Resumo:
O redesenho do federalismo brasileiro após a Constituição de 1988 teve como implicação a reorganização da atuação federal. Houve o deslocamento da União, de executora direta de várias políticas públicas para o papel de formuladora e estabelecedora das diretrizes de atuação para os entes subnacionais. Esse arranjo foi desenhado em diversas áreas de atuação governamental, com destaque para as políticas sociais. A questão que se coloca é se esse padrão de atuação federativa pode ser observado também em relação aos serviços públicos de atendimento de responsabilidade do governo federal. A partir de base de dados inédita sobre 1.740 serviços públicos executados pelo governo federal, a presença de serviços executados para (ou em parceria com) estados e municípios é aparentemente relevante na área social. Os resultados corroboram o entendimento da literatura de que, no federalismo brasileiro, os entes subnacionais possuem elevada importância para implementação de políticas públicas e de que os arranjos institucionais dos setores de políticas públicas condicionam um padrão mais ou menos descentralizado de atuação do gestor federal.
Palavras-chave: Federalismo; Relações intergovernamentais; Serviços públicos de atendimento; Governo federal
Abstract:
The redesign of Brazilian federalism after the 1988 Constitution resulted in the reorganization of federal action. There was a shift from the Union as a direct executor of many public policies to the role of formulator and maker of guidelines for the actions of subnational entities. This arrangement was designed in various areas of government activity, especially social policy. The question that arises is whether this pattern of federative action can be also observed in relation to public services under the direct responsibility of the federal government. Based on an original database of 1740 public services implemented by the federal government, the presence of services performed for or in partnership with states and municipalities is shown to be relevant for the social area. The results corroborate the understanding of the literature that in Brazilian federalism, subnational entities are highly important for the implementation of public policies and that the institutional arrangements of the public policy sectors condition a more or less decentralized pattern of action by the federal manager.
Keywords: Federalism; Intergovernmental relations; Public services; Federal government
Introdução
É notável a crescente produção científica nas últimas décadas que aborda a perspectiva federativa e suas implicações como fatores que possibilitam explicações sobre o formato e o funcionamento das políticas públicas no Brasil (REGIS, 2009; SOUZA, 2005; ALMEIDA, 2005; ARRETCHE, 2012; MACHADO, 2018; GRAÇA, 2016; MENICUCCI; COSTA; MACHADO, 2018). No campo da descentralização administrativa, um conjunto de novos serviços e programas governamentais em diversas políticas públicas foi formulado pelo governo federal e implementado por estados e, principalmente, municípios. Particularmente nas políticas sociais, o desenho constitucional de competências concorrentes não impediu que arranjos institucionais posteriores no campo das políticas públicas fossem definindo e coordenando a atuação dos entes federados. Destaca-se, sobretudo, o papel da União como principal formuladora e coordenadora das políticas sociais implementadas no plano descentralizado pelos estados e municípios.
Essa capacidade de normatização e coordenação da União sobre as políticas executadas pelos governos subnacionais está ancorada na própria Constituição Federal, que constrange o comportamento dos governos subnacionais, ou por meio dos recursos fiscais empregados como instrumento de indução das escolhas dos governos subnacionais, de modo a fazê-los convergir em direção aos objetivos do governo central. Isso tudo a fim de promover regras homogêneas de operação no território nacional visando à implementação das políticas, desenhadas sob o formato de sistemas de políticas públicas (FRANZESE; ABRUCIO, 2013; GRIN; ABRUCIO, 2018).
Dessa forma, pretendemos responder à seguinte pergunta de pesquisa: quais as implicações dos arranjos político-institucionais das políticas sociais de saúde, educação, previdência e assistência social no formato de atuação do governo federal no Brasil? Em consonância com parte da literatura, argumenta-se que as diferentes formas e níveis de coordenação federal sobre as políticas sociais afetam a sua execução. Em outras palavras, a hipótese central desta análise é que os arranjos político-institucionais de cada política que compõe a área social delimitam a distribuição do público-alvo e, principalmente, a forma como os serviços públicos de atendimento são executados.
Essa hipótese será testada a partir da análise dos serviços públicos de atendimento do governo federal, definidos como ações ou entregas do ente público que geram resultados individualizados ao beneficiário (ENAP, 2018a). Essa definição específica conta com sete critérios que possibilitaram o mapeamento dos serviços nos órgãos da administração pública federal: padronização e governança; individualização; impacto; competência; interação; suficiência; e finalidade - cada um dos critérios será explorado adiante.
Este artigo se divide em quatro seções, além desta introdução. Parte-se do debate presente na literatura sobre federalismo, descentralização e implementação de serviços públicos a fim de especificar esses conceitos e discutir as formas como a descentralização pode compor as relações entre governos em uma federação, criando consequências para como a implementação se desenrola, detendo-se no caso brasileiro. A seguir, serão descritos os procedimentos metodológicos adotados e serão analisados os dados sobre os serviços públicos de atendimento prestados pelo governo federal. Ao final, serão desenvolvidas algumas conclusões e esboçada uma agenda futura de pesquisa.
Federalismo, descentralização e políticas públicas
Esta seção se dedica a reunir os fundamentos teóricos que motivaram a investigação realizada. Inicialmente discutem-se os aspectos conceituais do federalismo e das federações, observando-se, em particular, a importância de se considerar os arranjos institucionais responsáveis pela distribuição de responsabilidades sobre as políticas públicas. A seguir, sintetiza-se o debate sobre descentralização em suas diferentes perspectivas teóricas e normativas. Por fim, discute-se a organização do federalismo brasileiro após a Constituição Federal de 1988.
Federalismo, federação e a distribuição de responsabilidades
De acordo com Weaver e Rockman (1993), as instituições importam e têm efeitos complexos, uma vez que envolvem a efetividade dos governos em termos de regime democrático e de resultados de políticas públicas. Assim, o desempenho institucional é avaliado com foco no conjunto de capacidades dos governos, que correspondem ao padrão de influência que estes exercem de forma similar ao longo do tempo e em diversas áreas de políticas públicas. Entre tais capacidades, encontra-se a garantia da implementação efetiva das políticas pós-processo de decisão e a estabilidade destas a fim de que haja tempo necessário para atuação. Assim, as instituições modelam o processo de formulação e implementação das decisões, influenciando as capacidades dos governos.
A fim de explicar a influência exercida sobre o funcionamento de governos, uma das opções é olhar para as instituições de ampla estrutura, como a revisão judicial, força e autonomia da burocracia e o federalismo. Este último tem a capacidade de gerar incoerências das políticas em seus diferentes níveis, assim como de aumentar os pontos de veto (WEAVER; ROCKMAN, 1993).
