Resumo
O artigo se apoia em pesquisas sobre elites militares e empresariais para discutir o eventual proveito de esquemas analíticos que integram elementos da sociologia bourdieusiana e da sociologia das instituições no estudo de elites. Destacamos a problemática das condições de existência e dos mecanismos de legitimação de elites institucionais em contextos importadores como o brasileiro. Privilegiamos o exame das dinâmicas dos processos de institucionalização (do Exército e da “sustentabilidade empresarial”), com foco nas práticas concretas e nos dispositivos acionados em lutas pela definição dos critérios de hierarquização e excelência em cada espaço institucional. Defendemos em especial pesquisas atentas aos investimentos individuais na instituição, bem como às diversas formas de engajamento e às batalhas particulares ou coletivas travadas em busca de reconhecimento e de poder. Evidenciamos ainda a riqueza da combinação de diferentes métodos e técnicas de pesquisa social — de produção, de tratamento, de análise e interpretação de dados —, com destaque para a investigação sociogenética das instituições, a prosopografia de elites institucionais e a análise de suas principais estratégias e práticas discursivas.
Palavras-chave: Sociologia das elites; Instituições; Elites institucionais; Elites militares; Elites empresariais
Abstract
The article is based in research about military and business elites to discuss the eventual use of analytical schemes that integrate elements of Bourdieu’s sociology and the sociology of institutions in the study of elites. We highlight the issue of the existence conditions and the legitimation mechanisms of the institutional elites in importer contexts such as the Brazilian one. We considered a priority examining the dynamics of the institutionalization processes (of the Army and of the “business sustainability”), focusing on the concrete practices and the devices applied in struggles for defining the hierarchy and excellence criteria in each institutional space. We specially defend research attuned to individual investments in the institution, as well as the diverse forms of engagement and the particular or collective battles for recognition and power. We also evidence the many combinations of different methods and techniques of social research — of production, of treatment, of data analysis and interpretation —, highlighting the sociogenetical investigation of institutions, the prosopography of institutional elites, and the analysis of their main strategies and discursive practices.
Keywords: Sociology of elites; Institutions; Institutional elites; Military elites; Business elites
Resumen
Basándose en estudios sobre las elites militares y empresariales, este artículo plantea discutir los posibles beneficios de esquemas analíticos que integran elementos de la sociología bourdieusiana y de la sociología de las instituciones en el estudio de las elites. Se hace hincapié en la problemática de las condiciones de existencia y los mecanismos de legitimación de las elites institucionales en contextos importadores como el brasileño. Se opta por analizar la dinámica de los procesos de institucionalización (en el Ejército y en la “sostenibilidad corporativa”), centrándose en las prácticas concretas y en los dispositivos utilizados en las luchas por definir los criterios de jerarquización y excelencia en cada espacio institucional. En particular, arguye estudios que presten atención a las inversiones individuales en la institución, así como a las diversas formas de compromiso y a las batallas privadas o colectivas libradas en busca de reconocimiento y poder. También destaca la riqueza de combinar diferentes métodos y técnicas de investigación social –para producir, procesar, analizar e interpretar datos–, haciendo hincapié en la investigación sociogenética de las instituciones, la prosopografía de las elites institucionales y el análisis de sus principales estrategias y prácticas discursivas.
Palabras clave: Sociología de las elites; Instituciones; Elites institucionales; Elites militares; Elites empresariales
Introdução
Neste artigo gostaríamos de tratar de elites e de instituições por ângulos menos consagrados nas ciências sociais e na história. Nosso interesse principal é prolongar reflexões sobre possíveis entradas metodológicas em investigações dedicadas a elites institucionais. O ponto de partida aqui se associa em particular a duas vertentes analíticas que estão na base de estudos sobre grupos dominantes e sobre instituições sociais: uma linhagem de estudos inspirados nos trabalhos de Pierre Bourdieu e de pesquisadores e pesquisadoras associados a suas contribuições; e outra linhagem ligada a uma sociologia das instituições, também de matriz francesa, porém bem menos conhecida e afirmada.
Após situar de modo sumário os termos mais gerais dessas perspectivas — o que se entende aqui por instituição, elite, elite institucional —, procuramos abordar um conjunto de problemáticas que julgamos incontornáveis no estudo de elites institucionais em contextos periféricos, ou importadores, como o brasileiro. A partir daí, discutimos algumas operacionalizações concretas apoiados em investigações sobre elites militares e empresariais.
Elites e instituições: algumas precisões
Para afastar mal-entendidos comuns quando se fala de elites, um primeiro esclarecimento sobre a perspectiva analítica aqui assumida nos parece oportuno. Essa perspectiva tem a antiga questão weberiana da dominação em diferentes esferas sociais como problemática de base. Apartada da teoria das elites e de suas apropriações, o ponto fundamental de análise se refere às estruturas de capital, de poder e de dominação em diferentes esferas sociais. Isto é, não é o grupo (os governantes, os ricos, o alto clero) ou os indivíduos (presidente x, empresário y, cardeal z) que compõem o objeto empírico, mas os recursos e princípios de legitimação que estruturam suas práticas. 1 Nessa linha, o empreendimento de análise central envolve a tentativa de objetivação das estruturas de poder e dos princípios de legitimação de cada esfera e as relações entre esses diferentes espaços de luta.
É preciso destacar que essa visão multidimensional sobre as elites não se prende a definições rígidas dos dirigentes ou dominantes, nem elege níveis específicos de análise. Ela diz respeito a âmbitos tão variados quanto a arena política de um pequeno município, a Academia de Letras ou o Instituto Histórico e Geográfico de qualquer estado, o corpo diplomático do país, o Supremo Tribunal Federal ou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Tratando-se antes de tudo de compreender os critérios de hierarquização e de distribuição do poder em diferentes espaços e escalas, as disputas em torno da definição da excelência social — seja ela política, empresarial, burocrática, religiosa, intelectual — também são parte central do objeto de análise. Justo esse aspecto, que toca nos mecanismos de afirmação de representações, de imagens sociais e prestígio de grupos, de instituições e ofícios, receberá maior atenção ao longo do artigo.
O segundo ponto que requer esclarecimento diz respeito à noção de instituição. Utilizamos esse termo em sentido amplo, ancorados no que se pode chamar de sociologia política das instituições 2 (Lagroye; Offerlé, 2010). Grosso modo, essa noção pressupõe: i) a existência de um sistema de relações pautado por regras e não deixado ao acaso das recomposições e arranjos circunstanciais entre indivíduos; ii) que as condutas dos membros sejam, pelo menos em parte, determinadas de modo durável por seu pertencimento ao grupo; iii) que a preservação das regras e dos savoir-faire que lhes caracterizam seja uma questão importante aos envolvidos; iv) que os mecanismos de enquadramento e de controle das práticas sejam de fato organizados. A forma assumida por esse sistema de relações é variável e pode se apresentar como um dispositivo ou um agrupamento e receber nomenclatura muito ampla (associação, empresa, rede, organização, cargo, ritual).
