Resumo
Objetivo Avaliar o nível de incapacidade funcional e identificar os fatores associados em pessoas após Acidente Vascular Cerebral Isquêmico.
Métodos Coorte prospectiva, realizada em hospital de referência em neurologia, com 224 pessoas com acidente vascular cerebral isquêmico. A coleta de dados ocorreu entre março a outubro de 2019. Os participantes foram acompanhados durante a internação, quando as variáveis sociodemográficas e clínicas foram levantadas empregando-se instrumentos específicos e contatados após 90 dias, por ligação telefônica, para aplicação do Índice de Barthel modificado. Na análise, aplicou-se estatística descritiva e o teste Qui-quadrado de Pearson. Adotou-se significância estatística de 5%.
Resultados A maioria apresentou algum grau de incapacidade funcional (58,5%), sendo que 29,5% apresentaram dependência moderada e 29,0% severa ou grave. As variáveis sexo feminino (p=0,011), tempo de chegada ao hospital de referência maior ou igual a 4,5h (p=0,017), Acidente vascular cerebral prévio (p=0,031), não ter realizado trombólise (p=0,023), ter hipertensão arterial (p=0,032) e maior gravidade estimada pela National Institute of Health Stroke Scale (p=0,000) foram associadas a maior nível de incapacidade.
Conclusão Predominou a dependência de moderada a grave. A gravidade do evento, evento prévio, hipertensão, não submissão à trombólise, retardo à chegada ao hospital e sexo feminino foram associados a maior nível de incapacidade funcional.
Pessoas com incapacidade; Estado funcional; Atividades cotidianas; Acidente vascular cerebral
Resumen
Objetivo Evaluar el nivel de incapacidad funcional e identificar los factores asociados en las personas después de un accidente cerebrovascular isquémico.
Métodos Cohorte prospectiva, realizada en un hospital de referencia en neurología, con 224 personas con accidente cerebrovascular isquémico. La recopilación de datos se llevó a cabo entre marzo y octubre de 2019. Se acompañó a los participantes durante la internación, momento en que se recopilaron las variables sociodemográficas y clínicas mediante la utilización de instrumentos específicos, y se los contactó 90 días después, por teléfono, para aplicar el Índice de Barthel modificado. En el análisis se aplicó estadística descriptiva y la prueba χ2 de Pearson. Se adoptó significación estadística de 5 %.
Resultados La mayoría presentó algún nivel de incapacidad funcional (58,5 %), de los cuales el 29,5 % presentó dependencia moderada y el 29,0 % dependencia severa o grave. Las siguientes variables fueron asociadas a un mayor nivel de incapacidad: sexo femenino (p=0,011), tiempo de llegada al hospital de referencia mayor o igual a 4,5 h (p=0,017), accidente cerebrovascular previo (p=0,031), no haber realizado trombólisis (p=0,023), tener hipertensión arterial (p=0,032) y mayor gravedad estimada por la National Institute of Health Stroke Scale (p=0,000).
Conclusión Predominó la dependencia de moderada a grave. La gravedad del evento, evento previo, hipertensión, no realización de trombólisis, retraso de la llegada al hospital y sexo femenino fueron las variables asociadas a un mayor nivel de incapacidad funcional.
Personas con discapacidad; Estado funcional; Actividades cotidianas; Accidente cerebrovascular
Abstract
Objective To assess the functional disability level and identify associated factors in people after Ischemic Cerebral Vascular Accident.
Methods A prospective cohort, carried out in a reference hospital in neurology with 224 people with ischemic stroke. Data collection took place between March and October 2019. Participants were followed up during hospitalization, when sociodemographic and clinical variables were collected using specific instruments and contacted after 90 days, by telephone call, to apply the Modified Barthel Index. In the analysis, descriptive statistics and Pearson’s chi-square test were applied. Statistical significance of 5% was adopted.
Results Most had some degree of functional disability (58.5%), with 29.5% having moderate dependence and 29.0% having severe dependence. The variables being female (p=0.011), time of arrival at the reference hospital greater than or equal to 4.5 hours (p=0.017), previous stroke (p=0.031), not having undergone thrombolysis (p=0.023), having high blood pressure (p=0.032) and greater severity estimated by the National Institute of Health Stroke Scale (p=0.000) were associated with a higher disability level.