Inicialmente, é importante contrapor o conceito de federalismo e o de federações. Para Burgess (2006), há uma interação “simbiótica” entre ambos, uma vez que o federalismo remete “à recomendação e (algumas vezes) à promoção ativa para apoiar federações. Uma federação é uma forma particular de Estado” (BURGESS, 2006, p. 2, tradução nossa7). Se distintos aspectos contextuais do conceito de federalismo - de natureza linguística, institucional, cultural, histórica, ideológica, para citar algumas dimensões - ajudam a compreender e a organizar as federações, em sentido inverso, a experiência real de organização político-institucional das federações também modifica o entendimento do federalismo. São dimensões analíticas distintas, que se complementam para formatar o entendimento desse fenômeno social.
Alguns autores ainda destacam que as federações podem surgir tomando como base o modelo americano de pacto federativo, ou seja, com o objetivo de unir - come together -, enquanto outras surgem para manter a união - hold together. Desse modo, as instituições são responsáveis pela indução de um equilíbrio, uma vez que o status quo vai prevalecer, não apenas pelas preferências dos indivíduos, mas também devido a estruturas institucionais específicas que dificultam as mudanças legislativas e institucionais (STEPAN, 1999). Apesar de não haver consenso na literatura sobre como se define, ou quais são as implicações do federalismo de modo geral, podemos pensar em diversos aspectos institucionais comuns que tornam possível descrevê-lo como um instrumento institucional de separação vertical de governos ou jurisdições em espaços territoriais sobrepostos. Isso implica:
(1) Um conjunto de arranjos institucionais e regras de decisão no nível de governo central para incorporar interesses de base territorial; esses arranjos variam no grau em que fornecem poderes de veto aos níveis de governo subordinados; (2) um conjunto de atores com base territorial, com ideias e interesses que variam muito em número e heterogeneidade; (3) um conjunto de arranjos jurisdicionais para alocar responsabilidades políticas entre diferentes níveis de governo; isso se refere tanto à formulação quanto à implementação de políticas; (4) um conjunto de arranjos de transferência fiscal intergovernamental; e (5) um conjunto de arranjos informais - verticais e horizontais - entre governos. (OBINGER; LEIBFRIED; CASTLES, 2005, p. 9, tradução nossa8).
Segundo Bednar (2005), o federalismo pode ser compreendido sob a ótica de um bem público, ou seja, capaz de produzir benefícios não exclusivos e não rivais - como proteção militar do território, eficiência na alocação de recursos, inovação e representação política das unidades subnacionais. Nesse sentido, Pierson (1995) argumenta que as instituições federativas criam novos atores e interferem nas preferências e estratégias disponíveis ao promover dilemas que envolvem a decisão compartilhada. O federalismo remete aos problemas atrelados ao comportamento oportunista das elites políticas locais, de modo que nenhuma instituição em particular será suficiente para lidar com as ameaças a esse bem público. As “instituições complementares” ao funcionamento dos regimes federalistas interagem entre si para criar salvaguardas comuns: punir comportamentos desviantes e ampliar os incentivos à cooperação e à atuação conjunta9 (BEDNAR, 2009), que remetem a interações político-institucionais de difícil generalização (RODDEN, 2005).
Entre os fatores que contribuem com o entendimento de como as instituições federativas funcionam, estão outras dimensões associadas aos resultados da ação governamental. Dessa forma, para além da mera classificação de um regime político como federalista ou não, é necessário compreender as inter-relações que envolvem “a estrutura dos sistemas partidários, a natureza particular da economia política, a distribuição geográfica dos grupos minoritários” (PIERSON, 1995, p. 473, tradução nossa10). As instituições federativas interagem com os setores de políticas públicas, produzindo resultados muito distintos do esperado pela simples consideração de uma dessas dimensões de maneira isolada.
Nessa perspectiva, cabe aqui destacar uma visão do federalismo que tem menor enfoque na limitação do poder e maior na dinâmica do compartilhamento de poder. O federalismo pode ser entendido como uma ferramenta de divisão de decisões e funções de governo, cujo propósito é a distribuição de poder entre a unidade central e as periféricas. Cabe destacar o papel dos governos locais e estaduais que, mesmo estando sujeitos a padronizações e repasses federais, assumem consideráveis responsabilidades, direta ou indiretamente, no desenvolvimento de políticas e programas nacionais, ao mesmo tempo em que modelam suas ações em relação aos demais entes federados (GRODZINS, 2013).
Note-se ainda que não é possível identificar um padrão fixo de instituições federativas, mas nos deparamos com diferentes tipos de federalismos que resultam de arranjos institucionais diversos, que podem incentivar competição ou cooperação11, inter ou intraestatal. A noção de federalismo interestatal remete à separação vertical de poderes bem estabelecida com a distribuição de responsabilidades sobre políticas públicas, diante da congruência entre competências legislativas e executivas entre os diferentes níveis de governo. Já a ideia de federalismo intraestatal refere-se a uma distribuição funcional de responsabilidades, em que as unidades subnacionais implementam a legislação federal, cuja formulação é bastante concentrada no governo central (OBINGER; LEIBFRIED; CASTLES, 2005).
Especificamente quanto às análises de implementação com foco na dinâmica do federalismo, é comum o enfoque sobre os aspectos jurisdicionais de alocação de responsabilidades entre os diferentes níveis de governo e na dinâmica de relações intergovernamentais estabelecida pela formulação e, principalmente, pela implementação de políticas públicas. Isso porque, como já destacado, os governos locais tendem a assumir grandes responsabilidades, mesmo que indiretamente, na execução e desenvolvimento de políticas concebidas no âmbito nacional.
Descentralização de políticas: conceito, características e limites
Apesar de não ser um processo exclusivo ao federalismo, a descentralização é muitas vezes tida como uma instituição secundária esperada, cujo objetivo é reforçar a separação vertical de poder e manter o funcionamento do sistema de responsabilidades compartilhadas (OBINGER; LEIBFRIED; CASTLES, 2005). Nesse sentido, é possível identificar na literatura dois conjuntos principais de vantagens esperadas de uma forma de governo descentralizada. Os esforços para descentralizar são relacionados, por um lado, à eficiência administrativa na execução de recursos públicos, típica do federalismo fiscal (OATES, 1999). Por outro, há os trabalhos que enfatizam os aspectos políticos da descentralização: maior a participação democrática, representação e accountability, ou, ainda, melhor acomodação de grupos étnicos, culturais e regionais (PUTNAM, 1993; NORRIS, 2008). Ambos apontam para a descentralização como mecanismo para ampliar o aprimoramento e a efetividade de serviços públicos.
Entretanto, algumas perspectivas nos convidam a repensar a questão da descentralização, notadamente defendida pela literatura que exalta suas virtudes. Treisman (2006) chama atenção para os diversos significados da descentralização, a fim de “testar” teoricamente uma série de argumentos positivos e contrários a esta forma de estruturação tão difundida por organismos internacionais e recomendada como solução para diversos problemas do mundo em desenvolvimento. A descentralização não garante a existência de um governo transparente e idôneo, uma vez que, na realidade, poucas são as pessoas que de fato participam e essa participação pode ser no sentido de atitudes corruptas, além dos custos de instalação de novas unidades (TREISMAN, 2006; ARRETCHE, 1996).
