Open-access Um plano diferencial para o Brasil

DOCUMENTOS: A PLATAFORMA DO PROJETO

Um plano diferencial para o Brasil

Aziz Ab'Sáber

1. Reflexões preliminares e critérios

Um plano nacional de reflorestamento, elaborado por critérios múltiplos e destinado a funções diversificadas — comportando implantação de fitomassa, reflorestamento ecológico, reflorestamento corretivo e reservas de matéria-prima, para utilização racionalizada — por certo provocará receios e indagações de técnicos, ecologistas e políticos, legitimamente interessados na preservação ecológica e no bom uso da terra. Acostumados que estamos em ver impingidos ao país programas e planos tecnocráticos, genéricos e prejudiciais, elaborados em relatórios de baixo nível de abrangência científica e avaliação crítica, temos uma natural propensão para fundadas desconfianças. Passamos a exigir estudos de previsão de impactos, no nível da dinâmica fisiográfica e ecológica, e em termos das conseqüências econômicas e sociais dos projetos. Tais exigências foram rapidamente absolvidas, porque têm sido transformadas em serviços de consultoria na maior parte das vezes parciais e dirigidos, a favor da aprovação dos projetos. Distorções imensas se fizeram presentes nas audiências públicas, onde nem sempre tem sido possível qualquer discussão aprofundada das questões mais controvertidas, criando-se apenas espaço para manifestações diametralmente opositas. Estamos, porém, no caminho certo para atingir um novo patamar de inteligência, à custa de uma multidisciplinaridade mais plena, e de uma metodologia suficientemente capacitada para internalizar a previsão de impactos e o balanço dos custos/benefícios para a natureza, a sociedade, o país e a região.

2. Tipos de espaços geográficos e sociais no Brasil: vinculação do Projeto FLORAM.

Em qualquer projeto que envolva o uso de espaços remanescentes do Mundo Tropical, é necessário possuir uma boa visão do mosaico de domínios de natureza existentes nos territórios nacionais considerados. Fato válido para África, índia ou Malásia e Indonésia, como para o Brasil.

Entre nós, existe um razoável conhecimento da organização natural dos espaços herdados da natureza, em terras tropicais e subtropicais brasileiras. A descoberta das vocações ecológicas de cada área nuclear dos espaços geográficos brasileiros é, porém, ainda muito incompleta, já que as áreas amazônicas do país vêm se constituindo em espaços de grande dificuldades para usos agronômicos rentáveis e auto-sustentáveis, obrigando-nos a uma busca insistente de modelos ecodesenvolvimentistas. Por muitas e variadas razões.

Além do conhecimento básico dos domínios da natureza e seus ecossistemas, existe a necessidade de conhecer a tipologia dos espaços geográficos e sociais, criados por processos antrópicos ao longo dos tempos, e em face das condicionantes do subdesenvolvimento. Acontece que esse cruzamento de grandes cenários não é uma tarefa tão simples e transparente.

Tipos de espaços geográficos e sociais do Brasil

O conhecimento integrado e dinâmico existente sobre os grandes espaços geográficos que compõem o território brasileiro pode ser considerado até mesmo suficiente para respaldar a elaboração de projetos de interesse macrorregional. Muito mais complexo e difícil de ser visualizado, porém, é a setorização dos domínios de natureza no nível de uma criteriosa regionalização e de conhecimento detalhado da funcionalidade dos ecossistemas. Efetivamente, o grau de conhecimento sobre o mosaico de regiões que participam de uma condição intra e interdominial é muito desigual e genérico. No entanto, é nessa realidade espacial que os planejadores, os técnicos e administradores vão operar no nível de uso de solo, na busca de modelos de glebas rurais, de reafeiçoamentos paisagísticos e ecológico-econômicos. Ou, no nível de reconhecimento de potencialidades locais e regionais, para projetos de silvicultura, florestamento ou reflorestamento. No caso particular do Projeto FLO RAM, para vencer o desafio do baixo nível acumulado de conhecimentos geoecológicos, utilizamos largamente nossas experiências de pesquisas sobre o terreno a fim de reconhecer e mapear regiões com maiores ou menores potencialidades de interesse para o Projeto. Foi importante e providencial a existência de uma cartografia temática, realizada em diversas escalas a respeito da vegetação brasileira, dos solos regionais, da geologia e geomorfologia, e, eventualmente, do uso potencial vocacional dos terrenos.

Nosso teste final, porém, esteve sempre relacionado com o conhecimento dos tipos de espaço geográficos e sociais que compõem o país neste fim de década (1990). Para tanto, nosso referencial básico — utilizado à exaustão — foi a tipologia dos espaços geográficos de países subdesenvolvidos estabelecida pelo geógrafo francês Bernard Kayser, da Universidade de Toulouse (1966). Mesmo que o Brasil apresente uma diversidade maior de espaços geográficos e sociais do que os listados pelo autor (regiões em vias de organização com grande presença da natureza, regiões de especulação agrícola, bacias urbanas, regiões de planificação por intervenção econômica voluntária e, por fim, regiões auto-organizáveis e de organização complexa e alto padrão regional de desenvolvimento), sua classificação tem o valor de um referencial importante para discussões subseqüentes, projetadas para as mais diferentes questões internas e externas dos espaços previamente identificados. Pensamos em propostas relacionadas a projetos múltiplos de infra-estrutura, controle ambiental diferenciado, propostas regionais específicas de políticas efetivamente desenvolvimentistas, incluindo modelos de ecodesenvolvimento e compatibilização de funções econômicas. E controle da poligonação viária ou, ainda, a percepção de intermodalidades de transportes, de riquezas e pessoas, aconselháveis para cada caso.

Para atender o território brasileiro no seu conjunto — à altura desse fim de século —, haveria que completar os tipos de regiões propostas por Kayser, pelo menos com alguns espaços dotados de grande especificidade e dinâmica de atividades própria. Estamos pensando na longa faixa costeira do país que se desdobra em segmentos especiais vinculados às relações de planalto e litoral; ou de núcleos urbanos e faixas de lazer vinculadas com as hinterlândias mais ou menos distantes. Outro tipo de região é aquela que possui marcante diferenciação climática no entremeio de áreas exaustivamente úmidas (tais como a dos sertões secos do Nordeste) onde, porém, existem infra-estruturas urbanas, viárias e econômicas, suficientes para criar um quadro original de ordem demográfica, social e cultural.

O Nordeste Seco, pela influência das condições climáticas e hidrológicas semi-áridas, comporta-se como um tipo de região ecológica e humana, de forte vinculação com os grupos culturais sertanejos, e os ritmos e condições bioclimáticas e hidrológicas. Pela dimensão territorial do domínio semi-árido brasileiro — avaliado em 800.000 á um milhão de quilômetros —, assim como pelo seu elevado índice demográfico; e a multiplicidade de cidades sertanejas, de apoio rural-urbano, suas hinterlândias polarizam para os grandes centros urbanos costeiros do Nordeste (Fortaleza e Recife, sobretudo). A região comporta diversas bacias urbanas, hierarquicamente entrelaçadas, fato que contribui para manter a originalidade física e ecológica da região vista como um todo, e estabelece fluxos de direção múltipla, vinculados aos pólos de desenvolvimento regionais, mais próximos, ou nacionais, distantes. Aos quais se somam fatores pérfidos, quase insolúveis, ligados à rigidez da estrutura agrária regional e à incidência de secas prolongadas.

Um terceiro acréscimo à tipologia de Kayser é aquele relacionado a grandes faixas de sutura entre regiões ecológicas humanas e econômicas, muito diferentes e distanciadas entre si, onde se estabelece zonas pioneiras de um muito duvidoso sucesso econômico e social. Essas franjas pioneiras desvinculadas entre si, em que a expansão da fronteira fundiária é muito mais verídica do que a expansão da fronteira agrícola, ocorrem sobretudo em Rondônia, norte e nordeste de Mato Grosso, e sul do Pará. Trata-se, evidentemente, de um tipo de região sujeita a modelos de ocupação empíricos e difusos, dificilmente controláveis, onde já se pode prever, após uma fase de grandes conflitos, o encontro de espaços para um reflorestamento híbrido, de alto valor ecológico e algum valor econômico.

No seu conjunto, os diferentes tipos de espaços geográficos e sociais que compõem o território brasileiro constituem heranças naturais e históricas, que solicitam planos regionais sob tratamentos inteiramente diversificados. E, mais do que isso, no que respeita às grandes áreas da natureza tropical — relativamente pouco preparadas — há que adotar modelos totalmente diferenciados de tratamento, recorrendo-se aos princípios do ecodesenvolvimento. Trata-se, no caso, especificamente do grande espaço de terras baixas florestadas no norte do país — a Amazônia —, para a qual todas as melhores cabeças de cientistas preparados e sensíveis estão voltadas, numa busca tão permanente quanto metódica, de modelos e estratégias de ecodesenvolvimentistas.

É compreensível que para as regiões dotadas de infra-estruturas sobrepostas — passíveis de serem consideradas espaços de organização complexa —, os padrões de propostas e a elaboração de estratégias devem seguir outros pontos de partida e roteiros de planificação. Nesse sentido, é bom que se diga que o Estado de São Paulo, a despeito de sua gigantesca rede urbana, seus espaços agrários de grande expressão e territorialidade, seu nível de urbanização e seu parque industrial, ainda assim apresenta reservas de espaços rurais suficientes para um projeto estadual de reflorestamento da ordem de quatro milhões de hectares (Fundação Instituto Florestal — SP). Se, em um quarto de milhão de quilômetros quadrados, na unidade administrativa de organização humana mais densa e complexa do país, pode-se encontrar uma somatória de subespaços da ordem de 40.000 km2, imagine-se quanto se poderá encontrar de espaços florestáveis nas diferentes regiões que compõem o Brasil extra-amazônico.

Entre os casos extremos da Amazônia e Brasil de Sudeste/Brasil Sul, acontece todo um mosaico de situações específicas, em que se incluem regiões extensivamente pouco favoráveis para a implantação de florestas industriais (Nordeste Seco), porém extremamente necessitadas de reflorestamentos de interesse a um tempo ecológico, microclimático e econômico. Ou regiões ainda de fortes aptidões para a implantação de grandes volumes de fitomassas, como é o caso do domínio dos cerrados do Brasil Central, em seus dois ou mais subdomínios (áreas cristalinas/áreas sedimentares/áreas basálticas; ou áreas planálticas por oposição às áreas rebaixadas do tipo dos baixos chapadões do Estado de Tocantins).

A exigência de um bom cruzamento entre os conhecimentos sobre as condições dos espaços ecológicos com as formas vigentes de atividades, pressões demográficas e somatória de infra-estruturas instaladas é fundamental para a correta elaboração de um plano nacional de reflorestamento. De outra maneira, qualquer conjunto de diretrizes recairia no plano dá teorização inconseqüente, afastando-se da necessária compreensão dos atributos dos espaços geográficos, vistos em sua totalidade. Um bom exemplo disso é o caso dos planaltos de araucária onde, em princípio, existiriam excepcionais condições para reflorestamento por reintrodução de espécies locais. Entretanto, o fato dessa extensa região planáltica do Sul do país ter se transformado em uma das mais vigorosas áreas de especulação agrícola do Brasil — centrada na monocultura da soja — acabou por limitar a viabilidade de um enriquecimento maciço da área, vista como um todo, por novos pinheirais. Mesmo assim, dadas as potencialidades da região para a reprodução das araucárias, há que se descobrir subespaços capazes de serem reenriquecidos por espécies nativas, nos bordos de platos, vertentes de vales encaixados, manchas de solos rochosos, de baixa aptidão agrícola.

