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O nascimento da Instituição Fiscal Independente brasileira: explicação à luz do modelo de Kingdon 1 1 Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/EDZO92 , 2 2 Meus agradecimentos aos dois pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política e à Marcela Coelho Monteiro pelas criteriosas revisões e enriquecedoras contribuições em prol deste artigo.

Resumo:

Este artigo se propõe a explicar o surgimento da Instituição Fiscal Independente (IFI) brasileira, criada pelo Senado Federal em 2016, com base no modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon. Avalia-se a hipótese de que a criação da referida IFI foi facilitada pela abertura de uma janela de oportunidade para mudanças institucionais no período, acompanhada da ação oportuna de empreendedores de políticas públicas. As evidências empíricas obtidas corroboram a hipótese levantada e sugerem a relevância do modelo de Kingdon para a compreensão do fenômeno estudado. Até onde foi possível identificar, este é o primeiro estudo a utilizar o modelo de Kingdon para analisar o nascimento não apenas da IFI brasileira, como a de qualquer outro país. Sendo assim, pesquisas futuras poderiam expandir o horizonte da análise iniciada neste artigo, incluindo estudos comparados sobre a criação de IFIs em outras jurisdições.

Palavras-chave:
Instituições Fiscais Independentes; modelo dos múltiplos fluxos; John Kingdon; Senado Federal

Abstract:

This article aims to explain the emergence of the Brazilian Independent Fiscal Institution (IFI), created by the Federal Senate in 2016, based on Kingdon’s multiple streams framework. The hypothesis evaluated was that the creation of the IFI was facilitated by the opening of a window of opportunity for institutional changes in the period, accompanied by the timely action of policy entrepreneurs. The empirical evidence collected corroborates the hypothesis raised and suggests the relevance of the Kingdon’s framework for understanding the phenomenon studied. As far as it was possible to identify, this is the first study to use Kingdon’s model to analyze the birth not only of the Brazilian IFI, but of the any other country. Therefore, future research could expand the horizon of the analysis initiated in this article, including comparative studies on the creation of IFIs in other jurisdictions.

Keywords:
Independent Fiscal Institutions; multiple streams framework; John Kingdon; Federal Senate

Nada é mais forte do que uma ideia cuja hora chegou. Vitor Hugo

Introdução

Em novembro de 2016, foi instituído um novo órgão público no âmbito do Senado Federal. Trata-se da Instituição Fiscal Independente (IFI), criada pela Resolução nº 42, de 3 de novembro de 2016, daquela Casa. À semelhança de instituições congêneres4 4 “Instituições Fiscais Independentes” e “Conselhos Fiscais” são expressões sinônimas usualmente utilizadas para designar o tipo de órgão em análise. Em cada país, tais instituições recebem um nome próprio, a exemplo do Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos da América. No Brasil, peculiarmente, a instituição criada foi batizada com a mesma nomenclatura do gênero a que pertence. de outros países, a IFI do Senado, doravante chamada de “IFI brasileira”, é órgão técnico e apartidário que atua como uma espécie de “cão de guarda” (watchdog) das contas públicas, ofertando à sociedade projeções fiscais e orçamentárias independentes das apresentadas pelo governo. Trata-se, portanto, de novo elemento do sistema de freios e contrapesos do Estado, que se propõe a mitigar a tendência de monopólio informacional das autoridades executivas, em benefício da disciplina, transparência e qualidade da política fiscal (Debrun; Gérard; Harris, 2012DEBRUN, Xavier; GÉRARD, Marc; HARRIS, Jason. Fiscal policies in crisis mode: has the time for Fiscal Councils come at last? Background Paper n. 2 (draft for discussion). In: ANNUAL MEETING OF THE OECD NETWORK OF PARLIMENTARY BUDGET OFFICIALS, 4., Paris, Anais […], p. 23-24, 2012.; Kopits, 2011KOPITS, George. Independent fiscal institutions: developing good practices. OECD Journal on Budgeting, v. 11, n. 3, 2011.; OCDE, 2014aORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE. Recommendation of the council on principles for independent fiscal institutions. OECD Network of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions (PBO) . Paris: OECD, fev. 2014a. Disponível em: Disponível em: https://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-Recommendation-on-Principles-for-Independent-Fiscal-Institutions.pdf . Acesso em: 18 jul. 2022.
https://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-...
; Salto; Bacciotti, 2021SALTO, Felipe S.; BACCIOTTI, Rafael R. M. O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil. In: COUTO, Leandro. F.; RODRIGUES, Júlia M. (orgs.). Governança orçamentária no Brasil. Publicação preliminar. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2021.; Viney; Poole, 2018VINEY, Cal; POOLE, Thomas. Independent fiscal institutions in comparative constitutional perspective. LSE Law, Society and Economy Working Papers, n. 12/2018, Summer Issue, 2018. London School of Economics and Political Science, 2018.).

A defesa teórica das IFIs consta de propostas acadêmicas que remontam à década de 1990, motivadas pelo desejo de adaptar-se a experiência de bancos centrais independentes para a esfera fiscal (Calmfors; Wren-Lewis, 2011CALMFORS, Lars; WREN-LEWIS, Simon. What should fiscal councils do? Economic Policy, v. 26, n. 68, p. 649-695, 2011.). A difusão internacional mais acelerada dessas instituições, todavia, é relativamente recente. Ocorreu após crise econômica deflagrada em 2008, que rapidamente se transformou em crise fiscal, com aumentos generalizados dos níveis de déficit e dívida pública. Em resposta, sobretudo no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), diversos países buscaram robustecer a arquitetura fiscal do Estado com a adoção de regras fiscais mais rigorosas, acompanhadas de instituições fiscais independentes.

Em benefício da ciência política, o estudo das IFIs mostra-se especialmente relevante em face do contexto histórico atual, marcado pela disputa de narrativas, alienação política e crise de representação. Por esse prisma, Magarò (2013)MAGARÒ, Patrizia. Independent fiscal institutions: a comparative analysis. Transylvanian Review of Administrative Sciences, v. 9, n. 39, p. 66-90, 2013. salienta que uma missão comum das IFIs é a de informar cidadãos e sensibilizar a opinião pública, “aumentando o custo político de decisões governamentais impróprias, forçando legisladores a se tornarem mais atentos à repercussão de suas decisões no orçamento” (Magarò, 2013MAGARÒ, Patrizia. Independent fiscal institutions: a comparative analysis. Transylvanian Review of Administrative Sciences, v. 9, n. 39, p. 66-90, 2013., p. 88, tradução nossa). No mesmo sentido, Beetsma, Debrun e Sloof (2017)BEETSMA, Roel M.W.J.; DEBRUN, Xavier; SLOOF, Randolph. The political economy of fiscal transparency and independent fiscal council. International Monetary Fund, IMF Working Paper, WP/17/195, 2017. enfatizam que, ao fornecer análises objetivas e informações claras sobre a situação fiscal do Estado, as IFIs ajudam os eleitores a desmascarar a “alquimia fiscal” que emana dos documentos oficiais, de modo que possam tomar decisões mais bem informadas. Trata-se, portanto, de um tipo de instituição que contribui para o fortalecimento da democracia, reduzindo a assimetria de informação entre governo e sociedade (Merlo; Fasone, 2021MERLO, Stefano; FASONE, Cristina. Differentiated fiscal surveillance and the democratic promise of independent fiscal institutions in the economic and monetary union. Swiss Political Science Review, v. 27, n. 3, p. 582-600, 2021.) e aumentando os custos que políticos enfrentam em suas decisões, assim como sua responsabilidade por eventuais fracassos na condução da política fiscal (Mulas-Granados, 2018MULAS-GRANADOS, Carlos. Fiscal councils in theory: First principles. In: BEETSMA, Roel M.W.J.; DEBRUN, Xavier: Independent fiscal councils: watchdogs or lapdogs?. Centre for Economic Policy Research, 2018.).

