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HUMANIDADES
Artes Cênicas
Sábato Magaldi
Se a origem espúria, em tempos de ditadura, apesar da orientação democrática de seus primeiros dirigentes, prejudicou a imagem inicial da antiga Escola de Comunicações Culturais, hoje Escola de Comunicações e Artes, é certo que ela se acha integrada agora no melhor espírito universitário.
No campo específico das artes cênicas, não será tolo ufanismo reconhecer que a ECA, por ter incorporado também a Escola de Arte Dramática de São Paulo como instituto anexo, tornou-se o maior celeiro de valores artísticos e o centro irradiador de cultura teatral para o país. E sua ação se estende da área do desempenho à da montagem, da crítica e da dramaturgia ao teatro aplicado à educação, numa abrangência que procura cobrir os mais variados domínios.
Pode-se entender que o ensino do atual Departamento de Artes Cênicas logo se estruturou porque absorveu a experiência da EAD, fundada em 1948 por Alfredo Mesquita. Ali já existia o modelo de uma completa escola de teatro, cujos frutos são por demais conhecidos. Mal criada a EAD, Alfredo Mesquita foi o primeiro professor recrutado para colaborar com ela. E em seguida outros professores da EAD começaram a figurar em seus quadros. Formou-se, assim, um núcleo homogêneo, que só se ampliou, no correr dos anos. A passagem para a USP criou condições profissionais para o exercício do magistério, impossíveis de manter-se às expensas apenas de seu fundador.
De início, a Escola de Arte Dramática monopolizava o curso de formação do ator, por causa mesmo da legislação, que o enquadra no nível médio (já o bacharelado em artes cênicas inclui a interpretação entre as suas habilitações). Mas, considerando que o texto, a direção, a cenografia e a indumentária são filtrados pela presença física do ator, parece absurdo que ele permaneça no nível médio, ao passo que tudo que o rodeia pertence ao nível superior. Por isso, e pelo currículo do bacharelado, o Departamento de Artes Cênicas também forma atores, que ademais se prestam aos exercícios necessários à prática total do teatro.
Encontram-se atores preparados na EAD e no Departamento de Artes Cênicas em numerosos elencos, na televisão e no cinema, atestando a eficácia dos cursos. E, em pouco mais de duas décadas de formatura, a ECA já lançou no mercado de trabalho encenadores de prestígio como José Possi Neto, Caca Rosset, Francisco Medeiros, Gabriel Villela, William Pereira, Antônio Araújo, entre outros.
A crítica teatral foi, durante muitas gerações, território de autodidatas. Com a criação de cursos especializados, que disciplinam o conhecimento histórico, fica muito difícil enfrentar o trabalho jornalístico sem um sólido preparo teórico. O crítico precisa mover-se nos mais variados temas, sob pena de não ter reconhecida a autoridade. Dos bancos da EAD e da ECA já saíram críticos e ensaístas como Alberto Guzik, Ilka Marinho Zanotto, Mariângela Alves de Lima, Edélcio Mostaço, Maria Lúcia Pereira, Jefferson Del Rios, George Moura, Sérgio Carvalho, Nanei Fernandes, Maria Thereza Vargas e Antônio Mercado, por exemplo. E a lista seria mais ampla, se não fosse tão precária a profissionalização na imprensa.
Entre os dramaturgos formados pelas duas escolas, citam-se, entre outros, Jorge Andrade, Lauro César Muniz, Renata Pallotini, Jandira Martini, Noemi Marinho, Marcos Lazarini e Bosco Brasil. E vários deles impuseram-se depois que os rumos do palco dificultaram muito, de novo, o aproveitamento do texto brasileiro.
O Departamento de Artes Cênicas deu ênfase a uma disciplina que só recentemente se vem expandindo: o teatro aplicado à educação. Não apenas esse ramo constrói suas bases teóricas, mas os colégios admitem profissionais especializados, que prestam inestimável contribuição ao ensino.