Entre nós, existe um razoável conhecimento da organização natural dos espaços herdados da natureza...

Nos planaltos interiores de São Paulo, a situação é mais grave e limitante para esforços de reflorestamento. O café contribuiu para criar uma primeira e bem desenvolvida rede de cidades. Depois, após uma breve fase de diversificação agrícola (café, algodão, cereais), sobreveio a extensão desmesurada dos canaviais e, por fim, uma alternativa entre canaviais, laranjais, sojais e cafezais. Fez-se, ao longo dessas vicissitudes agrárias, uma quase eliminação total das matas beiradeiras de córregos e riachos intraglebas. Por processos pluviais extensivos, corre solta a calda de defensivos agrícolas e produtos químicos, na direção dos canais de escoamento das microbacias fluviais, existentes no interior das glebas. Os reservatórios escalonados comportam-se como sistemas semifechados no recebimento da massa residual de produtos tóxicos. A piscicultura restou praticamente inviabilizada e as possibilidades de solução para a qualidade das águas interiores tornou-se cada vez mais remota. A " pradarização" forçada dos planaltos outrora florestados ultrapassou todos os limites de segurança ecológica necessários. Os numerosos refúgios de biodiversidade, constituídos por matas de fazendas, foram extensivamente eliminados ou reduzidos. A queima dos canaviais, na fase de pré-colheita, obrigou a desmatamentos areolares, de grande amplitude e intensidade. A despeito disso tudo, existem numerosos subespaços passíveis de reflorestamento: bordos de platos mais acidentados, manchas de solos inférteis, beira de córregos, riachos e rios em áreas não-canavieiras. Sem esquecer o entorno de reservatórios, as sub-bacias tributárias dos lagos de barragem no domínio dos morros em áreas não-industrializáveis, os interespaços disponíveis em faixas de redes urbanas em conurbação, os setores predados dos parques estaduais, reservas florestais, e aqueles das serranias envolventes de regiões metropolitanas.

Enfim, existem prescrições totalmente diferentes conforme as peculiaridades e a organização humana dos espaços considerados. Na Amazônia, o problema centra-se na busca de soluções de manejo para garantir a preservação do máximo possível de florestas-em-pé e rios despoluídos. Em áreas como São Paulo, Norte do Paraná, Rió de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a questão é outra; endereçando-se sobretudo para a reintrodução de espécies nativas, introdução de espécies arbóreas de crescimento rápido, reafeiçoamento paisagístico e ecológico dos subespaços deteriorados, reperenização das aguadas de primeira ordem e sistemática despoluição de rios e represas vítimas do desenvolvimento demográfico agigantado, da industrialização poluidora e dos resíduos químicos das lavouras desenvolvidas nos planaltos interiores. Independentemente de que o esforço principal deva ser dirigido para a manutenção da produtividade das terras férteis e harmonia social entre o mundo rural e o mundo urbano. Planos de reflorestamento para países subdesenvolvidos, dotados de espaços territoriais inter e subtropicais, têm que ser, necessariamente, melhor engendrados, extremamente transparentes e, sobretudo, gerenciados por pessoas de grande inteligência, sensibilidade social, energia cultural e capacidade administrativa e profissional.

3. Diretrizes para a Seleção dos Espaços

Tais reflexões foram a prévia básica que norteou a primeira fase do plano de reflorestamento para o território brasileiro, no nível de seleção de espaços e diferenciação de projetos. A própria tipologia dos reflorestamentos propostos foi estabelecida em função do conhecimento dos diversos tipos de espaços geoecológicos e fitogeográficos do país e em se considerando as diferentes conjunturas de atividades atualmente vigorantes no interior de cada região identificada e delimitada. Alguns pontos de partida foram essenciais para um correto desenvolvimento de um plano tão abrangente quanto certamente pretensioso, permanentemente sujeito a reciclagem.

— O plano prioriza a região extra-amazônica, no sentido de atenuar e, em muitos casos, bloquear a devastação da grande herança biológica que o Brasil possui nas suas terras equatoriais. Tudo o que se puder fazer no sentido de encontrar espaços adequados para reflorestamento em áreas de solos degradados ou de baixa fertilidade natural, fora da Região Amazônica, redundará, além dos benefícios específicos, em uma proteção estratégica para as grandes florestas nativas existentes no imenso Norte do país.

— O plano não possui endereço imediato para as terras do Grande Pantanal Matogrossense, mas sublinha o interesse direto da reintrodução de espécies nas chapadas envolventes do Pantanal no nível de todas as faixas de florestas-galenas e escarpas de planaltos (serras de Maracaju e Aquidauana). Insiste na preservação total do revestimento florestal dos bordos escarpados da Chapada dos Guimarães. Neste sentido, desdobra-se em um plano de readensamento ecológico das florestas-galenas e num plano de proteção e reenriquecimento das faixas de florestas orográficas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em caráter projetivo, intenta bloquear desmatamentos no corredor de terras inférteis do Vale do Guaporé, a NW do Pantanal.

— Em relação aos sertões do Nordeste, onde a semi-aridez domina — de modo quase contínuo — três quartos de milhão de quilômetros quadrados, propõe-se um reflorestamento dual: que envolva a reintrodução de espécies nativas na beira alta dos rios intermitentes sazonários, onde outrora existiam matas ciliares — as matas da "c'raíba" — mas que pressuponha um grande esforço de introdução de espécies fortemente adaptadas às condições climáticas e ecológicas da região, tais como a algaroba, entre muitas outras a pesquisar. No que se refere à conjuntura atual da ocupação dos solos na " Zona da Mata", elaborar estratégias para a reintrodução de espécies nativas ao longo de vales (ou setores de vales) e encostas íngremes de tabuleiros. Para fins de implantações industriais, induzir os empresários a selecionar espaços para suas instalações em solos inférteis ou menos férteis, tais como os tratos de areia branca existentes em diferentes setores dos interflúvios tabuliformes.

— O plano faz abstração quase total das áreas dotadas de vigorosas e densas atividades agrícolas, tais como a Zona da Mata Nordestina, o interior de São Paulo e Norte do Paraná, os planaltos agrícolas de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, Oeste do Paraná e Santa Catarina, o Noroeste do Rio Grande do Sul e a região de Bajé, e setores do Sudoeste de Goiás e Triangulo Mineiro.

Abstraídas três grandes regiões dotadas de peculiaridades de consideração obrigatória — Amazônia, Pantanal, Sertões Secos —, restam para tratamento e propostas específicas extensos espaços do Brasil Central, da periferia extrema da Amazônia, do Brasil Tropical Atlântico, do Planalto das Araucárias e do domínio das pradarias mistas, nas coxilhas do Rio Grande do Sul. Trata-se de espaços dotados de grande diversidade geoecológica e em estado diferenciado de ocupação dos solos por atividades agrícolas e pecuárias, em geral de baixa eficiência produtiva., Na realidade — como comprovaram as fichas técnicas elaboradas para cada subespaço identificado no interior dessas áreas ou domínios —, cada caso é um caso, a exigir propostas diferenciais de reflorestamento, complementação de atividades econômicas e tratamento paisagístico-ecológico. Nessa fase introdutória do plano de reflorestamento, limitamos nosso trabalho a identificar áreas e propor taxas razoáveis de reflorestamento, por nós designadas taxas de ocupação máxima toleráveis. Fizemos, ainda, um esforço particular para a conceituação diferenciada das taxas de ocupação regional em face das taxas de ocupação intragleba. Evidentemente, são propostas em aberto a serem reexaminadas, corrigidas e, sobretudo, recicladas com base no cenário total de atividades potenciais, previstas para o desenvolvimento integrado das regiões consideradas. O reflorestamento jamais é pensado como um tipo de cenário, monótono e homogêneo, descompromissado de outras tendências ou propostas compatíveis e desdobráveis, ou desamarradas em relação à dinâmica histórica.

4. Tipologia dos reflorestamentos propostos

O projeto brasileiro, nesse contexto, envolve a idéia de preservar o máximo possível as florestas tropicais da Amazônia e, de modo planejado e estratégico, efetuar a introdução de uma extraordinária fitomassa em áreas factíveis, a par com reflorestamentos ao longo do Brasil Tropical e Atlântico. Mesmo em relação à Amazônia, onde há pouco a fazer em termos de reflorestamento no interior de grandes áreas ocupadas por florestas contínuas, encontram-se cinco ou seis áreas para projetos especiais, com funções múltiplas, a saber:

1. experiências com silvicultura na faixa depredada do "Corredor Carajás — São Luiz", para atender unidades siderúrgicas em implantação, evitando-se o uso de carvão vegetal feito com madeira de florestas nativas;

2. experiências de ampliação da silvicultura nos campos do Amapá, onde existem cerrados naturais "sub-standards", muito degradados, em situações de difícil reversibilidade;

3. reaproveitamento contido das experiências florestais realizadas no "Projeto Jari", para efeito de utilização de seus padrões de tecnologia melhor sucedidos, e projetados para outras áreas do país;

4. proibir, por todos os meios, qualquer devastação de grandes glebas amazônicas para posterior implantação de reflorestamento com espécies alienígenas e examinar, com extremo cuidado, a conveniência ou não de liberar glebas predadas, para fins de silvicultura industrial;

5. exigir seriedade e racionalidade na exploração intersticial da madeira nobre no interior do grande contínuo florestal amazônico, consolidando a idéia de exploração auto-sustentada, em rodízio de 30 a 35 anos, sob rígido gerenciamento da tecnologia de florestas tropicais. Evitando-se, por todos os meios, práticas que redundem na compactação dos solos regionais ou perda de biodiversidade. E, finalmente, incentivo a plantações vinculadas à fruticultura tropical, em espaços abertos expostos (castanheiras) ou em espaços sombreados, periféricos a glebas já desmatadas (cacau, café, dendê).

Na Amazônia, o problema centra-se na busca de soluções de manejo para garantir a preservação do máximo possível de florestas-em-pé e rios despoluídos.

Em qualquer plano de reflorestamento que pretenda abranger o maior número de espaços ecológicos do país, será certamente o Brasil de Sudeste — onde se estendiam as grandes matas designadas tropicais atlânticas — que oferecerá maiores desafios aos especialistas e planejadores.

