Resumo
Objetivo Avaliar a qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA) e fazem seguimento ambulatorial em um hospital universitário na região amazônica (Belém, PA).
Métodos Este foi um estudo descritivo transversal. Os dados foram coletados em novembro e dezembro de 2019 aplicando um formulário com variáveis sociodemográficas e usando o instrumento específico WHOQOL-HIV Bref. As variáveis sociodemográficas foram analisadas usando estatística descritiva. A análise inferencial do instrumento WHOQOL-HIV Bref foi realizada usando o teste de correlação de Spearman entre os domínios da qualidade de vida.
Resultados Foram entrevistados 208 pacientes, sendo 66,3% nascidos com o sexo biológico masculino, 67,3% heterossexuais e 57,2% com faixa etária de 36-55 anos. O maior escore médio foi encontrado no domínio espiritual (17,1±2,8) e o menor no domínio nível de independência (4,2±2,8). Em geral, foram observadas correlações moderadas positivas; só a correlação entre os domínios nível de independência e espiritual não foi estatisticamente significante (p>0,05).
Conclusão Os resultados sugerem que os apoios social e religioso, emprego e acesso a serviços de saúde podem melhorar a qualidade de vida de PVHA na região amazônica. São necessárias mais pesquisas sobre a qualidade de vida de PVHA para aprimorar as políticas públicas igualitariamente e equanimemente no Brasil, especialmente na Amazônia Brasileira que tem tido um aumento contínuo no número de PVHA.
HIV; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Inquéritos e questionários
Resumen
Objetivo Evaluar la calidad de vida de personas que viven con el VIH/SIDA (PVVS) y que realizan seguimiento ambulatorio en un hospital universitario de la región amazónica (Belém, estado de Pará).
Métodos Se trató de un estudio descriptivo transversal. Los datos se recopilaron en noviembre y diciembre de 2019 mediante la aplicación de un formulario con variables sociodemográficas y la utilización del instrumento específico WHOQOL-HIV Bref. Se utilizó la estadística descriptiva para analizar las variables sociodemográficas. El análisis inferencial del instrumento WHOQOL-HIV Bref se realizó con la prueba de correlación de Spearman entre los dominios de la calidad de vida.
Resultados Se entrevistaron 208 pacientes, de los cuales el 66,3 % era de sexo biológico masculino, el 67,3 % era heterosexual y el 57,2 % estaba dentro del grupo de edad de 36 a 55 años. La puntuación promedio más alta fue en el dominio espiritual (17,1±2,8) y la más baja en el dominio nivel de independencia (4,2±2,8). En general, se observaron correlaciones moderadas positivas. La única correlación que no fue estadísticamente significativa fue entre el dominio nivel de independencia y espiritual (p>0,05).
Conclusión Los resultados sugieren que el apoyo social y religioso, el empleo y el acceso a los servicios de salud pueden mejorar la calidad de vida de PVVS en la región amazónica. Es necesario realizar más estudios sobre la calidad de vida de PVVS para mejorar las políticas públicas de forma igualitaria y ecuánime en Brasil, especialmente en la Amazonia brasileña que presenta un aumento continuo del número de PVVA.
HIV; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Calidad de vida; Encuestas y cuestionarios
Abstract
Objective To evaluate the quality of life of people living with HIV/AIDS (PLWHA) and undergoing outpatient follow-up at a university hospital in the Amazon region (Belém, PA).
Methods This was a cross-sectional descriptive study. Data were collected in November and December 2019 using a form with sociodemographic variables and the specific WHOQOL-HIV Bref instrument. Sociodemographic variables were analyzed using descriptive statistics. The inferential analysis of the WHOQOL-HIV Bref instrument was performed using the Spearman correlation test between the quality-of-life domains.
Results A total of 208 patients were interviewed. They were born with male biological sex (66.3%), heterosexual (67.3%), and aged 36-55 years (57.2%). The highest mean score was found in the spiritual domain (17.1±2.8) and the lowest in the independence-level domain (4.2±2.8). In general, moderate positive correlations were observed; only the correlation between the independence level and spirituality domains was not statistically significant (p>0.05).
Conclusion The results suggest that social and religious support, employment, and access to health services can improve the quality of life of PLWHA in the Amazon region. More research on the quality of life of PLWHA is necessary to improve public policies equitably and equally in Brazil, especially in the Brazilian Amazon where a continuous increase in the number of PLWHA has occurred.