Outro aspecto relevante para a ciência política, em especial no que concerne ao estudo de políticas públicas, diz respeito ao fato de que os fundamentos históricos e normativos até então apresentados, embora iluminem as “razões de ser” das IFIs, são insuficientes para desvendar as condições fáticas de sua criação em determinado país, tal como ocorrido no Brasil, em particular. Para elucidar esse aspecto, formula-se a seguinte questão de pesquisa: Que circunstâncias contribuíram para a criação da IFI brasileira ao final de 2016? O presente artigo busca responder essa indagação com base no modelo de múltiplos fluxos de Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., que lida justamente com processos circunstanciais relativos à formação da agenda governamental (agenda setting), isto é, da lista de assuntos julgados como prioritários pelo governo em determinada época. Trata-se de proposta inovadora na medida em que, até onde foi possível identificar,5 5 Foram realizadas consultas às plataformas Scopus e Google Acadêmico, com combinações de filtros conjugados de expressões como “Kingdon”, “multiple streams”, “independent fiscal institution” e “fiscal councils”, também em língua portuguesa. este é o primeiro estudo que se utiliza do modelo de Kingdon para analisar o surgimento de uma determinada IFI, e não apenas da brasileira.

Para a ciência política, segundo Capella (2018)CAPELLA, Ana C. N. Formulação de Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 2018., entender o processo de formação de agenda é importante para que se possa ter uma melhor compreensão sobre o próprio processo político, considerando-se o papel dos atores que dele participam com suas ideias, crenças e interesses. Para a autora, a despeito da importância da formação de agenda em contexto democrático, estudos sobre o tema são relativamente recentes na literatura internacional e pouco explorados pela produção acadêmica em ciências sociais no Brasil (Capella, 2006CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006.). Como agravante, poucos estudos são transformados em artigos, com prejuízo ao acúmulo e avanço de conhecimento para esse campo de estudo no país (Capella, 2020CAPELLA, Ana C. N. Estudos sobre formação da agenda de políticas públicas: um panorama das pesquisas no Brasil. Revista de Administração Pública - RAP, Rio de Janeiro, v. 54, n. 6, p. 1498-1512, 2020.). Em tal cenário, o presente artigo também se propõe a contribuir para o processo de fechamento das lacunas em comento.

Metodologicamente, a análise ora desenvolvida observa, tanto quanto possível, o protocolo preconizado por Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022)ZOHLNHÖFER, Reimut; HERWEG, Nicole; ZAHARIADIS, Nikolaos. How to conduct a multiple streams study. In: WEIBLE, Christopher; WORKMAN, Samuel (orgs.). Methods of the policy process. New York: Taylor & Francis, 2022. para a condução de estudos ancorados no modelo de Kingdon, a começar pela declaração expressa da hipótese6 6 Segundo Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022), a ausência de hipóteses expressas tem sido uma das principais falhas de pesquisas baseadas no modelo de múltiplos fluxos. A formulação de hipóteses, segundo os autores, mitiga o risco de que estudos se limitem a narrativas históricas (storytelling). desta pesquisa. Neste artigo, levanta-se a hipótese de que a criação da IFI brasileira (variável dependente), ao final de 2016, foi facilitada pela abertura de uma janela de oportunidade para mudanças institucionais, acompanhada da ação oportuna de empreendedores de políticas públicas.

Ressalte-se que a hipótese levantada é de que a criação da IFI foi “facilitada”, e não “determinada” pelos fatores supracitados. A formulação desse enunciado acompanha o entendimento do próprio Kingdon de que seu modelo é apenas probabilístico, tendo-se em mira a compreensão de eventos “mais prováveis que outros”, quando chances são “aumentadas ou diminuídas” (Kingdon, 2003KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., p. 208, tradução nossa). Além disso, o presente artigo não adota o rigorismo da falseabilidade popperiana,7 7 Tal como pondera Araújo (2013) ao utilizar a metodologia do Advocacy Coalition Framework (ACF) no estudo da política ambiental no Brasil. tampouco realiza teste estatístico de hipótese. De todo modo, a hipótese em discussão é qualitativamente8 8 Acompanha-se, aqui, o entendimento de King, Keohane e Verba (1994) de que tanto estudos quantitativos como qualitativos têm o propósito de produzir inferências causais. Destaque-se ainda que, segundo Rawat e Morris (2016), pesquisas qualitativas são predominantes em estudos baseados no modelo de Kingdon. avaliada mediante estudo de caso único,9 9 Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022) destacam que estudos de caso únicos também podem beneficiar-se da formulação de hipóteses, ao mesmo tempo em que contribuem para o acúmulo de evidências pertinentes a estudos correlacionados. amparado em dados documentais, no qual a unidade de análise é a arena de formulação de políticas em nível federal,10 10 Embora não se tenha notícia de que já haja outras IFIs no Brasil, nada impede, em princípio, que sejam criadas novas IFIs no país no âmbito de outros entes da Federação e por iniciativa destes. no Brasil.

Para cumprir seus propósitos, o artigo é estruturado da seguinte forma. Em sequência a esta introdução, apresenta-se uma visão geral do modelo de Kingdon, com ênfase na descrição articulada dos seus cinco componentes. Em seguida, analisa-se o processo de criação da IFI brasileira vis-à-vis cada um dos referidos elementos. Em encerramento, o artigo apresenta suas considerações finais, acompanhadas de propostas para estudos futuros.

O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon

O modelo de múltiplos fluxos (MMF) foi concebido pelo cientista político John Kingdon e divulgado em seu livro Agendas, Alternatives, and Public Policies, de 1984. Dentre os modelos de análise de políticas públicas, o MMF se destaca pelo seu foco na formação da agenda governamental (agenda setting), bem como por sua filiação à família de modelos11 11 Um bom apanhado de diferentes perspectivas de análise de políticas públicas pode ser encontrado, por exemplo, em Cairney (2020). fundamentados no paradigma de racionalidade limitada (bounded rationality) propagado por Herbert Simon (Zahariadis, 2016ZAHARIADIS, Nikolaos. Bounded rationality and garbage can models of policy-making. In: PETERS, Guy; ZITTOUN, Philippe (orgs.). Contemporary approaches to public policy: theories, controversies and perspectives. London: Palgrave Macmillan, 2016.). Em oposição a uma concepção platônico-idealista de racionalidade completa (comprehensive rationality), o paradigma da racionalidade limitada assenta-se no pressuposto de que tomadores de decisão enfrentam limitações práticas de diversas naturezas que os impedem de ter onisciência em relação aos problemas sociais. Conforme ressaltado por Cairney (2020, p. 263, tradução nossa)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., “os formuladores de políticas públicas só podem prestar atenção a uma pequena proporção de suas responsabilidades. Eles priorizam algumas e minimizam o resto.” Afinal, o tempo também é recurso escasso. Assim como ocorre no processo orçamentário, em que determinadas despesas são frequentemente priorizadas em detrimento de outras, a agenda governamental enfrenta desafio similar, tendo que “alocar” (dedicar) atenção em favor de um problema “X” no lugar de “Y”. De acordo com a síntese de Cairney (2020)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., a definição da agenda governamental pode ser resumida com base em dois fatores:

  1. Há uma quantidade quase ilimitada de problemas que poderiam chegar ao topo da agenda política. Pouquíssimos problemas, entretanto, alcançam esse lugar, enquanto a maioria dos outros não.

  2. Há um grande número de soluções que podem ser propostas. Mas poucas soluções políticas serão consideradas, enquanto a maioria das outras não (Cairney, 2020CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., p. 276, tradução nossa).

Nessa esteira, o paradigma da racionalidade limitada também reconhece que: (i) tomadores de decisão, em regra, não dispõem de condições suficientes para obter e processar todas as informações necessárias para a escolha da melhor alternativa de política pública; e (ii) raramente é possível observar processos lineares tipicamente ilustrados pelo tradicional “ciclo de políticas públicas”, que se inicia com a problematização da realidade, seguida da produção de diagnósticos e da elaboração de planos de governo que, depois de executados, seriam avaliados a fim de retroalimentar a atividade de planejamento. No lugar disso, então, foram desenvolvidos diversos modelos com vistas a explicar a forma como as decisões “realmente acontecem” (March, 2009MARCH, James G. Como as decisões realmente acontecem: princípios da tomada de decisões nas organizações. São Paulo: Editora Leopardo, 2009.).

Expressão eloquente da racionalidade limitada é o modelo organizacional de tomada de decisões concebido por Cohen, March e Olsen (1972)COHEN, Michael D.; MARCH, James G.; OLSEN, Johan P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, 1972., denominado “lata de lixo” (garbage can), designação esta que, para Kingdon (2003, p. 84, tradução nossa)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., representa uma “obra-prima de linguagem indelicada”. Ironias à parte, a mensagem nuclear de tal modelo é de que, na prática, decisões são frequentemente tomadas de forma contingente, e não a partir de exercícios de planejamento guiados, unicamente, pela racionalidade weberiana de adequação entre meios e fins. É o que ocorre, também, com o modelo de Kingdon, que, na leitura de Capella (2006)CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006., focaliza a dinâmica das ideias e a disputa sobre definições de problemas e geração de alternativas, rompendo esquemas interpretativos deterministas, com uma lógica contingencial.