Iniciando-se muito próximas da costa — a partir dos morros de pontas-de-praia —, as matas tropicais orientais e sul-orientais do Brasil atingiam as grandes escarpas terminais do Planalto Brasileiro (tipo Serra do Mar) e alcançavam compartimentos de planalto e serranias interiores, abrangendo espaços inteiros de bacias hidrográficas, tais como as dos rios Doce, Paraíba do Sul, Ribeira de Iguape, e Médio e Baixo Itajaí. As capitanias hereditárias foram estabelecidas em tratos das matas atlânticas. Para se atingir as terras interiores, ecologicamente diferenciadas, era necessário transpor setores costeiros dessas matas. A cana-de-açúcar se estendeu por toda a "zona da mata" nordestina, à custa da supressão gradual da biomassa florestal que revestia os espaços ecológicos regionais, desde a Paraíba e Pernambuco até o Recôncavo Baiano. Muito mais tarde, o café provocou o devassamento dos morros, colinas e serranias florestadas da bacia do rio Paraíba do Sul, antes de avançar pelos chapadões florestados do interior de São Paulo e Norte do Paraná. O cacau desenvolveu-se, sob o sistema de culturas sombreadas, pelo Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo, enquanto a devastação de florestas para carvoaria — destinada às siderurgias mineiras — contribuiu para imensas predações em Minas Gerais, desde os confins da Bacia do Paraíba até as porções centrais da Bacia do Rio Doce. Fato parcialmente revertido nos últimos anos.

As matas atlânticas do Nordeste transicionavam rapidamente para as caatingas sertanejas, delas separadas apenas por faixas estreitas de matas secas e agrestes com caatingas arbóreas. Em Minas Gerais, as matas tropicais eram retidas nos sopes orientais do Espinhaço, além do qual estendiam-se intermináveis áreas de cerrados. No Brasil de Sudeste, em altitude, as grandes matas cedem lugar para os campos de cimeira e bosques de araucárias, enquanto o manto florestal se interpenetrava por vales e compartimentos rebaixados de relevo, abrangendo todo o Planalto Atlântico de São Paulo, o Sul de Minas e os setores baixos do Planalto Atlântico do Alto do Rio Grande, antes de se adentrar por São Paulo além, até o Norte do Paraná. Mas por todo esse espaço, fortemente compartimentado, por onde passou o café e implantou-se uma vigorosa agricultura, respaldada na mais densa rede urbana das Américas, estabeleceram-se ecossistemas perturbados e rios poluídos: agroecossistemas, sistemas urbanos, enquanto permaneceu uma porcentagem remanescente muito pequena de ecossistemas florestais do tipo da Serra do Mar. Disso resulta a necessidade de um reflorestamento híbrido para as regiões depredadas e reforço de estratégias para preservar a Serra do Mar e os esporões da Serra da Mantiqueira e proteger um agrupamento disperso de marinhas situadas em áreas de baixadas, maciços costeiros, maciços insulares e borda de chapadões interiores, do tipo das escarpas de cuestas tropicais (Serra de Botucatu, e suas extensões).

As propostas de reflorestamento terão que ser necessariamente mistas e adaptadas às peculiaridades de cada setor dessa alongada e complexa fachada atlântica da América Tropical. Há que se readensar setores degradados das florestas atlânticas na faixa de transição entre a Serra do Mar e os primeiros setores da morraria de Serra Acima. Um esforço particular de reflorestamento, com espécies nativas, deve ser dirigido para as cabeceiras de drenagem, situadas em áreas de morros transformados em pastagens pobres e maltratadas. Tudo isso tem um custo muito alto.

No entorno, evidentemente, dos belíssimos reservatórios criados no entremeio dos morros de vertentes arredondadas, desnudas de vegetação arbórea, existem condições favoráveis para recomposição de tratos das paisagens de beira represa, pela reintrodução de espécies nativas, em combinações estudadas de plantio e em faixas de largura diferenciada, ao longo do perímetro total do lago da represa. Mas é, também, aconselhável que cada proprietário de terras, em áreas de morros e serranias, constitua uma pequena floresta de espécies de crescimento rápido — nos bordos e confins de seu sítio ou fazenda, à moda de uma cerca viva larga —, para garantir sombra e guarida para o gado de serviço e gado leiteiro e obter economia complementar para o orçamento da família ou da empresa, através da venda da madeira e da utilização da lenha. A área de implantação desses bosques espaçados não deve ser superior a 15% ou 20% do espaço total das propriedades, exceção feita para o caso daquelas glebas situadas nas proximidades de instalações industriais, relacionadas a celulose, papel ou placas.

É de todo necessário organizar o sistema híbrido de reflorestamento nas terras do Brasil de Sudeste e Brasil Atlântico Central, como reforço de atividade do meio rural empobrecido do Brasil Tropical. Consideramos como urgente e inadiável o processo de reflorestamento no domínio dos morros, a fim de recompor e revitalizar os espaços herdados do período do café, hoje relegados à triste condição de fazendolas produtoras de leite C. Trata-se de uma das retaguardas mais degradadas e empobrecidas do país, ainda que localizadas há poucas dezenas de quilômetros dos setores mais industrializados e intensivamente urbanizados. O resgate dessas áreas de baixa eficiência produtiva pode se iniciar dentro do espaço de um plano nacional de reflorestamento.

Planos de reflorestamenlo par a países subdesenvolvidos, dotados de espaços territorial? inter e subtropicais, têm que ser, necessariamente, melhor engendrados...

5. Condicionantes regionais para um desenvolvimento com base em reflorestamentos

Identificadas as áreas dotadas de maior potencial para reflorestamento, tornou-se fácil examinar quais as exigências de cada espaço delimitado para fins de desenvolvimento florestal. Cada tipo de proposta básica para as diferentes áreas selecionadas internaliza as funções que se deseja atingir e inclui uma visão específica dos impactos previsíveis. Trata-se de uma metodologia que abrevia tempo e orienta discussão, sem fechar qualquer proposta nova, de ordem construtiva, crítica ou supressiva. Enfim, uma aplicação de ciências, feita com a melhor e a maior das preocupações éticas e sociais.

Os tipos de reflorestamento identificados foram:

1. reflorestamentos corretivos destinados a solucionar problemas emergentes ou realizar tratamento ecológico-paisagístico de regiões críticas, incluindo reafeiçoamentos programados, reperenização de drenagem ou bloqueio de desertificação antrópica;

2. reflorestamentos por silvicultura de grande extensão, sob topologia ou mosaicos estudados para cada gleba e situação paisagística e ecológica, envolvendo fitomassa suficiente para reter Carbono e volume de matéria-prima de utilização constante no nível de 7/8 de permanência (por rebrota ou replantio);

3. reflorestamentos híbridos para provocar melhoria da dinâmica da natureza regional, tais como reperenizaçao da drenagem de cabeceiras, proteção contra a evaporação excessiva das águas tombadas e dos fluxos de águas correntes e, doutra banda, através de programas intraglebas, suficientes para criar um recurso novo para os proprietários rurais de áreas fortemente predadas (tipos "morros" desflorestados das bacias do Paraíba do Sul e Vale do Rio Doce). Cada um desses tipos envolve subtipos e precauções próprias e obrigatórias, a fim de evitar conflitos entre as funções mais propriamente ecológicas e aquelas mais diretamente pragmáticas. Trata-se de reflorestamentos organizados, porém restritos, de pouco interesse econômico e grande interesse social.

O caráter de megarreflorestamento proposto para algumas áreas existentes no interior do domínio dos cerrados — sob taxa de ocupação máxima de até 30% — pode se constituir na grande colaboração brasileira para o seqüestro do gás carbônico, através de apreciável fitomassa, num exemplo que poderá ser seguido por outros países tropicais e sob a condição de que as nações fortemente industrializadas elaborem estratégias eficientes para minimizar os efeitos negativos relacionados à carga industrial por eles implantada é em funcionamento há mais de um século. No caso, trata-se certamente de florestas produtivas, de grande força de retorno, em termos de economicidade.

6. A zona costeira atlântica do país e o Projeto FLORAM

Na elaboração do Projeto FLORAM, tivemos um cuidado especial com os espaços litorâneos mais próximos à linha de costa. Sabemos, de antemão, que certas áreas costeiras dos litorais equatoriais e subequatoriais não podem receber qualquer tipo de interferência antrópica, a não ser o reenriquecimento da fitomassa da retroterra outrora florestada. É o caso da costa de "rias" do noroeste do Maranhão, Pará e Amapá, onde os manguezais, desenvolvidos nos últimos 6.000 anos A.P., colmataram as margens dos numerosos estuários e deslancharam as únicas planícies de marés com mangues frontais existentes em toda a costa brasileira. Trata-se de um setor litorâneo típico para uma preservação integrada, sob a forma de Parque Nacional Costeiro, ou unidade de preservação similar. Sobre o assunto, aliás, existe total consenso na área técnica e científica brasileira.

Existem, porém, outros tipos de espaços costeiros que efetivamente já vêm recebendo iniciativas extensivas de florestamento e reflorestamento, por iniciativas empresariais. Estão, nesse caso, as extensas plantações da Companhia Vale do Rio Doce e da Aracruz Celulose, em terras baixas onduladas do leste do Brasil tropical atlântico (Espírito Santo e Bahia). Trata-se de algumas das mais densas; extensas e bem-sucedidas áreas de silvicultura do país. Mesmo assim, houve uma excessiva ocupação dos espaços costeiros, através de taxas de ocupação intraglebas muito elevadas. A análise dos modelos de ocupação do espaço existente nas áreas de reflorestamento da faixa Espírito Santo e Bahia torna possível uma revisão dos cenários criados, com vista a modelos ecológicos mais adequados e, sobretudo, menos criticáveis. O ideal para a região seria uma taxa de ocupação regional de florestamento da ordem de 30 a 35%. E, no nível de ocupação intragleba (ou gleba a gleba), em total de, no máximo, 35 a 40%. Além do que, seria desejável uma organização interna da gleba incluindo espaços preserváveis para a vegetação nativa, espaços de florestamento, e um certo percentual de terras para atividades agrárias. Em qualquer hipótese, deveria ser evitada uma implantação de florestas industriais abrangendo todos os espaços de vertentes e interflúvios. O esquema mais habitual, existente no Brasil Leste, é o de preservar florestas nativas nos eixos dos vales e bases de vertente e colocar florestas plantadas por todos os setores mais elevados da topografia. Por numerosas razões, preconizamos uma fundamental modificação nesse modelo, visando um ganho de economicidade social regional, sem maiores perdas da economicidade empresarial.

Um outro caso de silvicultura em franca expansão na zona costeira do Brasil é aquele que vem se processando na grande restinga do Rio Grande do Sul. O eixo dessa imensa restinga é formado por um terraço de construção marinha (de idade possivelmente pleistocênica), onde existem condições favoráveis para a implantação de florestas de pinus. Até há poucos anos atrás, a região era um espaço agrário tradicional, altamente descontínuo, dedicada à plantação de cebola (dita "tipo Rio Grande"). Os pequenos "cercados" dos plantadores — sofridos plantadores de cebolas — não tinham muitas condições de economicidade plena, devido aos preços aviltados do produto e o encarecimento dos serviços de transporte. Assim, foi fácil — por diversas operações financeiras e de " teniência de la terra" — estender plantações industriais de pinus,em detrimento dos antigos cenários agrários tradicionais. Um plano regional de ocupação do espaço, com alguns pressupostos indutores, poderia evitar o tamponamento progressivo e generalizado dos espaços arenosos da grande restinga, envolvendo taxas de ocupação intragleba, reservas sincopadas de espaços ecológicos (palmares), e convivência das novas plantações com as atividades rurais tradicionais da faixa Mostardas/Tavares/São José do Norte.