Na mesma linha, Rodden (2005), ao contrapor a literatura recente sobre descentralização e ressaltar a centralidade dos estudos de caso para se observar as influências político-institucionais de diferentes contextos, argumenta que:
Os estudos empíricos pioneiros prestaram pouca atenção às variações nas descentralizações fiscal e política. Contudo, alguns dos seus achados se mostraram úteis: a descentralização fiscal e o federalismo não se traduzem facilmente em ganhos de eficiência e accountability, previstos pela primeira geração da teoria. A geração de estudos empíricos que se lhe seguiu vem examinando a complexidade e a diversidade da descentralização e considera a possibilidade de que diversos tipos de descentralização tenham causas e efeitos diferentes. (RODDEN, 2005, p. 24).
Ainda na perspectiva de esclarecimento da questão da descentralização, a literatura chama atenção para o aspecto multidimensional do conceito e suas implicações (LITVACK; AHMAD; BIRD, 1998; FALETTI, 2005; ARRETCHE; VAZQUEZ; GOMES, 2012). Primeiramente, torna-se necessário diferenciar o grau de transferência de responsabilidades e autonomia entre os níveis de governo sob vários instrumentos fiscais, políticos, administrativos12. Para Litvack, Ahmad e Bird (1998), um cenário de descentralização fiscal diz respeito a atribuições de definir e coletar impostos, de responsabilização por despesas específicas e de formas de retificação de qualquer “desequilíbrio vertical”. Já quando se trata de descentralização política, refere-se aos níveis em que as instituições políticas mapeiam a multiplicidade de interesses e os convertem em políticas públicas, enquanto a descentralização administrativa diz respeito à forma como as instituições políticas, já determinadas, transformam decisões de políticas públicas em alocações e distribuições por meio de ações fiscais e regulatórias.
Essa diferenciação em três dimensões está diretamente relacionada à noção de policy-making e policy decision-making. Isto é: a descentralização de competências que diz respeito à atribuição da responsabilidade de executar a política consiste no policy-making; enquanto, o policy decision-making trata da descentralização de autoridade, atribuindo autonomia no processo decisório de implementação de políticas que estejam sob custódia do nível subnacional. Destaca-se ainda a possibilidade de haver cenários de dissociação entre policy-making e policy decision-making, uma vez que altos níveis de descentralização fiscal e de competências podem ser identificados conjuntamente à limitação de autonomia local, de modo que a execução das funções descentralizadas se mostra combinada a uma forte regulação do governo central (ARRETCHE; VAZQUEZ; GOMES, 2012).
Por fim, é importante atentar para o processo de descentralização e seu desdobramento sequencial ao longo do tempo13. A sequência entre esses distintos tipos de processos de descentralização importa para os resultados obtidos. Os casos da Colômbia e da Argentina ilustram trajetórias praticamente opostas com resultados divergentes. Enquanto a primeira correspondeu à ampliação da autonomia subnacional, partindo de uma descentralização política para fiscal e, por fim, administrativa, a última caracterizou-se por um predomínio maior do governo central, iniciando-se a descentralização pela definição de novas atribuições administrativas para os entes subnacionais. Esse formato cria maior poder de barganha para o nível central no momento posterior, de descentralização fiscal, além de possibilitar que “reversões (ou recentralizações) sejam mais frequentes de ocorrer nesses tipos de casos do que quando a descentralização política ocorre no início do processo” (FALLETI, 2005, p. 343, tradução nossa14).
Nesse sentido, o já citado aspecto multidimensional da descentralização sugere algumas implicações sobre o contexto em que atua. Entre elas, destaca-se a capacidade de alterar a mobilização e alocação de recursos públicos com efeito em uma gama de serviços. Para os analistas da descentralização, implica a necessidade de um conhecimento profundo das instituições locais de modo a compreender quais fatores e atores motivam a descentralização, diante da limitação de informações e evidências empíricas do que funciona e do que não funciona no nível local (LITVACK; AHMAD; BIRD, 1998).
Dada a dinâmica institucional de competências do federalismo brasileiro, é prudente que as análises de implementação foquem especialmente no caráter administrativo da descentralização (SÁTYRO; CUNHA, 2015). A partir da perspectiva adotada neste trabalho, os serviços públicos de atendimento sob responsabilidade do governo federal devem levar em conta os arranjos federativos organizados em cada política pública, bem como as capacidades dos governos subnacionais em direcionar, organizar, coordenar, controlar e executar políticas públicas.
Federalismo e descentralização de serviços públicos no Brasil
A fim de compreender o funcionamento do federalismo e da descentralização no caso brasileiro, é necessário compreender as formas como a disposição da descentralização política se apresenta, além de suas implicações em termos de relações entre os níveis de governo no provimento de políticas públicas. Para tanto, recorremos aos três modelos analíticos propostos por Wright (2013), que buscam estabelecer como se dão as relações intergovernamentais em termos de designação, dependência de relações e padrão de autoridade, como ilustrado na Figura 1.
No modelo de “autoridade coordenada”, destaca-se a característica da autonomia, uma vez que os limites de campos de ação de cada ente são muito bem definidos e as esferas nacional e estadual estão devidamente separadas, havendo apenas uma relação tangencial entre si. Nessa perspectiva, o governo local é dependente do estadual e não há relação direta entre eles. No modelo da “autoridade inclusiva”, a questão da hierarquia está fortemente presente, uma vez que os estados e governos locais são apenas servidores totalmente dependentes do governo federal e que exercem praticamente nenhum impacto sobre a política e sobre as políticas públicas. Aqui, a expansão do governo federal sobre os demais se dá em forma de um jogo de soma zero, isto é, o ganho do poder nacional significa a perda de poder estadual/local.
O último modelo da “autoridade sobreposta/concorrente” se localiza no ponto médio do espectro entre autonomia e hierarquia, isto é, os poderes são limitados e dispersos, por isso, há necessidade de negociações, com pequenas e incertas áreas de autonomia. Além disso, há um alto grau de potencial, ou de real interdependência, gerando competição e cooperação simultaneamente, trazendo as negociações, trocas e barganhas como formas de realizar acordos. Isso porque áreas substanciais de governo estão sobrepostas às esferas nacional, estadual e local (WRIGHT, 2013).
Esses modelos analíticos nos ajudam a pensar o caso brasileiro. Em uma leitura inicial, logo após a promulgação da Constituição de 1988, pode-se classificar o modelo de autoridade vigente, como concorrente ou sobreposto, em particular no campo das políticas sociais. Os entes federados estavam autorizados a fazer ou deixar de fazer um conjunto de ações nas políticas de proteção social no Brasil (ARRETCHE, 2004).
O cenário de pouca coordenação e de competências concorrentes configura o primeiro momento pós-constituição de 1988. Parte desse problema remete à existência de três demandas fundamentais que marcaram o processo de redemocratização brasileiro e que se farão presentes na década de 1990: a necessidade de descentralizar o poder em direção aos estados e municípios, anteriormente concentrado no governo federal, atrelado à democratização; o combate à hiperinflação e a diminuição da desigualdade social (ABRUCIO, 2005; ABRUCIO; COSTA, 1998). O primeiro fator (centrífugo) pode ser compreendido como controverso ou antitético aos dois últimos (centrípetos).
