Open-access Como se escolhem os escolhidos?: nota metodológica sobre a definição do grupo-alvo em prosopografia *

How the chosen are chosen?: methodological note on the definition of the target group in prosopography

¿Cómo eligen a los elegidos?: nota metodológica sobre la definición del grupo objetivo en prosopografía

Resumo

Este artigo aborda o método da prosopografia e oferece recomendações práticas para sua aplicação na pesquisa histórica. O autor baseia-se em suas próprias experiências e compartilha casos reais e desafios enfrentados por pesquisadores, em especial estudantes de pós-graduação, para enfatizar soluções práticas, sobretudo na definição do grupo-alvo da pesquisa. Ele destaca os desafios envolvidos nessa etapa crítica e os potenciais riscos de uma definição inadequada do grupo para as fases posteriores do processo de pesquisa, bem como o imenso potencial da prosopografia no campo da história social contemporânea e da micro-história. Além disso, o artigo destaca a necessidade e os benefícios do trabalho colaborativo em pesquisa, na reunião de recursos, no treinamento de jovens pesquisadores, no compartilhamento de experiências e na disseminação de técnicas, oferecendo uma alternativa às experiências de pesquisa solitárias. Em resumo, este artigo fornece insights sobre procedimentos práticos em prosopografia, com foco na definição do grupo-alvo.

Palavras-chave: Prosopografia; Metodologia; Grupo-alvo

Abstract

This article discusses the method of prosopography and offers practical recommendations for its application in historical research. The author draws on his own experiences and shares real cases and challenges faced by researchers, especially graduate students, to emphasize practical solutions, mainly in defining the research target group. It highlights the challenges involved in this critical stage and the potential risks of an inadequate definition of the group for the later stages of the research process, as well as the immense potential of prosopography in the field of contemporary social history and microhistory. Furthermore, the article highlights the need and benefits of collaborative work in research, in pooling resources, in training young researchers, in sharing experiences, and in disseminating techniques, offering an alternative to solitary research experiences. In summary, this article provides insights into practical procedures in prosopography, with a focus on defining the target group.

Keywords: Prosopography; Methodology; Target Group

Resumen

Este artículo aborda el método de la prosopografía y plantea recomendaciones prácticas para su aplicación en la investigación histórica. El autor parte de su propia experiencia y comparte casos reales y retos a los que se enfrentan los investigadores, especialmente los estudiantes de posgrado, para hacer hincapié en las soluciones prácticas, en particular en la definición del grupo objetivo de la investigación. Destaca los retos que se encuentran en esta etapa crítica y los riesgos potenciales de una definición inadecuada del grupo para las etapas posteriores del proceso de investigación, así como el gran potencial de la prosopografía para el campo de la historia social contemporánea y de la microhistoria. Además, este artículo señala la necesidad y los beneficios del trabajo colaborativo en la investigación, en la reunión de recursos, en la formación de jóvenes investigadores, en el compartir experiencias y en la difusión de técnicas, ofreciendo una alternativa a las experiencias de investigación solitarias. De esta manera, este artículo ofrece una visión de los procedimientos prácticos de la prosopografía centrándose en la definición del grupo objetivo.

Palabras clave: Prosopografía; Metodología; Grupo objetivo

[P] rocedimentos anteriores à publicação dos resultados tendem a ser arquivados ou, muitíssimo raramente, reutilizados em alguma nova investigação por outro pesquisador. De uma maneira ou de outra, ele quase sempre é mantido longe dos olhos do público. Assim, esse mesmo público se vê impedido de tomar contato com o longo percurso de aprendizado prático que toda pesquisa envolve, seus erros e acertos, suas hesitações, os bloqueios sucessivos de caminhos e as más escolhas que sempre fazemos. É uma pena que seja assim, pois é certo que muito empenho individual poderia ser poupado se as experiências referentes aos procedimentos habituais de construção de uma investigação científica viessem a público com mais frequência.

Renato Perissinotto e Adriano Codato, Como estudar elites ( 2016: 10)

Em “A prosopografia explicada aos cientistas políticos”, eu e Adriano Codato (2016) apresentamos um apanhado metodológico e sugestões de trabalho em prosopografia baseados em nossas próprias experiências de pesquisa. O título do artigo, publicado em Como estudar elites ( Perissinotto; Codato, 2016) foi escolhido por Codato antes mesmo de ter sido escrito, como uma espécie de reivindicação prévia de clareza metodológica que movia, de forma quase obsessiva, o projeto daquele livro. O propósito deste texto é, recuperando o espírito que presidiu a redação daquele artigo, sinalizar soluções práticas para historiadores interessados nas possibilidades da pesquisa prosopográfica, sobretudo no que se refere à definição do grupo-alvo da pesquisa, etapa-chave do processo.

Eu pouparei o leitor dos longos parágrafos de definições acerca da prosopografia como método. Suas virtudes e limitações foram explicitadas por muitos autores, e mesmo eu já fiz isso em diferentes oportunidades. Parte das contribuições mais conhecidas, e que se tornaram referências na área, como Lawrence Stone (2011), Christophe Charle (1987, 2006), Katherine Keats-Rohan ( 2007b) e Koenraad Verboven, Myriam Carlier e Jan Dumolyn (2007), foram secundadas por um grande número de autores empenhados em fazer sínteses e balanços bibliográficos sobre o método, como Marcela Ferrari (2010), Lorena Madruga Monteiro (2014), Pierre-Marie Delpu (2015), Sébastien Didier (2017) e Alexandra Ribeiro e Alboni Vieira (2023). De minha parte, organizei duas coletâneas ( Heinz, 2006; 2011a) e publiquei alguns artigos sobre o tema.

A ideia aqui é, portanto, confrontar os desafios postos à elaboração de uma pesquisa prosopográfica discutindo uma de suas principais etapas, a de constituição do grupo-alvo, a listagem nominal dos pesquisados, de sua “amostra” ou, ainda, do “N” da pesquisa. 1 Se a decisão é por destacar esse momento e não outros, é sobretudo pelas dificuldades enfrentadas em uma definição do grupo-alvo e os enormes riscos que essa definição, quando malfeita, pode acarretar às etapas ulteriores da pesquisa.

Em prosopografia, amostrar um grande grupo de indivíduos é, com frequência, contraproducente porque a natureza técnica da pesquisa exige uma base de informações individuais que dificilmente é preenchida de forma equânime para grandes coletivos. Com efeito, proceder uma amostragem estatística só faria sentido se o conjunto de informações disponíveis fosse homogêneo. Como a prosopografia está sempre confrontado a ausência de informações específicas (mas nem sempre as mesmas) para indivíduos (mas nem sempre os mesmos), as chances de se construir uma base ampla sem muitas lacunas são mínimas. Não digo que seja impossível, mas seria contar com uma sorte extraordinária que não aparece com frequência durante a pesquisa. Da mesma forma, a tentação de trabalhar com populações muito pequenas nos projeta em um ambiente de pesquisa por vezes abundante de informações, mas de dimensões tão reduzidas que se torna difícil inferir seu movimento propriamente coletivo. Como bem colocou Charle ( 2006: 45), “o historiador prosopógrafo navega entre dois rochedos […], aquele da biografia indefinida de indivíduos (com o risco da perda da dimensão coletiva) e aquele inverso, da ampliação das grandes amostras com a dimensão de toda a sociedade (com o risco de reduzir o questionário à sua mais simples expressão)”.