No Projeto FLORAM, através de uma visão crítica prévia, deixamos de sinalizar os espaços costeiros constituídos por tabuleiros e colinas (Leste do Brasil) ou grandes planícies de restingas (Sul do país) como sendo áreas passíveis de ampliação da silvicultura para fins industriais. Aí já existem grandes plantações, segundo um modelo agrariamente criticável, que não pode ser incentivado em sua expansão. A economicidade empresarial conseguida não deveria ser um parâmetro para a multiplicação do modelo, por grandes espaços da retroterra costeira imediata. Sobretudo enquanto não for encontrado urna fórmula híbrida, socialmente mais condigna e aceitável. No caso, a partir de uma filosofia de ecodesenvolvimento, há que apelar ainda para os princípios de uma "social forestry".

Muitas áreas costeiras do Brasil tropical e subtropical atlântico solicitam modelos particulares de reflorestamento, à custa de essências nativas, sob a forma de enriquecimento e readensamento de florestas pluviais. Estão nesse caso: os maciços costeiros e os maciços insulares da região litorânea sul — sudeste do Brasil, constituídos por morros de diferentes alturas, esporões de serras e antigas cristas desvinculadas das serranias interiores por processos de desvinculação, relacionados com a história quaternária da costa. A despeito da fortíssima pressão da especulação imobiliária sobre os mais diversos tipos de cenários costeiros há que se descobrir estratégias diferenciais para preservar e proteger o máximo possível das coberturas florestais remanescentes. Para obter bons resultados nessas empreitadas há que se elaborar "master plans" de controle regional dos espaços litorâneos e sublitorâneos, incluindo planos diretores detalhados para os espaços insulares onde existem grandes cidades, algumas das quais capitais administrativas de estados brasileiros (Florianópolis, Vitória, São Luiz, Santos/São Vicente, Guarujá). As escarpas florestais — tipo Serra do Mar — devem ser sumariamente tombadas.

7. Reflorestamentos de beiras de reservatórios e fomento da arborização urbana

Através dos princípios que nortearam o Projeto FLORAM, ficou decidido que se reservaria um espaço particular para o reflorestamento da beira de reservatórios, bordos de rodovias e arborização intra e periurbana, em cidades de diferentes portes. Para cada um desses tipos de reflorestamento, pertencentes a um agrupamento especial de áreas a receber introdução de fitomassas, deverá ser feito um estudo específico e mais detalhado. Mesmo assim, em caráter introdutório, julgamos indispensável pontualizar as principais questões relacionadas a barragens, rodovias e aglomerados urbanos, em termos de exigências e possibilidades de reflorestamentos particularizados.

No que respeita a barragens, as situações são muito diversas; quer se considere um reservatório implantado no entremeio de morros desmatados, um grande açude do sertão do Nordeste ou uma barragem feita no coração das selvas amazônicas, onde não houve tempo nem clarividência para remover a própria fatia de florestas que iria receber a inundação derivada do barramento fluvial. No caso das barragens em áreas de morros, desprovidos de sua antiga cobertura florestal, existe conhecimento acumulado, estratégias bem-elaboradas e exemplos de grandes sucesso nas implantações (barragens da CESP, no domínio dos morros do alto vale do Paraíba). Já no que tange aos grandes açudes dos sertões secos do Nordeste, a situação é mais delicada, pela dificuldade de se encontrar espécies arbóreas adaptadas a conviver com as secas, em encostas das colinas sertanejas. Ainda que, para os vales de jusante, dotados de planícies aluviais, se possa obter uma densa e notável fitomassa de fruteiras e palmáceas (coqueiros, mangueiras e bananeiras), a par com alguns limitados espaços agrários de razoável produtividade. Em relação a processos de reflorestamento em áreas de reservatórios do Sul do país, situados em planaltos basálticos e em áreas dotadas de solos férteis (terras roxas), a situação é extremamente delicada. Ocorreram casos em que os fazendeiros da área de entorno do reservatório estenderam sojais até a linha de contato entre a água e os espaços plantados. Outros remanejaram, por conta própria, a margem dos lagos artificiais para conseguir alguns milhares de metros a mais de espaços agrícolas úteis. A calda de partículas ferromagnesianas que entra na massa d'água dos reservatórios, que é liberada para jusante na direção dos rios pertencentes às bacias do Uruguai e Paraná, é incalculável em termos de perda de solos. Tudo por incúria dos órgãos e superintendências regionais no gerenciamento e controle das margens de reservatórios. Após o fechamento da barragem fluvial e enchimento dos lagos artificialmente formados, libera-se todo o entorno para os proprietários rurais que, de antemão, já foram ressarcidos (ou têm garantias de ressarcimento) pela porção das terras afetadas pela submersão. Não tendo sido previsto um cinturão de proteção ecológica (ecological buffer zone),em forma de tampão e filtro entre as águas e as terras agrícolas, acontece de tudo em termos de conflitos de procedimento e especulação, após o fechamento da barragem.

As propostas de reflorestamento terão que ser necessariamente mistas e adapatadas às peculiaridades de cada setor dessa alongada e complexa fachada atlântica da América Tropical

Seria bem mais fácil de se resolver esse quadro repetitivo de anomalias e conflitos, caso houvesse uma reflexão mais séria e permanente sobre os fatores impactantes ligados à constituição de barragens e reservatórios. Falta inteligência, conhecimento integrado, espírito 'público, energia cultural e capacidade de previsão de impactos e proposição de soluções, entre a grande maioria dos superintendentes de organismos regionais de desenvolvimento no Brasil. Urge realizar uma campanha para uma substancial melhoria desses padrões de comportamento, com vistas a uma efetiva modernização da administração pública brasileira.

Os conhecimentos disponíveis para o uso da arborização viária, entre nós, são razoavelmente desenvolvidos, porém impotentes para aplicações corretas nos diferentes domínios de natureza que individualizam o território brasileiro. Existe a necessidade de se criar um conjunto de padrões ou modelos de arborização adaptados às circunstâncias físicas e ecológicas de cada região do país, consideradas suas peculiaridades físicas, ecológicas e sociais. Não há como estender padrões utilizados com sucesso no Rio Grande do Sul ou Paraná para distantes regiões do Nordeste, Brasil Central ou Amazônia. Por outro lado, o advento das rodovias com quatro, seis ou mais pistas, e a liberação quase total das velocidades nas estradas brasileiras, obrigam a adoção de padrões de arborização que sejam a um tempo criativos e funcionais. Não há como fugir disso, a despeito da reação e do simplismo que predominam entre os cultores de tal tipo de planejamento. O tradicional e rotineiro, herdado de velhas posturas e textos descompromissados, somente serve para reciclar uma arcaica linha de pesquisa que deve ser totalmente modificada.

Há que começar pela abordagem dos problemas mais críticos. Com o advento dos estudos sobre células de calor urbano, tornou-se necessária uma percepção mais aguçada dos problemas microclimáticos ligados a rodovias de grande interferência no clima das áreas metropolitanas. Existem setores inteiros de grandes cidades afetadas pelo excessivo tamponamento de solos, pela ampliação de artérias centro — bairro e circulação externa (tipo saída da Dutra em Guarulhos, a Av. Brasil no Rio de Janeiro) e algumas avenidas de fundo de vales na Grande São Paulo. Tais faixas de trânsito intenso, comportando seis pistas centrais e quatro laterais, constituem-se no caso mais grave de interferência climática local existente no corpo urbano de nossas áreas metropolitanas. Tudo porque os sucessivos acréscimos de pistas asfálticas, construidas por cirurgia em áreas de alta valorização do solo urbano, atropelam o processo de arborização, de modo constante e deliberado. Entre conseguir faixas de terrenos para novas pistas e prever subespaços para aléias ou bosquetes de árvores previamente selecionadas, prefere-se esquecer qualquer preocupação ambiental, de alta pertinência. E, assim, a célula de calor urbano se intensifica e se densifica, criando um desconforto a mais para os habitantes da cidade: odores das marginais somados à acentuação do calor urbano, sobretudo no verão.

8. Arborização urbana e periurbana

A arborização urbana possui uma velha e ativa tradição no Brasil. De Norte a Sul, as cidades brasileiras têm experiência acumulada sobre áreas verdes, incluindo praças e jardins públicos, implantados em diferentes épocas. Uma consciência de longa maturação determina um cuidado especial pelas árvores, seja numa pequena cidade do sertão nordestino, uma cidade de fronteira no Rio Grande do Sul ou em um pequeno centro urbano da beira alta do Pantanal Matogrossense.

Numa abordagem inicial, mais abrangente, a arborização de organismos ou ecossistemas urbanos exige considerações de diversas ordens, a saber: 1. fatos relativos a áreas verdes e espaços abertos intra-urbanos; 2. fatos de interesse ambiental periurbano; 3. fatos relacionados com uma série de revisão do destino das reservas de áreas verdes, inclusive nos projetos de loteamento intra ou periurbanos, e fatos e estratégias relativos à minimização dos processos de conurbação regional.

Evidentemente, para cada uma dessas linhagens de fatos, as propostas de arborização e florestamento adquirem padrões e diretrizes diferenciadas. Há que ter extremo bom senso e energia cultural nas propostas de paisagismo ecológico dirigidas para as grandes periferias de cidades brasileiras. A ausência de entendimento da ecologia urbana das áreas metropolitanas, no contexto do subdesenvolvimento, pode invalidar ou distorcer qualquer proposta muito assimétrica ou socialmente simplória. Além do que, o processo está sujeito aos modismos e a mais desenfreada demagogia dos sistemas políticos locais ou regionais. O projeto do grande Parque Ecológico do Tietê em São Paulo foi transformado em "Clube da Nossa Turma", por aduladores profissionais. O projeto do Parque "Chico Mendes", fruto de uma idéia e de um planejamento exemplares, na base de longas conversações com as comunidades residentes, esteve .ameaçado da intrusão de funções incompatíveis, pelo modismo e falta de ética e flexibilidade de profissionais de outras áreas. Sobrou a experiência de que a demora na implantação de um bom Plano favorece o advento de propostas parasitárias, travestidas de funções aparentemente humanitárias, sob a forma de um rolo compressor, que não admite alternativas.

Entre os planos de arborização e reflorestamento, passíveis de consideração imediata, encontram-se aqueles relacionados à criação de tampões florestados ou grandes bosques nas faixas intermunicipais sujeitas a fortes e incontroláveis processos de conurbação. Em áreas de redes urbanas densas e pouco espaçadas, como aquelas ocorrentes no médio vale do Paraíba paulista, ou entre Campinas e Limeira, ou mesmo em "praias grandes" ou "ilhas compridas" existem possibilidades únicas de se exigir implantações florestais planejadas para evitar a expansão desmesurada da urbanização e ou industrialização. Tais propostas interessam sobretudo aos espaços administrativos das áreas de organização complexa de São Paulo, Norte do Paraná e zonas costeiras do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, e São Paulo. Caso não se atendam, com a rapidez e energia necessárias, os setores críticos dos eixos viários que propiciaram os processos de conurbação — no modelo do médio vale do Paraíba —, nunca mais haverá estratégia capaz de reverter ou atenuar a caminhada para uma indesejável aldeia global.