Conclusion Moderate to severe dependence predominated. The severity of the event, previous event, hypertension, non-submission to thrombolysis, delay in arriving at the hospital and female gender were associated with a higher functional disability level.
Disability persons; Functional status; Activities of daily living; Stroke
Introdução
Os distúrbios neurológicos são as principais causas de anos de vida perdidos, ajustados por incapacidade.(1) O acidente vascular cerebral (AVC) é a segunda e terceira causa de incapacidade funcional no mundo, em indivíduos de 50 a 79 anos e 25 a 49 anos, respectivamente.(2) O tipo isquêmico é o mais comum, sendo responsável por aproximadamente 80% dos casos.(3)
O AVC e a incapacidade funcional decorrente geram graves impactos emocionais, sendo necessário ao indivíduo adaptar-se a nova condição temporária ou permanente. Ainda há impacto econômico para o indivíduo e o Sistema Único de Saúde, pois a pessoa acometida pode necessitar de cuidados contínuos após a alta e de reabilitação, cujos custos são onerosos.(4) No Nordeste do Brasil, de 2008 a 2019, o custo por internação por AVC foi de R$1.050,65 e, neste mesmo período, as internações aumentaram em 124,2%.(5)
Para reduzir os danos é fundamental a prevenção do evento, assim como a chegada rápida do indivíduo a um serviço de saúde adequado e a prestação de cuidados e tratamentos precoces para minimizar a incapacidade funcional, como a infusão de trombolíticos e o manejo terapêutico adequado. Além disso, é fundamental a investigação etiológica, a estabilidade clínica, a prescrição de fármacos adequados à etiologia do AVC, o internamento em unidades especializadas e a reabilitação precoce.(6-9)
Destaca-se ainda que, a gravidade da lesão avaliada pela National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS), a ocorrência de evento recidivante e as complicações associadas podem predizer pior prognóstico funcional.(10) Outros fatores como sexo, raça/cor, idade, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia e fibrilação atrial podem aumentar o nível de dependência funcional gerada pelo agravo.(11)
A despeito de algumas investigações retratarem um conjunto de variáveis associadas a incapacidade por acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi), pouco se conhece sobre a mesma na população brasileira e em outros centros do mundo, a qual pode ser influenciada pelas especificidades do perfil clínico e sociodemográfico da população acometida, pela estrutura e qualidade da rede de atendimento, entre outros fatores.
O exposto mostra a importância de se conhecer características sociodemográficas e clínicas das pessoas acometidas por AVCi em contextos geográficos e de atendimentos em saúde específicos, bem como o nível de incapacidade funcional decorrente deste agravo e fatores associados. Esse conhecimento pode direcionar e proporcionar melhorias na assistência prestada, nas ações de reabilitação e educação em saúde voltadas às especifidades e necessidades dos indivíduos visando a prevenção e o controle do agravo e suas complicações.
Desse modo, o estudo teve como objetivo avaliar o nível de incapacidade funcional e identificar os fatores associados a este em pessoas após AVCi.
Métodos
Trata-se de uma coorte prospectiva, realizada em hospital de referência em neurologia no estado da Bahia, que possui uma Unidade de Acidente Vascular Cerebral (UAVC), de Nível III.(12) Os critérios de inclusão foram estar no máximo há 10 dias do ictus devido a possibilidade de viés recordatório e ter idade mínima de 18 anos. Os critérios de exclusão foram comunicação prejudicada na ausência de acompanhantes para a coleta das informações e ocorrência de óbito em até 90 dias do ictus. A população de acesso internada no local de estudo, no período de coleta de dados (março a outubro de 2019) foi de 320 pessoas com diagnóstico médico de AVCi. Dessas, 12 foram excluídas por comunicação prejudicada na ausência de acompanhantes para a coleta das informações. Os 308 pacientes foram acompanhados 90 dias após o ictus, constatando-se que 58 vieram a óbito. Vinte e seis não puderam ser contactados pelas ligações telefônicas. Assim, a amostra final do presente estudo foi formada por 224 participantes, conforme ilusta a figura 1.