O grupo-alvo

Not all populations are equally fit for a prosopographical study. It is essential that the researcher very explicitly describes and defines the target group and clearly states his/her selection criteria for including or excluding certain persons.

Koenraad Verboven, Myriam Carlier e Jan Dumolyn, “A Short Manual to the Art of Prosopography” ( 2007: 53)

Basicamente, prosopógrafos trabalham com populações, ou seja, com a totalidade dos indivíduos de um grupo, um grupo criado no propósito da pesquisa, e não preexistente a ela. O conceito de população é mais apropriado por não se propor a extrair uma amostra de grandes coletividades, mas a analisar, através de uma operação de redução de escala, grupos criados a partir do acionamento de um ou mais critérios. Segundo Katherine Keats-Rohan ( 2007a: 143) “the population is isolated from source material according to carefully defined criteria, and the data concerning it are collected and modelled according to equally carefully defined criteria”. Mais adiante, a autora conclui que, embora todo esforço seja feito no sentido de identificar indivíduos na população em análise, “the focus is not on the individual per se but upon the total collection of individuals in aggregate”.

Na prosopografia se distinguem duas etapas distintas: A primeira é a coleta dos dados individuais. A segunda é a exploração desses dados para compreender o grupo. Segundo Didier ( 2017: 71), “[l] a collecte des données nécessite d’abord une première définition du groupe étudié autour d’une ou plusieurs caractéristiques discriminantes”. Segundo o autor, são esses critérios comuns que definem o grupo, “incluant ou excluant les individus de la base de données. Ils résultent du choix du champ d’études et des perspectives de recherche.

Há uma ampla literatura sobre a definição da população em estudos sociais e históricos de coletividades humanas (elites, grupos profissionais), e a ciência política nos oferece uma tipologia simples e útil nesse ponto. Segundo Codato ( 2016: 26), ao citar Putnam, “há três métodos consagrados […] para se definir a população a ser analisada”, os métodos posicional, decisional e reputacional. Os três podem oferecer elementos para se definir a população de um estudo prosopográfico, mas é o primeiro, o posicional, aquele que melhor atende as expectativas de uma pesquisa do tipo, pois, para elegermos um grupo-alvo de estudo historicamente datado e identificar o enquadramento formal dos indivíduos (funcionários, políticos, membros de uma associação etc.) — isto é, suas posições na estrutura da sociedade ou do Estado —, é uma informação infinitamente mais fácil de lidar do que sua influência ou reputação, o que, em geral, só poderia ser obtido de forma enviesada, através do recurso à eventual opinião registrada, irregular e assistemática, de contemporâneos.

A ênfase do método posicional está naqueles “indivíduos ou grupos que preenchem as posições formais de mando em uma comunidade” ( Codato, 2016: 26). Ora, esse método serve de ferramenta para definir o grupo-alvo da pesquisa, embora não da mesma forma que para os cientistas políticos. O que aproxima o prosopógrafo e o cientista político aqui, mais do que a hierarquia de poder proposta, é o efeito de formalização que um título, um cargo, uma patente, oferecem. Logo, um estudo prosopográfico não está necessariamente relacionado a grupos com poder — embora com frequência o esteja —, mas a grupos cuja inscrição social é formalizada por coletivos organizados ou pelo Estado. 2 Assim, ao referirmo-nos à posição dos indivíduos, nosso interesse é situá-los por algum critério formal, objetivo, um artifício para a inclusão deles em um grupo a ser estudado.

Em meio à diversidade de grupos a serem estudados, há aqueles que se prestam de forma mais ou menos direta aos procedimentos da prosopografia. Tomemos o exemplo do estudo dos médicos que atuaram em certo hospital durante um determinado espaço de tempo; no caso, uma população, uma vez que estariam incluídos aí todos os médicos de tal hospital. Seria possível estabelecer conexões entre essa população (médicos do hospital) com o conjunto de médicos da cidade onde se localiza? Sim, isso é feito a cada instante, mas não é esse o propósito principal da prosopografia. Ela se orienta para a investigação de um grupo social, profissional ou político determinado, de contornos claros, submetido a processos de seleção e exclusão claramente identificáveis. Ela não toma o grupo de médicos X como “representativo” de todos os médicos residentes em Y. Ora, essa é uma ambição que, na perspectiva da prosopografia, precisa ser abandonada ou, caso se insista nela, que ganhe outro conjunto de procedimentos. “[T] he object is to examine the interplay between a set of variables in order to understand certain historical processes, and not to create some sort of composite individual intended to represent the whole” ( Keats-Rohan, 2007a: 143-144). Com efeito, os procedimentos adequados que permitiriam inferir, através dos estudos com os médicos do hospital X, o conjunto das características de todos os médicos da cidade Y, exigiriam um procedimento de amostragem aleatória.

Como se escolhem os escolhidos?

O desafio mais comum nesses casos não é, portanto, saber como extrair de uma população previamente determinada um grupo amostral, mas como criar esse grupo. Quem entra, quem sai, como se escolhem os escolhidos? Não obedecendo a procedimentos de amostragem estatística, não há por que esperar que os escolhidos representem um coletivo maior. Basicamente, há uma intensa troca de características e informações entre um conjunto maior (universo) e o subconjunto (população determinada) analisado na pesquisa, mas que nunca será uma amostra fiel do conjunto maior. Como nos lembra Monique Pinçon-Charlot ( 1997: 166) a propósito da pesquisa de Cyril Grange (1996) sobre o anuário de sociedade francês Bottin mondain, 3 só é possível tomar o anuário em questão como base “à condition de savoir que l’on travaille sur un sous-ensemble de la population de référence. Un sous-ensemble qui n’est pas représentatif du tout, mais de lui-même”. Em outras palavras, as múltiplas operações de recorte e seleção do grupo-alvo produzem uma população que é única e que não é redutível à amostra do grupo social mais amplo. Trata-se aqui de uma aparente — apenas aparente — contradição do trabalho de definição do grupo-alvo: a redução de escala na operação prosopográfica não implica garantia de apreensão de uma parte do todo, ainda que, por vezes, ela forneça elementos consistentes sobre o todo na população do grupo-alvo. O que não se pode, sobretudo após as sucessivas operações de refinamento do grupo-alvo, é garantir que ele seja “representativo”, em termos estatísticos, do universo.

