profissionais envolvidos e tempo estimado para a condução das atividades na alta hospitalar. Para análise estatística aplicou-se medidas de tendência central e testes paramétricos e não paramétricos para comparação das variáveis.

Resultados  Os enfermeiros estavam vinculados a hospitais de ensino (n=46); públicos (n=14) e privados (n=11). Eram, majoritariamente, do sexo feminino 66(93%), com idade média de 36(DP 7,0); anos e tempo de atuação profissional de 11,8(DP 7,1) anos. Em sua maioria, desempenhava, função clínico/assistencial. Relatou-se que a maioria das atividades era realizada com regularidade nos primeiros quatro dias de internação. Agendamento de visita domiciliar, identificação de problemas pós-alta e contato telefônico (até sete dias) nunca eram executados pelos enfermeiros; 44(63,7%), 41(58,6%) e 51(71,8%), respectivamente. O tempo médio estimado para o processo representou 257,5 minutos.

Conclusão  A não implementação de forma sistemática de várias atividades e o tempo significativo demandado no processo podem nortear os gestores na revisão de protocolos relativos à alta responsável e no gerenciamento das práticas para o aprimoramento do processo.

Alta do paciente; Continuidade da assistência ao paciente; Avaliação de processos em cuidados de saúde; Carga de trabalho; Recursos humanos de enfermagem no hospital

Resumen

Objetivo  Investigar cómo enfermeros de distintos escenarios de práctica operacionalizan el alta hospitalaria responsable, y cuánto tiempo se dedican a este proceso.

Métodos  Web Survey realizada con 71 enfermeros de 29 hospitales del estado de São Paulo, de febrero a septiembre de 2021. Catorce actividades, validadas por especialistas en etapa anterior, fundamentaron la construcción del cuestionario sometido a la prueba piloto. En la prueba se solicitaron datos personales y profesionales de los encuestados, además de la regularidad, momento, profesionales involucrados y tiempo estimado para la conducción de las actividades en el alta hospitalaria. Para el análisis estadístico se aplicaron medidas de tendencia central y pruebas paramétricas y no paramétricas para la comparación de las variables.

Resultados  Los enfermeros estaban vinculados a hospitales universitarios (n=46), públicos (n=14) y privados (n=11). Mayormente eran de sexo femenino 66 (93 %), con edad promedio de 36 (DP 7,0) años; y tiempo de actuación profesional de 11,8 (DP 7,1) años. En su mayoría, desempeñaba función clínica/asistencial. Se reportó que la mayoría de las actividades era realizada con regularidad en los primeros cuatro días de internación. Programación de visita domiciliaria, identificación de problemas posteriores al alta y contacto telefónico (de hasta siete días) nunca eran ejecutados por los enfermeros; 44 (63,7 %), 41 (58,6 %) y 51 (71,8 %), respectivamente. El tiempo promedio estimado para el proceso representó 257,5 minutos.

Conclusión  La no implementación de forma sistemática de varias actividades y el tempo significativo demandado en el proceso pueden orientar a los gestores en la revisión de protocolos relativos al alta responsable y en la gestión de las prácticas para el perfeccionamiento del proceso.

Alta del paciente; Continuidad de la atención al paciente; Evaluación de procesos, atención de salud; Carga de trabajo; Personal de enfermería en hospital

Abstract

Objective  To investigate how nurses from different practice settings operationalize responsible hospital discharge, and how much time they dedicate to this process.

Methods  This is a web survey carried out with 71 nurses from 29 hospitals in the state of São Paulo between February and September 2021. Fourteen activities, validated by specialists in a previous stage, supported the construction of a questionnaire submitted to a pre-test. Respondents’ personal and professional data were requested, as well as the regularity, moment, professionals involved and estimated time for carrying out activities at hospital discharge. For statistical analysis measures of central tendency and parametric and non-parametric tests were applied to compare the variables.

Results  Nurses were linked to teaching (n=46), public (n=14) and private (n=11) hospitals. They were mostly female, 66 (93%), with a mean age of 36 (SD 7.0), years and professional experience time of 11.8 (SD 7.1) years. For the most part, they performed a clinical/assistance role. It was reported that most activities were performed regularly in the first four days of hospitalization. Scheduling home visits, identifying post-discharge problems and telephone contact (up to seven days) were never carried out by nurses, 44(63.7%), 41(58.6%) and 51(71.8%), respectively. The estimated average time for the process represented 257.5 minutes.