9. Impactos econômicos e sociais

O Brasil é um dos poucos países do mundo que possui dimensões espaciais suficientes para desenvolver um plano de reflorestamento de grande escala, sem prejuízo de todas as outras atividades. Entretanto, num plano de tal ordem de grandeza, envolvendo a meta da implantação de uma gigantesca fitomassa — em um espaço de tempo relativamente curto —, deixa margem para grandes receios em relação a diversos impactos. Existem níveis de risco a serem examinados com o maior cuidado possível, na base do conhecimento das condições de manejo da silvicultura e das respostas ecológicas de cada área considerada e cada espécie ou clone em cogitação. Mas também existe a necessidade de se considerar, sob análise aprofundada, a questão dos impactos econômicos. Seria pérfido programar um reflorestamento de grande extensão que viesse redundar em benefícios assimétricos apenas dirigidos para os interesses do setor industrial. O aviltamento dos preços da matéria-prima não beneficiaria a ninguém, dentro das comunidades residentes e, sobretudo, em relação aos representantes da força de trabalho ligada às diferentes operações da silvicultura e atividades agropastoris. Esse alerta fortalece a idéia de que o plano de reflorestamento devera ser acoplado com propostas paralelas de desenvolvimento regional. Não abdicamos da idéia de um verdadeiro planejamento integrado que implique em um feixe de propostas, beneficiando a estrutura agrária como um todo. Um cenário em que se alternem espaços silviculturais, uma agricultura modernizadora e flexível à diversificação; uma pecuária melhorada, e as indústrias de transformação e processamento, beneficiadoras dos produtos primários, visando maior valor agregado. Paralelamente, esforços deverão ser dirigidos para a implantação de núcleos de apoio para os trabalhadores rurais, onde haja espaços de lazer e, sobretudo, escolas e equipamentos culturais (salões comunitários, pequenas bibliotecas, auditórios, espaços para música).

A questão dos recursos necessários para um plano de reflorestamento tão amplo e diversificado começa pela estratégia de alocação de recursos. Envolve, também, a mobilização de um conjunto de instituições-chave do Estado e da Sociedade. Temos certeza que um plano bem-elaborado — factível e dotado de credibilidade — terá respaldo nacional e, certamente, internacional. Dependerá, porém, basicamente de um governo arejado e esclarecido, capaz de pensar o país como um todo, ao nível de seus diferentes espaços ecológicos e sociais: nas suas estruturas regionais e na sua territorialidade diferenciada; na composição de seu mundo físico, biótico e humano; na funcionalidade de sua vida econômica e social. E, em face das instáveis conjunturas que pontuam, diferencialmente, a vida dos brasileiros nesse fim de século.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que possui dimensões espaciais suficientes para desenvolver um plano de reflorestamento de grande escala...

10. Atrativos e diretrizes para um social "forestry"

A possibilidade de incentivar as pequenas e médias propriedades para incluir o plantio de árvores no interior de suas glebas tem sido remota. Houve tempo em que se considerava uma fazendola bem cuidada aquela que sofreu desmatamento total para a formação de pastos em morros. Após a decadência dos cafezais, nas regiões serranas do vale do Paraíba, ocorreu um aviltamento generalizado do preço da terra rural. Para não falar, evidentemente, da profunda queda do valor dos imóveis nas cidades nascidas à sombra do ciclo do café (Bananal, Areias, São Luiz do Paraitinga, Lagoinha, Jambeiro, Paraibuna, Monteiro Lobato — ex-Buquira). Tornou-se fácil a aquisição de fazendas de diferentes portes por criadores vindos de áreas de velha tradição pecuária leiteira. E, no ensejo de transformação de velhas fazendas de café em pastagens de morros, produziu-se um novo agroecossistema vulnerável e de rentabilidade efêmera.

Os cafezais foram erradicados, capoeiras foram eliminadas e pastos se estenderam por encostas e altos da morraria arredondada, dominantes na região. Em uma situação de espaços geomorfológicos, dotados de rochas profundas e generalizadamente decompostas, a região como um todo ficou sujeita a ações erosivas de diferentes graus de intensidade. Rapidamente, a capacidade de pastejo por hectare diminuiu a rentabilidade da atividade pecuária, transformando a região em múltiplas bacias leiteiras empobrecidas. Uma outra leva de personagens — desta vez urbanos — dotados de excedentes de capitais, ganhos em múltiplas atividades nas cidades de melhor infra-estrutura, acabou por adquirir fazendas ou pedaços de propriedades para fins de lazer ou segunda residência, revalorizando as terras com objetivos não-rurais. Restou, no domínio dos morros, um quadro rural relativamente complexo, constituído por velhas famílias empobrecidas, dotadas de alguma experiência agrária, acrescidas de recém-chegados dispostos a organizar suas glebas para o lazer familiar, sem maiores preocupações com a rentabilidade. Uns e outros, desde as áreas de morros da bacia do Paraíba do Sul, até as encostas ocidentais da Mantiqueira e a bacia do rio Doce, podem receber o impacto prioritário de um reflorestamento híbrido.

Cumpre reflorestar as cabeceiras de drenagem, os canais de escoamento dos pequenos riachos, a beirada alta das planícies fluviais (em alvéolos ou calhas), os setores mais íngremes e úmidos das encostas de morros (outrora chamadas de "costa noruega", por serem mais frias, úmidas e sombreadas). Trata-se de um modelo de reflorestamento ecológico endereçado aos setores críticos dos espaços geomorfológicos, para sucesso do qual bastaria um esforço concentrado das "casas de lavoura" e órgãos similares, preexistentes na administração dos Estados. A difusão do modelo pode ser iniciada através de um certo número de "casas da lavoura", sediadas em localidades-chave das regiões serranas de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Numa listagem que possibilite instalações progressivas.

A estratégia básica para se obter esse modelo ecológico de reflorestamento — com um certo número de essências nativas de crescimento relativamente rápido — está em se fomentar, paralelamente, um determinado percentual (da ordem de 10 a 20%) de plantio de réstias ou bosquetes de florestas energéticas. Para tanto, será necessário propor o plantio de gordas cercas vivas, com eucaliptos ou pinus, em setores adequados das margens das propriedades. E, eventualmente, alguns bosquetes de árvores espaçadas, variando entre 0,5 a 2 hectares, no máximo, para fornecimento de madeira para fins internos da propriedade, sombra e abrigo para o gado leiteiro. Para fornecimento de lenha ou carvão para vendas restritas ou uso interno, deveriam ser reservados alguns setores das margens da propriedade, onde se pudesse cortar árvores e garantir a possibilidade de permanência de uma certa fitomassa, através de processos de rebrota ou replantio.

As dificuldades para reintrodução de espécies nativas, em faixas de florestas-galerias ou matas beiradeiras degradadas, exigem um conhecimento prévio dos principais ecossistemas de fundo de vale e beira-rio, existentes de Norte a Sul, no Brasil. Para reenriquecer tais faixas de vegetação, é necessário, no mínimo, obter informes sólidos sobre a estrutura, composição, gênese e funcionamento dos ecossistemas considerados. Não há como, na base do conhecimento de uma só floresta-galeria, extrapolar para as muitas florestas beiradeiras do país.

A combinação do reflorestamento dos setores críticos com essências nativas e dos setores periféricos com o plantio de espécies arbóreas, adaptados e de crescimento rápido, sem abranger mais do que 20 ou 30% do espaço total da gleba, serviria como fator de reperenização das aguadas; acréscimo de produção própria de madeira, lenha e carvão; ampliação relativa de orçamento familiar; sombra e água para o gado em pastos de morros. E, eventualmente, para o deslanche de atividades artesanais com a madeira produzida; feitura de móveis rústicos, marcenaria padronizada cooperativamente, cochos, moirões de cerca, cercados de hortas, currais, ranchos, silos para o milho, melhorias das habitações, entre outras muitas possibilidades. Através desse caminho, estaríamos alcançando o cerne das propostas ditas de " social forestry", que possuem igual interesse no Primeiro como no Terceiro Mundo. Para não fazer alusão à mudança dos tristes cenários paisagísticos entrosados com uma nova dimensão cultural de conforto, produtividade e independência econômica e financeira. É evidente que para alcançar tais níveis de modernização haveria que paralelizá-los com processos de fomento agrário, educação rural, formação de hortas e bancos de sementes, postos de saúde, salões públicos para discussões comunitárias, associações desportivas e sistemas contidos e bem-estudados de incentivos. Não adianta preconizar uma "social forestry" sem conhecer a história do empobrecimento dos espaços agrários, para os quais o processo é dirigido. Nem tampouco existem chances de melhoria e sucesso dos planos, sem preconizar um feixe de iniciativas paralelas para uma efetiva modernização agrária e cultural das campanhas marginalizadas.

11. Agentes e fatores multiplicadores: banco de germoplasma, hortos e centros de difusão

O primeiro passo na constituição de um plano diferenciado de reflorestamento reside na multiplicação de bancos de germoplasmas, para garantir o uso e o fornecimento de mudas para a implantação de diferentes projetos. As companhias que se dedicam ao florestamento de interesse industrial ou energético já dispõem de seus próprios hortos, alguns dos quais gigantescos. Mas, evidentemente, elas não podem arcar com o peso da responsabilidade de fornecer mudas para os diferentes tipos de florestas previstos por um projeto da amplitude e das pretensões do FLORAM.

A primeira providência seria a de estimular a formação de bancos de germoplasma, sob três categorias funcionais: 1. banco de mudas para o desdobramento de espécies arbóreas de crescimento rápido, adaptáveis a diversos ambientes fitoclimáticos do Brasil e envolvendo agrupamentos de clones diversificados; 2. bancos de mudas de espécies nativas regionais, trabalhados em centros estrategicamente dispostos no território brasileiro, para atender as exigências da reintrodução de espécies em pontos críticos de propriedades rurais, sob assistência técnica especializada e flexível; e 3. bancos de germoplasma híbridos, implantados em municípios cabeças-de-região, incluindo setores para desdobramento de espécies alienígenas, e setores para a multiplicação de mudas de plantas nativas, escolhidas dentro de algumas dezenas de espécies arbóreas regionais.

É quase certo que, na base do conhecimento acumulado, se possa organizar grandes hortos para pinheiros-do-paraná, eucaliptos e pinus ditos tropicais. Mas todo cuidado é pouco no planejamento, constituição e manejo dos bancos de germoplasmas que comportem seleções de plantas realizadas no interior da própria biodiversidade regional. Para isso, a exigência de estratégias especiais torna-se um procedimento indispensável. Na organização e implantação dos hortos, há que contar com os mateiros catadores de sementes ou plântulas, experientes em percorrer o interior de matas remanescentes; com a devida autorização de proprietários ou autoridades responsáveis por reservas florestais, parques ou estações ecológicas. Por outro lado, é preciso escolher bem o sítio do horto, em locais onde exista uma casa disponível ou uma simples edificação construída para ser a sede do banco de mudas; onde haja espaço para a guarda do banco de sementes, e para o centro de fornecimento criterioso dos produtos vivos a serem endereçados para diferentes tipos de glebas, sob diferentes pequenos projetos de implantação.