O trabalho ao qual a frase da autora faz referência, a tese de Grange, é um ótimo exemplo de solução metodológica para a análise de fontes extensas para a prosopografia. Nela, a pesquisa é baseada em uma grande amostra de famílias inscritas no anuário, entre 1903 e 1987, e cujo nome de família começa pela letra T. Essa amostra “corresponde a 1/ 30 da população total do anuário, ou seja, 3.914 famílias” ( Pinçon-Charlot, 1997: 166). Assim, diante do enorme volume de dados, Grange decidiu estabelecer um critério de corte à primeira vista banal, retendo apenas patronímicos de famílias de origem aristocrática e/ou burguesas que começam com a letra T. Por que não considerar então que esse subconjunto “representa”, assim como as demais famílias presentes no anuário, o meio de origem aristocrática e burguesa à época? Porque os critérios de seleção sobre quem entra e quem sai do anuário incluem estratégias de autopromoção e inclusão de famílias que não são comuns a todos nesse meio. 4 Assim, fazer parte do rol de nomes presentes no Anuário implica participar de um grupo socialmente criado, de contornos não “naturais”, que pode ser um excelente lócus revelador de características e estratégias dos meios aristocráticos e burgueses, mas que não pode ser tomado como seu padrão. Portanto, a subpopulação de 3.914 famílias é “representativa” apenas da população total daquelas incluídas no Bottin mondain. Em uma pesquisa prosopográfica não estatística, o grupo-alvo representa, em primeiro lugar, o próprio grupo-alvo. Nas palavras de Marcela Ferrari ( 2010: 547),

hoy tampoco es posible pretender que los resultados de una investigación de este tipo tengan un valor explicativo de la estructura social ni considerarlos generalizables. Tienen, en cambio, un valor altamente significativo, razón por la cual se debe renunciar a ambiciones de representatividad, aun hablando de un campo, y no pretender más que señalar tendencias sostenidas en la aplicación de una técnica muy sólida a la hora de analizar una configuración social y observar su evolución en el tiempo.

Depois de muitos anos, percebo que a definição do grupo-alvo é uma operação das mais custosas para os estudantes, novatos ou veteranos, tanto pelas dificuldades metodológicas quanto pela dificuldade de natureza emocional, pela incerteza acerca da correção da escolha. Com efeito, qualquer candidato ao uso da prosopografia arrisca, e muito, na definição do corpus de indivíduos, na definição da base nominal de indivíduos a serem estudados. Isso porque um grupo mal definido, ou mal escolhido, pode atrasar e atormentar uma pesquisa por muitos anos, e por muitas razões, a principal delas a eventual necessidade de se voltar ao início da pesquisa para refazer a base de dados. Sim, isso pode ocorrer pela necessidade de ampliar a base com novos indivíduos não incluídos originalmente (o que não é um cenário dramático) ou (e aí o caso pode ser bem mais complicado) pela imposição de um redimensionamento completo do projeto, redefinindo inteiramente o grupo. Apresento abaixo alguns exemplos de definições de grupo-alvo de trabalhos meus e de colegas, além daqueles em que participei como orientador ou que fazem parte da vasta produção internacional com prosopografia.

Situação 1: Quando indivíduos têm enquadramento institucional

The most important criterion to demarcate the population to be studied is the common and observable feature. This common characteristic can be sufficiently strict so that, if the sources are available, the demarcation of the target group poses few problems (a function in an administration, membership of an association, a worker in a company). Groups within an organized cadre (a craft guild, a city government, priests etc.) are easier to study: a membership, a commission, a consecration can be the criterion for belonging to, or not belonging to the target group.

Koenraad Verboven, Myriam Carlier e Jan Dumolyn, “A Short Manual to the Art of Prosopography” ( 2007: 51)

Os trabalhos que mais se adaptam à perspectiva prosopográfica são aqueles dedicados à análise de responsáveis políticos (parlamentares, membros de governos), de administradores públicos e de outros profissionais “enquadrados” institucionalmente em algum nível, isto é, aqueles membros de instituições de caráter público, como associações profissionais, sindicatos, universidades etc. O que os torna atraentes à pesquisa prosopográfica é a clareza e objetividade de seu critério de inclusão: a membresia formal e legalmente reconhecida em determinado coletivo. Assim, políticos são eleitos e assumem postos, funcionários são incorporados legalmente ao serviço público, professores atuam em departamentos e institutos, profissionais de um setor se associam a outros profissionais do mesmo setor para se ocupar de proteger interesses comuns. Ao fazê-lo, todos produzem registros públicos que estão na base de seu reconhecimento institucional e simbólico na sociedade.

Esse tipo de “guarda-chuva institucional” oferece ao pesquisador duas vantagens básicas: primeiro, visibilidade dos indivíduos repertoriados e, segundo, abundância de fontes biográficas. Sim, porque o Estado produz registros abundantes sobre a atuação de seus membros, como também normatiza o funcionamento de boa parte de organizações não estatais. Claro, há a teoria e há a prática. Assim, o fato de critérios posicionais facilitarem o estabelecimento pelo pesquisador de um grupo-alvo seguro, nada seria mais enganoso que supor uma passagem natural de uma lista “institucional” qualquer à efetiva delimitação de um grupo-alvo. Em geral, há um intenso trabalho de refinamento do grupo-alvo a ser realizado. Um exemplo desse trade-off [compromisso] entre inclusão devido à posição e representatividade pode ser encontrado na citação a seguir, relacionada à minha tese de doutoramento sobre as organizações de representação profissional dos setores da agricultura empresarial e da grande propriedade no Brasil. Nela comento o problema da definição e da representatividade de meu grupo-alvo, constituído por duas subpopulações: 67 indivíduos de uma população de 194 (32,9%) dirigentes da Confederação Rural Brasileira, entre 1951 e 1967; e 27 indivíduos entre 76 (35,5) dirigentes da Sociedade Rural Brasileira, de 1949 a 1966. O problema fundamental diz respeito ao critério básico de escolha da subpopulação: a existência de quaisquer dados biográficos dos indivíduos. Ora,

[n]ossa escolha não [foi], pois, aquela que poderia garantir maior “confiabilidade sociológica”, uma vez que nossa amostra foi construída através de procedimentos não aleatórios de seleção, sujeita, portanto, à intervenção de critérios que não controlávamos. Se decidimos pelo estudo de dirigentes previamente “selecionados” por fontes do tipo Who’s Who — um procedimento imposto pelo caráter esparso ou incompleto de outros documentos —, é preciso reconhecer o quanto esta pré-seleção “editorial pôde orientar o nosso trabalho. Com efeito, o que aparece no Who’s Who ou nos dicionários biográficos — notoriedade pública, laços familiares, riqueza, influência política, excelência profissional —, constitui capitais que não se encontram igualmente distribuídos ou disponíveis ao conjunto de dirigentes. Assim, a terça parte de dirigentes incluídos na amostra possuía provavelmente capitais mais importantes que as duas terças partes restantes […]. Realizamos uma escolha difícil, mas ponderada, entre o estudo de um grupo restrito e único, a elite de uma elite dirigente, sobre o qual poderíamos estabelecer um perfil, e aquele de uma amostra talvez mais ‘representativa’ do conjunto dos dirigentes patronais, mas cuja exequibilidade era remota” ( Heinz, 2006: 131, nota 21).