Conclusion  Failure to systematically implement various activities and the significant time required in the process can guide managers in reviewing protocols related to responsible discharge and in managing practices to improve the process.

Patient discharge; Continuity of patient care; Process assessment, health care; Workload; Nursing staff, hospital

Introdução

A alta hospitalar responsável foi implementada no sistema de saúde brasileiro em 2013, como uma diretriz para a continuidade do cuidado por meio de ações articuladas entre as instituições de cuidados de saúde e os pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS).(1) Pacientes oncológicos, idosos, em condição de cronicidade, portadores de doenças cardiovasculares e respiratórias e utilizando dispositivos e equipamentos para a saúde no domicílio são considerados elegíveis.(2,3)

O enfermeiro é reconhecido como mediador das relações interprofissionais e como articulador entre os diferentes serviços.(4)Destaca-se, também, nas ações educativas e no manejo de cuidados e situações críticas junto ao paciente/familiar.(2)No entanto, a inexistência de protocolos hospitalares(5) e a sobrecarga de trabalho gerada pela incorporação das atividades de alta à atuação do enfermeiro clínico podem comprometer a operacionalização deste processo.(6)

A preparação para a alta demanda tempo significativo.(7)Há grande concordância quanto ao início das atividades logo na admissão, mas, apenas, 2% das oito horas diárias de trabalho são dedicadas ao preparo do paciente para a alta.(8)

Na tentativa de buscar solução para esta problemática; a prática exclusiva de equipes e/ou enfermeiros no processo de transição dos cuidados tem sido indicada.(2)Experiências bem-sucedidas são encontradas em outros países(6,9,10)e despontam no Brasil.(11)Nestas, profissionais denominados de enfermeiros de ligação, navegador ou de enlace atuam na busca ativa, avaliação clínica e social de pacientes que precisam de cuidados continuados, realizando orientações e interações com profissionais, pacientes/familiares e serviços.

Produções científicas têm evidenciado atividades desempenhadas pelos enfermeiros e equipe em diferentes modelos de planejamento da alta e transição dos cuidados, mas não consideram o tempo demandado para a realização deste processo.(6,9,10,12) Além disso, outras variáveis inerentes à alta responsável como regularidade das atividades, momento em que ocorrem e profissionais envolvidos no processo ainda precisam ser melhor exploradas. Por se tratar de uma diretriz nacional e diante desta lacuna no conhecimento, esta investigação visa responder a seguinte questão: Qual é a percepção de enfermeiros sobre a operacionalização e o tempo estimado para a condução da alta hospitalar responsável? Dessa forma, este estudo tem por objetivo investigar como enfermeiros de diferentes cenários de prática operacionalizam a alta hospitalar responsável e quanto tempo dedicam a este processo.

Métodos

Esta pesquisa constitui-se em uma Web Survey e foi norteada pelas diretrizes do Checklist for Reporting Results of Internet E-Surveys (CHERRIES).(13)Foi conduzida junto a hospitais do Estado de São Paulo com boas práticas em saúde comprovadas por acreditações nacionais e internacionais. A coleta dos dados ocorreu de forma descontínua, devido à pandemia, no período de fevereiro a setembro de 2021.

A inclusão, na amostra por conveniência, ocorreu mediante os seguintes critérios: 1. Hospitais de porte médio, grande e/ou capacidade extra; 2. Gerais e especializados em Oncologia, Pediatria, Neurologia e Ortopedia; 3. De ensino, certificados pelo Programa Interministerial de Certificação dos Ministérios da Saúde e Educação;(14) 4. Acreditados pela Organização Nacional de Acreditacão (ONA)(15) como excelência (nível 3); Accreditation Canada International (ACI)(16) e Joint Commission International (JCI).(17)

Devido ao alto número de instituições encontradas e a dificuldade em identificar/contactar a população de interesse optou-se por uma amostra de 29 hospitais. Priorizaram-se os hospitais de ensino (HE) vinculados às universidades e os geridos por escolas médicas. Também, os públicos (PU) e privados (PV) de forma a abranger, tanto quanto possível diferentes Departamentos Regionais de Saúde do Estado de São Paulo buscando-se maior representatividade do estudo. Para a cidade de São Paulo, com um vasto complexo sistema hospitalar, elegeu-se a maioria dos hospitais privados credenciados pelo JCI e ACI.