A ideia de institucionalização, por sua vez, remete a um processo de objetivação social. 3 Nessa perspectiva construtivista, compartilhada por autores como Bourdieu (2015, 2016) e Berger e Luckmann (2014), os espaços de interação não existem a priori ou per se: são construídos socialmente e os agentes possuem certas tomadas de posição características (os papéis sociais, para os institucionalistas) condizentes com suas propriedades sociais e com suas posições, mobilizando diferentes recursos (as formas de capital em Bourdieu) nas lutas que travam entre si (Freymond, 2010). 4 A institucionalização é portanto entendida como um processo permanente, pois resulta do encontro entre investimentos individuais na instituição e as regras, códigos, modalidades de organização e saberes instituídos. Essa dinâmica pode levar tanto à conservação quanto à modificação da imagem de uma instituição.
Trata-se de pontos de vista bastante distantes daqueles consagrados pelo mainstream neoinstitucionalista, corrente que a abordagem da sociologia das instituições tem como principal interlocutora. 5 De modo sumário, afirma-se que os neoinstitucionalistas — cientistas políticos, em sua grande maioria — se interessaram pelo papel das organizações na estabilização e na reprodução do jogo político. O objetivo central deles era mostrar, apontam Lagroye e Offerlé (2010: 298), que as organizações são “fornecedoras de regras, de normas estabelecidas, de representações herdadas e de mitos que tendem a durar no tempo”. O interesse está no condicionamento das estruturas normativas e convenções sobre o comportamento e as estratégias dos agentes sociais e políticos. Em síntese, como sublinham os autores, “a ambição claramente assumida do neoinstitucionalismo americano é lembrar que as ‘instituições contam’ [institutions do matter] no jogo político, econômico e social” (Lagroye, Offerlé, 2010: 298).
Em vez de perguntar se as instituições contam ou não contam, se importam ou não importam, o eixo geral de interesse da abordagem aqui assumida consiste em indagar como as instituições se constituem historicamente, como são utilizadas em diferentes contextos e como se dão as interações com agentes que, a um só tempo, as fazem e por ela são feitos. Procura-se assim escapar ao mesmo tempo do reducionismo jurídico e do juízo de valor pela reflexão sociológica — e sem limitações disciplinares.
Essas demarcações sem dúvida indicam uma série de pressupostos na agenda de estudos de elites institucionais. Antes de tudo, ao se tomar as instituições como fruto de relações entre, de um lado, um conjunto de prescrições de formas de agir e, de outro, indivíduos de carne e osso — com diferentes socializações, recursos e trajetos sociais prévios ao ingresso na instituição —, abandona-se um enfoque internalista que sobrevaloriza os efeitos das regras sobre os indivíduos. Muito mais do que epifenômenos das instituições, os agentes são aqui entendidos como empreendedores em espaços de concorrência.
O deslocamento proposto reintroduz a dimensão dos investimentos individuais, dos diferentes engajamentos na instituição e das lutas específicas que são travadas por reconhecimento e prestígio; enfim, por poder. A compreensão de tais lógicas de ação é indissociável do exame dos mecanismos de institucionalização disponíveis. Isto é, os dispositivos de inculcação de normas, valores, crenças, papéis e práticas consideradas legítimas (num partido, no Exército, numa câmara de vereadores, na Igreja, num hospital). É preciso ainda lembrar que tais práticas — codificadas, incorporadas, rotinizadas — não são eternas ou inquestionáveis (Hmed; Laurens, 2010). Pelo contrário, elas podem constituir móveis de disputas, sutis ou ferrenhas, e ser subvertidas (Raison du Cleuziou, 2010). 6
Pensar as elites nas instituições: contextos, engajamentos e carreiras
As instituições são aqui pensadas como espaços concorrenciais e objeto de diferentes investimentos individuais, os quais implicam engajamentos, processos de socialização específicos, organizam papéis 7 e estruturam carreiras. O que nos parece um ponto de partida útil a interessados em estudar elites institucionais. Neste artigo tratamos do problema das condições e dos mecanismos de legitimação de elites institucionais em contextos periféricos, como o brasileiro. Em outras palavras, privilegiamos as dinâmicas dos processos de institucionalização — de atividades, práticas, dispositivos do Exército e da “sustentabilidade empresarial” — em situações marcadas pela importação, tradução e adaptação de bens simbólicos. O foco principal está nas práticas concretas e nos dispositivos acionados em lutas pela definição dos critérios de hierarquização e de excelência em cada espaço institucional. Isso inclui as querelas em torno da imagem social das atividades ou carreiras, estratégias de publicização e tomadas de posição voltadas à legitimação de certas visões de mundo.
A circulação de modelos de instituição
As instituições não são universais, mas fruto de histórias específicas e de temporalidade variável. Elas apenas ganham vida por meio de agentes que encarnam seus papéis na instituição e tendem a se transformar não só ao longo do tempo, com mudanças nas regras e nos papéis, por exemplo, mas também no espaço; sobretudo quando circulam e são adotadas em contextos muito diferentes dos de origem. Daí a centralidade de perspectivas que integrem ao estudo de elites institucionais as condições históricas e culturais das sociedades em que se inserem.
A problemática dos efeitos de importação e adaptação de modelos institucionais ressalta os impactos próprios aos processos de seleção desses paradigmas e demais produtos, como códigos e regulamentos, tecnologias sociais, constituições, filosofias e ideologias. Essa agenda prioriza o trabalho de mediação realizado por elites políticas e culturais nas sociedades importadoras, também focalizando as vias de implantação e legitimação daqueles produtos. Entre os desafios mais complexos desse tipo de abordagem está a tentativa de compreensão dos resultados concretos do consumo daquilo que é importado dentro de outras lógicas culturais. 8 Isso inclui processos como “reformas institucionais” e “modernizações”, com frequência apoiadas em novas importações seletivas. 9
Citamos alguns exemplos para ilustrar de forma esquemática diferentes esferas e escalas da questão e indicar o alcance heurístico dessa abordagem: em um nível macro, tem-se os processos mais evidentes de adoção de modelos ocidentais de Estado por nações em posição periférica (Badie, 1992; Badie; Hermet, 1993; Bayart, 1996; Dézalay; Garth, 2002), incluindo constituições e demais códigos jurídicos, instituições políticas (partidos, câmaras, sistemas eleitorais) e burocráticas (Forças Armadas, corpos especializados); isto é, um vasto conjunto de produtos informados por princípios ideológicos e filosóficos de vocação universalista como o constitucionalismo, o republicanismo e a meritocracia.