HIV; Acquired immunodeficiency syndrome; Quality of life; Surveys and questionnaires
Introdução
O surgimento da síndrome da imunodeficiência humana adquirida (AIDS) nos anos 1980 está relacionado ao contágio de grupos de pessoas através de contato sexual e compartilhamento de agulhas e seringas contendo substâncias ilícitas. Este período foi marcado por grande sofrimento, pelo fato de ser uma doença grave e fatal, com forte impacto psicológico ao portador.1
Durante um período histórico, a epidemia de HIV/AIDS foi erroneamente associada a homens que tinham relações sexuais com outros homens (HSH), alimentando estereótipos (tais como “peste gay” ou “câncer gay”) oriundos da cultura norte-americana.2Porém, temos observado uma mudança significativa no perfil de pessoas infectadas no contexto brasileiro nas últimas décadas com ênfase na transmissão heterossexual da doença. Segundos os dados do Ministério da Saúde, o que mais chama a atenção é o crescente número de casos relacionados à transmissão heterossexual (que afeta os públicos masculino e feminino) embora haja uma equivalência notável nas taxas de transmissão do HIV/AIDS entre HSH e homens heterossexuais.3
Esse fenômeno reflete mudança marcante na dinâmica da epidemia de HIV/AIDS no país destacando a necessidade de estratégias de prevenção e conscientização. Estas estratégias devem abordar eficazmente essa nova realidade epidemiológica, incluindo medidas de educação sexual, testagem regular e acesso a métodos de prevenção, tais como o uso de preservativos, para todas pessoas e terapia antirretroviral pré-exposição, para reduzir a transmissão e disseminação do HIV/AIDS e promover resposta eficaz à epidemia.3
O advento e uso de medicamentos antirretrovirais têm um papel relevante no controle da AIDS, na qualidade de vida (QV) e na sobrevida de pessoas vivendo com HIV (PVHA). A zidovudina foi o primeiro antirretroviral usado no mundo para o tratamento de pessoas com o HIV. Depois, surgiram os inibidores de protease. Este período foi marcado por estudos clínicos de associação de antirretrovirais no mundo inteiro. A era da terapia antirretroviral (TARV) foi caracterizada pelo desenvolvimento contínuo de novas classes de antirretrovirais para combater a infecção pelo HIV.4
A TARV aumentou significantemente a sobrevida das PVHA e o tema QV passou a fazer parte de vários estudos. Apesar da grande relevância social da QV, ela apresenta imprecisões teórico-metodológicas dificultando sua avaliação.5-7 Embora a supressão viral continue sendo um alvo importante, ela não deve ser o objetivo prioritário na cascata de cuidados contra o HIV pois muitas PVHA continuam tendo uma QV relacionada à saúde significativamente pior que aquela da população em geral embora estejam virologicamente suprimidas.8
Para acabar com as desigualdades e promover o bem-estar, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (ONUSIDA) decidiu que devem ser adotadas novas estratégias baseadas em uma abordagem mais holística e centrada nas pessoas, além do atual quadro de resposta centrada na testagem, no tratamento e na supressão viral.9
O uso de instrumentos de avaliação da QV, isto é, construtos contendo itens agrupados por afinidades é umas das formas de mensurar o bem-estar em PVHA. Atualmente, há dois tipos de instrumentos (genéricos e específicos) para avaliar a QV em PVHA.8 Os instrumentos genéricos permitem comparar diferentes doenças mas eles podem não captar adequadamente os aspectos de QV relevantes às PVHA (tais como estigma relacionado com o HIV ou efeitos secundários específicos relacionados aos antirretrovirais). Diferentemente, os instrumentos específicos para condições são projetados para responder às mudanças relacionadas à doença. Porém, eles enfrentam desafios de comparabilidade com outras doenças.10
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar a QV de PVHA que fazem TARV no ambulatório de um hospital universitário na região amazônica. Os resultados poderão ser usados para propor medidas de promoção à saúde de forma articulada com outras categorias profissionais, ajudando as PVHA a compreender e melhorar as áreas afetadas, promovendo assim uma melhora na QV.
Métodos
Este estudo descritivo e transversal foi desenvolvido no serviço ambulatorial do Hospital Universitário João de Barros Barreto (SAE/HUJBB; gerenciado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, EBSERH; Belém, PA). O serviço era especializado no atendimento a PVHA, tendo acompanhado uma população de 450 PVHA no período da realização do estudo. A amostragem foi probabilística do tipo aleatória simples e incluiu os pacientes que foram ao SAE/HUJBB para adquirir medicamentos antirretrovirais e aguardavam consulta médica com um infectologista no período novembro-dezembro de 2019.
