COMENTÁRIOS CRÍTICOS
Projeto FLORAM: comentários e sugestões
Franco Levi
Professor do Instituto de Geociências da USP
Os esforços da equipe que integra o grupo de pesquisadores que elabora o projeto Floram merecem todos os elogios. O trabalho mostra uma multidisciplinaridade pioneira, eticamente recomendável por envolver aspectos de atualidade consensuais. Nesta fase, porém, talvez possam ser introduzidas modificações que garantam melhor a exeqüibilidade e futuros detalhamentos. Peço, portanto, ao leitor um desconto por eventual veemência das críticas que não devem diminuir os méritos inquestionáveis do projeto.
Existe uma relação muito complexa entre a diversidade biológica, cultural e fisiográfica de uma (re)floresta e sua fragilidade. São aspectos que dependem da articulação entre vínculos externos e internos de um sistema, relacionados com a dinâmica dos sistemas abertos e que fazem com que referenciais diversos, além do teor de CO2,se tornem decisivos. A idéia da volta ao passado com teores iguais aos do passado ou bem menores não tem apoio termodinâmico num contexto de geoquímica histórica, porque as distribuições no espaço e no tempo das diversidades biológicas são função do espaço, do tempo, dos reservatórios e dos fluxos do ciclo material terrestre. Estas variáveis, no seu conjunto, determinam os patrimônios ambientais a serem preservados, a nível genético, bioquímico fisiográfico e outros.
As mais diversas questões de valor não podem ser simplesmente postas de lado por não estarem cotadas no "mercado", nem agora nem no futuro próximo. Elas configuram substratos cujo significado é crescente em relação aquilo que a "cidadania terrestre "precisa elaborar.
Coadaptações de diversidades étnicas e biológicas devem ser de algum modo consideradas nos contextos de tecnologias perante a floresta, não uma relação homem-natureza onde o homem é suposto um referencial "não-primitivo" dotado de "racionalidade unívoca", fora da natureza.
Turismo não predatório e outras questões de diversidade "animal" devem ser cogitadas numa visão fitossociológica mais ampla e completa possível.
O significado fractal da fragilização das bordas deve ser explorado mais a fundo. É, aliás, um dos fatores que torna um falso dilema a contínua discussão sobre a porcentagem de floresta destruída, isolando um período dos contextos mais amplos, diluindo o significado de monitoramentos precisos em períodos maiores, referidos meramente a superfícies tidas como quase homogêneas.
O crescimento do teor de CO2 deve ser também considerado perante possibilidades futuras de fotossíntese industrial. Aspectos globais devem entrar também em consideração na discussão "objetiva" da vocação de cada área. O rótulo de improdutiva sempre pode ser contestado.
Uma maximização de biomassa deve ser cotejada com alternativas mais qualitativas, semelhantemente ao que ocorre por isolar o CO2 como variável. Qualidade de vida e sobrevivência exigem referenciais maiores que incluam todos os tipos de diversidades, mesmo as culturais e étnicas em alguma medida, mesmo que não possam constar de balanços anuais. Tanto ritmos bioquímicos velozes como ritmos lentos de reestruturação pedológica e ecológica, e da paisagem como um todo, devem ser confrontados com a escala de atuação humana perante conceitos de homeostasia e a projeção de produtividades biotecnologicamente articuladas com os fluxos do ciclo geoquímico. Evitaríamos, assim, a linearização dos impactos locais, tornando-os não-integráveis, e diluindo também a idéia de recuperações no tempo histórico. Em princípio, uma articulação entre extinções e especiações precisaria ser articulada.
Concluindo: algumas reformulações conceituais são necessárias para tornar o projeto mais consistente e "vendável". Convém lembrar, da agricultura, os exemplos de sementes muito produtivas mas frágeis perante pragas, associadas e pesticidas e adubações onerosas que podem facilmente errar os alvos antes das colheitas.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Ago 1990