Em outra escala, mas ainda em torno do Estado, tem-se disputas pela implantação de modelos econômicos e de gestão específicos (Dézalay; Garth, 2002; Loureiro, 1998), sobre modelos de Exército (McCann, 2007; Seidl, 2010), de sistema universitário e científico (Canedo, 2018; Miceli, 1990; Valdés, 1995). Também na esfera profissional são evidentes os embates travados em torno da adoção de inovações tecnológicas no direito (Dézalay, 1992 , 2004; Engelmann, 2020; Engelmann; Menuzzi; Pilau, 2023). Mas algo semelhante ocorre ainda em áreas tão distintas quanto a medicina (Coradini, 1997, 2004), as engenharias e a administração (Barreiros, 2019; Grünt, 1990) e as artes (Fernandes, 2010; Miceli, 2003; Schwarz, 1977). Todas elas funcionam como espaços em cujo interior são disputados critérios de excelência profissional em torno dos quais se organizam mecanismos de hierarquização de poder. 10
A opção por enfocar dois segmentos de elites tão díspares quanto elites militares e elites empresariais sustentáveis, em períodos muito diferentes, serve a alguns propósitos. O mais importante deles é a demonstração do valor heurístico da perspectiva defendida. Isto é, a crença no potencial analítico dessa forma de enquadramento do fenômeno de constituição de espaços de práticas a despeito do tipo de grupo dominante, de seu grau de objetivação social ou de institucionalização no presente e, ainda, dos recortes temporais operados.
Dito de outro modo, tanto uma elite de Estado de caráter nacional que se constitui em muitas etapas ao longo do século XIX quanto uma fração específica e reduzida das elites empresariais que emerge no final do século XX, e está em pleno processo de institucionalização na atualidade, são objeto fértil para reflexão. A notabilidade social e o estágio de institucionalização de um grupo dominante, seu tamanho e historicidade, na perspectiva que adotamos, não são critérios para inclusão ou exclusão da agenda de interesses de pesquisa. Esses aspectos são, isso sim, questões centrais dessa agenda. Nesse sentido, destacamos que a exposição a seguir de dois casos de elites institucionais não busca uma comparação que aponte características comuns ou peculiares aos processos. Em vez disso, serve antes de qualquer coisa como pistas para a construção de objetos de análise numa perspectiva renovada sobre elites institucionais e sem fronteiras disciplinares.
O oficialato do Exército: privilégio e mérito
Oestudo da evolução institucional ou, mais corretamente, da institucionalização do Exército brasileiro entre o Segundo Império e a Primeira República oferece material dos mais férteis para aquilo que se procura aqui defender em termos de análise de elites institucionais; sobretudo por colocar em perspectiva a relação entre as disputas entre frações de elites e camadas sociais aspirantes pelo acesso a estruturas de poder nos serviços do Estado, 11 que se expandiam, e as condições objetivas de realização de carreiras no Exército, em vias de afirmação. Entre os pontos centrais em disputa estava certa ruptura com a tradição aristocrática da instituição ao se atrelar o acesso ao oficialato à realização de cursos preparatórios.
Para leitores menos familiarizados com a história do Exército, é preciso ter em conta que, nesse período, a instituição tinha pouco a ver com as Forças Armadas contemporâneas. Tratava-se de uma instituição pouco uniforme e racionalizada, composta em boa medida por oficiais que exerciam outras atividades — como estancieiros, fazendeiros e políticos —, e que estava longe de se dedicar apenas a questões bélicas. Ostentar uma patente de alto oficial e exercer postos de comando militar durante boa parte do Império significava, antes de tudo, estar inserido em redes de poder, usufruir de certa notabilidade e dispor de condições favoráveis à mediação de diferentes tipos de recursos. Dado importante, até meados do século XIX, a condição básica para ascensão no Exército era o privilégio de nascimento (Schulz, 1994; Souza, 1999).
Esse privilégio era expresso oficialmente pela figura do cadetismo, instituição herdada do Exército português que garantia a entrada e ascensão no Exército a filhos de nobres. No Brasil, sua lógica patrimonialista foi ampliada e se tornou alvo de outros grupos sociais em busca de posições em serviços do Estado (Seidl, 2010; Souza, 1999). Foram assim inventados o título de segundo cadete (para filhos de oficiais de baixa patente) e o de soldado particular (para filhos de “notáveis” sem título de nobreza) (Cunha, 1966; Motta, 1976). Em 1853, também os filhos de oficiais da Guarda Nacional — instituição patrimonialista por excelência — passaram a receber o título de cadete. 12
A adoção de requisitos escolares como critério de ascensão na hierarquia seguia lógica de institucionalização de princípios ligados à ideia de mérito, associado à posse de conhecimento formal ( Quadro 1). Tinha-se aí um primeiro impulso em direção à profissionalização do Exército com a maior codificação dos critérios de ingresso e de ascensão institucional: preparação em escolas ou academias, a aprovação em cursos e adesão a valores de disciplina e bravura (Motta, 1976; Schulz, 1994; Silva, 2018). Esse é o ponto que nos parecia de interesse abordar menos pela atenção à letra dos regulamentos 13 do que pelo estudo de seus impactos efetivos.
O expediente analítico utilizado procurou capturar os efeitos objetivos desse processo de “adaptação modernizadora” por meio de dois procedimentos principais: i) um estudo prosopográfico 14 do conjunto do generalato no período, com foco no background social e nos diferentes tipos de recursos mobilizados em seus trajetos 15 ii) uma análise das estratégias e das condições concretas de ascensão no interior do Exército. Inspirados sobretudo nos trabalhos de Coradini (1996, 1997) sobre a elite da medicina no Brasil e de Charle (1987) sobre os dirigentes na França (1880-1900), procuramos identificar como diferentes recursos sociais e culturais eram acionados pelos agentes ao longo de diferentes momentos da carreira.
Os achados da pesquisa mostraram a manutenção de um recrutamento predominante entre grupos sociais privilegiados — filhos de oficiais superiores, nobres, proprietários rurais; não raro, indivíduos com todas essas características. A estes o Exército ofertava espaço favorável ao acúmulo e à ampliação de notabilidade social e de prestígio — inclusive de “heroísmo” 16 — e de relações. Isto é, a instituição militar funcionava como engrenagem de reprodução social de frações superiores da sociedade, favorecendo inclusive a constituição de “dinastias familiares” no Exército (Seidl, 2002, 2020).
Ao lado de registros documentais como correspondência particular e dossiês de carreira, o exame de material biográfico e memorialístico variado sobre o conjunto do oficialato evidenciou as condições de uso dos recursos e das estratégias mencionados. Nesse exame, identificou-se a totalidade de casos para os quais se dispôs de material robusto, configurando um padrão de itinerário na instituição no período. 17 Além dos mecanismos oficiais e explícitos de favorecimento de certos grupos no acesso a postos superiores (“cadetismo à brasileira”), o principal condicionante de seleção do alto oficialato tinha por princípio o uso de relações sociais com base na reciprocidade, como o clientelismo e a patronagem. E o ponto central a destacar é que o princípio do favor e do favorecimento se manteve ao lado da imposição de critérios baseados em recursos escolares para a realização da carreira de oficial — frequência a escolas e obtenção de títulos.