Os critérios de inclusão dos participantes foram os seguintes: PVHA de ambos sexos e maiores de 18 anos que estavam em tratamento com antirretrovirais. Pacientes com déficit cognitivo que não compreendiam os questionários aplicados e/ou questionários indevidamente preenchidos foram excluídos do estudo.
Para calcular o tamanho amostral, não foi estimado o percentual esperado de perda de QV. Então, assumimos o valor de 50% que maximiza o tamanho amostral em estudos epidemiológicos permitindo chegar a valores conservadores. Tomando um erro aceitável de amostragem de 5% e um nível de confiança de 95%, obtivemos uma amostra de 208 pacientes.
O pesquisador usou dois instrumentos para registrar os dados coletados. O primeiro instrumento consistiu em um formulário estruturado com perguntas objetivas e subjetivas contendo variáveis sociodemográficas. As perguntas que poderiam causar dúvida aos participantes foram transcritas em duas versões; uma delas foi redigida de forma simples e objetiva para pessoas com menor nível de entendimento.
O segundo instrumento (WHOQOL-HIV Bref) foi desenvolvido pela OMS (2003) sendo culturalmente adaptado e validado para o português brasileiro em 2007.11O instrumento WHOQOL-HIV Bref é específico para avaliar a QV em PVHA. Sua versão abreviada é composta por 29 facetas, 31 questões e os seis domínios seguintes: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade. Todas questões eram objetivas, sendo usada uma escala de respostas do tipo likert (1-5; 1: pior nível; 5: melhor nível de QV). Porém, havia sete itens (3, 4, 5, 8, 9, 10 e 31) com padrão de respostas invertido (1: melhor nível; 5: pior nível de QV).12
Após o término da coleta, os dados foram digitados em uma planilha do programa Excel 2010 (Windows 7) e submetidos à análise de consistência usando dupla digitação. Após comparação entre as duas planilhas digitadas, os dados foram verificados, corrigidos (em casos de inconsistência) e exportados para o programa Statistical Package for the Social Sciences (v. 20.0).
As variáveis sociodemográficas foram analisadas usando estatística descritiva. Em relação ao instrumento WHOQOL-HIV Bref, foi verificado se todas questões foram preenchidas corretamente. Depois, as questões de escala invertida foram invertidas, isto é, os itens 3, 4, 5, 8, 9, 10 e 31 tiveram seus escores originais (1, 2, 4 e 5) recodificados (5, 4, 2 e 1). Assim, os escores dos domínios foram calculados somando os escores das n questões que compõem cada domínio e dividindo a soma pelo número de questões do domínio. O resultado foi multiplicado por 4, sendo representado em uma escala de 4 a 20.
Como não existe uma estratificação oficial para os valores dos escores na escala WHOQOL-HIV Bref, foi adotada uma classificação dos escores dessa escala com base no que vem sendo usado na literatura. Os escores foram então classificados em três categorias: baixa (4,0-9,9), média (10,0-14,9) e alta (15,0-20,0) QV.13,14
Finalmente, foi usado o teste não paramétrico “correlação de Spearman” para correlacionar os domínios do WHOQOL-HIV Bref, pois as facetas do WHOQOL-HIV Bref não apresentaram distribuição normal (verificado usando o teste de Kolmogorov Smirnov). Foram considerados os seguintes valores do ρ de Spearman: 0,00-0,30: correlação fraca, >0.30-0.50: correlação moderada e >0.50: correlação forte. Foi adotado o nível de significância de 5% (p≤0,05) para o teste estatístico.15
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Evandro Chagas (Parecer: 3.518.094; CAAE: 13425119.0.0000.0019) e aprovado. Paralelamente, o estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUJBB (Parecer: 3.599.171; CAAE: 13425119.0.3001.0017) e também aprovado.
Resultados
Foram entrevistados 208 PVHA seguidos no SAE/HUJBB e 138 deles eram do sexo masculino. A tabela 1 apresenta a descrição sociodemográfica dos participantes no estudo.
A tabela 2 mostra os escores do instrumento WHOQOL-HIV Bref identificando os domínios mais “afetados” da QV. Quatro dos seis domínios avaliados tiveram alta QV. O maior escore médio foi encontrado no domínio espiritual (17,1±2,8) e o menor no domínio nível de independência (14,2±2,8).