De acordo com o modelo da lata de lixo, problemas são circunstancialmente ligados a soluções, sobretudo, em razão de sua proximidade temporal e em ambientes de “anarquia organizada”.12 12 “Anarquias organizadas”, para Cohen, March e Olsen (1972, p. 1, tradução nossa), são organizações “caracterizadas por preferências problemáticas, tecnologia pouco clara e participação fluida”, que podem ser vistas como “coleções de escolhas em busca de problemas [...] e tomadores de decisão em busca de trabalho”. Conforme ressaltado por March (2009, p. 170)MARCH, James G. Como as decisões realmente acontecem: princípios da tomada de decisões nas organizações. São Paulo: Editora Leopardo, 2009., no limite, “quase qualquer solução pode ser associada a quase qualquer problema - desde que ambos sejam evocados ao mesmo tempo”. Uma síntese didática desse modus operandi é apresentada por Calmon e Costa (2007)CALMON, Paulo C.D.P.; COSTA, Marcelo M. Análise de políticas públicas no Brasil: estudos sobre a formação da agenda governamental. In: ENCONTRO DA ANPAD, 31., Rio de Janeiro. Anais eletrônicos [...], 2007. Disponível em: Disponível em: http://arquivo.anpad.org.br/abrir_pdf.php?e=NzA3MQ== . Acesso em: 17 ago. 2022.
http://arquivo.anpad.org.br/abrir_pdf.ph...
no seguinte fragmento:

Em outras palavras, nos processos do tipo ‘lata de lixo’, as oportunidades para decisão, o reconhecimento dos problemas e das soluções, assim como a disponibilidade de atores políticos com capacidade para decidir, evoluiriam de forma não sincronizada. Nesse contexto, as escolhas seriam como latas de lixo, onde seriam lançados problemas e soluções na medida em que fossem sendo gerados, quase sempre sem nenhuma relação entre eles. Eventualmente, esses problemas poderiam ser reconhecidos e, após várias tentativas e erros, a solução adequada poderia vir a ser também reconhecida e selecionada entre as várias que haviam sido anteriormente lançadas à lata de lixo (Calmon; Costa, 2007CALMON, Paulo C.D.P.; COSTA, Marcelo M. Análise de políticas públicas no Brasil: estudos sobre a formação da agenda governamental. In: ENCONTRO DA ANPAD, 31., Rio de Janeiro. Anais eletrônicos [...], 2007. Disponível em: Disponível em: http://arquivo.anpad.org.br/abrir_pdf.php?e=NzA3MQ== . Acesso em: 17 ago. 2022.
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, p. 4).

John Kingdon adaptou o modelo da lata de lixo para o ambiente federal estadunidense de formulação de políticas públicas (Zahariadis, 2007ZAHARIADIS, Nikolaos. The multiple streams framework: structure, limitations, prospects. In: SABATIER, Paul A. (org). Theories of the policy process. Boulder: Westview, 2007.) e, ao assim proceder, formulou o modelo de múltiplos fluxos, constituído por cinco elementos estruturais interligados, mas independentes entre si: (i) fluxo de problemas; (ii) fluxo de soluções; (iii) fluxo político; (iv) janela de políticas públicas; e (v) empreendedores de políticas públicas.

O fluxo de problemas (problem stream) refere-se à diversidade de eventos que despertam a atenção governamental em determinado momento, a ponto de serem reconhecidos como problemas a serem enfrentados pelo Estado. Tais eventos podem dizer respeito a: (i) eventos focais, como crises econômicas e desastres naturais; (ii) condições críticas reveladas por indicadores, a exemplo do quantitativo populacional em estado de insegurança alimentar;13 13 A insegurança alimentar equivale à falta de acesso regular e permanente a alimentos. Em seu nível “grave”, há privação no consumo de alimentos e fome. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (REDE PENSSAN, 2022), a quantidade de brasileiros em estado grave de insegurança alimentar saltou de 19,1 milhões para 33,1 milhões de pessoas do final de 2020 para o início de 2022. ou (iii) mecanismos de feedback, formais ou informais, capazes de revelar disfunções em políticas públicas já existentes, tal como no caso do insucesso de políticas antidrogas.14 14 O fracasso da política de “guerra às drogas” é reconhecido, por exemplo, pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas (2011). Note-se que, pela ótica da ciência política, o fluxo de problemas é relevante porque também pode envolver um componente de herestético (Riker, 1986RIKER, Willian H. The art of political manipulation. New Haven and London: Yale University Press, 1986.), relativo à arte de selecionar questões. Segundo Capella (2006, p. 27)CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006., a “forma como um problema é definido, articulado, concentrando a atenção dos formuladores de política pode determinar o sucesso de uma questão no processo altamente competitivo de agenda-setting”.

O fluxo de soluções (policy stream) corresponde à “sopa de ideias” que permeia o debate público, principalmente no âmbito da comunidade de especialistas em políticas públicas. Ao longo do tempo, por meio de processo análogo ao de “seleção natural”, as ideias reconhecidas como tecnicamente viáveis, de custos toleráveis e socialmente aceitáveis, tendem a sobreviver a esse filtro darwiniano, compondo o rol de soluções reputadas como “boas propostas”.

O fluxo político (political stream) lida com o contexto decisório dos gestores públicos e legisladores, que, por sua vez, têm suas próprias preferências. Esse fluxo pode ser influenciado por fatores como: (i) o humor nacional, que orienta o tipo de questões consideradas como relevantes pela sociedade; (ii) mudanças de governo, que, especialmente no início de mandatos, tendem a renovar a agenda governamental; e (iii) forças políticas organizadas, que representam grupos de interesse aptos a influenciar determinada área de política pública.

Janelas de políticas públicas (policy windows), por sua vez, são janelas de oportunidade que se abrem em favor de inovações institucionais, ditando a hora certa para sua adoção. Segundo Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., a abertura dessas janelas é provocada por mudanças relevantes nos fluxos de problemas (p. ex.: desastres ambientais) ou no fluxo político (p. ex.: novo governo), cabendo observar que eventos de diferentes naturezas tendem a abrir janelas de perfis distintos. Desastres naturais, por ilustração, são menos previsíveis e abrem janelas de curta duração, enquanto eleições são eventos periódicos capazes de abrir janelas menos efêmeras, na medida em que mudanças de governo facilitam inovações em políticas públicas, em tese, ao longo de todo um mandato, ainda que com mais intensidade no seu início. A seguir, registra-se a opinião pontual de um ex-presidente do Banco Central do Brasil, manifestada às vésperas das eleições gerais de 2022, sobre a importância de janelas de oportunidade:

Uma experiência que eu tive em duas passagens pelo governo foi [...] das vantagens de se ter as coisas prontas. [...] eu recomendo fortemente, sugiro, mais humildemente, que se pense em projetos prontos que [...], numa janela de oportunidade que surja, [...] estejam prontos para implementação. [...] Como as oportunidades são raras, não podemos perder as poucas que temos (Uma agenda inadiável para o Brasil, 2022UMA AGENDA INADIÁVEL PARA O BRASIL. Painel II: Brasil: uma análise sobre o que dá para fazer. Derrubando Muros, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Oo2_1PtCyP4 . 1 vídeo (1h e 42 min.). Acesso em: 2 ago. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=Oo2_1PtC...
).

Como contrapartida à efemeridade das janelas de oportunidade, portanto, deve haver um “estado de prontidão” do lado do fluxo de soluções. É justamente nessa esteira que, por fim, os empreendedores de políticas públicas (policy entrepreneurs) entram em cena. São indivíduos influentes, situados dentro ou fora da esfera estatal, que investem recursos (tempo, energia, reputação etc.) para que suas “propostas de estimação” (pet solutions) sejam aprovadas por instâncias decisórias competentes. Desempenham, desse modo, o papel fundamental de promover a “costura” ou acoplamento (coupling) dos três fluxos do MMF durante a abertura de janelas de políticas públicas, quando é chegada a “hora certa” para que suas propostas prosperem.