Para o que nos interessa discutir aqui, é a realidade da instituição e de seus estágios de institucionalização que importam vir à tona, e não a mera constatação do teor das regras oficiais adotadas pela instituição, suas justificativas e discursos de legitimação. É assim, por exemplo, que foi possível relativizar visões consagradas na literatura especializada em termos de evolução do Exército para modelos burocratizados de instituição, como “uma carreira que se abria ao talento” (Schulz, 1994) com a adoção do mérito profissional, e perspectivas que acentuam o valor de diplomas escolares como condição indispensável (ou quase) a postos de poder no período. 18
Embora fossem critérios oficiais, a frequentação a escolas/academias, a realização de cursos preparatórios e a aquisição de titulação escolar por aqueles que desejavam ascender no Exército não eram recursos suficientes. A dependência exclusiva ou predominante do desempenho escolar e disciplinar — a afirmação de um éthos militar — como critério para o sucesso na carreira é algo muito mais tardio no Exército e se dá a partir dos anos 1940 com a modernização da Academia Militar das Agulhas Negras (Castro, 1990).
Está claro que os esforços de apreensão dos mecanismos objetivos de regulação de qualquer instituição são desafiadores. No caso do Exército no período examinado, foi a disponibilidade de material relativamente abundante que permitiu esse tipo de empreitada. 19 Isso porque são fartos os registros pessoais e institucionais que explicitam questões capitais, como a imagem social da instituição e da carreira, o que era necessário para ingressar e prosperar nela, quais os mecanismos e atalhos para evoluir com rapidez, a exposição de favorecimentos como promoções rápidas ou, ao contrário, de preterições e punições. Em suma, como funcionavam as engrenagens da instituição na realidade. Caberia lembrar que, como em qualquer instituição ou espaço de atividade, o conhecimento ou domínio prático desses mecanismos é distribuído de modo desigual entre aqueles que nele investem.
Quadro 2 - Memórias de um marechal: méritos fictícios e filhotismo
“Fora do Rio de Janeiro, os esforços e abnegação dos servidores do país não são aquilatados devidamente pelos poderes públicos. Militares e civis que servem em longínquas paragens, arredados, portanto, do ambiente governamental, afastados dos círculos da grande metrópole, em que têm proeminência as reverências cobiçosas e gestos lisonjeiros, criadores de méritos, embora fictícios, são sempre esquecidos quando se trata de galardoar serviços. O devotamento, o sacrifício e a inteligência dos ausentes não experimentam de ordinário os estímulos da justiça. O acesso aos postos elevados não é um incentivo ao fortalecimento de energias. O interesse de ordem geral, que deveria sempre primar, é obscurecido pelo de origem privada, sentimental. Em uma palavra, o filhotismo é o princípio dominante”. |
É assim que a exposição e contato precoces a certos universos funcionam como uma forma menos óbvia de privilégio e tendem a favorecer não apenas a constituição de gostos e desejos nos indivíduos, mas também a incorporação e domínio das regras e de outros elementos associados — como vocabulário oficial e jargão, conhecimento da história e da mitologia institucional. 20 Muito difícil de ser mensurado, esse tipo de recurso pode funcionar como diferencial em situações de concorrência de molde meritocrático, como em concursos públicos nos quais as situações de interação (entrevistas, aulas, apresentação de memoriais) permitem a apreciação de atributos menos capturáveis nas provas técnicas. 21
Na impossibilidade de demonstrar com detalhes as bases das relações pessoais que organizavam a carreira militar no período, nos limitamos a apontar seus traços centrais. 22 Essas relações se davam em nível interno e externo ao Exército, aspecto que realça a porosidade da esfera militar e sua dependência diante das injunções da política. No âmbito interno da instituição militar estavam as trocas de favores que envolviam somente militares — em geral, relativas a nomeações, promoções, transferências ou punições de outros militares.
Aqui cabe destacar a discricionariedade permitida pelas noções de “merecimento” e outras qualidades definidas pelo regulamento (“subordinação, valor, inteligência, zelo, instrução e disciplina militar, bons serviços prestados na paz ou na guerra”). Todas eram invocadas de modo recorrente em solicitações pessoais e nos despachos de promoção, com destaque aos “bons serviços prestados”. Mais do que isso, sobrepunham-se com frequência ao intervalo de tempo exigido para a troca de patentes. Os casos de ascensão rápida, com saltos na hierarquia em poucos anos, são muito numerosos e facilmente verificáveis nos registros institucionais.
Um segundo nível envolvia ligações de oficiais militares com políticos de alto escalão, como imperador/presidentes, presidentes de província/governadores, interventores, senadores e deputados. A documentação examinada revelou que a configuração dessas relações seguia quatro formas básicas: i) o envolvimento direto entre oficiais militares e políticos civis; ii) o entrelaçamento de militares e políticos, mas com a mediação de serviços a cargo de outros oficiais com maior capital de relações; iii) relações entre civis que tinham suas demandas mediadas por oficiais militares bem posicionados; iv) oficiais militares no exercício de cargos políticos intercambiando favores com agentes civis e militares. Ressalte-se que, embora os mecanismos de troca fossem basicamente os mesmos em todos os casos, na terceira modalidade há uma formação específica. Veem-se ali não militares negociando bens (a rigor) não militares, mas com a mediação dessas trocas a cargo de militares.
Além da variedade empírica do fenômeno, interessa acentuar os termos de justificação de trocas que se materializavam em solicitações e atendimentos de favores em nome de princípios como amizade, camaradagem e companheirismo. Estas são três das expressões mais frequentes encontradas nas justificativas expostas em correspondências, tanto entre militares quanto entre militares e civis em posição de poder. Mas, ao lado da dimensão afetiva que recobre grande parte do linguajar utilizado, está também a afinidade política, em sentido amplo. Esta se realizava pela inscrição em redes e facções e pelo envolvimento em diferentes espaços e causas (locais ou mais amplas) que constituíam os principais móveis de luta política e intelectual no período: movimentos políticos regionais, clubes republicanos, círculos literários, científicos, positivistas e grupos modernizadores do exército, como os Jovens Turcos.
Na ausência de fronteira clara entre o ofício militar e a política, as adesões e tomadas de posição ideológica e faccional eram parte da vida institucional das Forças Armadas. Portanto, orientavam hierarquias na corporação e organizavam clivagens e compromissos entre grupos e indivíduos. É desse modo que estar ligado a certas cliques, ter proximidade a lideranças políticas e se destacar em alguma causa constituía capital indispensável àqueles com aspirações na instituição — com todos os riscos de revés conhecidos. Por outro lado, a progressão na hierarquia nutria as chances de investimentos mais intensos e de êxito político, com a obtenção de mandatos eletivos, de convites ou designações para postos de poder pelas principais autoridades.