Três instrumentos foram utilizados na coleta de dados, a saber:
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Instrumento para caracterização sociodemográfica, clínica e do tempo de chegada ao hospital: formado por questões abertas e fechadas sobre sexo, idade, raça/cor autodeclarada, estado civil, renda familiar mensal e escolaridade. Incluiu também questões sobre o tempo de chegada ao hospital de referência (tempo decorrido do início dos sintomas até a admissão hospitalar) e sobre variáveis clínicas como presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS), fibrilação atrial (FA), diabetes mellitus (DM), dislipidemia, tabagismo, pontuação admissional da NIHSS, ocorrência de AVC e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) prévios, realização de trombólise e internação na UAVC. A incapacidade prévia ao evento atual foi avaliada pela Escala de Rankin.
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Protocolo de ligação telefônica: utilizado no acompanhamento dos participantes após três meses do evento e criado com a finalidade de padronizar a abordagem nas ligações telefônicas. Composto por uma questão para identificar a ocorrência de óbito e de espaço para o registro da pontuação do Índice de Barthel modificado.
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Índice de Barthel (IB) modificado: a escala avalia o nível de dependência funcional de um indivíduo. Permite avaliar atividades básicas da vida diária em 10 dimensões: alimentação, higiene pessoal, uso do banheiro, banho, continência do esfíncter anal, continência do esfíncter vesical, vestir-se, transferência cama-cadeira, subir e descer escadas e deambulação.
A escala modificada foi proposta por Shah et al. nos EUA e avalia as mesmas atividades do instrumento original, exceto o item cadeira de rodas.(13) Em 2009, foi traduzida e validada no Brasil por Cincura et al.(14)Adota-se uma escala de resposta inversamente proporcional ao nível de assistência, ou seja, quanto mais o indivíduo necessita de assistência, menor será a sua pontuação.(15)
Para a interpretação foram adotados os pontos de corte propostos por Mendonça et al.: dependência severa ou grave (0 a 60 pontos), dependência moderada (61 a 99 pontos) e independência (100 pontos).(16)
A coleta de dados foi realizada em três etapas.
Na primeira etapa, de março a outubro de 2019, os pacientes foram identificados no local do estudo. Após a identificação daqueles elegíveis, explicava-se a pesquisa e a aquiescência ao estudo era feita a leitura e assinatura do TCLE. Dava-se, então, início a entrevista com o paciente ou seu acompanhante, quando o mesmo não podia verbalizar, utilizando-se o instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica e identificava-se o tempo de chegada ao hospital de referência.
Na segunda etapa, de março de 2019 a janeiro de 2020, os pacientes foram acompanhados durante a internação no lócus de estudo para identificar as unidades ou outros hospitais para onde foram transferidos, o tempo de internação, a ocorrência de óbito intra-hospitalar e a alta hospitalar. Alguns dados clínicos que não foram possíveis de serem obtidos na primeira etapa foram levantados no prontuário, nesta fase.
Na terceira etapa, de junho de 2019 a janeiro de 2020, foi realizada a avaliação da incapacidade após 90 dias do evento, por ligação telefônica. Nesta ligação, contatava-se o próprio participante ou seu acompanhante para coleta de informações, presentes no protocolo de ligação e aplicação do IBM.
As variáveis categóricas foram analisadas em frequências relativas e absolutas e a idade em média e desvio padrão. Para verificar a associação das características sociodemográficas e clínicas com a incapacidade funcional foi empregado o teste Qui-quadrado de Pearson. Adotou-se significância estatística de 5%. Os dados foram analisados no software Statistical Parkage for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para Windows.
O estudo é integrante do projeto matriz intitulado “Fatores associados à incapacidade e mortalidade por acidente vascular cerebral isquêmico e aos tempos de acesso ao tratamento”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a resolução n° 466/12 e 580/18 do Conselho Nacional de Saúde, com o parecer n° 3.159.694. O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi lido e assinado pelos participantes e/ou familiares, sendo explicado a importância e objetivos do estudo e assegurados o sigilo da identidade pessoal e a possibilidade de desistência da pesquisa (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 07935119.5.0000.5028).