Há uma contraposição entre a distribuição de poder descentralizado e a instauração de mecanismos centralizadores de um Estado capaz de sanear a economia e de promover bem-estar social (welfare state). O desenvolvimento de mecanismos para reparar a economia pressupõe a capacidade do poder central para estabelecer confiança e lidar com a dívida pública, reduzindo a autonomia de endividamento dos entes subnacionais. A organização de um sistema de bem-estar exige a universalização de acesso a serviços de forma independente territorialmente, o que pode implicar a centralização de políticas redistributivas a fim de alcançar igualmente a todos os indivíduos15 (SOARES, 2011).
No caso do Brasil, alguns indicadores de descentralização apontavam certa distribuição de autoridade política para os entes subnacionais mesmo antes da Constituição de 198816 - como a existência de eleições para a escolha dos representantes de estados e municípios e a disposição de recursos tributários nas mãos dos entes subnacionais (ARRETCHE, 1996; FALLETI, 2005). Ao longo das décadas de 1990 e 2000, a descentralização fiscal foi ampliando-se ainda mais, principalmente para os municípios, contrariando as expectativas iniciais de predomínio dos estados no jogo federativo (SAMUELS; ABRUCIO, 2001; EATON, 2004). Segundo argumenta Graça (2016), os estados foram recolocados como financiadores e os municípios como gerentes dos serviços públicos17. O governo federal aumentou sua ingerência no funcionamento da federação, produzindo coordenação e organizando distintos sistemas de provisão de bens públicos.
Embora tenha havido ampliação da descentralização fiscal, parte importante das reformas nesse campo realizadas nesse período diminuiu a discricionariedade dos gastos fiscais, como a aplicação de mínimos constitucionais em saúde e educação, e impôs limites ao endividamento dos entes subnacionais (GOMES, 2012). Os estados minoritários sobrerrepresentados no Senado e, em medida menor, na Câmara dos Deputados, não se organizaram como um poder de veto ao maior constrangimento à autonomia subnacional na alocação de recursos imposto pelo governo federal, como poderia ser esperado18 (ARRETCHE, 2012, 2013; MELO, 2005).
Em boa medida, o sucesso da implantação de programas governamentais federais se deu pelo by-pass dos governos estaduais, pela articulação direta com os municípios, como no Programa Bolsa Família (FENWICK, 2009; SUGIYAMA, 2011). Essa estratégia de implementação de políticas públicas foi recorrente em diversos contextos, como aponta Dickovic (2006) para o Peru, o Brasil e a África do Sul. Alijar o nível regional com articulação direta para o nível local explica-se, parcialmente, como uma estratégia para lidar com disputas político-eleitorais entre as elites políticas, em parte por questões conjunturais de macrogovernança.
A definição de incentivos fiscais baseados na assunção de novas responsabilidades pela provisão de serviços a partir de critérios objetivos, como valores per capita, foi recorrente nas políticas sociais. É o caso da implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)19, de diversos serviços e programas da área de saúde e da implantação de novos equipamentos de proteção social, os dois últimos sob a égide de sistemas nacionais (ARRETCHE, 2004; GOMES, 2009; FRANZESE; ABRUCIO, 2013; MACHADO, 2018). Desse modo, a federação brasileira combinou tanto aspectos centralizadores, atrelados principalmente à ampliação do poder de coordenação vindo do centro, com aspectos descentralizadores, ligados à implementação desses serviços pelos entes subnacionais, principalmente os municípios (KUGELMAS; SOLA, 1999; REGIS, 2009). A União foi determinante na “recentralização” fiscal e normativa, com efeitos na formação da agenda das unidades subnacionais (ARRETCHE, 1996, 2004, 2009, 2012; SOUZA, 2005; ALMEIDA, 2005). Houve uma reorganização do modelo federativo brasileiro no sentido de produção de autoridade inclusiva, nos termos de Wright (2013), com acentuada coordenação federal.
As trajetórias das políticas de saúde, educação e assistência social apontam para movimentos semelhantes de descentralização concomitantes à “recentralização” no âmbito federal com intuito de propiciar os elementos necessários à coordenação. A previdência social, por sua vez, manteve-se como um sistema nacional com baixa articulação com estados e municípios. O Quadro 1 sintetiza as principais diferenças entre essas três políticas sociais, apontando características organizacionais e de regulação relevantes para compreensão do padrão de implementação vigente em cada uma delas.
Do ponto de vista da regulação das políticas sociais, a Constituição determina gastos mínimos em saúde e em educação por estados e municípios. Isso caracteriza uma atuação centralizadora da União para determinar a obrigação dos entes subnacionais nessas políticas sociais. A assistência social diferencia-se pela ausência de determinação de gastos mínimos constitucionais pelos entes subnacionais, não obstante constitua um sistema nacional ou único em analogia ao Sistema Único de Saúde. Em geral, tanto a saúde como a assistência social organizam seus programas governamentais a partir de definições previstas em lei e por atos ministeriais - como portarias e resoluções. Esse formato de regulação diferencia-se da educação e da previdência social, ambas fortemente vinculadas à determinação de serviços e benefícios por leis específicas.
Quanto ao papel gerencial exercido pelo governo federal, observa-se a execução direta de serviços no âmbito da educação, na educação superior e no ensino técnico de forma não exclusiva, na provisão dos benefícios do Programa Bolsa Família e nas provisões de aposentadorias e pensões pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O gestor federal da saúde atua, sobretudo, na coordenação e no financiamento do sistema nacional, embora execute a aquisição de alguns medicamentos de alto custo, de vacinas e atue na provisão de serviços em alguns poucos hospitais e institutos nacionais, a maior parte sediada no Rio de Janeiro. As agências reguladoras vinculadas ao setor são responsáveis pela regulação e por serviços de fiscalização providos, em sua grande parte, pelo próprio ente. Na provisão dos serviços de assistência social, o gestor federal atua principalmente como coordenador e financiador do sistema nacional.
É interessante observar que o formato de atuação do gestor federal nessas políticas remete em parte ao destino que os órgãos federais tiveram após a redemocratização. Na saúde e na assistência social, os órgãos responsáveis pela provisão direta dos serviços foram extintos - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e Legião Brasileira de Assistência (LBA), respectivamente. Especificamente na saúde, houve a ampliação de suas funções regulatórias com a criação das agências reguladoras para a vigilância em saúde (Anvisa) e saúde suplementar (ANS). Na educação, o Ministério da Educação reorganizou internamente sua atuação, mantendo o histórico de provisão direta de rede própria. Já o INSS se originou da fusão de órgãos federais dedicados à provisão direta de benefícios previdenciários, com baixa articulação intergovernamental.