Segundo Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., a junção dos três fluxos - que têm vida própria e são independentes entre si - em um “único pacote” aumenta dramaticamente as chances de que determinado assunto seja firmemente fixado na agenda decisória governamental. É por isso que os empreendedores em comento são tão importantes. De acordo com a metáfora de Kingdon, tais atores têm o senso de oportunidade típico de um surfista, que se mantém em estado de prontidão para aproveitar as ondas a seu favor. Nas palavras do autor:

Sem a presença de um empreendedor de políticas públicas, o acoplamento dos fluxos pode não ocorrer. Boas ideias ficam em pousio [repouso] por falta de um defensor. Problemas não são resolvidos por falta de solução. Os eventos políticos não são capitalizados por falta de incentivo e propostas desenvolvidas (Kingdon, 2003KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., p. 182, tradução nossa).

Em síntese, o MMF pressupõe que os três fluxos tendem a ser acoplados quando são abertas janelas de oportunidade para que empreendedores de políticas públicas atuem a ponto de alcançar a aprovação de suas propostas, tal como ilustrado na Figura 1.

Figura 1.
Síntese do modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon

De posse desse arcabouço, resta indagar, por fim, em que medida o modelo de Kingdon pode ser tomado como generalizável, visto que foi originalmente desenvolvido no contexto estadunidense. Quanto a isso, Capella (2020)CAPELLA, Ana C. N. Estudos sobre formação da agenda de políticas públicas: um panorama das pesquisas no Brasil. Revista de Administração Pública - RAP, Rio de Janeiro, v. 54, n. 6, p. 1498-1512, 2020. registra que o modelo em foco já foi testado em diversos outros ambientes, havendo evidência empírica em favor de sua generalização. Isso se justificaria pelo acerto da sua premissa básica, qual seja, a caracterização dos governos como “anarquias organizadas”, com a presença de “ambiguidade, competição por atenção, informações imperfeitas, restrições de tempo para tomada de decisão e racionalidade abrangente não racional” (Capella, 2020CAPELLA, Ana C. N. Estudos sobre formação da agenda de políticas públicas: um panorama das pesquisas no Brasil. Revista de Administração Pública - RAP, Rio de Janeiro, v. 54, n. 6, p. 1498-1512, 2020., p. 1501).

Feita essa observação, examina-se adiante o processo de criação da IFI brasileira, revisitando-se cada um dos cinco componentes do modelo de Kingdon.

Fluxo dos problemas: atenção à crise econômico-fiscal no Brasil

Ao menos do ponto de vista da magnitude de queda do produto interno bruto (PIB), a economia brasileira experimentou seu momento mais crítico em 2015 e 2016. O encolhimento acumulado do PIB foi de 6,7% naquele período, com quedas de 3,5% em 2015 e de 3,3% em 2016.15 15 No mesmo período, a economia mundial expandiu-se 3,4% em 2015 e 3,3% em 2016. Países emergentes, potencialmente mais comparáveis ao Brasil, cresceram 4,3% em 2015 e 4,4% em 2016 (FMI, 2022). Esse panorama econômico pode ser correlacionado com o contexto de criação da IFI brasileira, tal como enfatizado por Ribeiro (2020)RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020.:

A análise do contexto econômico que representou o pano de fundo dos debates acerca da criação de uma Instituição Fiscal Independente (IFI) no âmbito do Senado Federal contribui para o entendimento das motivações do projeto. Pode-se dizer que tudo começou com a crise de 2008, ainda que a IFI/Brasil tenha sido criada 8 anos depois (Ribeiro, 2020RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020., p. 350).

Esse contexto econômico também ajuda a explicar a piora de indicadores fiscais, notadamente no que tange à capacidade de o governo federal brasileiro gerar superávits primários (“poupança” antes das despesas com juros). Após um longo ciclo superavitário iniciado em 1998, o governo central (União menos estatais federais) passou a produzir déficits crescentes a partir de 2014, combinando receitas em queda com despesas em alta. O Gráfico 1 retrata esse desempenho, cabendo esclarecer que o período nele contemplado encerra-se em 2016, já que o fenômeno em estudo - a criação da IFI brasileira - se completou ao final daquele ano.

Gráfico 1.
Dinâmica do Resultado Primário do Governo Central de 1998 a 2016 (% do PIB)

De acordo com a trajetória de receitas e despesas indicada no Gráfico 1, depreende-se que o ciclo superavitário observado de 1998 a 2013 não decorreu do esforço de contenção de despesas, mas do aumento recorrente de receitas. Trata-se, portanto, de modelo que cedo ou tarde se esgotaria, admitindo-se que a tributação não poderia crescer indefinidamente.16 16 Tal como preconiza a chamada Curva de Laffer, a qual indica que, a partir de determinado nível de alíquotas, a tributação é contraproducente. Sendo assim, a crise econômica de 2015-2016 pode ter apenas precipitado um desequilíbrio anteriormente “contratado”. Tal trajetória havia despertado a atenção de especialistas em contas públicas ao menos desde 2006 (Velloso, 2006VELLOSO, Raul. Escancarando o problema fiscal: é preciso controlar o gasto não-financeiro obrigatório da união. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE). 2006. 24 p. [Estudos e Pesquisas n. 159].), mas os déficits só se converteriam em questão nacional quando manifestos, a partir de 2014.

Adicionalmente à piora de indicadores fiscais, questionava-se a própria credibilidade de estatísticas oficiais, com a alegação de que práticas apontadas como “contabilidade criativa” poderiam distorcer a real situação fiscal do país. Ao fim e ao cabo, órgãos de controle foram envolvidos nessa discussão a ponto de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter recomendado17 17 Cabe ao TCU emitir parecer prévio sobre as contas do presidente da República, cujo julgamento compete ao Congresso Nacional. ao Congresso Nacional a rejeição das contas do presidente da República relativas tanto a 2014 como 2015 (Brasil, 2015cBRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do Governo da República: exercício de 2014. Brasília, DF: Tribunal de Contas da União, 2015c., 2016BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do Governo da República: exercício de 2015. Brasília, DF: Tribunal de Contas da União, 2016.).18 18 Conforme apontado pelo TCU, a assunção de despesas da União via instituições financeiras estatais implicava subestimativa de despesas e a aparente “melhora” dos resultados fiscais do governo federal. Além disso, o aludido expediente (assunção de despesas do ente controlador por instituições financeiras controladas) equivaleria a operações de crédito vedadas pelo art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2015b, 2015c). Esse seria, por sinal, um dos argumentos técnicos utilizados pelo processo político-jurídico de impeachment da presidente da República em 2016. Sublinhe-se, entretanto, que os fatos ora em comento não se submetem a qualquer juízo de mérito neste artigo, tampouco se confundem com seu objeto de estudo. O que se pretende evidenciar, tão somente, é que tais problemas, no período histórico examinado, haviam transformado a “questão fiscal” trazida à baila em tema prioritário do debate nacional, fomentando o entendimento de que as instituições existentes não eram suficientes para superar e prevenir desequilíbrios. O país parecia carente, portanto, de um novo “cão de guarda” das contas públicas, com viés prospectivo (capaz de prenunciar desequilíbrios) e não sancionatório, distinto, portanto, de órgãos tradicionais de controle como o TCU (Kopits, 2011KOPITS, George. Independent fiscal institutions: developing good practices. OECD Journal on Budgeting, v. 11, n. 3, 2011.; Ribeiro, 2020RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020.; Salto; Bacciotti, 2021SALTO, Felipe S.; BACCIOTTI, Rafael R. M. O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil. In: COUTO, Leandro. F.; RODRIGUES, Júlia M. (orgs.). Governança orçamentária no Brasil. Publicação preliminar. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2021.).

Fluxo das soluções: o desaguar das IFIs no Brasil

Antes da crise econômico-fiscal de 2015-2016, algumas publicações esparsas, a exemplo de referência já citada (Velloso, 2006VELLOSO, Raul. Escancarando o problema fiscal: é preciso controlar o gasto não-financeiro obrigatório da união. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE). 2006. 24 p. [Estudos e Pesquisas n. 159].), denunciavam a miopia fiscal do Estado com considerável antecedência. Um debate mais robusto sobre a falta de antevisão quanto ao rumo das contas públicas, todavia, ganhou impulso renovado quando especialistas locais passaram a acompanhar a expansão internacional das IFIs após o desarranjo fiscal provocado pela crise internacional de 2008. Ao encontro da descrição apresentada no início deste artigo, em resposta a essa crise houve um processo acelerado de difusão das IFIs de “nova geração” no âmbito da OCDE. Embora países como os EUA já fossem dotados de IFIs “veteranas”,19 19 O Congressional Budget Office (CBO), a IFI dos EUA, foi criado em 1974. Trata-se da maior IFI do mundo, também considerada como “padrão ouro” internacional. tais instituições não eram muito numerosas antes da crise de 2008, conforme indicado no Gráfico 2.