Um tipo de pesquisa de corte tipicamente “institucional” pode ser encontrado nos trabalhos de historiadores e cientistas políticos que se ocuparam de analisar grupos políticos, parlamentares, burocracias públicas e corporações profissionais. Assim, trabalhos como o de Darío Cantón (1966) sobre o parlamento argentino, de Joseph Love (1982), Robert Levine (1980) e John Wirth (1982) sobre as elites políticas regionais brasileiras de São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais na Primeira República (até 1937), de Conniff (2006), sobre a elite republicana no Brasil, expressam as melhores virtudes e sucessos de uma prosopografia em que há enquadramento organizacional ou institucional orientando a formação do grupo-alvo. Portanto, o viés posicional incorporado à prática dos historiadores do político e dos cientistas políticos torna atraente o recurso à prosopografia em pesquisas sobre elites políticas, recrutamento parlamentar e composição de governos e ministérios. Codato (2008), por exemplo, estudou, em sua tese, o Departamento, ou Conselho, Administrativo do Estado de São Paulo (DAESP) através de um perfil de seus quatorze integrantes entre 1939 e 1945. Diante de uma decisão que muitos historiadores interessados na prosopografia são, com frequência, chamados a fazer, a de optar por um grupo-alvo pequeno, de poucos indivíduos, o autor a justifica como uma “vantagem metodológica não desprezável em empreendimentos prosopográficos”. Assim, quanto mais “variáveis forem integradas ao exame de um grupo de elite, mais revelador poderá vir a ser o estudo” ( Heinz; Codato, 2016: 259). Sobre essa escolha, Codato citou Charle: “A multiplicidade das pequenas amostras, saturadas de informações e, se possível, comparáveis entre si ou com as de outros pesquisadores, parece preferível ao tratamento exaustivo das grandes amostras com poucas variáveis” ( Charle, 2006: 31 apud Heinz; Codato, 2016: 259). A escolha dos catorze integrantes que atuaram em um órgão estatal durante um período determinado representa uma escolha clara, sem ambiguidades, e torna a definição do grupo-alvo uma tarefa menos complexa.

Em parte, os cientistas sociais são receptivos à perspectiva prosopográfica porque ela “transpira” elementos de método comuns à formação das ciências políticas ou sociais, como os da enquete sociográfica. Assim, em “Regime político e recrutamento parlamentar: um retrato coletivo dos senadores brasileiros antes e depois da ditadura” ( Codato et al., 2016), os autores produziram um perfil de 351 senadores que se sucederam ao longo de três momentos da história republicana recente: o da Democracia Populista (1945-1964), o da Ditadura (1964-1979), e o da Transição para a Democracia Liberal (1979-1990). O critério de inclusão no grupo aqui é cristalino: titulares de mandados senatoriais naqueles períodos. Se não se trata de um trabalho típico da perspectiva prosopográfica, é certo que ele avança por várias de suas áreas de interesse. É importante mencionar ainda outro trabalho oriundo do núcleo de pesquisadores ligados ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e que compartilha alguns procedimentos típicos da prosopografia. Refiro-me ao estudo de Codato et al. (2019) que analisa coletivamente a trajetória dos 25 ex-presidentes (este é o grupo-alvo, portanto) do Banco Central do Brasil entre 1965 e 2016, antes e depois da direção do banco, lançando luz sobre o fenômeno da pantouflage, a migração de altos funcionários para o setor privado.

Como dito acima, não há necessidade de que trabalhos de viés posicional se situem no campo de estudos sobre elites políticas. O critério posicional aqui abarca não apenas instituições tipicamente políticas, mas diferentes estruturas organizacionais de caráter público. Por exemplo, em Os homens do Parquet, Marcelo Vianna (2013) se utilizou da prosopografia como apoio para uma investigação mais ampla sobre a institucionalização do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Para tanto, analisou a trajetória de seus protagonistas — promotores públicos e procuradores de Estado — no período de 1930 a 1964. O trabalho prosopográfico analisou os 366 promotores e procuradores atuantes entre 1920 e 1964. Ainda, Vianna se lançou em uma análise densa de um subgrupo dessa população, aquele de promotores que atuaram durante o período da ditadura do Estado Novo (1937-1945). A lista nominal do subgrupo foi preenchida por 126 indivíduos. Com Vianna, escrevi “Elites estatais no sul do Brasil”, ensaio sobre “130 membros da alta administração pública e da elite política do Rio Grande do Sul, atuantes durante a Primeira República, e estendendo-se do início do período, em 1889, até 1937”. Nele, utilizamos “metodologia e […] uma grade de análise consagradas em três estudos sobre a política regional no Brasil republicano”: Love (1982), Levine (1980) e Wirth (1982). Ainda que o ensaio não tenha se dedicado a cobrir todo o extenso rol de variáveis tratadas nas pesquisas originais, a definição do nosso grupo-alvo seguiu pari passu as definições (posicionais) utilizadas naqueles trabalhos realizados no final dos anos 1970. O propósito era produzir uma prosopografia comparável de elites estaduais ( Heinz; Vianna, 2021).

Um outro ângulo que precisa ser mencionado é o das pesquisas sobre instituições de formação profissional, associações e universidades. 5 Aqui há uma forte produção em diferentes setores, mas sobretudo nos estudos relacionados a profissões da saúde. Refiro-me às pesquisas de Ana Paula Korndörfer (2019) sobre médicos e enfermeiras brasileiros bolsistas da Fundação Rockefeller e de Luiz Otávio Ferreira (2018) sobre o perfil de 408 alunas da Escola de Enfermagem Luiza de Marillac (EELM), a primeira do gênero, no Brasil, de orientação católica. (A EELM foi fundada em 1939 no Rio de Janeiro, então capital do país.) A fonte do trabalho de Korndörfer é de natureza institucional, o Directory of Fellowships and Scholarships of the Rockefeller Foundation, um repertório biográfico publicado pela instituição em 1972 e que reúne aproximadamente 9 mil bolsistas, do mundo inteiro, que passaram por lá de 1917 a 1970. O trabalho permite uma série de cruzamentos de variáveis, como nacionalidade, idade, profissão, local de formação, período de gozo da bolsa ou postos precedentes, apenas para citar alguns. Dessa base, Korndörfer analisou uma subpopulação de 28 enfermeiras capacitadas pela Rockefeller em treinamentos de pós-graduação de curta duração. A mesma base documental sobre a qual se apoia o trabalho de Korndörfer se presta à análise de diferentes formações, ou profissões, além daquelas da área da saúde, como profissionais da agronomia e veterinária, da pesquisa em melhoramento de plantas e animais, ou da área das ciências sociais, do mundo inteiro, os quais também foram bolsistas da Fundação Rockefeller, ampliando assim as possibilidades de uma prosopografia de cientistas do âmbito local ao global ( Heinz; Korndörfer; Brum, 2022; Méndez-Rojas, 2019, 2021).