Construiu-se um questionário a partir de atividades a serem realizadas pelo enfermeiro na alta hospitalar responsável e validadas, em estudo anterior, por especialistas.(18) Para delimitar os participantes e evitar viés nas respostas,(19)na parte inicial, o enfermeiro deveria confirmar a sua atuação no processo de alta responsável seguindo, então, para os dados pessoais, profissionais e referentes ao hospital. Sequencialmente, solicitou-se para que fossem assinaladas para cada atividade, a regularidade com que eram desempenhadas, momento em que ocorriam, profissionais envolvidos e tempo estimado em minutos para sua execução. Os participantes foram interpelados quanto à importância e praticabilidade nas instituições hospitalares da atividade não validada “Realizar acompanhamento do paciente/família através de contato telefônico” por ser referendada na literatura.(8,20,21)

O questionário construído foi inserido no aplicativo Google Forms com disponibilização do link, aos contatos identificados, por e-mail e mídias social e profissional, após pré-teste e realização de ajustes. O recrutamento dos participantes ocorreu através de contatos via e-mail, redes sociais de caráter profissional (LinkedIn) e mídia social (WhatsApp), utilizando-se o método de amostragem bola de neve.(22) Houve, também, designação de enfermeiros que atuassem na alta responsável por gerentes do serviço de Enfermagem. Lembretes foram enviados com intervalos de 15 dias, após o convite.

Os testes estatísticos foram processados pelo programa computacional The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 9.2 (SAS Institute Inc, 2002-2008, Cary, NC, USA), considerando-se o nível de significância de 5% (p<0,05). Aplicou-se: estatísticas descritivas com medidas de tendência central; teste Qui-Quadrado para a comparação das variáveis categóricas entre os tipos de hospitais ou o teste Exato de Fisher; o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis quando houve ausência de distribuição normal das variáveis, seguido do teste post-hoc de Dunn. As respostas abertas foram categorizadas, segundo os objetivos do estudo.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição campo de estudo (nº do parecer: 4.347.495/ Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 08412019.4.0000.5415. Obteve-se aceite dos participantes mediante assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Houve participação de 71 enfermeiros vinculados a 29 instituições (HE: n=46; PU: n=14 e PV: n=11) localizadas em nove cidades do Estado de São Paulo. Os hospitais eram de natureza geral – 59(83,1%), sendo 12(16,9%) especializados em Pediatria, Materno-Infantil, Cuidados Paliativos e Oncologia. A divulgação do link de acesso à pesquisa através das mídias profissional e social impossibilitou o cálculo da taxa de respostas. Os profissionais eram em sua maioria do sexo feminino; 66(93%), com idade média de 36(DP 7,0; variação 23-56) anos, tempo de atuação profissional de 11,8 (DP 7,1; variação 0,8 - 36) anos e no processo de alta de 4,3(DP 2,8; variação 0,5-9) anos. Em sua maioria, desempenhava função clínico/assistencial; seis (8,4%) relataram atuar, especificamente, em cargos de transição do cuidado como enfermeiro navegador, de kanban e de desospitalização. Algumas atividades nunca são realizadas pelos enfermeiros - variação 41(58,5%) a 51(71,8%). Dentre elas, destacam-se: A12- Agendar visita domiciliar para pacientes com maior demanda de necessidades de cuidados; A13 - Identificar problemas, após a alta hospitalar, via telefone ou em visita ao domicílio, e estabelecer um plano de cuidados para resolutividade dos mesmos e A14 - Realizar acompanhamento do paciente/família através de contato telefônico até sete dias, após a alta hospitalar. Encontrou-se diferença significativa na frequência entre os hospitais (p<0.01) nas atividades: Documentação/encaminhamentos (sempre no HE, frequente no PV, e nunca e sempre no PU); Compartilhamento de informações (às vezes, frequente e sempre no HE; nunca e às vezes no PV; nunca no PU); Ensino e manuseio de equipamentos (sempre no HE e PU, e frequente no PV) (Tabela 1).