Os cursos de pós-graduação em Artes Cênicas adquiriram, muito antes do que seria normal esperar, uma importância fundamental. Em primeiro lugar, estão proporcionando a titulação dos próprios professores do Departamento, o que os integra na carreira universitária. Depois, estendem esse benefício aos docentes de outras universidades de São Paulo e aos de cursos espalhados pelo Brasil inteiro. Eles têm fornecido o mestrado e o doutorado a pós-graduandos do Maranhão, de Pernambuco, da Paraíba, de Minas Gerais, do Paraná, do Mato Grosso, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, comprovando, também nessa esfera do conhecimento, o poder multiplicador da Universidade de São Paulo.
Não há hoje, no país, no campo do teatro, pesquisa mais ativa do que a desenvolvida nos cursos de pós-graduação da ECA. Deixando de lado o trabalho dos professores, para só mencionar o que resultou em livros de ex-alunos, citam-se: Diálogos sobre teatro (organização); Oficina: do teatro do te-ato e Uma oficina de atores a Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita, de Armando Sergio da Silva; Natureza e sentido da improvisação teatral, de Sandra Chacra; Um vôo brechtiano (organização), Jogos teatrais e Brecht: um jogo de aprendizagem, de Ingrid Dormien Koudela; Qorpo santo: surrealismo ou absurdo? e O teatro simbolista no Brasil, de Eudinyr Fraga; Performance como linguagem, de Renato Cohen; Kyogen o teatro cômico do Japão, de Sakae Murakami Giroux; No reino da desigualdade, de Maria Lúcia de Souza B. Pupo; TBC: crônica de um sonho, de Alberto Guzik; Semiolqgia do teatro, organização de J. Guinsburg, J. Teixeira Coelho Netto e Reni Chaves Cardoso; Teatro da militância, de Silvana Garcia; Um teatro da mulher, de Elza Cunha de Vincenzo; Os teatros bunraku e kabuki: uma visada barroca, de Darci Kusano; A expressão dramática do homem político em Shakespeare, de Bárbara Heliodora; Um ato de resistência o teatro de Oduvaldo Vianna Filho, de Carmelinda Guimarães; O teatro de repista no Brasil drama-turgia e convenções, de Neyde Veneziano; TAP sua cena e sua sombra (no prelo), de Antônio Cadengue; Teatro em Mato Grosso, de Alcides Moura Lott; Teatro de formas animadas e Teatro de bonecos no Brasil (no prelo), de Ana Maria Amaral; Introdução à dramaturgia, de Renata Pallottini; A aprendizagem do ator, de Antônio Januzelli, Janô; História e formação do ator e O que é o ator, de Ênio Carvalho; O jazz como espetáculo, de Carlos Calado; e Teatro com meninos de rua (no prelo), de Márcia Pompeo Nogueira. Não se comparam, nessa relação, as numerosas dissertações de mestrado e teses de doutoramento que ainda continuam inéditas, embora passíveis de consulta em bibliotecas, e as incontáveis publicações em revistas.
Basta um exame dos títulos para se ver que a pós-graduação em Artes Cênicas da ECA tem proporcionado verdadeiro mapeamento da atividade teatral no Brasil, além de aspectos fundamentais da História do Teatro no mundo e de questões teóricas relevantes, incluindo a pedagógica.
A leitura desses dados permite até conjecturar que o ensino do teatro, na ECA, está próximo da perfeição. Longe disso, todos têm consciência de seus problemas, a começar pela falta de uma verdadeira sala de espetáculos, instrumento obrigatório em qualquer escola que se preze. Locais improvisados servem de arremedo ao que deveriam ser condições técnicas satisfatórias, para o pleno aprendizado. Não se compreende que administrações sucessivas tenham empacado, até o momento, nessa exigência básica.
As outras deficiências dizem respeito à própria estrutura universitária, cada vez mais burocratizada e que não conseguiu resolver a incompatibilidade entre o ensino e a pesquisa e a pesada carga de reuniões, relatórios e papéis inúteis. Continuando a desagradável pressão que existe sobre o professor, não demorará muito para que ele emende a presença em colegiados e fique sem tempo para dar aulas, quanto mais para fazer pesquisas. E os baixos salários desestimulam a dedicação exclusiva.
Somadas as várias circunstâncias negativas, é quase um milagre que seja tão expressiva a produção da ECA no terreno das artes cênicas, da mesma forma que é milagrosa a sobrevivência da maioria dos assalariados no Brasil.
Sábato Magaldi é professor da Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Nov 2005 -
Data do Fascículo
Dez 1994