A elite da “sustentabilidade empresarial”: apropriação e prescrição
Em outro estudo, nosso foco se voltou para a institucionalização da “sustentabilidade empresarial” no Brasil, processo com características bastante distintas daquele visto nas Forças Armadas. Trata-se aqui de uma instituição relativamente recente, surgida nos anos 1990. Ela é marcada tanto pelos desdobramentos de outras duas instituições empresariais anteriores — a filantropia empresarial e a responsabilidade social corporativa — quanto por um processo de importação e apropriação do ideário do desenvolvimento sustentável, originalmente produzido nos espaços ligados às Nações Unidas. A combinação de métodos e fontes de dados constituíram um desenho tripartite de pesquisa: i) a história da instituição da sustentabilidade empresarial, 23 via análise sociogenética operacionalizada por pesquisa documental (livros especializados, revistas e jornais voltados ao “mundo empresarial”); ii) a consagração e as práticas de uma nova elite de top managers no Brasil, com base em uma prosopografia somada à análise das práticas discursivas dos notáveis; iii) as estratégias educativas desenvolvidas para renovar os quadros na principal escola de negócios do país por meio de observação assistemática, de pesquisa documental e de entrevistas semiestruturadas com docentes e discentes (Barreiros, 2019).
Menos do que determinar quais indivíduos compõem ou não a elite empresarial, nossa curiosidade sociológica se voltou para a prescrição de formas de ser e de agir endereçadas aos profissionais de escalões médio e baixo. 24 Também aqui mobilizamos o método prosopográfico, 25 mas complementamos as análises com atenção especial à dimensão das práticas discursivas (Bourdieu, 1996). Tal dedicação à dimensão linguística se explica sobretudo pela consideração de que é relevante ao sociólogo interessado em estudar uma elite mapear como o grupo dirigente prescreve comportamentos, valores e interesses — como destacado por Saint-Martin (2008).
Tal investigação privilegiou um recorte temporal posterior à etapa de maior objetivação da instituição da sustentabilidade empresarial no Brasil. Após a emergência de entidades empresariais (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável [CEBDS]), associações profissionais (Associação dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável [ABRAPS]) e outros dispositivos institucionais que alcançam inclusive o mundo das finanças (Índice de Sustentabilidade Empresarial [ISE] da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo [BM&FBOVESPA]), o estudo destacou outra direção do processo de institucionalização, com desdobramentos até mais interessantes do que aqueles relativos à dimensão da objetivação. Além dos indicadores mais concretos — ferramentas de gestão, índices em bolsas de valores, relatórios padronizados — para os gestores trabalharem em suas empresas segundo um “modelo de gestão sustentável”, identificamos e mapeamos um certo “jeito de ser” promovido por uma elite institucional, que começava a ser construído e já era capaz de definir os engajados na instituição.
A observação desse fenômeno se ancora em um pressuposto muito importante para a perspectiva aqui adotada: uma instituição apenas existe se houver agentes que a simbolize, que a tipifiquem, que possam lhe conferir certa vitalidade (Berger; Luckmann, 2014). Tal processo de tipificação envolve a construção de tipos de indivíduos que definem as instituições, como é o caso, por exemplo, do sacerdote na instituição católica. Entretanto, não é demais lembrar que o processo institucional de tipificação das ações habituais é marcado por disputas de poder (Lagroye; Offerlé, 2010) nas quais os enunciadores mais legítimos dispõem de privilégios e prerrogativas. Isso foi relevante para entendermos o papel desempenhado pela elite institucional em questão, formada pelos mais notáveis “líderes sustentáveis” do espaço econômico brasileiro, e como os escalões mais baixos das hierarquias dessa instituição (profissionais neófitos ou pouco renomados e jovens estudantes de gestão) interiorizam e incorporam as formas de pensar e de agir.
Esse empreendimento de pesquisa nos tirou de uma posição um pouco mais confortável (porque mais consolidada na literatura sociológica) associada ao processo de objetivação social. Assim, o interesse analítico pela institucionalização da sustentabilidade empresarial em nosso país precisou se deslocar, considerando o momento da construção desse objeto de pesquisa (a segunda metade da década de 2010), para os modos como o instituído se exprime em comportamentos, gestos, palavras, posturas, ideias. Assim, passamos a destacar as relações dialéticas entre as formas objetivadas da sustentabilidade empresarial (entidades empresariais, associações profissionais e dispositivos financeiros) e as expressões subjetivas (tomadas de posição específicas, sentidos dos engajamentos, justificativas, maneiras de narrar suas histórias de vida) dos indivíduos com maior montante de capital simbólico que nela investem.
De certo modo, a atenção ao processo de tipificação abriu terreno para uma inventividade necessária à análise para a compreensão dos signos distintivos da elite da sustentabilidade empresarial no Brasil. Além de origens e itinerários que destoam pouco dos padrões identificados internacionalmente sobre os top managers, 26 suas posições atuais, apreensíveis pelos cargos que ocupam, são também convencionais, em sua maioria. Na maior parte das vezes, os integrantes dessa elite institucional são CEO ou vice-presidentes em empresas muito bem posicionadas no espaço empresarial brasileiro e internacional. Em contraste, verificamos que o que torna mais peculiares as tomadas de posição, geralmente contra as visões dominantes do campo econômico, ou da doxa econômica 27 (Bourdieu, 2001a; 2005), não são as propriedades sociais gerais desses agentes, mas os seus atos de enunciação. De modo sintético, esses discursos em geral envolvem uma denegação, ainda que parcial, do primado do capital econômico nas práticas empresariais (“dinheiro importa, mas as prioridades socioambientais devem ser atendidas”).
Variáveis | Principais resultados |
---|---|
Naturalidade | Oriundos sobretudo do sudeste do Brasil ou de outros países (Alemanha, Argentina, Estados Unidos e Países Baixos) |
Ocupação dos pais | Funcionários públicos, psicólogos, contadores, pequenos ou médios empresários e engenheiros |
Geração profissional * * *Em vez de usar como critério a idade, três tipos geracionais foram aqui estabelecidos a partir do nível de longevidade como top manager. Há indivíduos que, desde os anos 1980, já eram líderes em suas empresas (geração antiga), outros que se tornaram top managers nos anos 1990 (geração intermediária); há ainda os que se tornaram lideranças empresariais nos anos 2000 (geração nova). | Uma classificação geracional equitativa pôde ser apreendida a partir do acesso à posição de top manager: antiga (anos 1980), intermediária (anos 1990) e nova (anos 2000) |
Graduação | Centros de ensino público de destaque (USP, Unicamp) ou privados renomados (FGV), onde estudaram principalmente gestão ou engenharia |
Pós-graduação | Centros privados renomados (FGV, Fundação Dom Cabral) ou business schools europeias (IMD, Suíça), onde cursaram MBA gerenciais |
Formação especializada | Apenas quatro dos 28 indivíduos têm formação específica de pós-graduação em sustentabilidade empresarial, todos da geração mais nova |
Itinerários profissionais | O modo de ascensão profissional mais frequente é vertical e numa mesma empresa (de office boys ou estagiários a top managers), seguido por um padrão mais horizontal (ocupação de cargos elevados em diversas empresas) |
Circulação internacional | Somente seis dos 28 indivíduos têm itinerários estritamente nacionais (sem residir no exterior por motivos de estudos ou trabalho) |
Verificou-se que é justo por meio da linguagem que os agentes que integram essa elite se revelam reformistas do espaço empresarial. Apesar de, por vezes, elevarem o tom de seus discursos com reivindicações que soam, aos investidos na instituição, como revolucionárias, eles não rompem com os preceitos mais fundamentais do capitalismo, mas pregam reformas. Afinal, isso é o que lhes é permitido no terreno dos possíveis de suas posições empresariais. Podemos, portanto, perceber os mais notáveis da sustentabilidade empresarial como empreendedores de reforma, no sentido de Bezes e Le Lidec (2010), uma vez que advogam a favor de mudanças importantes nas instituições empresariais, como formas de gestão, modelos de empresas, estratégias e culturas empresariais.