Gráfico 2.
Difusão acelerada de IFIs após a crise de 2008

Assinale-se que, já em 2009, a OCDE havia organizado o primeiro encontro internacional de seu grupo de trabalho sobre IFIs,20 20 Working Party of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions. desde então realizado anualmente. O tema ganhou tamanha relevância no âmbito da OCDE que, em fevereiro de 2014, a organização codificou boas práticas consubstanciadas na forma de um documento com recomendações de princípios para IFIs (OCDE, 2014aORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE. Recommendation of the council on principles for independent fiscal institutions. OECD Network of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions (PBO) . Paris: OECD, fev. 2014a. Disponível em: Disponível em: https://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-Recommendation-on-Principles-for-Independent-Fiscal-Institutions.pdf . Acesso em: 18 jul. 2022.
https://www.oecd.org/gov/budgeting/OECD-...
). No mesmo ano, e no mínimo desde então, constata-se que o debate sobre IFIs desaguou21 21 Provavelmente no bojo de um processo não intencional de difusão de políticas públicas (policy diffusion). Sobre a perspectiva analítica da “difusão de políticas públicas”, vide Coêlho (2016). no Brasil, inicialmente, na forma de artigos de opinião ou textos para discussão produzidos por agentes técnicos. Tais atores, que muitas vezes também atuam como figuras “invisíveis”, representam fator relevante para o modelo de Kingdon, como bem ilustrado por Capella (2006)CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006. no seguinte fragmento:

A focalização de uma questão pela mídia impressa e televisiva pode auxiliar na canalização da atenção de diversos atores em relação a ela. O mesmo é válido para publicações especializadas (jornais destinados a servidores, revistas acadêmicas, entre outros) que circulam entre os participantes das policy communities (Capella, 2006CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006., p. 34).

Cite-se como exemplo o artigo de Mendes (2014)MENDES, Marcos. O que são “instituições fiscais independentes”? Brasil, Economia e Governo, 2014. Disponível em: Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/o-que-sao-instituicoes-fiscais-independentes . Acesso em: 18 jul. 2022.
https://administradores.com.br/artigos/o...
intitulado “O que são ‘instituições fiscais independentes’?”, publicado em maio de 2014, no qual o autor ressalta que:

Certamente uma agência com essa natureza ajudaria a melhorar a qualidade da política fiscal no Brasil, pois atuaria sobre pontos críticos que precisam ser aperfeiçoados. Em primeiro lugar, poderia fazer estimativas independentes da receita orçamentária, que colocaria em xeque as estimativas usualmente superestimadas feitas pelo Executivo e o Legislativo. Estes teriam que, no mínimo, explicar porque suas receitas esperadas estariam acima daquela estimada pela IFI. Não conseguindo fazê-lo, seriam forçados a moderar a fixação da despesa orçamentária (Mendes, 2014MENDES, Marcos. O que são “instituições fiscais independentes”? Brasil, Economia e Governo, 2014. Disponível em: Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/o-que-sao-instituicoes-fiscais-independentes . Acesso em: 18 jul. 2022.
https://administradores.com.br/artigos/o...
).

Também merece menção o texto para discussão, publicado em 2015, denominado “Instituições Fiscais Independentes: subsídios para a implantação de um imperativo fiscal no país”, que propunha a criação de uma IFI no âmbito do Poder Legislativo:

Para um país presidencialista como o Brasil, conforme inicialmente sustentado, a independência da IFI em relação ao Poder Executivo já pode ser tida como suficiente (Kopits, 2011KOPITS, George. Independent fiscal institutions: developing good practices. OECD Journal on Budgeting, v. 11, n. 3, 2011.), de tal sorte que se mostra coerente considerar o Legislativo, enquanto titular do controle externo, como um dos hospedeiros naturais para o estabelecimento de uma IFI no país. Trata-se, ademais, de uma opção consistente com a tradicional visão das IFIs como watchdogs do processo orçamentário e do desempenho fiscal do governo (Bijos, 2015BIJOS, Paulo R. S. Instituições fiscais independentes: subsídios para a implantação de um imperativo fiscal no país. Brasília, DF: Senado Federal, 2015. 26 p. [Textos para discussão, n. 15]., p. 16).

Ao menos desde 2014, portanto, já se formava uma “sopa de ideias” favorável à criação da IFI brasileira, inclusive no âmbito do Congresso Nacional. Resta saber, agora, o que se passava no cenário político durante o período examinado, tal como analisado a seguir.

Fluxo político: alteração do humor nacional e mudança de governo

Em adição à crise econômico-fiscal, descrita no tópico atinente ao fluxo dos problemas, o país também experimentava uma crise política aguda, fortemente influenciada pela alteração do humor nacional. Despertou-se um clima de anseio pela alternância de poder, eventualmente potencializado pelo desgaste associado ao longo tempo de um governo que havia se iniciado em 2003. Evidência disso foram as manifestações de rua de 2013 e 2015, dotadas de uma trajetória discursiva que, paulatinamente, culminou no apelo ao impeachment da presidente da República (Pinto, 2017PINTO, Céli R. J. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, São Paulo, v. 100, p. 119-153, 2017.). Vale observar que, enquanto em 21 de outubro de 2014 a avaliação do governo da presidente como “ruim/péssimo” era de 20%, em 10 de abril de 2015 esse percentual já havia saltado para 60% (Avaliação..., 2015AVALIAÇÃO Datafolha da presidente Dilma, Folha de S. Paulo, fev. 2015. Disponível em: Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2015/02/118652-avaliacao-datafolha-da-presidente-dilma.shtml . Acesso em: 17 ago. 2022.
http://www1.folha.uol.com.br/infografico...
).

Como agravante, a Chefe do Executivo tornou-se desafeta do presidente da Câmara dos Deputados, que é o único ator político com poderes de deflagrar um processo de crime de responsabilidade em desfavor do presidente da República. O estopim desse conflito parece ter ocorrido em 2 de dezembro de 2015, quando deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) - partido da então presidente da República - declararam que votariam pela continuidade do processo de cassação do presidente da Casa no Conselho de Ética. No mesmo dia, o presidente da Câmara recebeu e autuou uma das denúncias22 22 Trata-se da denúncia por crime de responsabilidade (DCR) nº 1/2015, protocolada em 15 de outubro de2015 pelos juristas Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal. por crimes de responsabilidade supostamente cometidos pela presidente da República (Borges, 2015BORGES, Rodolfo. Acuado, Cunha acolhe pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. El País, 2 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/02/politica/1449089233_244586.html . Acesso em: 20 jul. 2022.
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12...
).

Polêmicas à parte, e sem qualquer juízo de mérito quanto a esse episódio, interessa a este artigo o fato de que o citado processo tinha como componente jurídico atos de gestão fiscal e orçamentária. Tais atos, por sua vez, tinham como pano de fundo a “questão fiscal” examinada no fluxo dos problemas, e questões fiscais, como visto, são matérias pertinentes às IFIs. Que se deixe claro, entretanto, que o estudo sobre a criação da IFI em nada se compromete com avaliações subjetivas em relação à legitimidade do processo político em comento. O que se pretende mostrar, objetivamente, é que assuntos fiscais correlatos à área de atuação da IFI haviam sido alçados ao topo da agenda política pouco antes da criação desse órgão.

Além disso, destaca-se que o afastamento da presidente da República equivaleu a uma mudança de governo, pois quem a substituiu no cargo, em 31 de agosto de 2016, foi o vice-presidente, àquela altura também seu adversário e pertencente a outro partido político, o então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que, ademais, detinha viés reformista.23 23 Tal aspecto pode ser reforçado pelo próprio perfil do novo chefe do Executivo, que era parlamentar experimentado com forte influência no Legislativo, a ponto de ter sido presidente da Câmara dos Deputados por três vezes: nos períodos 1997-1999, 1999-2001 e 2009 a 2010. Em consonância com o modelo de Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., mudanças de governo são facilitadores de inovações em políticas públicas.

Janela de políticas públicas: ventos favoráveis à IFI brasileira

Antecipe-se que o presente tópico é mais sucinto que os demais, mas não por acaso. Isso se justifica pelo fato de que janelas de políticas públicas, segundo o modelo de Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., podem ser abertas pelo fluxo de problemas ou pelo fluxo político, e ambos já foram suficientemente abordados nos tópicos antecedentes. Viu-se que tanto a crise econômico-fiscal experimentada pelo país em 2015-2016, como a crise política que culminou na troca de governo em agosto de 2016, erigiram a “questão fiscal” à condição de tema prioritário da agenda governamental. Essa seria, então, a hora certa para que a proposta de criação da IFI brasileira fosse introduzida na agenda decisória.