Na análise de correlação entre os seis domínios do WHOQOL-HIV Bref, foram observadas correlações moderadas geralmente positivas. Só a correlação entre os domínios nível de independência e espiritual não foram estatisticamente significantes (p>0,05). As correlações mais elevadas foram observadas entre os domínios nível de independência e físico bem como entre os domínios meio ambiente e relações sociais (ρ=0,58) (Tabela 3).
Discussão
Após o advento da TARV, a história natural da infecção pelo HIV ganhou novos rumos. Entretanto, embora a TARV tenha proporcionado significativas mudanças na vida das PVHA (que passaram a conviver com uma doença crônica), são poucos os estudos sobre a QV dessa população no Brasil, especialmente na região amazônica.
O estudo da QV em PVHA é importante para monitorar o impacto da doença ou do progresso da infecção pelo HIV/AIDS pois ele pode ser usado para verificar se há fatores dificultadores na adesão ao tratamento antirretroviral. Ele pode ser clinicamente útil para identificar os aspectos ou dimensões da QV mais afetados, monitorar como ocorrem as mudanças durante a história natural, além de permitir mensurar resultados de tratamento com o uso de novos antirretrovirais.
Sobre a análise das variáveis sociodemográficas, foi observada predominância do sexo masculino em relação ao sexo feminino. Isto concorda com as estimativas do Ministério da Saúde sobre a epidemia de HIV/AIDS no Brasil indicando que os homens são mais afetados.3Esta disparidade de gênero na incidência do HIV/AIDS é multifacetada e reflete uma interseção de fatores, incluindo diferentes comportamentos de risco, desigualdades de gênero, questões relacionadas à migração e mobilidade populacional. Essa discussão ressalta ainda a importância de estratégias de prevenção e educação específicas de gênero para promover comportamentos de proteção e fortalecer o acesso igualitário aos serviços de saúde, enfrentando eficazmente a disseminação do HIV/AIDS no Brasil.
É importante notar que orientação sexual e identidade de gênero são também fatores importantes a serem considerados na avaliação da QV das PVHA, assim como foi destacado em um estudo realizado com HSH e mulheres transgênero na Argentina.16A heteronormatividade (considerando heterossexualidade como padrão sexual comportamental) contribui para marginalizar as identidades LGBTQIAPN+ podendo levar a uma dupla discriminação para as PVHA LGBTQIAPN+, impactando negativamente seu bem-estar e QV.17 Portanto, reconhecer e incorporar a orientação sexual e a identidade de gênero em pesquisas, políticas públicas e práticas de atendimento são essenciais para assegurar que as necessidades individuais das PVHA sejam atendidas de maneira adequada e sensível à diversidade. Além disso, essa abordagem mais inclusiva contribui para combater o estigma e promover um ambiente de apoio que respeita e valoriza a diversidade de identidades de gênero e orientação sexual, melhorando assim a QV das PVHA.
Outros aspectos relevantes a considerar sobre a QV das PVHA são a escolaridade e a renda mensal individual. A escolaridade é um fator que pode influenciar positivamente a QV pois está associada a um maior conhecimento sobre a doença, maior adesão ao tratamento e menor exposição a situações de risco.6 A renda mensal também pode afetar diretamente a QV pois está relacionada à capacidade de suprir as necessidades básicas e usufruir de bens e serviços que contribuem para o bem-estar físico, mental e social.17 Neste sentido, é importante que as políticas públicas voltadas para as PVHA considerem os fatores sociais e econômicos promovendo as inclusões educacional e profissional dessa população. Assim, seria possível melhorar não só a saúde física e mental das PVHA mas também sua autonomia, autoestima e participação social.
Quanto ao estado civil, as pessoas solteiras tiveram maior prevalência neste estudo. Uma pesquisa conduzida no Irã analisou os principais fatores que influenciam a QV de PVHA e revelou que os indivíduos casados tendem a ter uma melhor QV em comparação com os solteiros.18 Porém, outro estudo sugeriu que o estado civil não é um determinante significativo da QV de PVHA e outros aspectos, tais como o apoio social e a adesão ao tratamento, são mais relevantes.13Então, deve-se considerar a diversidade e a complexidade das relações afetivas das PVHA, não só seu estado civil. Assim, seria possível compreender melhor como essas relações influenciam a QV das PVHA, e como promover intervenções psicossociais adequadas para essa população.