Há casos, no entanto, em que o enquadramento institucional ratificado em uma lista precisa ser tomado com todo o cuidado. Se sabemos que não há listagem nominal isenta de vícios de preparação, uma vez que todo processo “seletivo” que está na origem de sua criação é perpassado por níveis de disputa social mais ou menos visíveis, é preciso perceber o quanto determinadas listas são o coroamento de processos conflitivos.

Tomemos o caso da premiada tese de Cristiano de Brum sobre a Missão Médica Brasileira na Primeira Grande Guerra. 6 No capítulo 3, o autor faz uso da listagem oficial de oficiais médicos nomeados para compor a Missão como base para um breve ensaio prosopográfico, definindo, portanto, um grupo-alvo a partir de critérios institucionais. Contudo, a montagem dessa lista é em si um caso de estudo sobre a competição intraelite para uma posição de destaque ou prestígio. Com cautela metodológica, Brum destaca as intercorrências sociais e políticas que puderam “pesar” sobre a definição da lista, isto é, de seu grupo-alvo. Ele afirma que “a proporção de 2,3 candidaturas por vaga fez com que os lugares [na Missão] fossem muito disputados pelos médicos”. As chances de ingressar na Missão iam claramente além da “competência científica” e se relacionavam também ao prestígio social e político dos postulantes. “[A]queles que possuíam maior acúmulo de capitais, ou seja, prestígio, possuíam, provavelmente, mais chances de garantir uma vaga ou mesmo uma patente mais elevada” ( Brum, 2018: 98-99). Portanto, tomar a lista como uma expressão de recorte de natureza impessoal pode ser um grande erro. Tratá-la na operação prosopográfica em sua singularidade, expondo a natureza social de sua produção, contudo, não só é possível como desejável.

Situação 2. Às vezes, uma lista não basta…

In a prosopography, the number and identity of individuals who compose the group (population) is not usually known at first, because the group is selected as the starting point of an inquiry by the researcher, whose purpose is to discover and to learn.

Katherine Keats-Rohan ( 2007a: 144)

A tese de Thiago de Moraes (2016), Os agentes do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e suas carreiras públicas federais, é exemplo de como a pesquisa em prosopografia exige capacidade de adaptação e certa engenhosidade do pesquisador na definição do grupo-alvo, sobretudo quando se faz uso de listas-base constituídas por terceiros.

O maior desafio do autor foi construir uma prosopografia de pessoas identificadas ao IPES e que haviam feito carreira pública na administração federal na sequência do Golpe Militar de 1964 — e isso se baseando em duas obras que haviam sido, por sua vez, tentativas de síntese sobre a ação política do empresariado e da direita brasileira no período. Refiro-me a René Dreifuss (1986) e Hernán Ramírez (2005), que, nesse campo de pesquisa, são o ponto de partida, mas também a fonte dos dados. Ou seja, a investigação de Moraes, por meio de uma cuidadosa checagem dos dados, criou uma metafonte 7 a partir das obras de Dreifuss e Ramírez. Moraes tomou suas listagens de “membros” do IPES e submeteu-as a sucessivas e rigorosas filtragens. O N inicial da pesquisa de Moraes era de 315 indivíduos. Ao final, chegou a 118. A maneira como esse número — logo, a lista nominal dos pesquisados — se definiu merece aqui a nossa atenção. 8

O ponto de partida para a construção de um banco de dados sobre os indivíduos […] foi o capítulo IX da principal obra de René Dreifuss [, 1964: a conquista do Estado: a conquista do Estado]. Percebeu-se que há uma série de nomes de indivíduos que teriam ocupado cargos públicos importantes, principalmente federais […]. A questão é que não fica claro se todos os indivíduos listados como ocupantes da estrutura do Estado tiveram uma atuação consistente no IPES, ou se participaram como colaboradores, filiados, doadores, ou integrantes de sua equipe dirigente

( Moraes, 2016: 60-61).

A partir da listagem inicial de 315 nomes, fizeram-se buscas para determinar a efetiva participação nas atividades do IPES, como colaborador, doador, ou “algum outro tipo de participação ativa que pudesse ligar o indivíduo” àquele instituto. Em seguida, realizou-se a desambiguação de homônimos, nomes duplicados e com pequenas alterações na grafia etc. Ato contínuo, os nomes foram submetidos a busca nos arquivos digitais da pesquisa de Ramírez e Dreifuss. Assim, nomes que constavam da lista, mas que não eram mencionados no corpo do trabalho ou em outras fontes, foram suprimidos do grupo-alvo, ao passo que nomes que eventualmente não constavam da lista, mas que puderam ser obtidos a partir de uma busca paralela em fontes digitais e na internet, foram incluídos. Por exemplo, excluiu-se um nome apontado pelo autor em uma lista como membro do IPES quando esse nome não aparecia mais em momento algum das obras de Dreifuss e Ramírez, sugerindo ausência de evidências quanto à sua participação ativa no Instituto.

A tese de Ramírez também apresenta uma lista de “filiados” ao IPES, isto é, de indivíduos e entidades doadoras. Um nome constando apenas uma vez no trabalho de Dreifuss tendia também a aparecer apenas uma vez na tese de Ramírez. Uma filtragem de nomes das listas foi realizada descartando aqueles que só constavam uma única vez em cada uma delas e que não tinham ligações efetivas com o IPES, embora tivessem ocupado algum cargo público federal no pós-1964.

Os critérios de inclusão na lista refinada (indivíduos com participação efetiva no IPES) incluem ter sido membro da direção do IPES, de algum de seus grupos ou ter sido filiado. Indivíduos que participaram de duas ou mais conferências do IPES, indicando possível continuidade nas atividades, entraram na lista, ao passo que indivíduos que participaram de apenas de uma conferência do IPES foram excluídos. Professores que ministraram em cursos do IPES entram na lista, bem como participantes das atividades da Ação Democrática Parlamentar e civis que constavam da lista de Dreifuss e que tomaram parte na desestabilização do governo João Goulart.