Resultados
Referente as variáveis sociodemográficas, a média de idade das pessoas acometidas por AVCi pesquisadas foi de 63,3 anos (Desvio Padrão=13,7), com valor mínimo de 21 e máximo de 96 anos, prevalecendo a faixa etária de 61 ou mais anos (63,8%). Houve predomínio do sexo masculino (51,3%), da raça/cor autodeclarada negra (85,7%), de pessoas sem companheiro/a (53,6%), da escolaridade até o 1° grau (66,0%) e da renda familiar mensal ≤ 3 salários-mínimos (89,1%). Quanto à incapacidade funcional prévia ao evento, 198 (88,4%) eram assintomáticos, 13 participantes (5,8%) não tinham disfunção significativa ou tinha uma disfunção leve e outros 13 (5,8%) pontuaram de 3 a 5 na escala de Rankin que caracteriza incapacidade moderada a severa. A maioria dos participantes chegaram ao hospital em ≤ 4,5 horas (56,7%). Quanto às variáveis clínicas, identificou-se HAS em 77,2%, dislipidemia em 33,5%, DM em 26,4% e FA em 7,0%. Verificou-se também que 31,4% tinham AVC prévio, 11,7% IAM prévio e 13,0% eram fumantes. A maioria dos participantes não realizou trombólise venosa (73,7%), entretanto foi internada na unidade de AVC (74,1%) e teve pontuação da NHISS de 6 a 13 (45,8%). Dentre os itens avaliados pelo Índice de Barthel, foi observado que as atividades para as quais as pessoas mais necessitavam de auxílio ou supervisão foram, vestuário (43,3%), mobilidade e deambulação (45,5%) e subir escada (50,9%) (Tabela 1). Destaca-se que, mais de 30% relataram necessidade de ajuda ou dependência total para se alimentar, vestir e locomover até o banheiro ou para a transferência da cama para a cadeira. A pontuação total do nível de incapacidade funcional mostrou que 41,5% dos participantes eram independentes, seguidos daqueles com dependência moderada (29,5%) e dependência severa ou grave (29,0%).
Caracterização dos itens e pontuação total do Índice de Barthel para os participantes do estudo 90 dias após o AVCI
Referente a associação entre variáveis sociodemográficas e a incapacidade, avaliada pelo Índice de Barthel após 90 dias do AVCi, observou-se relação estatisticamente significante entre sexo e incapacidade, notando-se maior proporção de mulheres com dependência severa. Entretanto, para as demais variáveis sociodemográficas exploradas as associações foram independentes (Tabela 2).
Nas associações entre as variáveis clínicas e a incapacidade 90 dias após o AVCi, observou-se maior proporção de incapacidade moderada e severa para aqueles que chegaram ao hospital de referência após 4,5 h do início dos sintomas ou Wake Up Stroke (p=0,017), com AVC prévio (p=0,031) e que não realizaram trombólise (p=0,023). Para pessoas hipertensas, houve maior proporção de dependência severa (p=0,032). Referente ao NIHSS, notou-se maior percentual de dependência severa para aqueles com pontuação maior ou igual a 14 e, maior pontuação de dependência moderada, para aqueles com pontuação de 6 a 13 (p=0,000) (Tabela 3).
Associação entre as variáveis clínicas e incapacidade pelo Índice de Barthel após 90 dias do AVCi
Discussão
A amostra foi composta majoritariamente por pessoas do sexo masculino, da raça cor negra (pretas e pardas), com idade a partir de 61 anos, sem companheiro/a, com baixa renda familiar mensal e escolaridade, portanto com características que expressam um grupo em situação de desigualdade social. Um estudo de coorte realizado no norte do Brasil evidenciou um perfil epidemiológico de pacientes com AVC similar ao deste estudo, com amostra composta predominantemente por homens, idosos, pardos, sem companheiro/a e com renda e escolaridade baixas.(17)
Neste estudo, identificou-se associação estatisticamente significante entre sexo e incapacidade, notando-se maior proporção de mulheres com dependência severa. Corroboram com esse achado pesquisa realizada no Rio Grande do Sul(18) e outra em 57 países entre 2002 e 2004(19) que evidenciaram maior prevalência de incapacidade funcional em mulheres. Tais dados podem relacionar-se a maior expectativa de vida feminina e, consequentemente, a maiores taxas de doenças crônicas que predispõem a diminuição da capacidade funcional.(20)
O estudo INTERSTROKE mostrou que 90% dos AVC estavam associados a dez fatores de risco como HAS, DM, dislipidemia, dieta inadequada, sedentarismo, razão cintura/quadril aumentada, tabagismo, etilismo, depressão e cardiopatias (FA e doença coronariana).(21) Dentre esses, quatro foram observados no presente estudo incluindo a HAS, a mais prevalente, DM, dislipidemia e FA.