O maior escore médio encontrado na escala WHOQOL-HIV Bref foi o domínio espiritualidade. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos realizados no Brasil e na Nigéria.19,20 Este fato pode ser explicado, em parte, pois as populações do presente estudo e dos estudos supracitados eram predominantemente religiosas. Porém, é fundamental reconhecer que a espiritualidade é pessoal e diversificada, sendo moldada por crenças individuais e culturais.21Esses resultados também lembram a necessidade de abordagens de cuidado centradas nos pacientes, respeitando e acomodando crenças espirituais diferentes quando necessário, como parte integral do cuidado holístico e da promoção da QV desses indivíduos.
Os menores valores médios encontrados na escala WHOQOL-HIV Bref foram os domínios nível de independência e meio ambiente. Esses resultados foram semelhantes àqueles de um estudo nacional.19 Outra investigação encontrou os menores resultados nos domínios meio ambiente e relações sociais; diferentemente, um estudo que avaliou a QV de PVHA em uma população espanhola revelou o menor resultado no domínio espiritual.20,22 Nas diferentes populações estudadas, essas diferenças podem refletir as características socioculturais e econômicas, bem como fatores individuais e contextuais que influenciam a QV das PVHA além dos aspectos clínicos e epidemiológicos. Assim, seria possível desenvolver estratégias de intervenção considerando os diferentes aspectos macroscópicos que influenciam a QV.
O presente estudo constatou correlações significativas entre os domínios do WHOQOL-HIV Bref. Pesquisas anteriores também encontraram resultados semelhantes, indicando correlações positivas e significantes entre os domínios do WHOQOL-HIV Bref,19,20 ao passo que outros estudos encontraram correlações positivas só entre os domínios, sem alcançar significância estatística.22 Estes achados sugerem que os domínios do WHOQOL-HIV Bref estão inter-relacionados, e a melhora ou piora em um domínio pode afetar os demais. Assim, é importante avaliar a QV das PVHA de forma multidimensional desenvolvendo intervenções que promovem equilíbrio e harmonia entre os domínios.
As correlações mais elevadas foram observadas entre os domínios nível de independência e físico. Esses achados são consistentes com pesquisas anteriores que encontraram resultados semelhantes entre os mesmos domínios.20,22 Os resultados reforçam a importância de um melhor entendimento sobre a relação entre a capacidade de realizar atividades diárias independentemente e a saúde física. Eles também enfatizam a necessidade de estratégias de intervenção para melhorar a autonomia das pessoas e assim aprimorar a QV, especialmente no aspecto físico das populações estudadas. Além disso, foi observada forte correlação entre os domínios meio ambiente e relações sociais, indicando que as condições ambientais podem influenciar a qualidade das relações sociais.23
Uma das limitações no presente estudo foi sua realização em um único centro de referência de seguimento de PVHA na região metropolitana de Belém. Além disso, a adoção de um estudo transversal também pode ser considerada uma limitação, pois a coleta de dados foi realizada em um único momento. Diferentemente, nos estudos longitudinais a avaliação é realizada em pelo menos dois momentos diferentes; uma segunda avaliação poderia evidenciar alguma mudança na percepção sobre a QV das PVHA. Embora algumas limitações tenham sido identificadas, elas não afetam os resultados obtidos nem a importância do tema, considerando a escassez de estudos sobre o assunto e a possibilidade de refletir sobre os resultados obtidos e a QV de PVHA na região amazônica.
Conclusão
O apoio social, religioso, ter um emprego e acesso aos serviços de saúde podem melhorar a qualidade de vida (QV) das pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA) na região amazônica. As intervenções para melhorar a QV de PVHA podem ser mais específicas, assertivas e efetivas com uma visão abrangente e multidimensional. Mais pesquisas sobre a QV de PVHA são necessárias para aprimorar políticas públicas igualitariamente e equanimemente no Brasil, especialmente na Amazônia brasileira.
Agradecimentos
Ao Serviço Ambulatorial Especializado em atendimento a PVHA no Hospital Universitário João de Barros Barreto (SAE/HUJBB) pela autorização, receptividade e interesse pela pesquisa.
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Editado por
-
Editora Associada
Rafaela Gessner Lourenço (https://orcid.org/0000-0002-3855-0003) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
29 Mar 2023 -
Aceito
29 Abr 2024