De 315 indivíduos da listagem original de Dreifuss foram eliminados 148. “Ou seja, 46,98% dos nomes da lista inicial estão lá de forma equivocada. Resta uma lista filtrada com 167 nomes” ( Moraes, 2016: 62). No final, após novos refinamentos, chegou-se ao número de 118 indivíduos. O trabalho de Moraes exemplifica o necessário esforço de depuração de nomes, sobretudo quando se trata de utilizar como fonte listas ou agregados criados por outros pesquisadores.

Situação 3: Indivíduos que não têm contorno institucional claro

It becomes more difficult [the demarcation of the target group] when this common feature is hardly observable in the sources and it is hard to find a selection criterion: a social status (rich/poor, noble, marginal), an origin (Jews, bastards etc.), a conviction (humanists, protestants etc.) In these cases, the target group is either too big and too little limited, or it is difficult to justify who does belong to it and who does not (the “elite”, the “opposition” etc.).

Koenraad Verboven, Myriam Carlier e Jan Dumolyn, “A Short Manual to the Art of Prosopography” ( 2007: 51).

É possível definir um grupo-alvo sem posição institucional pré-definida? Claro, e esse é parte do interesse na prosopografia contemporânea: além dos contornos institucionais, ampliar a possibilidade de analisar coletivos, grupos sociais, econômicos e profissionais que emergiram das transformações das sociedades humanas nos últimos dois ou três séculos. Por exemplo, os médicos de uma grande cidade do final do século XIX, os empresários de uma região, artistas plásticos que participaram em determinado movimento ou vanguarda ou, ainda, sejamos ousados, e rompendo com os grandes temas e profissões consagradas, analisar, por exemplo, escultores funerários e monumentalistas estrangeiros no Brasil ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do XX! Por que não? Afinal, trata-se aí de uma área de atuação de prestígio e com forte presença estrangeira, e que movimentou intensamente uma economia associada ao consumo de famílias de elite no Brasil à época. Interessa aqui apenas demonstrar as potencialidades desse tipo de pesquisa em história social.

Não há listas institucionais dessas pessoas, embora elas sejam socialmente reconhecidas pelos membros de suas comunidades profissionais, artísticas e pelo público. É possível fazer uma prosopografia dessas pessoas? Devemos listá-las? Sim e sim! Mas essa lista precisa ser montada a partir de diferentes critérios e fontes. Diferentemente das listas já existentes, em geral registros institucionais, as listas desses indivíduos dependem da percepção pública, ou social, sobre eles. Por exemplo, um autor que escreveu sobre uma vanguarda artística e nomeou alguns de seus membros em um livro do início do século passado, ou uma homenagem a “personalidades” de um determinado segmento profissional ou social em uma matéria jornalística de um jornal interiorano são oportunidades para sondar um meio social que, visto de fora, não parece mais do que um ajuntamento aleatório de pessoas.

Há problemas com esse tipo de fonte, claro, mas apenas uma percepção muito ingênua da documentação nos faria imaginar que os documentos custodiados em arquivos convencionais não sofreram, eles também, as dores e os dramas de sua produção — qualquer historiador profissional sabe disso. O desafio aqui é conseguir, da melhor forma possível, controlar as varáveis que intervêm na produção dessa base informativa não institucional para o trabalho prosopográfico. Com efeito, você não tem como evitar ex-post-facto as “escolhas” de um autor, ou seja, o porquê da pessoa nomeada estar ali! Escolhas assim podem ser “indevidas”, omissões também, mas a lista-base feita por outros que não o pesquisador não precisa ser perfeita, precisa ser um ponto de partida.

Os trabalhos em que elegemos para estudar um grupo sem contornos institucionais, como intelectuais ou empresários, são dos mais difíceis quando se trata de estabelecer o N, mas também aqueles cuja elaboração facilmente se torna das mais interessantes. Logo, o critério institucional, sobretudo o posicional, tem o mérito de proporcionar uma referência (quase sempre) indiscutível para incluir um nome no grupo-alvo, mas sua ausência não impede conhecer um grupo, apenas leva o pesquisador a compor a lista a partir de outros critérios.

Tomemos como exemplo um grupo de predileção nos estudos sobre elites, o empresariado. 9 A primeira pergunta é: “Quem é empresário, quem se identifica sob essa denominação, quem aí não cabe?”. Ao estudarmos o empresariado, qual o corte possível na base, supondo que incluir todo o empresariado de um país ou de uma região possa ser pouco realista? Uma forma de lidar com a questão da definição da lista nominal dos estudados é, sempre, reduzir o tamanho dos conjuntos. Assim, no lugar de denominações genéricas, como empresariado ou intelectuais, o primeiro passo é afunilar o grupo, ajustando o foco para os empresários de determinada região ou cidade, para aqueles de determinado setor, ou para os intelectuais de determinado grupo, aqueles que atuaram em determinado movimento ou publicação (livros, jornais e revistas) ( Sandes, 2018).

Não obstante, cortes espaciais, de localização, resolvem apenas parcialmente o problema. Em uma pesquisa prosopográfica, decidir investigar a população de empresários de um estado ou de uma grande cidade pode ser o primeiro passo para um problema que se verificará de resolução impossível. Investigar um setor, uma parcela identificável do grupo, pode ser uma boa solução, tudo dependerá do grau de “fechamento” dessa parcela ou subgrupo, ou seja, da consistência do critério de pertencimento a ser utilizado. Alguns bons e metodologicamente instigantes trabalhos de prosopografia tomaram empresários, industriais e negociantes como objeto. Vou citar aqui dois exemplos de trabalhos que me parecem bons do ponto de vista da constituição do grupo-alvo.

Jonas Moreira Vargas (2013) fez sua tese em torno dos charqueadores 10 da região de Pelotas, da constituição e transformação de suas riquezas ao longo do século XIX. Trata-se de um trabalho que recorre a um repertório variado de fontes de natureza distintas, como patrimoniais, políticas e administrativas. A lista-base na origem da definição do grupo-alvo foi uma relação de charqueadores pelotenses elaborada por João Simões Lopes Neto, datando de 1925. Insuficiente por ser incompleta, à lista foram sobrepostas outras fontes documentais: (a) todos os inventários post-mortem de Pelotas em que “há presença de charqueadas entre os bens dos inventariados”; (b) transações públicas envolvendo as charqueadas nos livros de notas dos tabelionatos de Pelotas; (c) lista de qualificação de votantes de Pelotas em 1865; (d) a lista de qualificação da Guarda Nacional de 1873; (e) lista de qualificação de votantes de Pelotas em 1880; (f) manifesto assinado em 1848 pelos charqueadores pelotenses para que os comerciantes rio-grandinos trouxessem os couros para serem pesados em Pelotas; (g) ainda, bibliografia adicional foi consultada para compor o grupo-alvo ( Vargas, 2013: 479). Um total de 141 indivíduos terminou por compor a lista com a qual Vargas trabalhou, e, para doze deles, os mais ricos, o autor ofereceu uma análise prosopográfica mais detida.