O que resta acrescentar, agora, é que essa janela de oportunidade não teria sido efetivamente aproveitada se empreendedores de políticas públicas não tivessem entrado em ação. Para o MMF, com efeito, a célebre frase de Victor Hugo de que “nada é mais forte do que uma ideia cuja hora chegou”, por si só, não tem vida própria. Soluções que afortunadamente se amoldam a determinado espírito do tempo (zeitgeist) podem tirar proveito de janelas de oportunidade para mudanças, mas isso não é tudo. De acordo com Cairney (2020)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020.:

A frase “uma ideia cuja hora chegou” descreve a noção de que certas soluções e formas de pensar têm efeitos profundos nas políticas públicas. No entanto, grandes mudanças podem não ocorrer até que tais ideias se “acoplem” com problemas recém-enquadrados e circunstâncias políticas oportunas durante uma “janela de oportunidade”. Em outras palavras, a hora de uma ideia só chega quando os formuladores de políticas têm o motivo e a oportunidade de traduzir ideias em soluções. Os empreendedores de políticas públicas podem ajudar a “acoplar” esses fluxos, mas como atores que se adaptam, e não que controlam seus ambientes (Cairney, 2020CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., p. 357, tradução nossa).

Passa-se, então, à análise dos agentes responsáveis pelo acoplamento dos três fluxos do MMF, em favor da criação da IFI.

Empreendedores de política pública: quem “acoplou os fluxos” e tirou a IFI do papel?

Um dos principais empreendedores da política pública ora em análise foi o então presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros, que, já em 2015, havia encabeçado proposição legislativa com vistas à criação de uma IFI vinculada ao Congresso Nacional. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição nº 83, de 25 de junho de 2015 (PEC nº 83/2015), derivada de um conjunto de medidas legislativas integrantes da chamada “Agenda Brasil” (Senado Federal, 2015SENADO FEDERAL. Agenda Brasil. Senado Notícias. 12, ago. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-brasil . Acesso em: 21 jul. 2022.
https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
), também de autoria do presidente do Senado. A citada agenda representava uma espécie de “pacote anticrise” orientado à retomada do desenvolvimento nacional.

Outro empreendedor de destaque foi o senador José Serra, designado para relatar a PEC nº 83/2015. Trata-se de ex presidenciável, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com atuação parlamentar orientada a pautas econômicas, fiscais e orçamentárias desde sua participação como deputado federal constituinte.24 24 José Serra, à época filiado ao PMDB, atuou como relator da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças durante a Assembleia Nacional Constituinte que culminou na promulgação da Constituição de 1988. Na condição de adversário político do governo então em exercício, pode-se arguir que o citado parlamentar teria maiores incentivos ao patrocínio de inovações que sinalizassem mudanças de rumos na condução da política fiscal do país, ou ao menos em sua estrutura subjacente de salvaguardas.

Ressalte-se, contudo, que antes de ter assumido essa função de relator, e até mesmo antes de a PEC nº 83/2015 ter sido protocolada, o referido senador já vinha atuando como protagonista em favor da criação de uma IFI brasileira desde o início de seu mandato, tal como relatado por Ribeiro (2020)RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020., técnico identificado25 25 Conforme reconhecido por Salto e Bacciotti (2021). como um dos principais articuladores da criação da IFI do Senado:

A ideia de se criar uma nova instituição ligada ao Poder Legislativo para acompanhar a política fiscal foi lançada e priorizada pelo senador José Serra assim que ele assumiu o mandato de senador da República em fevereiro de 2015. Combater a recessão econômica e o profundo desequilíbrio orçamentário da União no biênio 2015-2016, após um período em que o ciclo orçamentário foi dominado pela contabilidade criativa e por projeções fiscais excessivamente otimistas, foi a principal motivação política do processo que culminou na criação da IFI/Brasil no âmbito do Senado Federal por meio da Resolução nº 42/2016 (Ribeiro, 2020RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020., p. 349-350).

A atuação de parlamentares influentes de fato foi aspecto-chave para a criação da IFI brasileira, ao encontro da importância dada ao Poder Legislativo na aplicação do modelo de Kingdon, como bem sistematizado por Capella (2006)CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006.:

É o caso de senadores e deputados, uns dos poucos atores que, segundo Kingdon, além de exercerem grande influência sobre a agenda, também contribuem para a geração de alternativas. Isso é possível porque os parlamentares dispõem de recursos, como autoridade legal para a produção de leis essenciais à grande maioria das mudanças. Além disso, eles estão também frequentemente expostos aos outros participantes e à cobertura midiática por meio de seus discursos nas tribunas, de suas participações em grupos e comissões internas e da divulgação de textos e notas em que justificam sua atuação (Capella, 2006CAPELLA, Ana C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, n. 61, p. 25-52, 2006., p. 33).

Em observância ao protocolo de Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022)ZOHLNHÖFER, Reimut; HERWEG, Nicole; ZAHARIADIS, Nikolaos. How to conduct a multiple streams study. In: WEIBLE, Christopher; WORKMAN, Samuel (orgs.). Methods of the policy process. New York: Taylor & Francis, 2022. para a condução de estudos ancorados no modelo de Kingdon, espera-se ter sido possível demonstrar, a esta altura, que agentes decisores foram sensibilizados pelo problema subjacente à política pública em análise, e que julgaram necessário resolvê-lo. No mesmo sentido, destacam-se as seguintes medidas preparatório-operacionais patrocinadas pelo senador José Serra para a criação da IFI brasileira:

Nessa conturbada conjuntura econômica e política, o senador José Serra liderou uma equipe técnica dedicada ao projeto de criar uma IFI no Poder Legislativo, que envolveu assessores, consultores do Senado e economistas especializados em políticas públicas. Com o apoio institucional do Senado Federal, membros da equipe do senador José Serra realizaram o treinamento “Parliamentary Budget Office” do Banco Mundial, que possibilitou a troca de experiência com especialistas de diversos países. Também participaram do 7º encontro anual dos representantes das IFIs, em Viena, organizado pela OCDE, que reuniu especialistas do mundo inteiro para discutir experiências institucionais bem-sucedidas (Ribeiro, 2020RIBEIRO, Leonardo. As instituições fiscais independentes na era da austeridade. In: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josué. A. (orgs.). Contas públicas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2020., p. 351).

Ao relatar a PEC nº 83/2015, portanto, o Senador em foco já era um agente político reconhecido como proeminente defensor da proposta. Sua ênfase na defesa da IFI pode ser ilustrada por esta declaração de sua autoria:

Com esta iniciativa faremos uma verdadeira revolução no Brasil em matéria de informação. A informação é chave para a orientação da política fiscal. Hoje não se consegue ter acesso a informações precisas no tempo hábil e com a independência necessária, afirmou José Serra (Serra, 2015SERRA, José. Proposta que cria uma instituição fiscal independente segue para discussão do Plenário, 2 set. 2015. http://www.joseserra.com.br/proposta-que-cria-uma-instituicao-fiscal-independente-segue-para-discussao-do-plenario/. Acesso em: 21 jul. 2022.
http://www.joseserra.com.br/proposta-que...
).

Apesar de a PEC nº 83/2015 não ter sido aprovada, o Senador que a relatou e o então presidente do Senado continuaram atuando como os principais patrocinadores políticos da ideia de criação da IFI brasileira. Para darem sequência à iniciativa, abriram mão da ideia de uma IFI congressual, de aprovação mais dificultosa e dependente de articulação com Câmara dos Deputados, optando pela criação de uma IFI vinculada apenas ao Senado. Para isso, bastaria a aprovação de um ato próprio da Câmara Alta. Sendo assim, e tendo em vista o elevado capital político dos patrocinadores do novo órgão, a Comissão Diretora daquela Casa protocolou o Projeto de Resolução nº 61, em 8 de dezembro de 2015 (PRS nº 61/2015), propondo a criação da IFI no Senado Federal.