Com exceção da previdência social, as demais políticas sociais implementaram programas com o estabelecimento de mecanismos de incentivo e punição a estados e municípios, que se tornaram, em certa medida, agentes da União. Nas políticas de saúde e assistência social, houve a organização de comissões intergestoras tripartites, com representação dos gestores federal, estaduais e municipais voltados à análise e deliberação principalmente de proposições federais. A educação não organizou uma instância de participação intergovernamental tão ampla, restringindo-se a comissões ad hoc, embora a Constituição Federal tenha previsto a existência de “regimes de colaboração” na área. A previdência manteve sua trajetória de separação dos sistemas de seguridade, coordenando exclusivamente a provisão direta do regime geral e dos regimes próprios dos servidores públicos federais.
No que se refere aos serviços públicos de atendimento do governo federal, retomamos a sua definição, a fim de estabelecer o escopo da análise que é feita neste artigo. Inicialmente os serviços públicos foram definidos pela legislação como “ação dos órgãos e das entidades da administração pública federal para atender, direta ou indiretamente, às demandas da sociedade relativas a exercício de direito ou a cumprimento de dever” (BRASIL, 2016, art. 2º, I). A operacionalização desse conceito, entretanto, incorporou a observação de sete critérios que deveriam ser simultaneamente cumpridos. O Quadro 2 detalha cada um desses critérios e seus respectivos conceitos.
A próxima seção detalhará a metodologia de pesquisa utilizada, especificamente quanto à disposição dos serviços observados por órgão e por política pública.
Métodos e dados
A realização deste estudo ocorreu a partir da utilização dos dados da Pesquisa sobre Serviços Públicos de Atendimento, publicada pela Enap em 2018. Foram identificados 1.740 serviços de execução do governo federal classificados em quatro áreas de governo: Estado, Economia e Meio Ambiente, Infraestrutura e Social. Essa classificação, segundo a Enap (2018a), partiu do agrupamento dos órgãos da administração pública direta e indireta20 “conforme a contribuição de suas políticas públicas, considerando a análise das listas de serviços públicos de atendimento e identificando-se a política pública majoritária, nos casos em que o órgão pudesse ser enquadrado em mais de uma área” (Ibidem, p. 20). A pesquisa ainda destaca que, apesar de não existir uma classificação oficial das áreas de governo, o agrupamento foi realizado a fim de organizar a análise e se baseou na divisão de áreas do Plano Plurianual do período de coleta dos dados (PPA 2016-2019).
Apesar de, inicialmente, analisarmos a totalidade dos serviços para fundamentação das questões e hipóteses, o foco deste artigo está naqueles serviços correspondentes à área social. Assim, dos 1.740 serviços levantados pela Enap, 481 (ou 27,6%) são da área social e 353 (ou 20,3%) estão diretamente vinculados às políticas de saúde, educação e assistência social. A Tabela 1 sintetiza a distribuição dos serviços conforme as políticas mencionadas e, no Apêndice 1 Apêndice: Apêndice 1 - Serviços públicos de atendimento por área de governo e órgão responsável Distribuição dos serviços públicos de atendimento por área de governo e órgão responsável Economia Estado Infraestrutura Social Min. da Agricultura, Pec. e Abastecimento 87 Min. da Defesa 3 Min. da Ciência, Tec., Inovação e Comunicações 32 Min. da Cultura 11 Min. da Fazenda 131 Min. da Justiça e Segurança Pública 17 Min. das Cidades 14 Min. da Educação 60 Min. da Indústria, Com. Exterior e Serviços 40 Min. da Transparência, Fisc. e CGU 9 Min. das Minas e Energia 3 Min. da Saúde 65 Min. da Integração Nacional 4 Min. das Relações Exteriores 15 Min. dos Transportes, Portos e Aviação Civil 3 Min. do Desenvolvimento Social e Agrário 27 Min. do Meio Ambiente 8 Min. do Plan., Orçamento e Gestão 20 Ag. Espacial Brasileira 8 Min. do Trabalho e Previdência Social 24 Min. do Turismo 3 Advocacia-Geral da União 13 Ag. Nac. de Aviação Civil 70 Min. dos Direitos Humanos 2 Ag. Nac. de Águas 6 Banco Central do Brasil 18 Ag. Nac. de Energia Elétrica 24 Min. dos Esportes 2 Com. De Valores Mobiliários 7 Casa Civil 6 Ag. Nac. de Petr. Gás Nat. e Biocombustíveis 88 Ag. Nac. de Saúde Suplementar 17 Com. Nac. de Energia Nuclear 1 Com. da Marinha 6 Ag. Nac. de Telecomunicações 14 Ag. Nac. de Vigilância Sanitária 33 Inst. Bras. Meio Amb. e dos Rec. Nat. Renováveis 46 Com. do Exército 82 Ag. Nac. de Trans. Aquaviários 20 Ag. Nac. do Cinema 10 Inst. Nac. de Metrologia, Qualidade e Tecnologia 18 Cons. Adm. de Defesa Econômica 5 Ag. Nac. de Trans. Terrestres 16 Coord. de Aperf. de Pessoal de Nível Superior 9 Inst. Bras. de Turismo 4 Dpt. de Polícia Federal 21 Centro Bras. de Pesquisas Físicas 2 Fund. Jorge D. Figueiredo de Seg. e Med. Trabalho 4 Inst. Chico Mendes 10 Dpt. De Polícia Rod. Federal 14 Centro de Tecnologia Mineral 3 Fund. Biblioteca Nacional 12 Inst. de Pesq. Jardim Botânico do RJ 30 Esc. Nac. de Administração Pública 9 Centro de Tec. Estratégicas do Nordeste 2 Fund. Casa de Rui Barbosa 7 Inst. Nac. da Propriedade Industrial 55 Fund. Alexandre de Gusmão 3 Com. Nac. de Energia Nuclear 119 Fund. Cultural Palmares 6 Sup.de Desen. Do Centro-Oeste 3 Inst. Bras. de Geografia e Estatística 11 Cons. Nac. de Desen. Científico e Tecnológico 11 Fund. Joaquim Nabuco 15 Sup. de Seguros Privados 4 Fund. Osorio 18 Dpt. Nac. de Produção Mineral 57 Fund. Nacional das Artes 21 Sup. do Desen. da Amazônia 2 Imprensa Nacional 7 Inst. Nac. da Mata Atlântica 1 Fund. Nacional da Saúde 14 Sup. do Desen. do Nordeste 4 Inst. de Pesq. Econômica Aplicada 7 Inst. Nac. de Tecnologia 9 Fund. Oswaldo Cruz 24 Inst. Nac. de Tecnologia da Informação 1 Inst. Nac. do Semiárido 2 Inst. Nac. de Estudos e Pesq. Educacionais 20 Secretaria de Governo/PR 2 Lab. Nac. de Astrofísica 5 Inst. Brasileiro de Museus 14 Sup. de Patrimônio da União 6 Inst. do Pat. Histórico e Artístico Nacional 15 Inst. Nac. de Educação de Surdos 16 Inst. Nac. de Seguro Social 53 Fonte: elaboração própria a partir de dados da pesquisa. , há a distribuição de todos os serviços por área de governo e órgão responsável - contemplando aqueles serviços que compõem a categoria “outras”.