O maior percentual de pessoas hipertensas identificadas com dependência severa está em consonância com outra investigação que mostrou que pessoas com AVCi com comorbidades, mais de 70 anos e, simultaneamente, com HAS e DM tiveram 1,7 vezes mais chance de desenvolver algum grau de dependência em relação as que eram apenas hipertensas.(22)
Estudos relataram a associação de comorbidades com comportamentos relacionados ao estilo de vida que são fatores de risco para esse evento cerebrovascular. Esses comportamentos são passíveis de modificação e devem ser alvo da prevenção primária e secundária, pois se modificados podem reduzir a mortalidade e a morbidade. Destaca-se que a alimentação saudável e atividade física regular contribuem para o controle da HAS, dislipidemia e DM que, por sua vez, são fatores de risco para o AVCi.(23)
Nesse estudo, a associação da dependência moderada e severa com AVC prévio, corrobora com investigação que avaliou o perfil sociodemográfico e clínico de pessoas com AVC e mostrou que o evento prévio é fator de risco para o surgimento de novos eventos e um preditor para maior incapacidade.(24-26) Convém ressaltar que a dependência prévia ao AVC nos participantes desse estudo foi de apenas 8,3% com dependência de moderada a severa.
A proporção de fumantes foi baixa nesse estudo. O tabagismo confere predisposição ao AVC, embora não existam estudos recentes sobre essa associação. Uma pesquisa, realizada no mesmo lócus deste estudo, investigou os preditores de integração comunitária após o AVC e observou que o tabagismo estava associado a um prognóstico negativo relacionado a incapacidade que diminui a integração do indivíduo com a comunidade.(11)
A pontuação da NIHSS prevalente, entre 6-12 pontos, mostrou gravidade moderada, corroborando com Matos et al., 2019 que relataram esse nível de gravidade entre pessoas com AVC em uma coorte prospectiva.(11) Nesse estudo, a pontuação da NIHSS maior ou igual a 14 foi associada a dependência severa, corroborando com resultados obtidos em outra pesquisa conduzida com pessoas com AVCi, em Salvador.(24) Essa escala avalia danos neurológicos e pontuações maiores estão associadas a gravidade da lesão. Esses danos podem alterar o desempenho funcional, refletindo nas relações interpessoais e qualidade de vida do indivíduo.
Já sobre a terapêutica dos participantes, a trombólise intravenosa está associada a resultados clínicos positivos como melhora da pontuação da NIHSS, alta hospitalar, baixa mortalidade e ocorrência de complicações, o que a faz o tratamento principal para o AVCi agudo. Entretanto, é necessária a administração em uma janela terapêutica de até 4,5 horas para assegurar seus benefícios.(25) Observou-se que a maioria dos participantes chegou ao serviço em menos de 4,5 h do início dos sintomas ou wake up stroke, mas não teve acesso a essa terapêutica e maior percentual de incapacidade moderada e severa foi observado para os que não usufruíram da mesma. Uma pesquisa sobre o percurso de pacientes com AVCi, mostrou que o não entendimento da gravidade dos sintomas e a falta da associação do evento a um problema grave pelas vítimas e pessoas no entorno resultou no retardo da procura do serviço e, assim, na diminuição da taxa de trombólise e piora do nível de incapacidade.(22)
A maioria dos participantes foi internada em unidade especializada para o tratamento o que favorece a redução da mortalidade e incapacidade, pois conta com uma equipe multidisciplinar especializada, equipamentos e materiais necessários ao tratamento.(27) Um estudo brasileiro, avaliou a incapacidade pré e pós implementação da UAVC e observou maior nível de incapacidade em pacientes antes da implantação.(28) Embora essa tendência tenha se apresentado nos resultados dessa investigação, não houve associação significante entre internação na UAVC e incapacidade funcional.