Os dois empreendedores supracitados obtiveram uma primeira vitória com a aprovação do PRS nº 61/2015 pelo Plenário do Senado em 23 de março de 2016, mas a Resolução propriamente dita ainda levou alguns meses para ser promulgada, talvez em função do clima de incerteza26 26 Tal cenário poderia ter eventual influência, por exemplo, nas indicações para o corpo diretor da IFI. Segundo o PRS nº 61/2015, o colegiado de três diretores da instituição adviria de indicações feitas pelo próprio Presidente do Senado, pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), ambas do Senado (Brasil, 2015a). quanto à iminente mudança de governo. Encerrado esse episódio, parecem ter sido reunidas condições suficientes para que os empreendedores de políticas consumassem o acoplamento derradeiro dos três fluxos previstos no modelo de Kingdon (de problemas, de soluções e político). Oficialmente, conforme registrado no início deste artigo, o nascimento da IFI27 27 Materialmente, porém, o início das atividades da IFI ocorreu em 30 de novembro de 2016, com a posse do seu primeiro Diretor-Executivo, sabatinado e aprovado pela Comissão Diretora do Senado no dia anterior. ocorreu com a promulgação da Resolução do Senado nº 42, de 3 de novembro de 2016.

Considerações finais

A opção metodológica pelo modelo de Kingdon (2003)KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. 2. ed. Ann Arbor: University of Michigan, 2003., neste artigo, mostrou-se útil para descortinar as circunstâncias que contribuíram para a criação da IFI brasileira ao final de 2016. Identificou-se, em síntese, que crises de natureza econômico-fiscal e política, experimentadas pelo Brasil em 2015-2016, incluíram a “questão fiscal” no rol de prioridades da agenda governamental, abrindo uma janela de oportunidade para que dois Senadores da República atuassem como empreendedores de políticas públicas em favor da criação da IFI brasileira. À luz do modelo de Kingdon, portanto, as evidências empíricas coletadas dão sentido à hipótese levantada no artigo, qual seja, de que a criação da IFI foi facilitada pela abertura de janelas de oportunidade para mudanças institucionais no período, acompanhada da ação oportuna de empreendedores de políticas públicas. Nada obstante, destaca-se a ressalva de Zahariadis (2016)ZAHARIADIS, Nikolaos. Bounded rationality and garbage can models of policy-making. In: PETERS, Guy; ZITTOUN, Philippe (orgs.). Contemporary approaches to public policy: theories, controversies and perspectives. London: Palgrave Macmillan, 2016. de que, em estudos baseados no modelo de múltiplos fluxos de Kingdon, a identificação de janelas de oportunidade equivale a atividade de racionalização a posteriori, não havendo condições contrafactuais28 28 Trata-se, na realidade, do problema fundamental da inferência (King; Keohane; Verba, 1994). de se avaliar outras mudanças que poderiam ter ocorrido na ausência de tais circunstâncias.

Ainda quanto ao pano de fundo de criação da IFI brasileira, associado à crise econômico-fiscal experimentada pelo país à época, pesquisas futuras poderiam expandir o horizonte da análise iniciada neste artigo, incluindo estudos comparados sobre a criação de IFIs em outros países. Tais instituições, afinal, parecem ser “filhas das crises” e crises são aspectos importantes para o modelo de Kingdon. No âmbito da OCDE, como visto, houve um boom de IFIs após a crise econômica de 2008. Até mesmo a mais proeminente IFI do mundo, o Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos da América, é apontada como fruto de circunstâncias históricas quase acidentais (Kopits, 2011KOPITS, George. Independent fiscal institutions: developing good practices. OECD Journal on Budgeting, v. 11, n. 3, 2011.), o que também é típico do modelo de Kingdon. O surgimento do CBO, em 1974, é apontado como desdobramento de um conflito político entre o Congresso e o presidente Richard Nixon, que promovia o represamento (impoundment) de despesas não alinhadas a suas opções programáticas, incluídas no orçamento por congressistas. A partir disso, iniciou-se um movimento de fortalecimento do Poder Legislativo no processo orçamentário que culminou, entre outras inovações, na criação do CBO (CBO, 2022CONGRESSIONAL BUDGET OFFICE - CBO. History, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cbo.gov/about/history . Acesso em: 29 ago. 2022.
https://www.cbo.gov/about/history...
; VOX, 2017).

Nessa esteira, novos estudos poderiam valer-se não apenas do modelo de Kingdon, como também das perspectivas teóricas de “difusão” (policy diffusion) e “transferência” (policy transfer)29 29 Embora as expressões “difusão” e “transferência” sejam de certo modo fluidas e intercambiáveis (Karch, 2022), a primeira é frequentemente associada a processos espontâneos e não coordenados, enquanto a segunda tende a envolver algum tipo de mediação (por exemplo, por organismos internacionais). De acordo com Cairney (2020), a literatura da “difusão” (diffusion) sustenta que mudanças não incrementais podem ocorrer quando uma região emula outra reputada como exitosa na adoção de determinada política pública, ao passo que a da “transferência” (transfer) sugere que governos podem sentir-se pressionados a promover mudanças para acompanharem inovações de seus pares (keep up with their neighbours). de políticas públicas, que buscam compreender como a adoção de determinada política pode ser influenciada pela sua prévia existência em outras jurisdições (Coêlho, 2016COÊLHO, Denilson B. Mecanismos políticos e institucionais da difusão de políticas. In: FARIA, Carlos. A. P.; COÊLHO, Denilson B.; SILVA, Sidney J. (orgs.). Difusão de Políticas Públicas. Santo André, SP: Editora da UFABC, 2016.; Dolowitz; Marsh, 2000DOLOWITZ, David P.; MARSH, David. Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-making. Governance - An International Journal of Policy and Administration, v. 13, n. 1, p. 5-24, 2000.; Sugiyama, 2011SUGIYAMA, Natasha B. The diffusion of conditional cash transfer programs in the Americas. Global Social Policy, v. 11, n. 2-3, p. 250-278, 2011.).30 30 No campo das políticas sociais, por ilustração, Sugiyama (2011) explora como programas de transferência condicionada de renda disseminaram-se no âmbito da América Latina a partir das experiências pioneiras do Brasil e do México, iniciadas na década de 90. Conforme apontado por Cairney (2020)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., as abordagens de difusão e transferência podem guardar conexão com o modelo de Kingdon na medida em que, embora uma mesma ideia possa estimular soluções similares em vários países, diferentes janelas de oportunidade, em cada contexto, tendem a produzir mudanças idiossincráticas31 31 Em linha, diga-se de passagem, com a perspectiva de “redução sociológica” de Ramos (1996). em políticas públicas.