A pesquisa tem natureza descritivo-exploratória, com enfoque em compreender como os serviços públicos federais de atendimento possuem padrões distintos de implementação, conforme os arranjos institucionais definidos no âmbito das políticas sociais. Utiliza-se de estatística descritiva e inferencial para analisar os dados coletados e sistematizados pela Enap em conjunto de variáveis, apresentadas no Quadro 3.
Resultados
A análise dos resultados será realizada em duas etapas. Na primeira, serão observadas as características do conjunto geral de serviços a fim de configurar o problema empírico, situar as questões e a hipótese central do artigo. Em seguida, serão exploradas duas dimensões: público-alvo e as formas de execução dos serviços federais vinculados às políticas de educação, saúde e assistência social.
Configurando o problema empírico, questões e hipóteses
Primeiramente, observam-se algumas diferenças relevantes entre os serviços públicos na área social e os demais serviços públicos identificados. Conforme já apontado pela Enap (2018a), ao se analisar a forma de execução dos serviços por área de governo, aqueles atribuídos à área social se distinguem bastante dos demais por uma expressiva presença de forma compartilhada e desconcentrada de execução (Gráfico 1).
Já quando se observa a totalidade dos serviços que são executados de forma compartilhada e desconcentrada, são em maioria da área social (Gráfico 2). Isso significa dizer que, distintamente das demais áreas de governo, a execução dos serviços da área social é fortemente marcada pela cooperação entre o governo federal e outros órgãos, entidades, associações, entre outros atores. Além disso, a maior parte dos serviços de atendimento que não são executados pelo próprio órgão do governo federal se refere a políticas públicas da área social.
No que se refere ao público-alvo dos serviços oferecidos pelo governo federal, observa-se que a área social é responsável por 40,3% do total dos serviços direcionados para estados e municípios (Gráfico 3). Já quando se trata apenas dos serviços da área social (Gráfico 4), além de cidadãos e famílias, os estados e municípios constituem um público relevante. Como cada serviço pode ter mais de um tipo de usuário a quem se destina, a categoria de análise “público-alvo” excede a soma de 100% dos casos. Entretanto, isso torna ainda mais interessante a presente análise, pois podemos observar que, entre todos os serviços que se destinam a estados e municípios, mais de 40% se refere à área social e, dentre o total de serviços da área social, mais de um terço se destina a atender os entes subnacionais.
A leitura desses resultados à luz da literatura sobre descentralização e execução de políticas públicas no contexto federativo (SOUZA, 2005; ABRUCIO; COSTA, 1998; ALMEIDA, 2005; REGIS, 2009) e, especificamente, das configurações das políticas sociais brasileiras (KUGELMAS; SOLA, 1999; ARRETCHE, 2004; MELO, 2005; GOMES, 2009), traz uma série de questionamentos. Por que grande parte dos serviços públicos de atendimento executados de forma descentralizada é da área social? Quais são as políticas públicas que compõem esse levantamento dos serviços? Quais fatores específicos da área social contribuem para essa configuração? Se forem analisados apenas os serviços dessa área, particionando por política pública, haverá resultados diferentes?
A partir desses questionamentos, foi realizada exploração dos dados para comparação dos resultados encontrados entre as políticas sociais, a área social e as demais políticas das áreas. O intuito foi a identificação de especificidades, a quais, espera-se, possam contribuir para se testar a hipótese central de pesquisa acerca da importância dos diferentes arranjos das políticas públicas.
Público-alvo e formas de execução dos serviços federais nas políticas sociais
Uma vez estabelecidos o quadro geral dos serviços e as especificidades da área social, passamos agora para a análise daqueles serviços referentes às políticas de educação, saúde e assistência social. Quanto ao perfil do público-alvo, saúde e educação destacam-se como áreas em que cerca de 40% dos serviços possuem estados e municípios como público-alvo, valor bem superior à média dos serviços em outras áreas, que é de 21,5%. O mesmo resultado não se repete para a assistência social, que se destaca pelo elevado percentual de serviços a cidadãos e famílias, superior a 80% do total e, de modo geral, com comportamento muito diferente das demais (Gráfico 5).
Entretanto, é importante lembrar que os serviços englobados na assistência se referem àqueles do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, bem como os do INSS, agrupados na mesma categoria devido à estrutura ministerial do período de coleta dos serviços (ver nota 16). Entretanto, esses órgãos possuem naturezas distintas, com regulação e formatos de atuação particulares, como discutido anteriormente. Por essa razão, adotou-se a análise com uma categorização diferente: não será utilizada mais a categoria “política de assistência social”, mas os resultados serão analisados pelos dois órgãos. Como é possível notar, com a nova categorização em duas políticas distintas, há uma evidente mudança no comportamento dos dados: o altíssimo percentual de atendimento direto a cidadãos e família (98,1%) se concentra nos serviços da previdência, enquanto o perfil dos serviços da assistência tem um público mais diversificado, com cerca de 25% dos serviços atendendo diretamente aos estados e municípios (Gráfico 6).
Demostra-se, portanto, uma diferença importante na caracterização dos serviços da previdência e da assistência social. Por essa razão, as próximas análises serão feitas apenas utilizando a segunda forma de categorização dos serviços em políticas sociais, qual seja: saúde, educação, assistência e previdência social. No que se refere à análise do público-alvo, nota-se que, para os casos das políticas que contam com mecanismos de incentivo em relação aos estados e municípios (educação, saúde e assistência), os serviços públicos de atendimento do governo federal atendem expressivamente a esse grupo. Já no caso da previdência, cuja execução é centrada no governo federal, o cenário é completamente diferente e o atendimento é expressivamente maior a cidadãos e famílias. Nesse sentido, é possível inferir que a definição do público desses serviços é um indício da forma como os serviços são executados. Se observarmos quais são alguns dos serviços listados para saúde, educação e assistência que se destinam a estados e municípios (Apêndice 2 Apêndice 2 - Exemplos de serviços públicos de atendimento Serviços que atendem a estados e municípios Serviços Saúde Habilitação de Centros de Trauma Autorização e renovação de hospitais, laboratórios de histocompatibilidade e bancos de tecido Solicitar financiamento e apoio técnico pedagógico para implementação de projetos de educação em saúde ambiental Educação Programa Implantação Salas de Recursos Multifuncionais Curso de Libras (Formação e Capacitação de Recursos Humanos) Formação Continuada de Professores em Educação Especial Assistência Inscrição e atualização no Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal Oferta de capacitações Presenciais de Formulários do Cadastro Único e de Gestão do Cadastro Único e do PBF Fonte: elaboração própria a partir de dados da pesquisa. ) é possível notar que são atendimentos realizados pelo governo federal frente aos entes subnacionais, os quais irão executar a atividade fim de cada política, ou seja, irão entregar o “serviço de saúde”, “a educação” e a “assistência social” aos cidadãos.