Tabela 1
Regularidade de realização das atividades da alta hospitalar responsável nas instituições investigadas (ensino, públicas e privadas) (n=71)

O momento mais relatado para condução das atividades da alta hospitalar responsável foi durante a internação variando de 31(68,9) a 60(84,5%). Elaboração de plano de alta ocorre com maior frequência durante a internação no HE e PV e na alta no PU; e, Orientação ao paciente/família durante a internação no HE e PU e na alta no PV (p<0.05). Enfermeiros relataram que 27(39,1%) da Elaboração do plano de alta, 20(29,4%) da Orientação paciente/família, 16(23,9%) do Ensino manuseio equipamentos e 10(14,3%) do Projeto terapêutico são realizados no momento da alta. Houve menção, dentre os que implementam as atividades Contato telefônico pós alta, Agendamento de visita domiciliar e Identificação/solução de problemas pós-alta, de sua realização durante a internação (n=6), no momento da alta (n=6) e, também, no pós-alta (n=19). Os quatro primeiros dias de internação (D1-D4) são preferencialmente escolhidos para condução das atividades de alta responsável nos diversos hospitais – variação 51,5% a 68,7%. Destaca-se, ainda, dispersão das respostas e ausência de data definida para muitas delas. Não foi encontrada diferença entre os três tipos de instituições de saúde (Tabela 2).

Tabela 2
Dia do período de internação da realização das atividades da alta hospitalar responsável nas instituições investigadas (ensino, públicas e privadas) (n=71)

O contato telefônico após a alta, atividade não validada pelos juízes na rodada final Delphi, foi considerado muito importante 42(59,1%) e importante 28(39,4%) para enfermeiros das instituições pesquisadas; para 41(57,8%) como viável e muito viável e para 8(11,3%) como não viável. Teste Exato de Fischer não foi significativo para importância e operacionalidade. Encontraram-se várias combinações de profissionais envolvidos nas 14 atividades do processo. As mais citadas foram: 1. enfermeiro (E), médico (M), assistente social (AS), fisioterapeuta (F), nutricionista (N) e fonoaudiólogo (FO) - 27(38,6%); 2. enfermeiro, médico, assistente social - 8(11,4%); 3. enfermeiro, médico, assistente social, fisioterapeuta e nutricionista - 8(11,4%) e, 4. somente enfermeiro - 7(10%). O enfermeiro, individualmente, ou como parte da equipe realizou todas as atividades. A composição das equipes variou entre os três tipos de hospitais (p≤0,05). Houve maior frequência da combinação ‘E, M, AS, FI, N, FO’ no HE e no PU, e, de ‘E’ e combinações ‘E, FI, N, FO’ e ‘E, M, FI, N, FO’ no PV (A3-Projeto terapêutico). Na percepção dos enfermeiros, o tempo despendido para a realização das atividades de alta responsável variou de Md cinco minutos para as atividades; Compartilhamento de informações e Agendamento de visita domiciliar nos PU; a Md 52,5(IIQ 72,5) minutos para Coleta de informações nos PV. O somatório do tempo estimado para as 14 atividades que compõem o processo de alta responsável foi de 257,5 (variação 205-410) minutos (Tabela 3).

Tabela 3
Tempo estimado pelos enfermeiros (em minutos) para realização das atividades da alta hospitalar responsável (n=71)

Discussão

Não foram identificadas bases de dados constando hospitais que implementavam a alta hospitalar responsável para transição e continuidade dos cuidados e, apesar de representar uma região do país, a participação das instituições foi limitada, especialmente, quanto aos hospitais privados. Outros estudos podem se aproximar ou apresentar realidade distinta da evidenciada. Diante do contexto pandêmico, a adesão de enfermeiros que atuavam na linha de frente também pode ter sido comprometida, apesar da ampla divulgação.

Esta investigação apoia a difusão e valorização do processo de alta responsável e permite comparação entre instituições de ensino, públicas e privadas. Destaca a alta demanda de tempo para condução deste processo e a sobrecarga de trabalho gerada ao enfermeiro quando assume, conjuntamente, atividades clínicas/assistenciais e a transição e continuidade dos cuidados ao paciente. Ainda norteia os gestores na elaboração ou revisão de protocolos relativos à alta responsável, composição da força de trabalho e a avaliação do processo visando efetiva transição e continuidade dos cuidados ao paciente. Igualmente importante destacar o apoio aos educadores na formação profissional favorecendo, sobretudo, a integralidade e qualidade da atenção à saúde.