Andrius Estevam Noronha (2011, 2012) estudou o empresariado de extração familiar da gaúcha Santa Cruz do Sul, cidade oriunda da imigração alemã e que viveu grande desenvolvimento do setor agroindustrial entre fins do século XIX e meados do século XX. Sua proposta era analisar três gerações de famílias que compunham aquele empresariado. Aqui, o N era tudo menos evidente, e as questões se multiplicavam: Quem eram os “empresários”? Donos de pequenos negócios seriam considerados empresários ou apenas os médios e grandes industriais da cidade? Como estabelecer uma linha de corte entre pequenos e médios/grandes? Qual critério econômico/fiscal serviria a esse propósito? Definindo-se o critério, onde encontrar os dados que o justificariam? Os dados de registro da Junta Comercial serviriam, eram acessíveis e, em caso positivo, quão completos eram? O que os registros comerciais nos diriam sobre a evolução financeira e as mudanças de parcelas de mercado das empresas familiares? Como tratá-los na perspectiva diacrônica imposta pelo estudo de três gerações? Como fazer a equivalência de informações pinçadas em um vasto período de pelo menos setenta anos de história?

O trabalho de aproximação e “cercamento” do grupo-alvo durou meses, com direito a muita frustração. Chegar às empresas, logo aos empresários, parecia uma necessidade incontornável, e isso nos remetia a uma discussão propriamente econômica-financeira-comercial que afastava a pesquisa de seu foco, a história social dos empresários, o perfil dessas pessoas, sua mudança no tempo, os efeitos da transmissão da herança e a formação de jovens gestores que fariam a continuidade do negócio familiar. Para chegar à definição de seu grupo-alvo, o autor percorreu diferentes cenários, inspirado em uma referência metodológica clara disponível no capítulo 2 (“A sociedade local”) de A elite do poder, de Charles Wright Mills:

Recorremos […] a Wright Mills, destacando que o poder não reside nessas organizações de nível médio, pois a tomada de decisões é exercida pelos “homens da cúpula”. Estes raramente participam como membros ativos das entidades empresariais, cuja diretoria serve como plataforma pedagógica para jovens dinâmicos que treinam suas qualidades de inserção social ou atuação política, sendo uma forma concreta de recrutar novos membros da cúpula em cidades pequenas. O autor cita uma entrevista que permite reconhecer que o poder das associações não está na diretoria executiva, mas num intricado sistema de extensão de laços empresariais, familiares e políticos que garante unidade e homogeneidade à rede social de prestígio

( Noronha, 2011: 102).

O capítulo 2 de Wright Mills e suas observações acerca do comportamento das elites em cidades pequenas conduziram Noronha ( 2011: 102-103) às listagens de diretores da associação comercial da cidade no período de 1918 a 1966, e, depois, “às listas alternativas em que a chamada ‘cúpula empresarial’ esteve presente: […] oficialato da Guarda Nacional; integrantes, diretores e filiados dos clubes tradicionais […]; entidades filantrópicas, como o Rotary Clube, Loja Leasing (maçonaria), associações de ex-alunos dos colégios [de elite]”. A cada perda, abandono de uma população pré-definida, o pesquisador construiu sua própria expertise sobre as características que deveriam pertencer ao grupo-alvo desejado. Depois, ele passou a buscar alternativas, como uma listagem qualquer que superasse o impasse e sinalizasse para um lócus de investigação do empresariado. Por fim, sua dedicação e seu empenho na busca foram recompensados. Noronha “descobriu” uma lista absolutamente interessante: um encarte do mais tradicional e longevo jornal da região celebrando as preparações das comemorações do centenário daquela cidade, em maio de 1947, com a história das 76 empresas mais importantes do município! A lista, que permitiu definir as empresas e as famílias a elas relacionadas, foi o primeiro passo para se chegar a uma listagem nominal de 189 indivíduos e empresários da região ao longo de quase cem anos (1849-1945), subdivididos em três grupos geracionais. A improvável fonte de imprensa local proporcionou uma abertura para chegar ao grupo cuja análise nos interessava, a partir de uma escolha feita por meio de critérios de notabilidade e importância que o pesquisador não controlava, mas que lhe oferecia uma lista-base possível do grande empresariado local, um retrato da elite econômica da cidade a partir do relato que apenas agentes bem informados (no caso, o jornalismo local) seriam capazes de oferecer. “[Wright] Mills reforça a importância do jornal em cidades pequenas, pois é a principal instituição de formação da opinião pública local e permite identificar os valores socioculturais das famílias tradicionais que atuam como elite” ( Noronha, 2011: 105).

Trabalhar sobre uma lista preestabelecida não acontece sem riscos, assim como é toda escolha baseada em critérios reputacionais. Primeiro, (a) o pesquisador não controla os critérios de escolha e os processos de constituição da lista. Não sabe, por exemplo, se alguém ficou de fora, se alguém poderia ter sido conscientemente “esquecido” por um editor de jornal por alguma razão pessoal. Segundo, (b) também não se sabe se, entre os “escolhidos” pelo editor, não há aqueles que foram incluídos em uma operação de prestígio e que, talvez, ali não estivessem caso se dependesse unicamente de uma percepção geral, popular, sobre o negócio e seus agentes.

* * *

Esta nota é apenas um balanço sobre a prosopografia e seus usos, textos e obras, exercício de reflexão que já existe em grande número. O que procurei fazer foi detalhar e insistir na publicização de um conjunto de procedimentos aplicáveis na solução de problemas da pesquisa. Decidi fazê-lo comentando alguns casos em que pesquisadores — em sua maioria, jovens pós-graduandos — foram desafiados durante a execução de suas investigações. As potencialidades da prosopografia, sobretudo em história e micro-história social contemporânea são enormes, 11 mas a superação para as dificuldades da amostragem, ou da definição do grupo-alvo, só aparecem, normalmente, depois de muitos erros e de muito tempo transcorrido. Retomando o sentido último da citação em epígrafe a este texto, meu intuito foi o de expor “os procedimentos [utilizados] aos olhos do público”.

Por último, é preciso considerar que a prosopografia se presta, como bem apontou Charle ( 2006: 45), ao trabalho coletivo. Com efeito, laboratórios e grupos de pesquisa precisam ser reconhecidos como ativos para a empreitada prosopográfica. Grupos desenvolvem projetos comuns, treinam jovens pesquisadores, trocam experiências de pesquisa e disseminam técnicas. Ao fazê-lo, arrancam o pesquisador da experiência da pesquisa solitária e o colocam em contato com a dimensão da colaboração, não como expressão de uma troca eventual, uma conversa no coffee break de um congresso científico, mas de um mergulho cotidiano no trabalho coletivo. Em culturas acadêmicas que tendem a dar destaque à dimensão de autoria e pouco afeitas à prática de trabalho coletivo em laboratórios, como é o caso da História no Brasil, a colaboração em pesquisa é, em si, uma disposição radical, bem-vinda e necessária. O que está relatado nesta nota é o resultado concreto disso. Nada aqui foi pensado fora desse quadro de planejamento de pesquisa, treinamento e estímulo à troca de experiências.