A fim de dar robustez ao argumento e demonstrar a influência dos arranjos institucionais de cada política sobre os padrões de execução dos serviços, parte-se para a análise inferencial, por meio dos testes não paramétricos do tipo qui-quadrado. O objetivo do teste qui-quadrado é avaliar a associação existente entre variáveis categóricas, a partir da comparação de frequências, identificando as possíveis divergências entre as frequências observadas (a partir dos dados reais) e aquelas esperadas (se a distribuição fosse aleatória). Assim, quando as frequências observadas e esperadas são muito próximas, o valor do qui-quadrado é muito pequeno. Além disso, a relevância do resultado do teste (grande ou pequeno) depende do nível de significância estatística (probabilidade de erro).
Nesse sentido, a Tabela 2 contrapõe três formas distintas de execução dos serviços públicos (concentrada no próprio órgão federal; compartilhada com outros órgãos; e desconcentrada em outros órgãos) por política social. Pode-se observar uma associação estatisticamente significativa entre a forma de execução e o serviço fazer parte da política de assistência, previdência e educação. Entretanto, para o caso da assistência e educação, a maior parte dos serviços é executada de forma compartilhada e desconcentrada, ou seja, não é executada exclusivamente pelo órgão do governo federal. Já no caso da previdência, a configuração é inversa com quase a totalidade dos serviços executada de forma concentrada no governo federal.
Para esses casos, o resultado do qui-quadrado aponta que as diferenças entre as frequências observadas e esperadas são relevantes o suficiente para afirmarmos que existe associação entre a política específica e a forma de execução. No caso da assistência e da educação, temos arranjos institucionais sólidos que responsabilizam e incentivam a atuação dos estados e municípios na implementação da política e isso também parece ser verdade no caso dos serviços públicos de atendimento do governo federal (GOMES, 2009, 2012; FRANZESE; ABRUCIO, 2013; ALMEIDA, 2005; MELO, 2005). Já no caso da previdência, o arranjo concentra a atuação no governo federal, o que se reflete nessa análise (ARRETCHE, 2004).
O caso dos serviços referentes à política de saúde, por sua vez, não apresentou o mesmo resultado. As diferenças entre as frequências observadas e esperadas foram muito pequenas e não tiveram significância estatística. Isso remete a uma distribuição dos serviços públicos de atendimento mais próximo à aleatoriedade. Portanto, o serviço ser da política de saúde não remete, necessariamente, a alguma forma específica de execução. Uma hipótese explicativa para esse achado é a existência, no setor saúde, de agências reguladoras cuja atuação, em boa medida, tem natureza centralizada, com execução direta de serviços pelo governo federal. Além disso, o gestor federal executa diretamente a aquisição de medicamentos de alto custo e de vacinas no Plano Nacional de Imunização (PNI). Essas ações podem ter contribuído para contrapor, em parte, a atuação mais descentralizada do Ministério da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)21.
Para se obter uma outra ilustração da forma de execução, foram agregadas as categorias em centralizada (concentrada e compartilhada) e descentralizada (desconcentrada). Os resultados encontrados (Tabela 3) são bastante semelhantes à análise anterior: assistência e educação com forte presença de serviços executados de forma descentralizada; e previdência com a quase totalidade dos serviços concentrados no governo federal - todos os casos com resultados significativos para associação entre política e forma de execução. Também se repete o resultado para o caso da saúde, com uma diferença ainda menor entre as frequências observada e esperada dos serviços executados de forma centralizada e descentralizada.
Diante desses resultados, partiu-se para uma análise específica dos serviços que têm execução descentralizada, com o objetivo de identificar quem são os usuários desses serviços dentro de cada política (Tabela 4). É interessante notar que os estados e municípios são o público que se sobressai, principalmente no caso da saúde (52,2%) e da educação (45,8%). A assistência social aparece com um percentual menor de estados e municípios como público-alvo atendido (28%). A previdência possui apenas um serviço descentralizado, como demonstrado anteriormente, mas sem identificação do público-alvo.
Considerações finais
A análise de políticas públicas não consiste em uma tarefa trivial. Na ciência política, há exemplos de estudos que lidam com a questão da agenda e formulação sob perspectivas institucionais diversas. No que se refere à temática do federalismo e descentralização no Brasil, é notável a crescente produção científica nas últimas décadas que abordam essas perspectivas como fatores que possibilitam explicações sobre o formato e funcionamento das políticas públicas. Este trabalho teve como objetivo tecer considerações acerca da importância do federalismo e da descentralização para formatar a atuação federal na área social. Trata-se de uma abordagem inserida no âmbito dos estudos de políticas públicas no Brasil, que se utilizou de uma base de dados inédita que mapeou a atuação federal na prestação de serviços públicos de atendimento.
A estrutura institucional de gestão e implementação das políticas sociais atribui ao governo federal a capacidade de coordenação das políticas setoriais, fazendo com que haja, na realidade, um cenário de centralização. Nesse sentido, as relações intergovernamentais estabelecidas no caso brasileiro para as políticas sociais se aproximariam do modelo analítico de autoridade inclusiva, na proposição feita por Wright (2013). O governo federal concentra a autoridade ao se colocar como principal financiador das políticas, com capacidade de normatização e coordenação das relações intergovernamentais no âmbito das políticas públicas (ARRETCHE, 2004; SOUZA, 2005; ALMEIDA, 2005; MELO, 2005; REGIS, 2009; MACHADO, 2018).
Os resultados das análises empreendidas dão indícios de que, no contexto federativo brasileiro, os diferentes arranjos institucionais das políticas sociais analisadas influenciam na execução dos serviços públicos de atendimento do governo federal. Isso porque, os públicos a quem atendem, a natureza do que é entregue aos usuários e a forma como executam esses serviços dependem dos desenhos das políticas específicas. Essa hipótese explicativa aplica-se bem aos padrões observados nos arranjos das políticas de educação e da assistência, inclusive no campo da previdência social. Educação e assistência possuem laços de forte interação entre o governo central e os entes subnacionais, com arranjos de coordenação federativa no formato de um sistema nacional, para a assistência social, e de regime de colaboração, na educação. No caso da previdência, ocorre o mesmo, embora a lógica de execução dos serviços se dê de forma oposta. Diante de um arranjo de gestão sem instâncias de participação e coordenação dos estados e municípios, os serviços (como a obtenção de benefícios) são prestados a partir de uma forte presença do governo federal, o que confirma um padrão histórico de atuação.
A saúde apresenta-se como um caso particularmente interessante, em razão de evidenciar padrões mistos. Por um lado, há um arranjo de regulação que prevê a aplicação de mínimos constitucionais que se organiza como sistema nacional, com mecanismos de incentivos e punições, além do compartilhamento de decisões envolvendo estados e municípios. Por outro, há uma série de atribuições centradas no gestor nacional da política, que executa diretamente, por exemplo, a aquisição de medicamentos de alto custo e de vacinas, além da provisão de serviços de regulação e de fiscalização nas agências reguladoras (ANS e Anvisa). Os serviços descentralizados dessa política são essencialmente direcionados a cidadãos e famílias, mas contam com uma grande proporção de serviços que também atendem a estados e municípios. Desse modo, o gestor federal da saúde equilibra-se entre serviços de execução centralizada no próprio órgão e aqueles que são executados de forma descentralizada. Embora o gestor federal tenha atribuições residuais de execução direta de serviços públicos no SUS, o catálogo de serviços públicos mapeado por este artigo aponta a relevância dessa atuação em âmbito federal, o que não tem sido notado pela literatura.