A partir de uma listagem contendo 14 atividades, sendo 13 validadas,(18) foi possível examinar a forma de operacionalização da alta hospitalar responsável por enfermeiros de diferentes cenários brasileiros de prática.

Os achados apontam a ausência de protocolos institucionais estabelecidos para nortear a condução deste processo, apesar de decorridos 11 anos desde a normativa brasileira ter sido implementada.(1)Muitos enfermeiros não conseguiram precisar o momento em que as atividades ocorriam, sinalizando que elas pareciam não seguir uma sequência pré-estabelecida, estando relacionadas à disponibilidade de tempo dos profissionais e dinâmica da unidade. A falta de limitação de prazo para início/realização das ações pode conduzir a um gerenciamento inadequado da alta responsável. A inexistência de protocolos e de contrarreferência também foi mencionada por enfermeiros de um hospital universitário na região sul do país como fragilidade à continuidade do cuidado agravada pela falta de sistema informatizado integrado e de gestão de indicadores.(5)

Os enfermeiros referiram conduzir as atividades, predominantemente, durante os primeiros quatro dias de hospitalização nas instituições pesquisadas. No entanto, observa-se dispersão de respostas assinalando percentual significativo de ações realizadas tardiamente, no momento da alta, dentre elas: Projeto terapêutico, Elaboração plano de alta (principalmente nos PU), Orientação paciente/família (nos PV) e Ensino do manuseio de equipamentos. Isso talvez possa ser explicado devido ao reduzido tempo de permanência do paciente nas instituições privadas ou outras demandas assumidas pelos enfermeiros nos hospitais públicos.

Esta conduta mostra-se em desacordo com as recomendações para o início do preparo do paciente/familiar para a alta de 24 a 48 horas, após a admissão.(5,10,19,20,23) Ainda que enfermeiros reconheçam o plano de alta como atribuição profissional e alguns referiram iniciar as atividades no momento da admissão; a sobrecarga de trabalho na clínica, muitas vezes, inviabiliza a realização deste planejamento ou ele ocorre tardiamente, no momento da alta.(5)O acúmulo de ações neste período pode comprometer a continuidade do cuidado na comunidade.

A gestão da complexidade terapêutica e a educação contínua do paciente, além de contribuírem para a transição dos cuidados são atividades inerentes à profissão.(24) Algumas competências, contudo, precisam ser desenvolvidas/aprimoradas na prática do enfermeiro, como conhecimento técnico e científico sobre a RAS e o cuidado centrado no paciente, especialmente, em serviços que não possuem equipe (s) destinada (s) à gestão da alta.(5) Assim, ações para o autogerenciamento do cuidado podem ser priorizadas e implementadas durante a internação,(4) de forma a atender as necessidades cuidativas, após a alta hospitalar.

Divergindo das recomendações nacionais(20,25)e internacionais,(8,21) o agendamento de visita domiciliar para pacientes com maior demanda de necessidades de cuidados; e, a identificação de problemas, após a alta hospitalar, via telefone ou em visita ao domicílio com estabelecimento de plano de cuidados para resolutividade dos mesmos não são implementados, de forma rotineira, tanto nas instituições de ensino quanto nas públicas e privadas.

Ainda que não tenha sido validado anteriormente(18) e também não seja operacionalizado na maioria dos hospitais estudados; o contato telefônico para acompanhamento do paciente/familiar, para esclarecimento de dúvidas e orientações foi considerado uma atividade importante e viável para a maioria dos enfermeiros. Esta forma de contato e a visita domiciliar até sete dias, após a alta são consideradas estratégias importantes para avaliação e continuidade dos cuidados ao paciente e devem ser conduzidas em conjunto com a atenção primária.(2)

Interessante destacar que apesar de 57,8% dos enfermeiros perceberem o contato telefônico como exequível, apenas 28,2% relataram conduzir esta atividade em seu campo de prática. A viabilidade dessas atividades, em algumas instituições, pode estar ligada à colaboração dos serviços de atenção domiciliar. Pressupõe-se que a sobrecarga de trabalho e a ausência de protocolos institucionais para o processo de alta possam estar associadas com a baixa operacionalização desta atividade. Portanto, futuras investigações necessitam confirmar esta conjetura.