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  • 1
    Para replicação dos dados: https://doi.org/10.7910/DVN/EDZO92
  • 2
    Meus agradecimentos aos dois pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política e à Marcela Coelho Monteiro pelas criteriosas revisões e enriquecedoras contribuições em prol deste artigo.
  • 4
    “Instituições Fiscais Independentes” e “Conselhos Fiscais” são expressões sinônimas usualmente utilizadas para designar o tipo de órgão em análise. Em cada país, tais instituições recebem um nome próprio, a exemplo do Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos da América. No Brasil, peculiarmente, a instituição criada foi batizada com a mesma nomenclatura do gênero a que pertence.
  • 5
    Foram realizadas consultas às plataformas Scopus e Google Acadêmico, com combinações de filtros conjugados de expressões como “Kingdon”, “multiple streams”, “independent fiscal institution” e “fiscal councils”, também em língua portuguesa.
  • 6
    Segundo Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022)ZOHLNHÖFER, Reimut; HERWEG, Nicole; ZAHARIADIS, Nikolaos. How to conduct a multiple streams study. In: WEIBLE, Christopher; WORKMAN, Samuel (orgs.). Methods of the policy process. New York: Taylor & Francis, 2022., a ausência de hipóteses expressas tem sido uma das principais falhas de pesquisas baseadas no modelo de múltiplos fluxos. A formulação de hipóteses, segundo os autores, mitiga o risco de que estudos se limitem a narrativas históricas (storytelling).
  • 7
    Tal como pondera Araújo (2013)ARAÚJO, Suely M.V.G. Política ambiental no Brasil no período 1992-2012: um estudo comparado entre as agendas verde e marrom. 2013. 458f. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2013. ao utilizar a metodologia do Advocacy Coalition Framework (ACF) no estudo da política ambiental no Brasil.
  • 8
    Acompanha-se, aqui, o entendimento de King, Keohane e Verba (1994)KING, Gary; KEOHANE, Robert O; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: scientific inference in qualitative research. New Jersey: Princeton University Press, 1994. de que tanto estudos quantitativos como qualitativos têm o propósito de produzir inferências causais. Destaque-se ainda que, segundo Rawat e Morris (2016)RAWAT, Pragati; MORRIS, John C. Kingdon’s “streams” model at thirty: still relevant in the 21st century? Politics & Policy, v. 44, n. 4, p. 608-638, 2016., pesquisas qualitativas são predominantes em estudos baseados no modelo de Kingdon.
  • 9
    Zohlnhöfer, Herweg e Zahariadis (2022)ZOHLNHÖFER, Reimut; HERWEG, Nicole; ZAHARIADIS, Nikolaos. How to conduct a multiple streams study. In: WEIBLE, Christopher; WORKMAN, Samuel (orgs.). Methods of the policy process. New York: Taylor & Francis, 2022. destacam que estudos de caso únicos também podem beneficiar-se da formulação de hipóteses, ao mesmo tempo em que contribuem para o acúmulo de evidências pertinentes a estudos correlacionados.
  • 10
    Embora não se tenha notícia de que já haja outras IFIs no Brasil, nada impede, em princípio, que sejam criadas novas IFIs no país no âmbito de outros entes da Federação e por iniciativa destes.
  • 11
    Um bom apanhado de diferentes perspectivas de análise de políticas públicas pode ser encontrado, por exemplo, em Cairney (2020)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020..
  • 12
    “Anarquias organizadas”, para Cohen, March e Olsen (1972, p. 1, tradução nossa)COHEN, Michael D.; MARCH, James G.; OLSEN, Johan P. A garbage can model of organizational choice. Administrative Science Quarterly, v. 17, n. 1, p. 1-25, 1972., são organizações “caracterizadas por preferências problemáticas, tecnologia pouco clara e participação fluida”, que podem ser vistas como “coleções de escolhas em busca de problemas [...] e tomadores de decisão em busca de trabalho”.
  • 13
    A insegurança alimentar equivale à falta de acesso regular e permanente a alimentos. Em seu nível “grave”, há privação no consumo de alimentos e fome. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (REDE PENSSAN, 2022REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR - REDE PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil (II VIGISAN). São Paulo, SP: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN, 2022. Disponível em: Disponível em: https://olheparaafome.com.br/ . Acesso em: 23 ago. 2022.
    https://olheparaafome.com.br/...
    ), a quantidade de brasileiros em estado grave de insegurança alimentar saltou de 19,1 milhões para 33,1 milhões de pessoas do final de 2020 para o início de 2022.
  • 14
    O fracasso da política de “guerra às drogas” é reconhecido, por exemplo, pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas (2011)COMISSÃO GLOBAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS. Guerra às Drogas. Genebra: Comissão Global de Políticas Sobre Drogas, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.globalcommissionondrugs.org/reports/the-war-on-drugs . Acesso em: 29 ago. 2022.
    https://www.globalcommissionondrugs.org/...
    .
  • 15
    No mesmo período, a economia mundial expandiu-se 3,4% em 2015 e 3,3% em 2016. Países emergentes, potencialmente mais comparáveis ao Brasil, cresceram 4,3% em 2015 e 4,4% em 2016 (FMI, 2022FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL - FMI. World economic outlook: war sets back the global recovery, Apr. 2022.Washington, D.C.: FMI, 2022.).
  • 16
    Tal como preconiza a chamada Curva de Laffer, a qual indica que, a partir de determinado nível de alíquotas, a tributação é contraproducente.
  • 17
    Cabe ao TCU emitir parecer prévio sobre as contas do presidente da República, cujo julgamento compete ao Congresso Nacional.
  • 18
    Conforme apontado pelo TCU, a assunção de despesas da União via instituições financeiras estatais implicava subestimativa de despesas e a aparente “melhora” dos resultados fiscais do governo federal. Além disso, o aludido expediente (assunção de despesas do ente controlador por instituições financeiras controladas) equivaleria a operações de crédito vedadas pelo art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2015bBRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 825/2015. Representação. Indícios de atrasos e outras irregularidades nos repasses do Governo Federal a instituições financeiras e aos demais entes federados. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2015b., 2015cBRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do Governo da República: exercício de 2014. Brasília, DF: Tribunal de Contas da União, 2015c.). Esse seria, por sinal, um dos argumentos técnicos utilizados pelo processo político-jurídico de impeachment da presidente da República em 2016.
  • 19
    O Congressional Budget Office (CBO), a IFI dos EUA, foi criado em 1974. Trata-se da maior IFI do mundo, também considerada como “padrão ouro” internacional.
  • 20
    Working Party of Parliamentary Budget Officials and Independent Fiscal Institutions.
  • 21
    Provavelmente no bojo de um processo não intencional de difusão de políticas públicas (policy diffusion). Sobre a perspectiva analítica da “difusão de políticas públicas”, vide Coêlho (2016)COÊLHO, Denilson B. Mecanismos políticos e institucionais da difusão de políticas. In: FARIA, Carlos. A. P.; COÊLHO, Denilson B.; SILVA, Sidney J. (orgs.). Difusão de Políticas Públicas. Santo André, SP: Editora da UFABC, 2016..
  • 22
    Trata-se da denúncia por crime de responsabilidade (DCR) nº 1/2015, protocolada em 15 de outubro de2015 pelos juristas Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal.
  • 23
    Tal aspecto pode ser reforçado pelo próprio perfil do novo chefe do Executivo, que era parlamentar experimentado com forte influência no Legislativo, a ponto de ter sido presidente da Câmara dos Deputados por três vezes: nos períodos 1997-1999, 1999-2001 e 2009 a 2010.
  • 24
    José Serra, à época filiado ao PMDB, atuou como relator da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças durante a Assembleia Nacional Constituinte que culminou na promulgação da Constituição de 1988.
  • 25
    Conforme reconhecido por Salto e Bacciotti (2021)SALTO, Felipe S.; BACCIOTTI, Rafael R. M. O papel das Instituições Fiscais Independentes (IFIs) e o caso da IFI do Brasil. In: COUTO, Leandro. F.; RODRIGUES, Júlia M. (orgs.). Governança orçamentária no Brasil. Publicação preliminar. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2021..
  • 26
    Tal cenário poderia ter eventual influência, por exemplo, nas indicações para o corpo diretor da IFI. Segundo o PRS nº 61/2015, o colegiado de três diretores da instituição adviria de indicações feitas pelo próprio Presidente do Senado, pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), ambas do Senado (Brasil, 2015aBRASIL. Senado Federal. Projeto de Resolução nº 61, de 15 de dezembro de 2015. Brasília, DF: Senado Federal, 2015a.).
  • 27
    Materialmente, porém, o início das atividades da IFI ocorreu em 30 de novembro de 2016, com a posse do seu primeiro Diretor-Executivo, sabatinado e aprovado pela Comissão Diretora do Senado no dia anterior.
  • 28
    Trata-se, na realidade, do problema fundamental da inferência (King; Keohane; Verba, 1994KING, Gary; KEOHANE, Robert O; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: scientific inference in qualitative research. New Jersey: Princeton University Press, 1994.).
  • 29
    Embora as expressões “difusão” e “transferência” sejam de certo modo fluidas e intercambiáveis (Karch, 2022KARCH, Andrew. Innovation and diffusion. In: WEIBLE, Christopher M.; WORKMAN, Samuel (orgs.). Methods of the policy process. New York: Taylor & Francis, 2022.), a primeira é frequentemente associada a processos espontâneos e não coordenados, enquanto a segunda tende a envolver algum tipo de mediação (por exemplo, por organismos internacionais). De acordo com Cairney (2020)CAIRNEY, Paul. Understanding public policy: theories and issues. London: Red Globe Press, 2020., a literatura da “difusão” (diffusion) sustenta que mudanças não incrementais podem ocorrer quando uma região emula outra reputada como exitosa na adoção de determinada política pública, ao passo que a da “transferência” (transfer) sugere que governos podem sentir-se pressionados a promover mudanças para acompanharem inovações de seus pares (keep up with their neighbours).
  • 30
    No campo das políticas sociais, por ilustração, Sugiyama (2011)SUGIYAMA, Natasha B. The diffusion of conditional cash transfer programs in the Americas. Global Social Policy, v. 11, n. 2-3, p. 250-278, 2011. explora como programas de transferência condicionada de renda disseminaram-se no âmbito da América Latina a partir das experiências pioneiras do Brasil e do México, iniciadas na década de 90.
  • 31
    Em linha, diga-se de passagem, com a perspectiva de “redução sociológica” de Ramos (1996)RAMOS, Guerreiro. A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2023
  • Aceito
    23 Abr 2024
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