Berlim, outubro de 2023

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  • WAZLAWOSKI, Monia Franciele. A escola modelar e os profissionais do progresso: carreiras e recursos de diplomados da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1916). 2014. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
  • WIRTH, John. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação brasileira, 1889-1937. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
  • WRIGHT MILLS, Charles. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1965.

Notas

  • 1
    Muita gente tende a associar esse processo àquele de definição de uma amostra estatística ou definição do N. Ora, embora esses termos apareçam com frequência na linguagem da “cozinha” da prosopografia, e são utilizados nos laboratórios de forma corriqueira, é preciso registrar que utilizamos os termos amostra ou amostragem em um sentido amplo, informal, não submetidos a procedimentos estatísticos. Amostra estatística é um subconjunto representativo de uma população maior, o universo. A amostra deve permitir fazer inferências sobre a população como um todo. A amostragem é uma técnica comum em pesquisas quantitativas e estatísticas porque, muitas vezes, é impraticável, ou impossível, estudar uma população inteira. A confusão habitual entre historiadores noviços no tema — em especial no Brasil, onde se dá, há décadas, um enfraquecimento da tradição da história quantitativa (exceção aqui pode ser atribuída à área de história das populações ou demografia histórica) — explica em parte as dificuldades postas aos aspirantes à prosopografia. Sobre a amostragem estatística propriamente dita, em pesquisa histórica, uma referência clássica é Schofield (1972).
  • 2
    Claro, há uma vantagem objetiva no estudo de grupos com poder. Neles, em geral, há mais informações disponíveis do que em outros grupos.
  • 3
    Les Gens du Bottin mondain, 1903-1987, de Cyril Grange (1996), é uma pesquisa sobre as transformações das elites sociais francesas ao longo do século XX, destacando a evolução do relacionamento, das aproximações e da dinâmica fusional entre a velha nobreza e a grande burguesia, a partir dos verbetes biográficas do anuário.
  • 4
    Como no caso do Who’s Who no Brasil e em outros países, o Bottin mondain era organizado a partir de sugestões dos próprios repertoriados e de suas redes pessoais. Ele se constituía, assim, em um anuário, ou dicionário, biográfico de elite, mas, ao mesmo tempo, funcionava como uma projeção da autoimagem dos próprios membros daquela população. “O Who’s Who traça, portanto, o perfil de indivíduos reconhecidos pelos seus pares ou por outros como ocupantes de posições de destaque em suas profissões ou em seu meio social, sendo a publicação de sua biografia sugerida seja pelo próprio interessado, seja por um terceiro” ( 2011b: 156).
  • 5
    Sendo o propósito desta nota apontar estratégias e soluções para enfrentar o problema da delimitação do grupo-alvo, não pretendo me deter aqui nos estudos que envolvem escolas e universidades, sobretudo através da análise do corpo de alunos ou professores. Desse modo, assentado no trabalho de fontes administrativas dessas instituições, esse tipo de prosopografia tende a apresentar menos desafios na definição da lista nominal, em geral constituída pelo rol de professores ou alunos da instituição em determinado período histórico. Dito isso, o volume de trabalho para o prosopógrafo permanece o mesmo, isto é, a exploração pormenorizada e qualificada dos dados biográficos depois de definido o grupo-alvo. A título de exemplo, Monica Wazlawoski (2014) e Eduardo Hass da Silva (2017) investigaram, respectivamente, estudantes de engenharia e alunos e/ou professores de uma escola técnica de comércio. No primeiro caso, tratou-se de engenheiros diplomados, entre 1899 e 1916, pela Escola de Engenharia de Porto Alegre. De 194 indivíduos formados no período, a pesquisadora encontrou informações a respeito das atividades profissionais exercidas em 164 casos. “[Destes], 70% desenvolveram, aquilo que se chamou de carreiras públicas. O termo foi utilizado de acordo com os interesses da pesquisa para qualificar a carreira exercida fora dos espaços privados”. A pesquisa considerou também as carreiras de todos “os cargos ocupados na administração pública em esferas municipais, estaduais e federal, além dos cargos políticos nas mesmas esferas” ( Wazlawoski, 2014: 141).
  • 6
    Pesquisa vencedora, em 2018, do Prêmio Cultural Tasso Fragoso, da Biblioteca do Exército.
  • 7
    “A coleta da informação e sua introdução em uma base de dados estruturada levam à criação de uma nova fonte, uma”metafonte”, um documento que engloba e que é mais do que o conjunto de fontes biográficas examinadas. Essa metafonte, mais confiável (em princípio!) e mais completa que todas as outras, torna possível a confrontação desses dicionários ou repertórios entre si, bem com o a comparação das notas biográficas entre elas, o que assim permite corrigir suas lacunas ou imprecisões. O resultado é, portanto, superior à soma das partes. Além disso, a atualização dessa base de dados informatizada pode ser facilmente realizada” ( Roy; Saint-Pierre, 2006: 209).
  • 8
    Aliás, vale muito a leitura da exposição metodológica de Moraes ( 2016: 59-68) acerca dos critérios e procedimentos para a definição do grupo-alvo, incluindo a subseção “1.5.3 Crítica da crítica na definição do grupo de indivíduos”.
  • 9
    Claro, estamos partindo da premissa aqui de que o empresário, ou empresariado, em questão não será analisado desde uma perspectiva institucional, através, por exemplo, de sua participação em associações de classe. Nesse sentido, analisar “os empresários”, ou “os empresariados”, pode ser uma ambição legítima em diferentes tipos de abordagem que destaquem elementos como a atuação política, a sociabilidade, o consumo cultural ou as estratégias patrimoniais.
  • 10
    Charqueadores são os proprietários das charqueadas, grandes empreendimentos de salga e secagem de carne, o charque, utilizando mão de obra escrava. Aqueles empresários escravistas constituíram uma importante elite econômica no extremo sul do Brasil ao longo de todo o século XIX e até aproximadamente 1920.
  • 11
    Os estudos nessa área foram facilitados pela informatização de bases de dados, a qual contribuiu para a reunião e o cruzamento de informações.
  • Fonte de financiamento: Não houve.
  • *
    Agradeço aos colegas do Laboratório de História Comparada do Cone Sul (LabConeSul), hoje abrigado no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), e do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e a meus ex-orientandos, pelas discussões que estão na origem desta nota. Agradeço a Jonas Vargas, Marcelo Vianna e, especialmente, Adriano Codato, pela leitura atenta do manuscrito e pelas sugestões. São deles também os eventuais méritos do trabalho, os problemas só engajam a mim mesmo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2023
  • Aceito
    30 Out 2023
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