As evidências recolhidas neste estudo corroboram a importância dos arranjos institucionais formatados nos setores de políticas públicas para o entendimento do padrão de coordenação federativa (ARRETCHE, 2004; SOUZA, 2005; ALMEIDA, 2005; MELO, 2005; FRANZESE; ABRUCIO, 2013; MACHADO, 2018). Além das determinações constitucionais, o padrão de interação com os entes subnacionais, o desenho institucional da política pública e a própria organização do gestor federal condicionam o formato dos serviços prestados pelo governo central (PIERSON, 1995; FALLETI, 2005; RODDEN, 2005). Desse modo, corrobora-se a hipótese central desse trabalho.
Como limitações desse trabalho, destaca-se a ausência de dados sobre quem compartilha estes serviços ou quem executa no lugar do governo federal. Esse detalhamento seria relevante para compreensão mais precisa da articulação federativa dos serviços públicos sob responsabilidade federal. No entanto, por meio da informação de “a quem atende” e da “entrega aos usuários” (principalmente capacitação, formação e autorizações), é possível supor que o os estados e municípios são, na verdade, executores relevantes dos serviços de saúde, educação e assistência. Dito de outra forma: o fato de os estados e municípios serem o principal público dos serviços descentralizados não significa que sejam os destinatários finais desses serviços. É possível imaginar que estados e municípios sejam atendidos pelo governo federal para que, por meio deles, os cidadãos sejam efetivamente atendidos.
A agenda futura de trabalhos aponta para a necessidade de se realizar uma análise de cunho qualitativo de exploração dos serviços públicos de atendimento pesquisados, a fim de se analisar, com novas evidências, como se dá a execução descentralizada dos serviços na área social. A identificação dos serviços públicos de atendimento sob responsabilidade dos governos municipais e estaduais é outro fator relevante da agenda de pesquisa. Esse mapeamento permitirá a observação das fontes de financiamento, das parcerias e dos arranjos institucionais para execução de serviços públicos de atendimento, ampliando a compreensão da atuação do Estado brasileiro.
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WALLNER, Jennifer. Political structures, social diversity, and public policy: comparing mandatory education in Canada and the United States. Comparative Political Studies, Thousand Oaks, v. 45, n. 7, p. 850-874, 2012. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0010414011428590. Acesso em: 22 mar. 2021.
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Para replicação de dados ver: https://doi.org/10.7910/DVN/LB2MVX
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Os autores agradecem a leitura atenciosa e as críticas profícuas dos dois avaliadores anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política (RBCP). Erros e omissões são inteiramente nossos.
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Original em inglês.
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Original em inglês.
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De fato, um aprofundamento da discussão sobre as “instituições complementares” pode lançar dúvidas a respeito da pertinência da dimensão federativa. Arretche (2020), ao revisitar Lijphart (2008) e analisar as dimensões institucionais que envolvem o self-rule e shared-rule presentes nos países latino-americanos, argumenta que a classificação entre Estados unitários e federativos diz muito pouco sobre o padrão de dispersão ou concentração da autoridade política.
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Original em inglês.
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A noção de cooperação ou competição das competências dos entes federados será discutida mais adiante nos modelos de relações intergovernamentais propostos por Wright (2013).
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A distribuição de tais instrumentos é o que define o grau de desconcentração, delegação ou devolução das relações intergovernamentais. Ou seja, a partir da alocação desses instrumentos é possível compreender em que medida as relações intergovernamentais se dão em termos de transferências de responsabilidades ou de autonomia na tomada de decisões (LITVACK; AHMAD; BIRD, 1998).
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Do mesmo modo que em Litvack, Ahmad e Bird (1998) e Arretche, Vazquez e Gomes (2012), Falleti (2005) assume a descentralização a partir de três facetas distintas: política (como a existência de eleições para escolha dos dirigentes subnacionais e a representação de interesses territoriais no plano nacional), fiscal (como o percentual de recursos tributários disponíveis e de gastos efetivos do nível subnacional) e administrativa (como a autoridade do nível subnacional nas políticas públicas).
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Original em inglês.
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Como destacado anteriormente, Pierson (1995) aponta que um conjunto de inter-relações político-institucionais e os próprios setores de políticas públicas importam para compreensão do padrão de funcionamento dos regimes políticos, inclusive nas federações. Nesse sentido, Wallner (2012), ao comparar os sistemas de educação básica do Canadá e dos EUA, argumenta que o primeiro é mais homogêneo que o segundo, não obstante inexista uma estratégia centralizada de coordenação na figura de um Ministério da Educação canadense. Fatores como o padrão de distribuição da autoridade política entre as províncias, o formato do financiamento e a existência de uma instância de coordenação horizontal parecem explicar esse resultado.
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Os estados e seus representantes, contudo, não ficaram inertes. Souza (2003), por exemplo, analisa como os parlamentares emendam o orçamento federal em busca de recursos para seus estados de origem, em movimentos que se aproximam aos de uma bancada estadual.
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Paradoxalmente, esse maior constrangimento ao nível subnacional não foi suficiente para produzir estabilidade financeira e reequilibrar as contas públicas dos estados nos anos 2000 e 2010, como se exemplifica, dentre outros, pelo caso extremo do Rio de Janeiro (TORREZAN; PAIVA, 2021).
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No entanto, como destaca Gomes (2009, p. 662), o resultado do processo de municipalização de vagas no ensino fundamental dependeu dos “interesses dos governos estaduais naquele contexto, inclusive como indutores também da municipalização do ensino em seus estados”.
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No entanto, como destaca Gomes (2009, p. 662), o resultado do processo de municipalização de vagas no ensino fundamental dependeu dos “interesses dos governos estaduais naquele contexto, inclusive como indutores também da municipalização do ensino em seus estados”.
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No caso da educação, não foram considerados as universidades e os institutos de pesquisa. Essas organizações representam um montante elevado de serviços, de natureza administrativa, cujo recolhimento se deu a partir de uma metodologia distinta, com predefinição dos serviços prestados. Para maiores detalhes, ver Enap (2018b).
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No Apêndice 3, apresentam-se as frequências dos serviços da área da saúde por órgão e por forma de execução.
Apêndice: Apêndice 1 - Serviços públicos de atendimento por área de governo e órgão responsável
Apêndice 2 - Exemplos de serviços públicos de atendimento
Apêndice 3 - Serviços públicos de atendimento na política de saúde
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jun 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
13 Dez 2019 -
Aceito
15 Mar 2021