A formação de uma grande quantidade de mudas não é suficiente para fazer andar o grande Projeto. Há que engendrar critérios, avaliar corretamente as disponibilidades de cada gleba para efeitos de um florestamento ou reflorestamento, e acompanhar discretamente o desenvolvimento dos pequenos projetos, simples e criativos, endereçados para cada propriedade rural, segundo seu tamanho e sua compartimentação topográfica, edáfica e ecológica. Para obter sucesso coletivo nas implantações, urge selecionar os municípios para a localização e funcionamento dos bancos de germoplasma, organizando-se estratégias locais ou regionais para a difusão do modelo, reciclagem das ações e gerenciamento do Projeto. Evidentemente, porém, a administração do Projeto somente teria viabilidade de implantação se fosse realizada por um pool de esforços de instituições competentes do governo, em diferentes níveis. O Projeto em nível macro, em sua diversidade e amplitude deve ser federal; o detalhamento dos projetos regionais deve ser estadual, exigindo entrosamento obrigatório entre as diretrizes do FLORAM e o planejamento preexistente para reflorestamento no âmbito do espaço administrativo dos Estados. E, por fim, cabeças-de-região e municípios devem ser o território de difusão e usufruto dos recursos e implantações do Projeto. Se as sedes de microrregiões ou sedes de municípios puderem oferecer espaços e infra-estruturas para a formação e funcionamento de bancos de germoplasmas tanto mais garantido o sucesso das implantações. Mesmo que fosse em nível de simples hortos-filiais, da categoria de bancos de mudas para reflorestamento de áreas críticas, a contribuição dos municípios para a dinâmica de implantação, difusão e acompanhamento pode ser considerada essencial e indispensável.

No nível de gerenciamento e avaliação da somatória das implantações, é importante a criação de uma instituição central, geradora de idéias e irradiadora de diretrizes, capaz de motivar os processos de implantação, exercer as interações regionais necessárias e complementar a monitoração e o progresso do Projeto FLORAM, até onde for de seu alcance. Enquanto o gerenciamento e as ações práticas, que necessariamente se fazem no espaço efetivo das glebas rurais, deverá ser exercido e dinamizado pelos órgãos federais e estaduais, em vinculação direta com os recursos técnicos dos municípios.

Os responsáveis pelo Projeto FLORAM têm plena consciência da necessidade de aperfeiçoar a "ponte" entre a pesquisa básica e a extensão agrícola, sem o que qualquer programa agrário revitalizador pode funcionar. No âmbito do FLORAM, o velho problema surge com igual intensidade de entraves: nada de prático poderá ser feito caso inexista a capacidade e vontade técnica e científica de dinamizar os múltiplos projetos de florestamento e/ou reflorestamento. Há que se envolver mais diretamente nas diretrizes e fundamentos do Projeto; fazer investidas no campo da Educação Rural, e avaliar as potencialidades internas de grandes glebas. Enfim, aplicar a Agronomia à diferenciação de atividades intraglebas, dosando espaços para silvicultura. Introduzir espécies. Reafeiçoar terrenos degradados e drenagens parcialmente desperenizadas. Sem prejuízo para a manutenção de atividades agrárias ou agropecuárias. Isto, para pequenas ou médias propriedades das regiões serranas empobrecidas do Brasil de Sudeste e Leste. Com relação às grandes propriedades do Brasil Central — selecionadas para um florestamento mais amplo e extensivo —, as disponibilidades espaciais são muito maiores: aí se pode reflorestar glebas no nível de 40, ou, no máximo, 45%, diversificando o uso do núcleo restante através de atividades tradicionais (pecuária), inovações agrícolas (produção de cereais, soja, arroz de sequeiro), e reservando-se espaços de até 15 ou 20% para unidades internas de preservação de bancos genéticos da natureza (cerrados e cerradões de interflúvios, capões de matas e florestas-galerias). Evidentemente, os que se vincularem ao projeto terão fazendas organizadas e participarão do milagre de transformar latifúndios em grandes propriedades produtivas, social e economicamente úteis para a região e o país.

As garantias desejadas para um bom andamento do Projeto dependem do nível de conhecimento acumulado, honestidade e disposição dos que vão implantar os subprojetos no "varejo". Para não falar da continuidade administrativa, recursos disponíveis e estratégias alternativas para correção de rotas operacionais.

12. Papel indutor do IEA/USP

Para efetivar um plano tão amplo de reflorestamento, há que se induzir governantes, empresários esclarecidos, proprietários de terras (mesmo aquelas situadas em áreas incultas e degradadas), cientistas e técnicos, operariado agrícola e industrial, mestres e professores, para trabalhar na viabilização das implantações de fitomassas nos diferentes espaços pré-selecionados, ou mesmo em outros que tenham vocação comprovada para tanto. Ninguém pretenderia que num país vinculado ao regime das propriedades privadas se pensasse num plano que deixasse de atentar para essa realidade básica. Pelo contrário, toda a estratégia do plano de reflorestamento deve conduzir para o campo da indução, em se considerando a estrutura fundiária regional e a possibilidade de encontrar aliados para a grande tarefa de dinamização regional, através de uma silvicultura combinada com melhoria da pecuária e da produtividade agrícola.

Muitos empresários bem-sucedidos, no campo da silvicultura, terão interesse em adquirir terras para reflorestamento nos espaços identificados pelo Plano. Será sempre um bom empreendimento adquirir glebas em áreas de terras incultas e de difícil manejo, situadas fora dos círculos de economicidade habituais. Mas será necessário exigir precauções mais cuidadosas no plano de manejo silvicultural, reservando-se áreas para preservação dos ecossistemas representativos dos diferentes domínios da natureza regional, e dando continuidade parcial às atividades agrárias tradicionais da região.

A Universidade, pelo caráter multidisciplinar de sua ação e pelo forte comportamento social que impregna as idéias e propostas emergentes dos seus "campi", não pode deixar de alertar — com toda a ênfase, que seu compromisso social impõe — para o risco da concentração de terras que um programa como este poderia acarretar. As consequências negativas seriam novas levas de "sem-terras a perambular pelas periferias faveladas das cidades e pelas bordas das reservas de florestas nativas, pressionando pelo parcelamento, para fins agrícolas, de áreas de alto interesse ecológico, que se transformariam em mais alguns espaços de sobrevivência precária e bolsões de pobreza.

O modelo que o Projeto FLORAM vem de propor enfatiza o " florestamento "diferencial das propriedades pelos próprios donos atuais, evitando-se assim o caminho simplista de alienação aviltada de propriedades e o conseqüente agravamento das desigualdades no campo social, que já causam tantos entraves ao processo de desenvolvimento da nação como um todo. O Plano é reformista, a seu modo, sem prejuízo de outros níveis de reformas.

Cabe à Universidade, portanto, — através do melhor que ela possui, em termos de conhecimentos acumulados e propostas multidisciplinares —, ofertar parâmetros para um novo cenário de organização do espaço, em importantes áreas interiores do país. Transformar regiões inteiras por um novo padrão de reflorestamento poderá se constituir na valorização de terras incultas, complementarização da economia regional, e, sobretudo, na revalorização dos espaços críticos, altamente vulneráveis perante os fatores de degradação, existentes nas terras da retaguarda Sudeste do Brasil.

13. Taxas de ocupação regional versus taxas de ocupação intraglebas

Para garantir o sucesso de um plano de reflorestamento para um país de grandes dimensões, porém dotado de uma complexa organização de espaços geográficos e sociais, a questão das taxas de ocupação regionais em contraponto às taxas intragiebas adquire uma importância essencial. Trata-se de evitar o tamponamento de grandes espaços territoriais por florestas plantadas. Por todos os meios e estratégias, impedir a formação de grandes e pouco diferenciados contínuos de eucaliptos, pinus ou qualquer outra espécie. Não interessa ao país um florestamento que implique a expulsão do homem rural ou no bloqueio de atividades agrárias (ou agropecuárias), por grandes espaços territoriais. Nem tampouco é aconselhável a constituição de cenários homogêneos — congelados e quase irreversíveis — por grande espaço de tempo, capazes de impedir a introdução de outras atividades ou o encontro de novas vocações, igualmente importantes, em se considerando o futuro.

Visando corrigir, de saída, tais distorções, introduzimos no Projeto FLORAM dois conceitos limitantes em relação aos máximos toleráveis para o reflorestamento/florestamento das áreas pré-selecionadas. Nesse sentido, diferenciamos preliminarmente o conceito de taxa de ocupação regional em relação à taxa de ocupação intragleba (sítios, fazendas, latifúndios). Por taxa de ocupação regional entendemos o máximo percentual tolerável ou aconselhável de florestas a serem introduzidas em uma determinada área; sem prejuízo para as atividades rurais atuais ou futuras e, sob o pressuposto de estabelecer subespaços geoecológicos para refúgios de flora e fauna originais, bancos genéticos da natureza e unidades de conservação. O conceito de taxa de reflorestamento intragleba envolve, por sua vez, outras variáveis, incluindo-se a avaliação da economicidade do empreendimento a nível financeiro e social, assim como projetos dirigidos caso a caso, modelos geométricos e funcionais de organização dos espaços internos da gleba, cenário global das vizinhanças, entre outros. Nesse sentido, a taxa de ocupação intragleba varia segundo a tipologia do reflorestamento preconizado, podendo envolver taxas de ocupação ligeiramente superiores àquelas previstas para a região, vista em seu todo. Nas áreas de reflorestamento industrial, previamente selecionadas no interior do Brasil extra-amazônico, as taxas de ocupação regionais ideais giram em torno de 25 a 30%. No entanto, pode-se ampliar para níveis de 30 a 45% a taxa de ocupação máxima intragleba; exigindo-se que os espaços não-florestados incluam outras atividades rurais, socialmente rentáveis, e a preservação de no mínimo 20% de subespaços internos de preservação (florestas-galerias, cabeceiras de drenagem, nascentes ou "olhos-d'água", veredas, algumas cimeiras ou interflúvios passíveis de serem congelados para bancos de germoplasmas ou refúgios de flora e fauna).

... pretende-se, no ambiente do IEA/USP, possibilitar o acesso a todos os documentos técnicos e científicos sobre reflorestamento no Brasil e na América Latina...

Sem a consideração de tais pressupostos, o Projeto FLORAM não deverá ser iniciado, em hipótese alguma. Sendo que, evidentemente, para garantir a obediência a essas posturas, torna-se necessário um planejamento das ações de monitoração, gerenciamento e manejo, na base de técnicos e administradores honestos e preparados, sob a batuta de instituições públicas e assessores não-governamentais, esclarecidos e dignos de confiança. Sem o que, o aval da comunidade cientifica não pode será dado ao Projeto.

14. Manutenção da biodiversidade: a responsabilidade brasileira

Neste fim de século, nenhum país herdou tanta responsabilidade face à preservação do mundo vivo da Biosfera quanto o Brasil. É certo que a conservação da biodiversidade dos mares e oceanos é uma obrigação de todas as nações do mundo. Mas, a preservação dos grandes estoques de componentes bióticos — em condições integradas existentes nas terras emersas dotadas de climas quentes e úmidos, geradores de extensivas biodiversidades — tornou-se uma tarefa predominantemente brasileira.