Para mapear as tais propostas de reformas, um determinado espaço de enunciação — que se constitui em uma rede de notáveis — foi fundamental a Plataforma de Liderança Sustentável (PLS), 28 espaço ao mesmo tempo de consagração e de construção de biografias (a rigor, hagiografias) dos top managers que aderem à sustentabilidade empresarial. A legitimidade para enunciar traz consigo certa intenção performativa, visível no recurso a falas normativas e imperativas, douradas por um modo de contação de histórias (storytelling, no léxico do espaço empresarial).
Na foto de um evento da PLS, cujo símbolo está no centro do palco, podemos observar o caráter triplo de espetáculo, de socialização e de solidariedade dessas palestras para os participantes da instituição.
Em termos de conteúdo, as enunciações mapeadas oscilavam entre o alarmismo e o idealismo: de um lado, o alerta sempre presente dos “perigos do rumo civilizatório” do “capitalismo desenvolvimentista”; de outro, o ideal de um “mundo sustentável” e de um “capitalismo diferente”. Como regra geral de conduta, líderes sustentáveis tendem a exigir de si mesmos o papel de “catequistas” de um modelo de negócios que lhes parece melhor tanto para o futuro das empresas quanto para a sociedade em geral, endereçando suas falas, ao mesmo tempo, a seus subordinados (trabalhadores de baixo e médio escalão) e a seus contratantes (acionistas e conselheiros de empresas).
Nas práticas discursivas da elite analisada, os princípios da sustentabilidade empresarial figuram como prioritários diante da meta básica de um empreendimento capitalista, a maximização dos lucros. Trata-se aqui de uma denegação do interesse econômico, do seu primado no jogo dos negócios. Entretanto, essa denegação nas trocas linguísticas entre os investidos na instituição se revela caracteristicamente parcial. A prática de negar parcialmente o primado do ganho monetário é peculiar ao jogo, refletindo a illusio inerente a esse espaço, alinhando-se ao caráter reformista do movimento. Cabe ressaltar que essa particularidade do senso prático dos agentes é fundamental para destacar a dimensão histórica da conexão entre a elite de gestores adeptos da sustentabilidade e os magnatas filantropos estadunidenses da virada do século XIX para o XX, como Andrew Carnegie, John Rockefeller e Henry Ford. Em outras palavras, essa ligação destaca a denegação como elemento crucial na compreensão da relação entre a instituição da filantropia empresarial e a da sustentabilidade empresarial.
O conjunto de práticas discursivas mapeadas, sobretudo aquelas com maior teor performativo, permite assumir que a elite da sustentabilidade empresarial apresenta, como estratégia nuclear, a imposição do que podemos chamar de “modo sustentável de ser e de agir” no espaço empresarial; um éthos sustentável, que abrange diversas esferas da vida: das escolhas alimentares e da forma de criar os filhos aos modos de resolver problemas gerenciais e de estabelecer relações profissionais. Nesse movimento, a pesquisa também mostra indicações sobre como esses agentes, investidos no campo econômico, podem ser ativos em espaços estatais, supranacionais, em debates públicos, trabalhando para impregnar diferentes instâncias e agentes do espaço do poder com essa visão particular de uma elite de heterodoxos.
Ao analisarmos as prescrições de maneiras de ser e agir, percebeu-se que a escala de transformações que eles almejam não se restringe a seus colaboradores e a outras partes interessadas de suas empresas. Ademais, há um traço importante de engajamento sustentável: os adeptos da sustentabilidade empresarial deveriam ter a capacidade de militância pelo protagonismo empresarial na resolução de problemas sociais, econômicos e ambientais. A mobilização de recursos para se aproximarem de governantes e das esferas de decisão através da militância pelo protagonismo empresarial — tipo de prática associada à reivindicação de que empresas privadas são agentes mais eficientes do que os governos para resolver problemas socioambientais — sem dúvida favorece a circulação dos membros dessa elite pelo espaço político. 29
As narrativas capturadas revelam um senso prático intimamente relacionado ao recrutamento e à conversão de novos membros, num movimento razoável (não exatamente calculista) de colocar a sustentabilidade como parte da doxa do espaço empresarial. Estratégias e táticas educativas são construídas desde os anos 1990 por determinados professores convertidos à causa sustentável. Primeiro de modo pouco objetivado, mas, depois, alavancadas por centros de estudos (o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas [FGV]) e cursos especializados (sobretudo mestrados profissionais — os Master in Business Administration). Escolas de negócios como a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP) estão afinadas com suas empresas parceiras e seguem os ditames dos compromissos firmados com a promoção internacional do desenvolvimento sustentável, sobretudo via Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) (Barreiros, 2018). Esses ditames internacionais ajudam a criar isomorfismo institucional entre os cursos de formação para a sustentabilidade empresarial porque inserem valores, regras e princípios tidos como universais nos currículos e nos temas de pesquisa de educadores e estudantes.
O caso da sustentabilidade empresarial demonstra como instituições emergentes podem ser analisadas não só em termos de dispositivos objetivados, como métricas de gestão e entidades empresariais, mas também em termos simbólicos e de incorporação, através da estabilização e disseminação de esquemas cognitivos, linguísticos e práticos capazes de alcançar os mais diversos âmbitos da vida social dos agentes nelas investidos.
Considerações finais
Sugerimos neste artigo algumas ferramentas teóricas e metodológicas para refletir sobre elites institucionais que se afastam de visões oficialistas ou internalistas das instituições e evitam se tornar reféns da dimensão oficial do fenômeno da instituição. Focalizando configurações periféricas como a brasileira, propusemos em especial que a institucionalização é um processo a ser examinado e descrito empiricamente quanto a suas estruturas, interesses, práticas sociais e representações. Enfatizamos ainda que esses elementos contribuem tanto à permanência quanto à transformação dos arranjos institucionais.
Sem negar o peso do enquadramento das instituições e de suas regras na formação de suas elites dirigentes, acentuamos que é a problemática das condições de existência e de legitimação de certos grupos e classes que configura a grande questão. Voltamos então à premissa de que se uma instituição não é feita só de pessoas — mas também de regras, ritos, performances, símbolos e prescrições de conduta —, não há instituição sem pessoas; e que não há sentido em falar em regras e princípios formais sem considerar se são de fato acionados por agentes de carne e osso.