Por fim, foi possível observar que mais da metade dos participantes desse estudo apresentaram algum nível de dependência após três meses de serem acometidos pelo AVCi. Um estudo, em Vitória-ES, mostrou também que 66% da população estudada tinha incapacidade funcional. Esses resultados também corroboram com outras investigações que mostraram que subir escada, mobilidade, deambulação e vestuário foram as atividades mais impactadas pela doença, demandando a necessidade de auxílio ou supervisão.(24,27) O presente estudo observou que mais de 30% dos participantes relataram necessidade de ajuda ou dependência total para alimentar-se, vestir-se, locomover-se até o banheiro ou na transferência da cama para a cadeira. Essas dependências têm repercussões na vida do indivíduo, família e sociedade, e podem aumentar a chance de hospitalização e de maiores gastos em saúde.(29)
A reabilitação precoce é uma estratégia que visa a recuperação, minimizar incapacidades funcionais, favorecer a capacidade de realizar as atividades básicas, elevar a autoestima e dar autonomia ao indivíduo. O ideal é que seja iniciada no hospital e continuada após alta e que a atenção primária dê continuidade ao cuidado e tratamento.(30) Um estudo com pacientes após AVC, apontou que todos os voluntários realizavam fisioterapia duas vezes na semana, sendo visíveis os ganhos funcionas nas atividades diárias.(31) Entretanto, outro estudo apontou que 44% dos pacientes com AVCi não faziam fisioterapia por falta de informação.(32) Portanto, as vítimas desse evento cerebrovascular devem ser orientadas e receber suporte de serviços oferecidos pelo SUS.
A incapacidade funcional repercute no bem-estar físico, emocional, econômico e social, pois afeta a vida do indivíduo, que se torna dependente de alguém, assim como na vida dos familiares que necessitam de apoio para prestar o cuidado. Cabe a enfermeira junto aos demais profissionais de saúde, informar, orientar e apoiar o paciente e família para maior independência e prevenção das complicações do agravo.(7) Políticas públicas são também fundamentais para assegurar o apoio necessário a reabilitação daqueles que sofrem AVCi.
Salienta-se que, conhecer a incapacidade funcional permite que a enfermeira desenvolva práticas de cuidar do indivíduo e de apoio as famílias. No ambiente hospitalar, precisa orientar e participar do planejamento da recuperação do paciente, com participação ativa das famílias nos cuidados a serem realizados em casa.(33,34) Sem dúvida, as práticas assistenciais da enfermeira na atenção básica, onde realiza monitoramento dos pacientes com riscos potenciais para o AVCi, ações de promoção de hábitos de vida saudáveis para prevenção dos fatores de risco cardiovascular são também fundamentais para a prevenção do evento.
Os resultados também demonstraram a importância de ações de educação em saúde conduzidas pela enfermeira junto a população e as pessoas com risco potencial para o AVCi, visando o reconhecimento dos sinais e sintomas e a busca precoce de serviços de saúde. Além disso, o estudo evidencia a necessidade de melhorias na rede de atenção à saúde, visando o acesso precoce de pessoas com AVC a unidades especializadas, a tratamentos de reperfusão e reabilitação. Políticas de apoio aos cuidadores e familiares são também fundamentais considerando que estão no dia a dia a frente do cuidado domiciliar de pessoas com dependência de cuidados. Com isso, poder-se-á contribuir para a redução da dependência do indivíduo e para melhor enfrentamento dos desafios cotidianos após o evento.
Quanto às limitações do estudo, destaca-se ter sido realizado em apenas um hospital no estado da Bahia, o que não permite a generalização dos resultados, e o acompanhamento ter sido via telefone após os 90 dias do ictus, resultando em algumas perdas.
Conclusão
Predominou a dependência de moderada a grave. As variáveis sexo feminino, ter hipertensão arterial, NHISS ≥ 6 e AVC prévio, não ter realizado trombólise e ter chegado ao lócus do estudo em tempo maior ou igual a 4,5h do início dos sintomas foram associadas a maior nível de incapacidade.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo apoio a pesquisa, processo número 317350/2021-8.
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Editado por
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Editor Associado (Avaliação pelos pares): Juliana de Lima Lopes (https://orcid.org/0000-0001-6915-6781) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Nov 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
23 Mar 2022 -
Aceito
31 Jul 2023