Pessoas e grupos esclarecidos do mundo inteiro, interessados na grande missão de pensar o destino do planeta Terra, sentem-se muito à vontade para alertar e pressionar brasileiros e autoridades brasileiras para a elaboração de uma correta política de preservação das biodiversidades existentes em cada domínio da natureza no Brasil. Entendemos a preocupação e não discutimos a sinceridade das estratégias de preservação das biodiversidades tal como nos tem sido proposto. Entretanto, queremos reafirmar que, da Amazônia ao Rio Grande do Sul, a responsabilidade pela preservação será sempre nossa. A luta não é fácil: temos que lutar em diversas frentes, contra modelos e indivíduos insensíveis ao ecocídio, ao genocídio e ao etnocídio. E, até mesmo contra os detentores das verdades genéricas, porém impotentes para formular estratégias, somar forças ou se expor a debates públicos sérios e aprofundados. Na ânsia de forjar legislações, redigir plataformas, listar pequenas multas, fazer propaganda de projetos pontuais, ou simplesmente obter recursos para pesquisas em relação às quais não dispõe de competente massa crítica, instalou-se a balbúrdia generalizada, a despeito da abnegação e do espírito missionário de muitos. E tudo continua a acontecer, numa sincronia de difícil visualização, desde Roraima ao Sudoeste do Rio Grande do Sul, desde as praias e grandes cidades de Leste, até os pantanais do extremo Oeste. Campeia o imediatismo. Rotulam-se os planos dos vizinhos, de tecnocratas, enquanto se está de mãos vazias, em termos de planos e ações abrangentes. Enquanto se deixa acontecer, um pouco ou muito de tudo, no terreno das predações, poluição e queima de recursos naturais, ao longo de um território de dimensões continentais.

O balanço em relação às biodiversidades regionais é estarrecedor, não apenas pela somatória da devastação ao longo dos séculos, mas sobretudo pelo ritmo da destruição nos últimos trinta anos (1960-1990). As áreas mais predadas, por razões óbvias, situam-se no Brasil atlântico, por onde se iniciou o povoamento através dos principais ciclos agrários históricos e onde se desenvolveram as principais redes urbanas e, por muito tempo, se retirou lenha e carvão. Além do que, foram áreas que asilaram os principais parques e distritos industriais do país, incluindo tecnologias obsoletas e altamente agressivas para o meio ambiente: indústrias químicas e petroquímicas, indústrias de cimento, indústrias de defensivos agrícolas, refinarias de petróleo, termoelétricas, entre outras. Ainda que não se possa comparar as taxas de liberação de gás carbônico dessas indústrias quando comparadas com a somatória de emissões das áreas industriais do Primeiro Mundo.

Freidel (1977) condensou as questões básicas sobre as relações entre as plantas verdes e o ciclo do gás carbônico na atmosfera, incluindo considerações sobre o uso dos combustíveis fósseis e sua participação na liberação de CO2. Em uma determinada passagem de sua análise, o autor tece considerações cautelosas sobre o grande interesse dos programas de reflorestamento para evitar os riscos da "supercarboxilação".

O termo biodiversidade, apesar de implícito em todas as considerações sobre o mundo vivo que constitui o atributo máximo da originalidade do planeta Terra, foi introduzido muito recentemente na linguagem corrente dos ecologistas e ambientalistas. Poucos dicionários ou ensaios bibliográficos puderam incorporá-lo aos termos usuais das ciências da vida, até o fim da década de 80. Mesmo porque, a expressão alusiva à diversidade da vida existente em cada zona, domínio ou região da natureza terrestre, foi estabelecida e divulgada por ecologistas militantes, interessados na grande tarefa da preservação integrada dos grandes agrupamentos de vida silvestre, que resistiram às atividades predatórias seculares do homem. Expressões tais como biodiversidade, bancos de germoplasmas e bancos genéticos da natureza são de introdução recente, internalizando preocupações estratégicas relativas ao futuro do planeta. Pensar nas biodiversidades que existiam e, sobretudo, naquelas que sobreviveram, é uma obrigação permanente daqueles que refletem sobre o futuro do planeta Terra, a diferentes níveis de profundidade de tempos. Os economistas pensam nas tendências evolutivas dos cenários econômicos no nível de alguns anos ou em épocas de rupturas ocasionadas por mudanças de governantes ou interferência de fatores extrógenos, ligados a tempos relativamente curtos. Os ecologistas têm, no mínimo, preocupações mais dilatadas de tempo, pensando na permanência e equilíbrio do mundo biológico, a partir da escala de tempo dos últimos períodos geológicos, da flutuante climatologia e biogeografia dos tempos quaternários, que envolvem milhares ou dezenas de milhares de anos.

É verdade que os países do Primeiro Mundo pouco ou nada puderam fazer para preservar a biodiversidade de suas ecozonas ou domínios biogeográficos. Pelo contrário, nos últimos tempos da revolução industrial deixaram acontecer de tudo: eliminação da biodiversidade, poluição do ar, poluição dos litorais, poluição dos rios e águas costeiras, formação de maciços florestais homogêneos, agricultura baseada em uns poucos produtos de valor alimentício ou industrial, pecuária baseada em pouquíssimos animais domésticos. E, agora, muitas vozes tentam apelar para a clarividência das lideranças culturais do Terceiro Mundo, no sentido de preservar a exuberante biodiversidade dos Trópicos úmidos. Nada a opor aos estímulos ou pressões que venham de fora: a inteligência do problema tem que ser conduzida por nós próprios brasileiros, harmonizando antagonismos, dosando programas e encontrando soluções que nos permitam libertar dos grilhões das dívidas contraídas por terceiros em nome da sociedade brasileira. E, em circunstâncias que nos permitam realizar conquistas no campo da modernidade sem destruição das biodiversidades herdadas, ou queima concessiva dos recursos naturais básicos. Daí o apelo ao conhecimento dos tipos de espaços que compõem os países subdesenvolvidos de grande extensão territorial, visando encontrar propostas ecodesenvolvimentistas diferenciadas e viáveis, para cada região do país, no nível de seus atributos físicos e ecológicos, infra-estruturação regional, conjunturas socio-econômicas e ambientais, e exigências sociais básicas.

As ponderações de H. Friedel exigem algumas reflexões sobre as estratégias para se conseguir um razoável seqüestro do gás carbônico liberado para a atmosfera. A favor da implantação maciça de plantas verdes, de crescimento rápido, e da reintrodução de espécies nativas em áreas e faixas de espaços predados, onde sem qualquer retorno econômico ou prejuízo maior para atividades agrícolas ou de pecuária se possa reflorestar. Qualquer política bem conduzida de reflorestamento tem que levar em conta um conjunto de diretrizes para cada tipo de espaço do país para o qual ela se destina. E, mais do que isso, tem que prever o espaço de tempo para a implantação dos programas de florestamento/reflorestamento, a avaliação da continuidade administrativa, a força de exigência e perseverança das comunidades técnico-científicas e elites culturais envolvidas na política ambiental, no nível do planeta e da nação. Não há como se basear tão-somente na tecnologia silvicultural, nem tampouco minimizar os conhecimentos e técnicas acumuladas nos meios acadêmicos e empresariais. Há que colher espaços por múltiplos critérios de inclusão ou exclusão; conhecer o mosaico de solos e suas potencialidades e limitações para introdução e/ou reintrodução de espécies; avaliar e reavaliar as razões do sucesso ou insucesso de iniciativas de florestamento feitas no passado; produzir novos modelos para fazendas obrigatoriamente mistas, envolvendo talhões de florestas produtivas, espaços de preservação obrigatória em diferentes níveis e compartimentos da topografia; além de alguns subespaços para a manutenção de atividades tradicionais melhoradas no interior das glebas revitalizadas pela silvicultura. Não basta manter uma boa taxa de biodiversidade nos fundos e flancos baixos dos vales, reservando-se todas as vertentes e interflúvios para florestamentos extensivos à custa de espécies de crescimento rápido. A reconquista e reexpansão da biodiversidade deve ser um processo diferencial a ser conquistado em todos os tipos e tamanhos de gleba, por diferentes estratégias e procedimentos, sem que para tanto seja necessário reafeiçoar grandes espaços com florestas em detrimento de agroecossistemas ou de sistemas agrossilvopastoris, Esse é o dilema a ser resolvido em programas diferenciados e inteligentes de reflorestamento/florestamento, através de uma consciente avaliação das necessidades de melhoria das condições ambientais da Atmosfera, assim como dos espaços territoriais urbanos, rurais e silvestres de todos os países do mundo. As nações possuidoras de maior tamanho de espaços e disponibilidades de terra para múltiplo reflorestamento têm a obrigação histórica de engendrar e implantar políticas de proteção das biodiversidades remanescentes, ao mesmo tempo em que trabalham para o seqüestro do gás carbônico liberado pela somatória das ações poluidoras das indústrias, da queima de combustíveis fósseis e das grandes queimadas aplicadas criminosamente às florestas nativas de alguns poucos e privilegiados países, como é o caso do Brasil.

O Projeto FLORAM é um vasto e articulado programa, de amplitude nacional, para a melhoria do ambiente global; garantia da preservação das biodiversidades remanescentes; reimplantação de biodiversidade em áreas fortemente predadas; atenuação das pressões predatórias sobre a Amazônia; e implantação progressiva de florestas produtivas, sob taxas regionais limitadas, e sob modelos rurais revitalizantes e de abrangente interesse social. Através de sua preocupação com a revitalização social e econômica de espaços mais carentes, e de correta organização dos grandes espaços constituídos por planaltos interiores subutilizados, o Projeto poderá influir positivamente na conquista de novos cenários civilizatórios para o país.

15. Planos, estratégias e diretrizes para preservar biodiversidades regionais

Na elaboração do Projeto FLORAM, houve preocupações fundamentais, referentes à preservação das biodiversidades: 1. ao exemplo do fomento para florestas produtivas, induzir uma nova organização dos espaços internos das glebas, a fim de prever um razoável prosseguimento das atividades rurais tradicionais de cada região, preservar todos os fundos de vales e baixas vertentes, mas, sobretudo, incluindo refúgios de flora e fauna em uma ou mais áreas interfluviais; 2. em função desta mesma postura, contribuir para transformar os latifúndios de chapadões interiores em legítimas fazendas, econômica e socialmente vivas e rentáveis (independentemente da própria rentabilidade da madeira); 3. deixar em aberto a possibilidade de relocação de algumas unidades industriais — nos próximos dez anos — para locais dotados de uma certa centralidade (ou em áreas contíguas) às novas regiões de florestas produtivas, bem-sucedidas; fazer exigências especiais para o registro e controle dos setores intraglebas dotados da biodiversidade regional (em fundos de vales, vertentes ou interflúvios).