Como sublinhado, é preciso ver as instituições em ação através das práticas de seus membros, os quais são, sem dúvida, constrangidos pelas instituições. Muito além de simples manifestações secundárias das estruturas institucionais, os agentes são interpretados, nesse contexto, como empreendedores que atuam em cenários competitivos. A mudança concreta em termos de prática de pesquisa aqui proposta retoma a importância dos investimentos individuais, das diversas formas de envolvimento com a instituição e das batalhas particulares ou coletivas travadas em busca de reconhecimento e de poder.
Apostamos que os dois grupos de elite aqui discutidos fornecem material rico para reflexões nessa direção. E isso em boa medida por causa das grandes diferenças que apresentam sob quase todos os aspectos, incluindo tipos de fontes disponíveis e possibilidades de operacionalização; mas também pela forma como os objetos de pesquisa foram construídos. Se no caso do Exército são as engrenagens concretas do recrutamento e seleção do alto oficialato que ganham evidência e exigem que as regras oficiais da instituição sejam questionadas pela análise, para o estudo das elites da sustentabilidade o foco está no trabalho de prescrição que certos indivíduos realizam com vistas à afirmação de um novo éthos que vai além da profissão.
A condição periférica de constituição das elites militares e das elites sustentáveis em questão é elemento de interesse especial. As análises realizadas em temporalidades tão diferentes — com grupos tão díspares e afastados no espaço do poder como oficiais do Exército e lideranças empresariais — confirmam o traço estruturante da dependência de sociedades, como a brasileira, diante da importação de bens simbólicos que estão na base da constituição e da legitimação de diferentes instituições e grupos. Isso fica evidente tanto nas novas definições do mérito militar quanto naquelas que prescrevem novas formas de ser e agir no mundo empresarial e capitalista.
Em ambos os domínios, as disputas pela redefinição do sentido da instituição e pela excelência se organizam em referência a modelos externos — de Exército, burocracia, gestão, capitalismo, desenvolvimento — que se propõem universais, e cujas formas de consumo local dão contorno a processos de institucionalização com timings diferenciados: muitas e longas etapas no Exército, mais curto no caso da sustentabilidade.
Um último ponto que caberia retomar diz respeito ao peso da política e das relações com o Estado na constituição e dinâmica dos dois grupos examinados. Inseparável das engrenagens do Exército e da própria definição do ofício militar no período enfocado, a lógica da política — em sentido amplo — aparece de modo mais ambivalente na conformação do espaço empresarial da sustentabilidade. Se o discurso do rechaço à política e, sobretudo, ao Estado, está na base dos esquemas de legitimação da doxa hegemônica liberal, a perspectiva heterodoxa sustentável insiste na centralidade dos atores políticos nacionais e supranacionais. É preciso lembrar que as próprias categorias de compreensão da realidade que definiram o ideário do desenvolvimento sustentável são tributárias de estruturas políticas, com destaque à ONU.
Pelo lado do Exército, a relação com a esfera política se transformou em boa medida ao longo da República; em especial quanto à profissionalização da carreira, que passou a depender menos de determinantes externos. As percepções sobre o ofício militar, o papel do Exército na sociedade e as qualidades da instituição, no entanto, mantiveram vivas representações que associam as Forças Armadas à política e a colocam como ator legítimo, competente e atuante no espaço público. Não seria difícil recordarmos o quanto esse fenômeno ganhou em plasticidade durante a presidência de Jair Bolsonaro (2019-2022).
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Notas
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- 2
-
3
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É preciso frisar que os aportes da sociologia da institucionalização são bastante compatíveis com a praxeologia bourdieusiana. Em diversos momentos de seus cursos no Collège de France, entre 1981 e 1986, Bourdieu (2015), (2016) tratou diretamente das categorias instituição e institucionalização, ancorando-se tanto na compreensão de Durkheim — de que a sociologia é a ciência das instituições — como na de Weber acerca do processo de racionalização que caracteriza a modernidade.
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A conformação às exigências da instituição está longe de ser algo resolvido em definitivo para seus membros. Ela requer um trabalho constante dos indivíduos sobre si próprios para se ajustar a seus papéis e manter a coerência com a identidade e a cultura coletivas. Mas esse trabalho de enquadramento também é exercido pelo coletivo e, em alguns casos, por indivíduos e instâncias especializados em tarefas disciplinares e de sanção (por exemplo, comissões e conselhos de ética profissional, órgãos de conduta de seminários e conventos, a Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja Católica).
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A noção de papel nessa perspectiva não se confunde com a noção consagrada pelo interacionismo simbólico. Lagroye (1997): 8 a define como “o conjunto de comportamentos ligados à posição que se ocupa e que permitem que essa posição exista, se consolide e, sobretudo, se torne sensível aos outros”.
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Os trabalhos de sociologia histórica e de política comparada de autores como Badie (1992), Badie e Hermet (1993) e Bayart (1996) são aqui referências indispensáveis. Embora com orientação distinta, a perspectiva de Bourdieu (2002) e Bourdieu e Wacquant (2002) e de pesquisadores por ele inspirados, como Dézalay (2004), Dézalay e Garth (2002) e Dézalay e Madsen (2013), sobre os impactos da circulação internacional, aponta na mesma direção.
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Falar em mudanças institucionais costuma gerar ceticismo entre os sociólogos desde os primórdios da disciplina. Rompendo em parte com essa tendência e seguindo a perspectiva institucionalista de Berger e Luckmann, Bezes e Le Lidec (2010) recomendam análises mais aprofundadas tanto das atividades institucionais dos “empreendedores de reforma” — que reivindicam transformações da ordem institucional — quanto das formas com que as instituições respondem a essas tentativas reformistas. Esses “empreendedores de reforma” buscam transformar as regras, redistribuir as relações de um espaço social, as identidades e os papéis sociais por meio de negociações de ideias aceitáveis para o conjunto mais amplo possível de agentes participantes de uma instituição.
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O dossiê Transações de bens simbólicos entre configurações nacionais, da REPOCS, organizado por Reis e Pulici (2023), explora um conjunto de pesquisas que vão exatamente nessa direção e enfocam domínios muito variados: “modelos de democracia”, “turismo”, “design”, “cinema” e “literatura”. Recomendamos em especial leitura da apresentação intitulada “Bens simbólicos e ‘causas legítimas’ em trânsito internacional”.
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Está aqui implícita a noção de guerras palacianas elaborada por Bourdieu (1989), entendidas como lutas pelo controle do Estado e, ao mesmo tempo, pelos valores relativos dos indivíduos e dos conhecimentos que dão forma e direção ao Estado. Essa noção foi explorada sobretudo por Dézalay e Garth (2002).