O trabalho em equipe na alta responsável foi marcado por atividades comuns entre os profissionais, demonstrando a interdependência das ações.(26) Ratifica-se o papel central do enfermeiro no processo a partir dos achados, uma vez que ele atua, individualmente ou em grupo, em todas as atividades. A composição de equipes mais citadas inclui, fundamentalmente, o enfermeiro, o médico e o assistente social, similar a outros estudos,(2,6) além de outros profissionais como fisioterapeuta, nutricionista e fonoaudiólogo.

Os participantes referiram, ainda, coordenar as ações interprofissionais e realizar interação/encaminhamentos para a RAS. Ainda que exista predomínio no registro dos encaminhamentos (referência e contrarreferência), a não execução dessa atividade em hospitais públicos foi significativa. Legislação nacional (1) determina a organização dos serviços hospitalares no âmbito do sistema de saúde, mas, mesmo assim, identifica-se fragmentação na comunicação com potencial descontinuidade da atenção ao paciente.

Os relatos dos enfermeiros desta investigação apontaram a somatória de tempo estimado para as atividades, ainda que intermitentes, até seis vezes superiores à intervenção plano de alta indicada na literatura internacional.(27)No entanto, torna-se importante considerar que enquanto a hora relógio é objetiva e uniforme; o tempo psicológico é perceptivo e depende de fatores contextuais internos e externos como memória, história, experiência e expectativas.(28)O tempo autorreferido pode diferir (maior ou menor) do tempo cronometrado.(29)

Enfermeiros de hospitais privados estimaram mais tempo dedicados à alta responsável. Evidenciou-se além de 40 minutos dedicados, em média, às atividades, tais como, identificação dos critérios de elegibilidade, coleta de informações sobre o paciente e coordenação da equipe profissional. Infere-se que aspectos socioculturais inerentes à comunicação com o paciente/familiar e a articulação necessária entre os serviços públicos e privados para continuar cuidando podem influenciar no tempo dedicado pelos enfermeiros. Não foi possível estabelecer comparação com outros estudos.

Evidenciaram-se, nos diversos hospitais investigados, corroborando outros achados;(5,11)as atividades para acompanhamento do procedimento de alta responsável, sendo conduzidas por enfermeiros das unidades de internação, sobrepondo-se às demais demandas clínicas/assistenciais. Isto pode ocasionar sobrecarga de trabalho e redução do tempo dedicado a esta atividade, assim, comprometendo o desempenho e a efetividade do processo.(6,8)

Desta forma, a gestão do tempo torna-se um aspecto fundamental no processo de alta responsável. Experiências de enfermeiros atuando, exclusivamente, na busca ativa e coordenação do processo de alta e transição dos cuidados são relatadas em hospitais da América do Norte,(10,12) Europa(6,9)e de uma instituição brasileira.(11)No entanto, nesta pesquisa, apenas seis (8,4%) enfermeiros referiram atuar especificamente em cargos de transição do cuidado como enfermeiro navegador, de kanban e de desospitalização, mostrando que esta não é, ainda, uma realidade nas instituições brasileiras.

Os cenários de prática retratados estimulam a reflexão sobre o impacto do modelo vigente da alta hospitalar responsável na carga de trabalho do enfermeiro. A complexidade das ações e interações intra e entre serviços demandam tempo e esta dedicação profissional precisa estar prevista no dimensionamento da equipe clínica ou, então, de profissional/equipe específica para a gestão da alta. Além dos aspectos instrumentais (fluxos, protocolos e informações compartilhadas e gerenciadas), a provisão adequada de pessoal e a capacitação da equipe podem ser compreendidas como fatores determinantes para a continuidade dos cuidados, após a alta do paciente e, também, para a redução da sobrecarga de trabalho do enfermeiro.

Conclusão

Evidenciou-se que, na alta hospitalar responsável, os enfermeiros participam de todas as atividades previstas, de forma individual ou em equipe, e as realizam, majoritariamente, nos primeiros quatro dias de internação. São dedicadas mais de quatro horas, de forma intermitente, ao processo. E, nas diferentes instituições, o contato telefônico e a visita domiciliar, após a alta não estão sistematicamente implementados.

Agradecimentos

Ao Grupo de Pesquisa Gestão de Serviços de Saúde e de Enfermagem (GESTSAÚDE) da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).

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Editado por

  • Editor Associado (Avaliação pelos pares): Alexandre Pazetto Balsanelli (https://orcid.org/0000-0003-3757-1061) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Aceito
    19 Dez 2022
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