Os limites de taxas de ocupação intraglebas foram estabelecidos a fim de reservar pouco mais da metade do espaço total de cada gleba para o desenvolvimento de atividades rurais tradicionais (passíveis de serem melhoradas) e um bom espaço desse total para preservação de espaços naturais integrados, na forma de redutos obrigatórios de fauna e flora. Dentro dessas premissas, o cenário previsto para as futuras fazendas a serem estabelecidas em áreas de chapadões revestidos por cerrados — dotadas de baixa densidade hidrográfica — envolverá a presença de maciços florestais até o nível de 40 a 45% do espaço total da gleba, 25 a 30% para a preservação de ecossistemas peculiares da região (cerrados interfluviais e de vertentes, matas-galerias e veredas), e 25 a 30% de espaços para atividades agrícolas ou pastoris, em setores de jusante em relação à posição das cabeceiras de drenagem. Uma fazenda assim organizada, nos chapadões do noroeste de Minas Gerais, ou nos chapadões ocidentais da Bahia (Urucuia), ou regiões similares, terá sempre a oportunidade de ser rentável, produzir empregos e realizar um efetivo desenvolvimento regional. Existem pressupostos, de detalhe, tão importantes quanto a divisão interna dos espaços da gleba. Por exemplo, deve-se fazer todos os esforços possíveis para evitar a devastação das matas-galerias (Brasil Central) ou faixa diferenciada da vegetação de beira-rio (Amazônia). Entretanto, para tornar possível a chegada do gado até bebedouros naturais, espaçados entre si, há que adotar alternância de desmate, de espaço a espaço, em posição assimétrica, nas matas beiradeiras. Desta forma, através de um esquema de "baionetas" ou "virabrequins", aplicado aos desmates estritamente necessários, possibilita-se o acesso à água, evitando-se, porém desmatamentos excessivos e desnecessários. Algumas dessas proposições podem ser indicadas para o reflorestamento misto, mais contido e miniaturizado, em pequenas e médias propriedades de áreas excessivamente depredadas do Brasil Tropical Atlântico.

Nas estratégias organizadas para proteger as grandes áreas florestadas da Amazônia, o Projeto FLORAM prevê um esforço a médio prazo, para reflorestamentos igualmente híbridos, no cinturão das terras periamazônicas (norte de Mato Grosso, Rondônia, sul do Pará). Dadas as condições da entrada de energia solar na área e o quantum de precipitações anuais que regam ou espaços regionais, os programas de florestamento e reflorestamento encontram um grande auxilio da própria natureza para viabilizar os processos de introdução, reintrodução e reenriquecimento de espécies arbóreas.

As limitações ecológicas existentes na Amazônia para agricultura — de há muito sublinhada por cientistas os mais categorizados — incentivam-nos a preservá-la ao máximo da área possível e pelo maior espaço de tempo imaginável, independentemente de uma permanente busca e experimentação de estratégias ecodesenvolvimentistas. Tais condicionamentos acabam por fazer da Amazônia a maior e mais densa reserva de biodiversidade da face da Terra. A despeito de toda uma somatória recente de processos predatórios, 90% do continuum florestal amazônico permanece em razoável estágio de preservação. Uma imensa maioria de brasileiros conscientes defende a preservação da Amazônia e a adoção de padrões ecodesenvolvimentistas regionalizados para usufruto das populações regionais e integração econômica e social com o restante do país. Previsão de instalação e multiplicação de reservas extrativistas; cuidados inflexíveis para as reservas indígenas, desdobramento de unidades de preservação; busca de padrões agrossilviculturais; repúdio a qualquer atividade poluidora que afete a qualidade das águas com implicações negativas para a ichitiofauna; crítica permanente a represamento de rios no coração das selvas; contensão dos apetites irrefreáveis dos madeireiros. Dessa forma, se não houver nenhum acidente político de percurso, a Amazônia continuará sendo a grande reserva de biodiversidade no planeta. Uma imensa biodiversidade nas florestas de terra firme. Biodiversidades específicas nas planícies, envolvendo florestas beiradeiras, igapós, várzeas, campinas, campinaranas, campos submersíveis. E uma particularmente importante biodiversidade nas águas continentais, nos rios, igarapés, lagos de várzeas, lagos de terra firme e estuários regionais.

Na elaboração do Projeto FLORAM, houve preocupações fundamentais, referentes à preservação das biodiversidades...

Se, para a Amazônia, sobreexiste a possibilidade da preservação de uma extraordinária biomassa de ambientes tropicais, na área das antigas matas atlânticas, a situação é calamitosa. Por áreas imensas, perdeu-se biomassa por mais de 90% dos antigos espaços florestados; e, com isso, lá se foram as biodiversidades que marcavam áreas litorâneas, sublitorâneas e planálticas da região. Poucas pessoas podem avaliar o que foi a perda generalizada das biodivérsidades, ao longo do Brasil Tropical atlântico. As matas, ditas atlânticas, que se iniciavam no Rio Grande do Norte (fronteira com a Paraíba) e que se estendiam ininterruptamente até ao sul de Santa Catarina, com vastas penetrações nos planaltos serranos do Brasil de Sudeste, possuíam combinações de biodiversidades de Norte para Sul e das planícies e piemontes de serras e escarpas para os planaltos interiores. Incluíam variações de composição devido à sua extensão azonal, zonação altitudinal, e história vegetacional quaternária. Ate certo ponto, as variações de biodiversidade ao longo das matas atlânticas do Brasil podem ter sido presumivelmente maiores do que aquelas existentes ao longo de imensas terras baixas da Amazônia. A extensão e a intensidade da devastação respondem por imensa perda da diversidade biótica, envolvendo o desaparecimento sobretudo de espécies e combinações de espécies, a nível fitossociológico.

Face a essa destruição generalizada dos patrimônios genéticos das matas atlânticas, é possível impor condições legais para preservação integral de todos os pequenos remanescentes correspondentes a matas de fazendas, matas de escarpas tropicais e coberturas de maciços íngremes das regiões serranas do Leste e Sudeste do Brasil. No interior das fazendas do domínio tropical atlântico — desde a zona da mata nordestina até Santa Catarina —, os remanescentes de matas ou capoeirões são bem inferiores a 20%, fato que possibilita a aplicação de leis protetoras diretas e rígidas para uma definitiva preservação dos reduzidos remanescentes. Para tanto, bastaria a energia cultural e administrativa dos órgãos competentes, sob a batuta de pessoas esclarecidas e independentes. Ao que se somariam as diretrizes do Projeto FLORAM para a reintrodução de espécies e reafeiçoamento diferenciado da cobertura vegetal das propriedades rurais existentes no domínio dos morros.

Evidentemente, além de políticas especiais para a Amazônia e o Brasil Tropical Atlântico, todos os outros domínios de natureza do país solicitam posturas e diretrizes específicas para a preservação de bancos de germoplasma e mosaicos de ecossistemas em convivência natural.

Incluem-se, no caso, programas de proteção de amostras e combinações de ecossistemas peculiares no domínio dos cerrados, no domínio dos sertões secos, no domínio dos planaltos de araucárias, como também no domínio das pradarias mistas penetradas por florestas galerias do Rio Grande do Sul (estas últimas atingidas profundamente pela desmesurada e incontrolada expansão dos arrozais). Sem grande quebra da economicidade, o Projeto FLORAM inclui propostas adequadas para conter a biodiversidade característica de todas essas áreas, consideradas heranças fundamentais de nossos patrimônios bióticos.

16. Projeto FLORAM: visão perspectiva do desafio

Ao embrião do Projeto — que vem sendo desenvolvido no ambiente do Instituto de Estudos Avançados da USP por um eclético grupo de trabalho — devem se agregar contribuições progressivamente mais detalhadas, distribuídas por um leque de estudos técnicos e operacionais, considerados absolutamente indispensáveis. Caberá ao Grupo de Trabalho do IEA/USP fazer ou providenciar a elaboração de tais contribuições, centradas nas técnicas de: avaliação de riscos do Projeto, visto como um todo; organização de estratégias para, captação de recursos, em diferentes fontes, para viabilizar o Projeto; propostas para a institucionalização do Projeto; avaliação crítica do antigo sistema de subsídios para reflorestamento, tendo em vista as mudanças fundamentais na estrutura, composição de forças e funcionalidade do Projeto; previsão de impactos econômicos e avaliação das metas socio-econômicas; prognósticos dos cenários a serem obtidos nas diferentes glebas selecionadas; estudo dos pontos ou núcleos de difusão, considerados estratégicos para a implantação progressiva do Projeto, em diferentes áreas; e, por fim, delineamento da organização de um sistema confiável e dinâmico de sensoreamento remoto vinculado à monitoração e ao gerenciamento espacial das florestas em implantação. Bastaria a listagem dos estudos, que, obrigatoriamente, deverão ser elaborados, para se ter uma idéia de quanto ainda será necessário realizar e, sobretudo, da diversidade dos estudos e pesquisas multidisciplinares que deverão ser feitos em regime de urgência. Ao ensejo da realização dos diferentes estudos e pesquisas, pretende-se, no ambiente do IEA/USP, possibilitar o acesso a todos os documentos técnicos e científicos sobre reflorestamento no Brasil e na América Latina, para fins de consulta permanente aberta a todos os interessados. Serão de igual importância, nesse sentido, os documentos monográficos e planos técnicos, quanto às documentação cartográfica e de sensores remotos, assim como os estudos feitos para a recomposição florestal de áreas críticas, tais como o caso de Cubatão.

Temos consciência de que nem todas as áreas selecionadas no Plano de Reflorestamento — elaborado no Instituto de Estudos Avançados da USP, por um grupo de especialistas — são conhecidas por todos os grupos de empresários, ambientalistas e políticos. Dessa forma, em face da grandiosidade e dilatação dos espaços envolvidos, haverá muita deficiência de informação e compreensão. Ocorrerão certamente avaliações reducionistas ou indagações simplórias. Muita repetição da clássica pergunta: "mas terá que ser sempre um reflorestamento com essências nativas da região?". Será difícil tornar a explicar que para as áreas que não possuíam verdadeiras florestas, como aquelas dos cerrados, ou das pradarias mistas do Extremo Sul, o reflorestamento é apenas uma grande empreitada de "florestamento" de espaços abertos, à custa de espécies alienígenas, fortemente adaptáveis às condições climáticas e ecológicas regionais.

Nunca será fácil responder convincentemente às questões da preferência dos clientes das classes mais abastadas: "Se eu posso comprar uma porta de mogno ou cerejeira, como vou dar preferência para uma esquadria de pinho ou eucalipto?" Um dia, a difusão dos conhecimentos sobre o tratamento de madeiras menos nobres certamente possibilitará respostas. O aumento da consciência sobre a necessidade de preservação da biosfera também poderá ser um argumento para minorar o uso abusivo de madeiras de lei. E, por último, o aprimoramento da exploração auto-sustentada poderá contribuir para a solução dessa dolorosa e pragmática interrogação.

Ou, mais difícil ainda será ter a tranqüilidade suficiente para argumentar que, para garantir uma compensação para a grande liberação de Carbono havida para a Atmosfera, algum país privilegiado em espaços improdutivos deva ampliar biomassas florestais, em volume e área suficientes para minimizar os efeitos negativos provocados por queimadas, desmatamentos inconseqüentes e processos industriais agressivos. Caberá, aliás, ao Brasil — caso se adote um plano maciço de reflorestamento — rever a pressão crítica dos países do Primeiro Mundo, forçando-os a participar de um esforço coletivo de atenuação dos processos agressivos que ameaçam a sobrevivência da Biosfera.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 1990
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