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A carreira se tornou menos atrativa aos descendentes dos grupos dominantes tradicionais à medida que se profissionalizava. As exigências de formação e a perda relativa de prestígio social da atividade favoreceram uma atração maior com as famílias de militares. A intensa endogenia no recrutamento do alto oficialato atravessa todo o Império e se mantém no início da República. Entre os generais de 1822-1860, cerca de 60% eram filhos de oficiais superiores e de 66% no intervalo de 1861-1889. Mais de três quartos dos generais do período de 1890-1930 eram filhos de oficiais. A maior presença de filhos de oficiais de patentes inferiores (43%) é que constitui a novidade. Esse traço é também identificado nos anos 1960-1970, assim como forte endogamia entre o oficialato (Barros, 2018): 185.
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Para uma discussão minuciosa sobre a lei de 1850 que regulava os critérios de ascensão na hierarquia, ver Silva (2018).
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Muito utilizada em estudos sobre elites (Bourdieu, 1989); (Charle, 2006); (Lunding; Ellersgaard; Larsen, 2020), nos baseamos sobretudo na variante francesa da prosopografia (Broady, 2002). Sobre a prosopografia nos estudos de elites políticas, ver Heinz (2015).
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Foram construídas três coortes de generais (N: 410): 1822-1860, 1861-1889, 1890-1930. Obtiveram-se informações para 265 (64,6%) indivíduos e o exame detalhado dos itinerários focou em 56 generais.
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A indicação para tarefas de maior prestígio, visibilidade e mesmo risco — como missões em conflitos e guerras — é um exemplo disso. Mas também é preciso notar como “convites” para servir com oficiais graduados ou políticos de alto escalão, na condição de secretário, ajudante de ordens ou de campo, por exemplo, são mecanismos corriqueiros (e eficientes) de favorecimento ao acúmulo de notabilidade e de contatos. A força da discricionariedade embutida nesses atos costuma ser atenuada pelas justificativas da “confiança” e do “mérito” referidas aos escolhidos. Sobre esse tipo de expediente na Igreja, ver Seidl (2003): 239, 272-280.
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Recomendamos consulta ao excelente trabalho de Souza (2008) sobre Duque de Caxias (1803-1880), patrono do Exército brasileiro. Ao desmonumentalizar o personagem, a pesquisadora reconstituiu grande diversidade de elementos estruturantes da “vida militar” no período, com destaque à dependência das relações e das lealdades pessoais.
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Em trabalho célebre sobre a elite imperial, José Murilo de Carvalho (1996): 111 indicava que, mesmo que em alguns casos a influência familiar pudesse ser suficiente para garantir um posto na burocracia estatal, a detenção de um título escolar era uma condição quase indispensável para a obtenção do posto. Nossos resultados são contundentes em demonstrar, no entanto, que os diplomas legitimavam origens sociais privilegiadas mais do que qualquer outra coisa.
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As fontes documentais foram consultadas no Arquivo Histórico do Exército (fés-de-ofício e processos de reconhecimento de cadetes) e em fundos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Política Rio-Grandense.
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Como indica Dubois (2007): 100, apoiado em Bourdieu, ter ou não ter frequentado de forma assídua e desde muito jovem igrejas ou casernas define as formas como os indivíduos se tornam padre ou militar.
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O objeto foi construído em diálogo com um conjunto reduzido, porém qualificado, de pesquisas sociológicas anteriores sobre temas correlatos (Botta, 2013); (Chiapello; Gitiaux, 2009); (Sartore, 2010).
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Existem diferenças significativas entre aqueles que estão investidos na sustentabilidade empresarial. Identificamos, por exemplo, os que detêm maior legitimidade para falar, os top managers mais consagrados; outros, que são profissionais de médio escalão ligados à sustentabilidade; além dos educadores de negócios que veem nesse ideário um novo paradigma educacional e dos jovens estudantes em estágios iniciais ou intermediários de sua socialização institucional nas escolas de negócios. Em posições mais periféricas, já que estão mais investidos em espaços não necessariamente empresariais, destacamos os gestores que trabalham no terceiro setor (organizações não governamentais e fundações), líderes de movimentos socioambientais, dirigentes de entidades públicas e de organizações supranacionais.
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As informações para cada um dos 28 indivíduos que compuseram a base prosopográfica foram organizadas a partir de variáveis concernentes a cinco dimensões analíticas: 1) identificação geral (empresa, cargo, sexo); 2) origem social e geográfica (naturalidade, profissão dos pais); 3) formação acadêmica (graduação, pós-graduação, cursos especializados); 4) itinerário profissional (cargos, participação em movimentos empresariais); 5) práticas discursivas (sentido da sustentabilidade, narrativas de conversão, éthos sustentável). Para cada uma dessas dimensões foram criadas variáveis no decorrer do processo de pesquisa, sendo nossa inspiração mais clara a pesquisa sobre o patronato francês liderada por Bourdieu e Saint-Martin ([s.d.]). Com respeito às fontes utilizadas, dada a dificuldade de acessar diretamente esses indivíduos, a geração de dados se ancorou em dados secundários obtidos em documentos textuais (livros especializados, biografias, reportagens escritas) e audiovisuais (entrevistas gravadas, registros de conferências e palestras). Todos os arquivos consultados foram publicados entre 2000 e 2018.
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Como tratamos aqui de um universo pequeno, é possível enriquecer as análises com outros estudos sobre executivos e chefes de empresas. Dessa maneira, no que tange a essas propriedades sociais básicas, há pouca diferença entre o top manager adepto da sustentabilidade empresarial e o executivo convencional mapeado internacionalmente (Ellersgaard; Larsen; Munk, 2013; Hartmann, 2011; Offerlé, 2017; Pohlmann; Valarini, 2013). A exceção talvez seja uma circulação específica por movimentos de promoção da agenda do desenvolvimento sustentável, mas tal circulação em geral ocorre após a chegada a posições de enunciadores da sustentabilidade empresarial. Também é peculiar que assumam papéis na construção de conselhos empresariais (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), associações empresariais (Instituto Ethos) e organizações do terceiro setor (Instituto Akatu) vinculados à agenda sustentável.
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Sob a ótica de Bourdieu, cada campo tende a gerar sua própria doxa, ou seja, um conjunto de convicções compartilhadas e consideradas como incontestáveis (Wacquant, 2008). Os agentes sociais, por sua vez, tomam posições com base na doxa: os que ocupam posições dominantes tendem a reforçar as estruturas vigentes, adotando uma postura ortodoxa, enquanto os que buscam questionar o status quo recorrem a adaptações e ataques direcionados à doxa, abraçando uma perspectiva heterodoxa. Importa salientar que, no contexto do campo econômico, a doxa tem sido impregnada, pelo menos desde os anos 1990, pelas convicções associadas ao neoliberalismo.
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Mais recentemente, a Plataforma de Liderança Sustentável (PLS) passou a se chamar Plataforma de Liderança com Valores.
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O caso de um dos fundadores da Natura é emblemático: um dos mais notáveis da sustentabilidade empresarial fez parte da chapa do Partido Verde (PV) em 2010 como candidato a vice-presidente da República, ao lado de Marina Silva.
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Fonte de financiamento:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Mar 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
31 Ago 2023 -
Aceito
21 Nov 2023